FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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Na fase militar, o movimento foi intitulado de “Revolução Constitucionalista”. Aparentemente, as ambições foram reduzidas. No entanto, o que aconteceu foi a representação da Constituição como a “panacéia de todos os males” (BORGES, 2002, p. 9) 19 . Os paulistas esperavam que a Assembleia Constituinte consagrasse os princípios liberais e garantisse a autonomia do estado, tanto em aspectos políticos como econômicos. Os jornais publicavam também mensagens de políticos e associações de classes (como Ordem dos Advogados, Sociedade de Medicina, Instituto de Engenharia) que pediam a volta ao regime constitucional. O compromisso destas associações provocava mais do que ações individuais e isoladas, pois favoreceram uma concentração imediata e representativa. Os diversos setores políticos e sociais anuíram em congregar seus esforços pela reivindicação da constitucionalização do país, que se transformou na principal motivação da luta contra Vargas. Em torno dessa forte bandeira, mobilizava-se a população e justificava-se que, embora a luta estivesse sendo empreitada por São Paulo, tinha como ideal o bem nacional. Os paulistas alegavam que sem a lei sagrada o país não era livre e nada que a ditadura já tivera feito ou viesse a fazer indenizaria a perda da liberdade. A falta das garantias constitucionais era vista como empecilho também para resolver as dificuldades econômicas e financeiras que assolavam o país, os governos e os cidadãos. A nova Constituição, aos moldes democráticos e liberais, limitaria os avanços da ditadura Varguista, garantiria a segurança do patrimônio e representaria a salvação do país. Os democratas lembravam que a revolução de 1930 só se tornou vitoriosa devido a sua orientação liberal. Contudo, o Governo Provisório não atendeu à vontade que o povo já manifestava. A conduta da ditadura era o oposto do que havia pregado na campanha liberal, por isso, não bastou que Getúlio Vargas marcasse a data das eleições da Assembleia Constituinte (que seria realizada ainda com delonga). O Governo desagradava os paulistas e despertava desconfiança de que palavra dada seria descumprida. A insatisfação popular era alimentada pela crescente propaganda contra o governo. Os constitucionalistas apegaram-se à necessidade imediata de ordenação constitucional, temendo o risco iminente da desmobilização, decorrente dos prazos impostos pelo governo. Iniciada a luta, Arthur Bernardes publicou em O Estado de São Paulo: “Convencido estou de que […] a falta de Constituição tem sido e será o mais importante fator de agravação 19 Informação fornecida por Vavy Pacheco Borges em palestra proferida no Arquivo Histórico do Departamento de Música do Estado de São Paulo – CMU - USP, no dia 04/07/2002, durante a Exposição “Testemunhos de 32”, transcrito por Rogério Luís Giampietro Bonfá, disponível em: Acesso em: setembro de 2008. 36

da crise e da sua longa duração. Vivêssemos já sob o regime constitucional e não estaríamos assistindo o espetáculo da guerra civil” (PEREIRA, 1982, p. 478). 1.5 A pátria bandeirante: entre o passado e o presente Tratar da identidade constitucionalista é identificar um “ser paulista” que se refere não apenas ao paulista de nascimento, mas todos que congregariam de um “espírito paulista”. A guerra civil ficou na história como uma questão paulista e o isolamento a que o estado foi subjugado durante o conflito exacerbou ainda mais as percepções nesse sentido. Para que o movimento ganhasse expressividade e agregasse o maior número possível de militantes e simpatizantes, tornou-se estratégico o uso de propagandas que divulgavam a autoimagem do grupo constitucionalista vinculada à exaltação e reafirmação da identidade deste “ser paulista”, entrecruzava-se, assim, as duas identidades. O velho bandeirante construtor da nacionalidade teria agora que defendê-la, empunhando a constituição como arma. Os historiadores, sobretudo da revista do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo (IHGSP), como Afonso de Taunay e Alfredo Ellis Jr., atribuíram aos paulistas o papel de construtores da nacionalidade. Aos intelectuais e, sobretudo, à imprensa coube o papel de exaltar a superioridade desse povo diante do novo desafio, a luta pelo retorno da norma constitucional. Segundo Peter Burke (2000), cada sociedade, assim como os indivíduos, seleciona os acontecimentos e valores a serem retidos na memória e depois determina também a maneira com que devem ser rememorados. Essa observação se aplica à experiência paulista, pois a construção da identidade do movimento de 1932 perpassou pela adaptação dos valores e da história paulista aos princípios constitucionalistas. Nesse sentido, os feitos e as personagens do passado são rememorados e outras vezes também ressignificados no trabalho de construção de uma imagem do Estado de São Paulo personificado como sujeito coletivo, civilizador e promotor do progresso nacional. Busca-se também promover a coesão de diversos grupos sociais e étnicos, resgatando a importância destes nos cenários das mudanças regionais, formando uma aparente homogeneidade firmada na identidade una do “ser paulista”. Danilo Zioni Ferretti e Maria Helena Capelato (1999) afirmam que, desde o final do século XVIII, a elite paulista esforçava-se por formar a identidade de São Paulo como a vanguarda da nacionalidade. Segundo os autores, a partir de 1870, a elite cafeicultora, marcada pela orientação republicana e liberal descentralizadora, empenhou-se em representar 37

Na fase militar, o movimento foi intitulado <strong>de</strong> “Revolução Constitucionalista”.<br />

Aparentemente, as ambições foram reduzidas. No entanto, o que aconteceu foi a<br />

representação da Constituição como a “panacéia <strong>de</strong> todos os males” (BORGES, 2002, p. 9) 19 .<br />

Os paulistas esperavam que a Assembleia Constituinte consagrasse os princípios liberais e<br />

garantisse a autonomia do estado, tanto em aspectos políticos como econômicos.<br />

Os jornais publicavam também mensagens <strong>de</strong> políticos e associações <strong>de</strong> classes (como<br />

Or<strong>de</strong>m dos Advogados, Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, Instituto <strong>de</strong> Engenharia) que pediam a volta<br />

ao regime constitucional. O compromisso <strong>de</strong>stas associações provocava mais do que ações<br />

individuais e isoladas, pois favoreceram <strong>um</strong>a concentração imediata e representativa.<br />

Os diversos setores políticos e sociais anuíram em congregar seus esforços pela<br />

reivindicação da constitucionalização do país, que se transformou na principal motivação da<br />

luta contra Vargas. Em torno <strong>de</strong>ssa forte ban<strong>de</strong>ira, mobilizava-se a população e justificava-se<br />

que, embora a luta estivesse sendo empreitada por São Paulo, tinha como i<strong>de</strong>al o bem<br />

nacional.<br />

Os paulistas alegavam que sem a lei sagrada o país não era livre e nada que a ditadura<br />

já tivera feito ou viesse a fazer in<strong>de</strong>nizaria a perda da liberda<strong>de</strong>. A falta das garantias<br />

constitucionais era vista como empecilho também para resolver as dificulda<strong>de</strong>s econômicas e<br />

financeiras que assolavam o país, os governos e os cidadãos. A nova Constituição, aos mol<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticos e liberais, limitaria os avanços da ditadura Varguista, garantiria a segurança do<br />

patrimônio e representaria a salvação do país.<br />

Os <strong>de</strong>mocratas lembravam que a revolução <strong>de</strong> 1930 só se tornou vitoriosa <strong>de</strong>vido a sua<br />

orientação liberal. Contudo, o Governo Provisório não aten<strong>de</strong>u à vonta<strong>de</strong> que o povo já<br />

manifestava. A conduta da ditadura era o oposto do que havia pregado na campanha liberal,<br />

por isso, não bastou que Getúlio Vargas marcasse a data das eleições da Assembleia<br />

Constituinte (que seria realizada ainda com <strong>de</strong>longa). O Governo <strong>de</strong>sagradava os paulistas e<br />

<strong>de</strong>spertava <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> que palavra dada seria <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>prida. A insatisfação popular era<br />

alimentada pela crescente propaganda contra o governo. Os <strong>constitucionalista</strong>s apegaram-se à<br />

necessida<strong>de</strong> imediata <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação constitucional, temendo o risco iminente da<br />

<strong>de</strong>smobilização, <strong>de</strong>corrente dos prazos impostos pelo governo.<br />

Iniciada a luta, Arthur Bernar<strong>de</strong>s publicou em O Estado <strong>de</strong> São Paulo: “Convencido<br />

estou <strong>de</strong> que […] a falta <strong>de</strong> Constituição tem sido e será o mais importante fator <strong>de</strong> agravação<br />

19 Informação fornecida por Vavy Pacheco Borges em palestra proferida no Arquivo Histórico do Departamento<br />

<strong>de</strong> Música do Estado <strong>de</strong> São Paulo – CMU - USP, no dia 04/07/2002, durante a Exposição “Testemunhos <strong>de</strong> 32”,<br />

transcrito por Rogério Luís Giampietro Bonfá, disponível em:<br />

Acesso em: setembro <strong>de</strong> 2008.<br />

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