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FONSECA, Sherloma Starlet. Memórias de um constitucionalista

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gente, ca<strong>de</strong>las!...<br />

Mas as balas, superiormente, não <strong>de</strong>ram atenção ao insulto. Não era <strong>um</strong><br />

rasgo <strong>de</strong> coragem, era <strong>um</strong>a crise <strong>de</strong> inconsciência. Sonâmbulo, per<strong>de</strong>ra o<br />

sentido. (DUARTE, 1947, p. 60)<br />

Paulo Duarte saiu fisicamente ileso da guerra. Foi atingido por estilhaços <strong>de</strong> bomba,<br />

mas teve apenas <strong>um</strong> ferimento leve na cabeça. As consequências foram mais intensas no<br />

aspecto psicológico. Segundo psiquiatras e psicólogos, o clima <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e neurastenia,<br />

natural no contexto da vida do sujeito, é a<strong>um</strong>entado em situação <strong>de</strong> ameaça. Anos anteriores à<br />

guerra <strong>constitucionalista</strong>, Sigmund Freud já havia trabalhado o coneito <strong>de</strong> “neuroses <strong>de</strong><br />

guerra” 58 , que são comuns em conflitos armados, como conseqüência do impacto<br />

extraordinário dos acontecimentos sobre o sistema nervoso dos participantes do conflito.<br />

Diante do <strong>de</strong>samparo, da angústia <strong>de</strong> finitu<strong>de</strong>, o sofrimento dispara mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa:<br />

<strong>um</strong>a saída para a insanida<strong>de</strong> (VIEIRA, 2005).<br />

Pon<strong>de</strong>rando que atitu<strong>de</strong>s impensadas como essa da citação foram, <strong>de</strong> certa forma,<br />

raras no comportamento <strong>de</strong> Paulo Duarte (por vezes tão racional), po<strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que o<br />

ex-combatente vivenciou no front momentos <strong>de</strong> angústia e ansieda<strong>de</strong>, ao se <strong>de</strong>frontar com sua<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver todas as <strong>de</strong>mandas do meio.<br />

O autor busca <strong>de</strong>monstrar que o ambiente da guerra <strong>de</strong>sperta nos homens o<br />

sentimento <strong>de</strong> que estavam entravados em incertezas e apreensões; a vida, portanto, tornava-<br />

se precária. A trincheira é o espaço <strong>de</strong> encontro com a selvageria da guerra: lama, mortos,<br />

nojo, brutalida<strong>de</strong> e medo – expressões do atavismo que irrompiam no homem, abalando os<br />

fundamentos civilizados.<br />

Nessa situação <strong>de</strong> fronteiras entre mundo, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia situações <strong>de</strong> tensão, a<br />

re<strong>de</strong>scoberta da violência associa-se a bruscas erupções <strong>de</strong> busca por prazer: o álcool, por<br />

exemplo, era algo que não po<strong>de</strong>ria passar ao lado do soldado. O frio, o <strong>de</strong>sconforto e os<br />

atordoados pensamentos (sobre o significado e <strong>de</strong>svendamento da guerra e as lembranças<br />

pessoais) motivaram os soldados a sentirem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>irem bebidas alcoólicas, o que<br />

é narrado tanto por Remarque como por Paulo Duarte.<br />

O frio da tar<strong>de</strong> acordou-nos. O frio e o sargento para contar que, indo à Vala<br />

Suja, encontrara dois soldados dormindo, bêbados e alguns outros<br />

rescen<strong>de</strong>ndo a álcool […]. Fomos à trincheira. Man<strong>de</strong>i o sargento examinar<br />

todos os cantis. Um dêles (sic) ainda continha meta<strong>de</strong> da pinga.<br />

Passei <strong>um</strong>a furiosa sarabanda nos soldados, terminado por <strong>um</strong>a arenga.<br />

58 O conceito <strong>de</strong> “neurose <strong>de</strong> guerra” foi estudado por Sigmund Freud e outros psicanalistas que vivenciaram a<br />

Primeira Guerra Mundial e distinguiram as neuroses <strong>de</strong> paz e neuroses <strong>de</strong> guerra. Sobre o assunto, Freud<br />

escreveu Reflexões para os tempos <strong>de</strong> guerra e <strong>de</strong> morte (1915) e A psicanálise e as neuroses <strong>de</strong> guerra (1919).

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