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FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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Negra era então enviada para a linha <strong>de</strong> frente para sustentar os combates 25 , e, assim, essa se<br />

<strong>de</strong>stacava por ass<strong>um</strong>ir as responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuar nas regiões mais perigosas.<br />

Pensei no soldado da frente. O soldado da frente, aquêle (sic) que não tem<br />

nome e, pela eterna contradição das coisas, dá sempre muito mais do que os<br />

que têm, geralmente é tão bravo no fogo, como tímido na retaguarda. Que não<br />

sofrem êsses (sic) pobres heróis na frente, para <strong>de</strong>pois serem pagos com o<br />

<strong>de</strong>sprêzo (sic) da retaguarda! A linha <strong>de</strong> frente é o ventríloquo da retaguarda.<br />

O ventríloquo dá voz ao boneco bem vestido e o boneco bem vestido recebe<br />

aos aplausos da assistência... (DUARTE, 1947, p. 168)<br />

Por mais que o autor não tenha se referido estritamente aos negros como soldados da<br />

frente, percebe-se em seu comentário a diferenciação <strong>de</strong> posições e tratamentos <strong>de</strong>vido ao<br />

status social dos combatentes. Em Palmares pelo avesso, Paulo Duarte comenta ter<br />

testemunhado ações <strong>de</strong> bravura <strong>de</strong> <strong>um</strong> homem negro e parece prever o que aconteceria com os<br />

pobres soldados da frente após o final do conflito. Aos negros, em específico, foram <strong>de</strong>dicadas<br />

alg<strong>um</strong>as homenagens como gesto <strong>de</strong> gratidão pelo auxílio prestado. Contudo não foram<br />

inclusos nos registros históricos, sendo <strong>um</strong>a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que os “aplausos” não seriam<br />

voltados a eles.<br />

Ao fim da guerra, muitos <strong>de</strong>les viram-se <strong>de</strong>solados, não só pela <strong>de</strong>rrota do movimento,<br />

mas por per<strong>de</strong>rem a assistência social prestada pelas elites, que era a forma <strong>de</strong> sustento <strong>de</strong><br />

suas famílias 26 . Por isso, Petrônio Domingues (2003, p. 215) afirma que para os negros a<br />

guerra paulista não tinha apenas <strong>um</strong> sentido i<strong>de</strong>ológico, mas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar das<br />

benesses vindas das frentes assistenciais, n<strong>um</strong> período em que o <strong>de</strong>semprego assolava lares e<br />

famílias paulistas (sobretudo, entre negros).<br />

De fato, a concentração da pobreza entre negros fixou <strong>um</strong>a imagem que relaciona<br />

negros ao pauperismo, o que aparece nítido em cartaz <strong>de</strong> propaganda <strong>constitucionalista</strong>,<br />

<strong>de</strong>monstrando a percepção da época sobre a forma <strong>de</strong> estruturação social dos paulistas.<br />

25 Não há nada <strong>de</strong>clarado oficialmente sobre <strong>um</strong>a estratégia <strong>de</strong> chacina da população negra, mas várias<br />

evidências <strong>de</strong>monstram que os negros eram usados como “buchas <strong>de</strong> canhão” (GUIMARÃES, 2003).<br />

26 Domingues (2003), em seu estudo sobre a Legião Negra, revela que muitos negros se alistaram na causa<br />

<strong>constitucionalista</strong> simplesmente porque viviam em condições <strong>de</strong>gradantes e durante a guerra tinham assistência<br />

médica, odontológica e apoio financeiro a suas famílias.<br />

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