12.04.2013 Views

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

116<br />

Soldados conscientes, ali estavam eles por <strong>um</strong>a idéia. Expliquei mais ou<br />

menos o que era a idéia. O soldado paulista é o soldado que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a<br />

dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> povo e quem se bate por <strong>um</strong>a causa tão gran<strong>de</strong> não precisa<br />

<strong>de</strong> pinga para encorajar-se. Emocionaram-se. (DUARTE, 1947, p. 40)<br />

Paulo Duarte tranfere para a narrativa o estado psicoemocional próprio e dos<br />

soldados que o acompanhavam, <strong>de</strong>monstrando alg<strong>um</strong>as transformações <strong>de</strong> espírito as quais o<br />

combatente era subjulgado em situação <strong>de</strong> guerra. A partir das abordagens individuais, o autor<br />

trata da guerra como <strong>um</strong> todo, apresentando suas ambiguida<strong>de</strong>s e retrocessos. O i<strong>de</strong>al da<br />

or<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>sdobra na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m do front contida no testemunho dos<br />

sobreviventes. Ao mesmo tempo em que europeus e paulistas proclamavam os avanços<br />

civilizatórios, apresentando-se pioneiros em muitos casos, a guerra <strong>de</strong>spertava o lado mais<br />

bárbaro do homem, ao colocá-lo em contato com a morte, a <strong>de</strong>struição e a luta por<br />

sobrevivência.<br />

O combatente apoiou os planos <strong>de</strong> revolução alcançada por meio do confronto<br />

armado. Contudo, em contato com a realida<strong>de</strong>, o autor <strong>de</strong>sfaz a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> guera como <strong>um</strong> nobre<br />

espetáculo <strong>de</strong> voluntarismo, <strong>um</strong> meio para alcançar as intenções políticas, e percebe que na<br />

verda<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>m as características mais “atrasadas” do ser h<strong>um</strong>ano. O autor, então, passa<br />

a perceber a guerra como <strong>um</strong> retrocesso: “Sentimento, educação, tudo vai embora substituído<br />

pelo borrão dos instintos, porque na guerra, os instintos aparecem como carrapatos em<br />

setembro. Marcha à ré mental” (p. 13).<br />

À medida que os soldados presenciavam a morte <strong>de</strong> combatentes no cotidiano,<br />

diminuia-se o receio <strong>de</strong> lidar com ela. O autor, que sobreviveu à experiência do risco <strong>de</strong><br />

morte, expôs suas reações nesse ambiente, <strong>de</strong>monstrando que procurou se adaptar ao meio,<br />

mas que não foram poucos os conflitos. Espantava-se com o próprio comportamento.<br />

Acreditava que, assim, consolidava-se a mentalida<strong>de</strong> do combatente, que só pensava em sua<br />

sobrevivência e em se manter no espaço conquistado 59 . A guerra exige a adaptação do homem<br />

ao meio, assim, alteram-se as formas <strong>de</strong> relacionar com o outro, seja esse morto ou vivo, em<br />

<strong>um</strong> processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anização dos laços.<br />

59 Sigmund Freud, na primeira parte <strong>de</strong> Reflexões para os tempos <strong>de</strong> guerra e <strong>de</strong> morte, produziu o ensaio A <strong>de</strong>silusão<br />

da guerra, <strong>de</strong> 1915, observou que a Gran<strong>de</strong> Guerra provocou mudanças nas atitu<strong>de</strong>s diante da morte.<br />

Para o autor, a guerra está fadada a varrer a consi<strong>de</strong>ração convencional que é <strong>de</strong>stinada aos mortos. Como afirma<br />

o médico austríaco (1974, p. 329), “as pessoas realmente morrem, e não mais <strong>um</strong>a a <strong>um</strong>a, porém muitas […]<br />

n<strong>um</strong> único dia”. Assim, tanto os soldados como os que permanecem em casa são obrigados a conviver com a<br />

morte no cotidiano.<br />

Estas observações freudianas po<strong>de</strong>m ser percebidas no testemunho da guerra <strong>constitucionalista</strong>, como expõe<br />

Paulo Duarte: “a morte dos próprios companheiros <strong>de</strong> todos os dias pouca impressão nos causa […]. O que vale<br />

é que a vida aqui não permite muito tempo <strong>de</strong> duração a essas síncopes <strong>de</strong> sentimento” (DUARTE, 1947, p. 157)

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!