12.04.2013 Views

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Vargas, que faz com que o constitucionalismo represente em torno <strong>de</strong>sse ponto com<strong>um</strong> <strong>um</strong>a<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferenças, que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coesão. Contudo, a trajetória <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>ssa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não se encerra com a resolução das querelas internas – que são apregoadas no ódio<br />

com<strong>um</strong> ao governo fe<strong>de</strong>ral. Transpõem-se ao passo <strong>de</strong> provar-se diante do outro.<br />

O pensamento <strong>de</strong> Hegel (1992) atenta para o fato <strong>de</strong> que nunca se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a<br />

dimensão do “outro”, pois a “consciência-<strong>de</strong>-si 14 ” só se satisfaz perante o reconhecimento<br />

<strong>de</strong>le. Sendo assim, no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, colocar-se na posição <strong>de</strong><br />

alterida<strong>de</strong> significa não só diferenciar-se do “outro”, mas fazer com que esse reconheça a<br />

distinção 15 .<br />

Consi<strong>de</strong>rando a historiografia e as narrativas memorialistas sobre o movimento<br />

<strong>constitucionalista</strong>, o reconhecimento necessário do “outro” torna-se <strong>um</strong> problema diante da<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse processo, vez que o discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da pátria, da liberda<strong>de</strong> e também<br />

da revolução <strong>de</strong> 1930 aparece entre os dois grupos: governista e oposicionista.<br />

Charles Taylor (2000) afirma que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> crucialmente das<br />

relações dialógicas com os outros, pois esta não é produzida no isolamento e se altera<br />

dialeticamente: a cada vez que se tem contato com este “outro”, ocorre o retorno a si,<br />

ressaltando que nesse retorno as certezas sobre si e sobre o outro são diferentes das que<br />

existiam no início. Ou seja, a visão exterior que existe <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado grupo também é<br />

<strong>um</strong> elemento que compõe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste. É nesse sentido que se compreen<strong>de</strong> as<br />

reformulações da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>constitucionalista</strong>, pois vivenciava-se <strong>um</strong> ambiente político em<br />

que as provocações e acusações eram constantes. Os paulistas tiveram que construir sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> também para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem-se das acusações feitas pelos governistas <strong>de</strong> que o<br />

movimento era separatista e contra-revolucionário.<br />

O que se constata é a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento recíproco entre varguistas e<br />

<strong>constitucionalista</strong>s, em que cada grupo apresenta <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong>preciativa do outro. O que<br />

prevalece é <strong>um</strong> jogo <strong>de</strong> forças arg<strong>um</strong>entativas a fim <strong>de</strong> agregar aliados. Posteriormente, as<br />

versões se confrontam com o objetivo <strong>de</strong> consagrar a memória do grupo na história nacional.<br />

14 Segundo a fenomenologia hegeliana, a passagem na consciência para a consciência-<strong>de</strong>-si opera-se diante das<br />

experiências, segundo as quais a consciência toma conhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> objeto que correspon<strong>de</strong> a ela mesma, ou<br />

seja, <strong>um</strong>a autoconsciência. Essa experiência torna-se ainda mais complexa quando se percebe a relação do<br />

sujeito com o mundo, pois o saber sobre si é continuamente colocado à prova a cada nova situação.<br />

15 Sabe-se que, no processo <strong>de</strong> construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a imagem que se tem <strong>de</strong> si é elaborada com relação ao<br />

que tem <strong>de</strong> particular, sendo assim, ao que tem <strong>de</strong> diferente, que é percebido na dimensão do que chamamos <strong>de</strong><br />

“outro”. A tradição hegeliana afirma a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a consciência-<strong>de</strong>-si se reconheça em si e pelo outro,<br />

assim, que não seja reconhecida a diferença por apenas <strong>um</strong>a das partes. Ou seja, para que o movimento <strong>de</strong> 1932<br />

seja reconhecido como <strong>constitucionalista</strong>, não basta que os paulistas assim se expressem, mas é necessário que<br />

os ditatoriais também vejam o grupo como atuantes em prol da Constituição.<br />

27

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!