FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

pos.historia.historia.ufg.br
from pos.historia.historia.ufg.br More from this publisher
12.04.2013 Views

A partir de então, a História ampliou temas, objetos e métodos de abordagem. Assim, os historiadores passaram a lançar um olhar diferenciado sobre as fontes de pesquisa, valorizando o homem comum e o espaço da privacidade. Voltou-se para os escritos elaborados ao sabor da lembrança, resgatando sentimentos, dúvidas e expectativas. É dado voz a vivências do indivíduo diretamente relacionadas aos fatos, antes rejeitados por uma historiografia antinarrrativista. Os constitucionalistas, derrotados em 1932, assumiram o imperativo de preservar a memória paulista. Entretanto, o sentimento de derrota se contrapunha a auto-imagem do bandeirante, símbolo da paulistanidade. Afirmar a justeza da guerra contra a ditadura também significava reforçar a imagem heroica dos paulistas. A derrota não é facilmente “interiorizada” pelo grupo vencido, a explicação é de outra ordem: não se trata de apresentar argumentos movidos por uma razão distante; ao contrário, o que se pretende é revolver o terreno minado da derrota em busca da heroicidade que se encontra na tragédia da guerra. Para quem vivenciou a guerra só os fatores bélicos (que considere as táticas, estratégias e desvantagens numéricas) não fornecem argumentos suficientes para a explicação da derrota. A memória do conflito dá lugar à subjetividade. Os ressentimentos marcam o olhar sobre os fatos: é preciso falar das expectativas frustradas, dos afetos e das inseguranças futuras. Nesse sentido, concorda-se que: O historiador do lado do vencedor facilmente se inclina a interpretar o sucesso de curto prazo em termos de uma teleologia ex post do longo prazo. Isso não acontece com os derrotados. Sua experiência básica é que tudo aconteceu diferente do esperado ou planejado (...). Eles têm uma necessidade maior de explicar por que outra coisa ocorreu e não aquilo que achavam que aconteceria. Isso pode estimular a busca de causas de médio e longo prazo que expliquem a (...) surpresa (...) gerando percepções mais duradouras e, conseqüentemente, de maior poder explicativo. No curto prazo, a história pode ser feita pelos vencedores. No longo prazo, os ganhos em compreensão históricos têm advindo dos derrotados (KOSELLECK apud HOBSBAWN, 1998, p. 255). Quando a História se interessa pela versão dos derrotados e subalternizados, a reconstrução do passado não é mais homogênea, pois se passa a trabalhar com a variedade de representações construídas pelos próprios atores políticos. Nesse sentido se destaca o trabalho memorialístico de Paulo Duarte. Palmares pelo Avesso, cujo tempo de escrita é praticamente contemporâneo aos fatos, é comumente classificada como crônica pelas livrarias e bibliotecas. cultural. O próprio conceito de cultura estava sendo revisado, desvinculando-se das hierarquias do discurso ocidental, para alargar em direção a novas dimensões voltadas para o sujeito e o popular em seu ambiente sóciocultural. Assim, a História voltava-se não apenas para as elites, mas efetivamente para os atores sociais. 12

Margarida de Souza Neves (1992, p. 82) define que a crônica é “portadora por excelência de um 'espírito do tempo' por suas características formais como por seu conteúdo […], pelos aspectos aparentemente causais do cotidiano, que registra e reconstrói, como pela complexa trama de tensões e relações sociais que através dela é possível perceber”. O cronista reúne elementos jornalísticos e literários na produção de textos que traduzem ao leitor a sua visão de mundo. Segundo Davi Arrigucci Junior (1987), a crônica é um “relato em permanente relação com o tempo, de onde tira, como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido”. Considera-se, então, que a crônica é uma escrita impressionista, ou seja, nela se divisa as linhas e cores próprias a subjetividade do escritor. Sua narração é referenciada naquilo que sua memória e seus escritos lhe permitem reportar. A crônica normalmente é escrita em primeira pessoa, sendo a personagem, fictícia ou não, narradora da história. Assim também é o livro de Paulo Duarte, o escrito que refletir o que foi vivido, portanto requisita o compromisso com a verdade ao refletir sobre o passado. Nessa direção, Palmares pelo avesso pode ser percebida como uma escrita de combate. A guerra é narrada como experiência vivida e a escrita é, também, um instrumento de luta contra a política e a herança varguista na memória histórica. O problema da pesquisa, portanto, reside em acompanhar os escritos do autor em duas perspectivas: como fonte capaz de iluminar a trajetória política nos primeiros anos da década de 1930 - especialmente da elite paulista derrotada em 1932 - e como reflexão sobre o processo de registro da memória da guerra de 1932. Em 1933, a Assembléia Constituinte foi instalada. Esse é o argumento paulista: São Paulo foi o campeão moral da disputa. Assim, a derrota é transformada em discurso de vitória. Considera-se que a crônica de Paulo Duarte contém em si elementos e dados da memória individual e coletiva, pois “se por um lado, o indivíduo só pode ter memória do seu passado como um ser social, por outro, há que se levar em conta o aspecto individual dessa memória” (MOTTA, 2000: 115). Assim, este estudo busca assinalar as singularidades da narrativa de Paulo Duarte, em comparação com outros autores que descreveram o mesmo acontecimento, como também “captar algo que ultrapasse o caráter individual do que é transmitido e que se insere na coletividade em que o narrador pertence” (QUEIROZ, 1988, p. 20). O primeiro capítulo tem por objetivo localizar Paulo Duarte: sua posição política, profissão e grupo social. Apresenta-se uma biografia do autor acompanhada da descrição da participação do mesmo nas revoluções da década de 1930. 13

Margarida <strong>de</strong> Souza Neves (1992, p. 82) <strong>de</strong>fine que a crônica é “portadora por excelência <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> 'espírito do tempo' por suas características formais como por seu conteúdo […], pelos<br />

aspectos aparentemente causais do cotidiano, que registra e reconstrói, como pela complexa<br />

trama <strong>de</strong> tensões e relações sociais que através <strong>de</strong>la é possível perceber”. O cronista reúne<br />

elementos jornalísticos e literários na produção <strong>de</strong> textos que traduzem ao leitor a sua visão <strong>de</strong><br />

mundo. Segundo Davi Arrigucci Junior (1987), a crônica é <strong>um</strong> “relato em permanente relação<br />

com o tempo, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tira, como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do<br />

vivido”.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se, então, que a crônica é <strong>um</strong>a escrita impressionista, ou seja, nela se<br />

divisa as linhas e cores próprias a subjetivida<strong>de</strong> do escritor. Sua narração é referenciada<br />

naquilo que sua memória e seus escritos lhe permitem reportar. A crônica normalmente é<br />

escrita em primeira pessoa, sendo a personagem, fictícia ou não, narradora da história. Assim<br />

também é o livro <strong>de</strong> Paulo Duarte, o escrito que refletir o que foi vivido, portanto requisita o<br />

compromisso com a verda<strong>de</strong> ao refletir sobre o passado. Nessa direção, Palmares pelo avesso<br />

po<strong>de</strong> ser percebida como <strong>um</strong>a escrita <strong>de</strong> combate. A guerra é narrada como experiência vivida<br />

e a escrita é, também, <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> luta contra a política e a herança varguista na<br />

memória histórica.<br />

O problema da pesquisa, portanto, resi<strong>de</strong> em acompanhar os escritos do autor em<br />

duas perspectivas: como fonte capaz <strong>de</strong> il<strong>um</strong>inar a trajetória política nos primeiros anos da<br />

década <strong>de</strong> 1930 - especialmente da elite paulista <strong>de</strong>rrotada em 1932 - e como reflexão sobre o<br />

processo <strong>de</strong> registro da memória da guerra <strong>de</strong> 1932. Em 1933, a Assembléia Constituinte foi<br />

instalada. Esse é o arg<strong>um</strong>ento paulista: São Paulo foi o campeão moral da disputa. Assim, a<br />

<strong>de</strong>rrota é transformada em discurso <strong>de</strong> vitória.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se que a crônica <strong>de</strong> Paulo Duarte contém em si elementos e dados da<br />

memória individual e coletiva, pois “se por <strong>um</strong> lado, o indivíduo só po<strong>de</strong> ter memória do seu<br />

passado como <strong>um</strong> ser social, por outro, há que se levar em conta o aspecto individual <strong>de</strong>ssa<br />

memória” (MOTTA, 2000: 115). Assim, este estudo busca assinalar as singularida<strong>de</strong>s da<br />

narrativa <strong>de</strong> Paulo Duarte, em comparação com outros autores que <strong>de</strong>screveram o mesmo<br />

acontecimento, como também “captar algo que ultrapasse o caráter individual do que é<br />

transmitido e que se insere na coletivida<strong>de</strong> em que o narrador pertence” (QUEIROZ, 1988, p.<br />

20).<br />

O primeiro capítulo tem por objetivo localizar Paulo Duarte: sua posição política,<br />

profissão e grupo social. Apresenta-se <strong>um</strong>a biografia do autor acompanhada da <strong>de</strong>scrição da<br />

participação do mesmo nas revoluções da década <strong>de</strong> 1930.<br />

13

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!