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A LUTA II TEATRO OFICINA UZYNA UZONA dramaturgia ... - Uol

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A <strong>LUTA</strong> <strong>II</strong><br />

<strong>TEATRO</strong> <strong>OFICINA</strong> <strong>UZYNA</strong> <strong>UZONA</strong><br />

<strong>dramaturgia</strong>: José Celso Martinez Corrêa<br />

1º ATO<br />

17.05.2006<br />

1


PRÓLOGO:<br />

1 - RUA Jaceguay <strong>OFICINA</strong> <strong>UZYNA</strong> <strong>UZONA</strong> DO OUVIDOR On Line<br />

2


(Enquanto o público se prepara para entrar no teatro: Manifestação pro ataque de Canudos, NÃO `A DEPOSIÇÃO<br />

DAS ARMAS. Pipoqueiros, cachorro quente, Tvs na Ágora do Minhocão, comício convocando as Armas, comandado<br />

pelo Tenente Pires Ferreira, na escadaria de um palanque em frente ao Teatro.)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Eu Tenente Pires Ferreira<br />

Herói de Guerra e desta Feira !<br />

Paulista !<br />

Brado: Abaixo a Monarquia Terrorista !<br />

(apontando o telão)<br />

Vejam que imagens indecentes<br />

usadas neste Teatro Oficina, este antro de Monarquistas doentes !<br />

Dizem ser arte, Os Sertões, nessa mentirosa encenação !<br />

Aproveitando-se da nossa derrota na terceira expedição,<br />

pretendem mais, se expandir por todo quarteirão,<br />

nos privando do progresso do Shopping do Minhocão !<br />

Nesta manifestação pelos Humanos Direitos de Propriedade,<br />

Da República agonizante clamemos: às armas povo desta cidade !<br />

Vejam: a República está a perigo. É preciso salvar a República !<br />

(Entra a REPÚBLICA toda entubada numa cama de UTI, toda monitorizada, Estátua da Liberdade passando mal)<br />

CORO<br />

VAMOS SALVAR A REPÚBLICA !<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

O Governo Prudente de Morais<br />

incumbiu-me de estar aqui entre vós mortais,<br />

para anunciar<br />

que começa a atuar,<br />

atenções !<br />

E Atuar é: agremiar batalhões.<br />

Aliste-se é sua sina<br />

diante do terrorismo do Teatro Oficina !<br />

E mais ainda agora que nada nos alivía,<br />

diante do nacionaliasmo da Bolivia !<br />

PRODUTORA DAS CORISTAS DO CÉUS<br />

Aqui nesta rua viril,<br />

Ouvido do Brasil,<br />

você frequentador<br />

da Rua do Ouvidor.<br />

(apontando a República com a vedete)<br />

Para espantar a onda taciturna,<br />

aliste-se enfiando seu nome na Buceturna,<br />

e para vos fazer perder o medo<br />

do grande Arthur Azevedo:<br />

O Jagunço<br />

CORISTAS DOS CÉUS<br />

(Marcha Funk)<br />

“Guerra, Guerra<br />

Que é dever de patriotismo<br />

Guerra, Guerra<br />

Pra defender a nossa terra<br />

Guerra, Guerra<br />

Contra o negro fanatismo”<br />

3


Marchar que a pátria espera<br />

Na primavera<br />

Um novo sol<br />

SOLDADOS E VEDETES<br />

(em outro tom)<br />

“Guerra, Guerra<br />

Que é dever de patriotismo<br />

Guerra, Guerra<br />

Pra defender a nossa terra<br />

Guerra, Guerra<br />

Contra o negro fanatismo”<br />

Marchar que a pátria espera<br />

Na primavera<br />

Um novo sol<br />

Guerra nesse céu de anil<br />

(Breque rufar de tambores)<br />

Alistamento, (a Banda faz um Papapaparã)<br />

em defesa do Brasil…<br />

(contra a Bolívia Canudos do Brasil)<br />

(A PERCURSSÃO METRALHA BRUTAL ANTES DO OBA !)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Agora para nossa emoção<br />

trago-vos a heroína desta manifestação !<br />

(Projeções de Imagens de Marketing do Herói Wanderley)<br />

NOIVA DE WANDERLEY<br />

Eu sou a Porcina, noivinha do Rey !<br />

O nosso herói Cabo, Wanderley !<br />

Hoje noivo póstumo do Brasil todinho, eu sei !<br />

TENENTE PIRESFERREIRA<br />

Um soldado Pop,<br />

despertou o IBOP,<br />

que injetou no Povão<br />

esta póstuma paixão.<br />

De Moreira Cezar era Ordenança<br />

Quando a tropa desertou sem esperança,<br />

e o cadáver de Cezar foi lançado<br />

à margem da estrada, abandonado<br />

Wanderley revoltado<br />

permaneceu ao lado do coronel,<br />

guardando o cadáver como um precioso anel<br />

Por todo exército desprezado<br />

cuidou o Cabo,<br />

daquele ser sagrado.<br />

(fotos tiradas pelos desertores que foram encontradas, do momento heróico do fim da Luta I, exibidas pela Viúva)<br />

De joelhos junto ao corpo do comandante,<br />

não se rendeu nem por um instante,<br />

Jesus no Horto,<br />

lutando por um morto…<br />

Até ao último cartucho se bateu<br />

tombando herói num quadro de museu !<br />

Viva o Cabo Wanderley !<br />

4


O CABO WANDERLEY<br />

(aparece na rua em trapos)<br />

Eu não morri, eu estou vivo.<br />

VIÚVA<br />

Não, isso é pegadinha.<br />

Não meu amor, você é um fantasma.<br />

Eu sou viúva<br />

Essa Campanha pela Guerra é um sucesso absoluto !<br />

Você morreu<br />

(Joga seu luto sobre ele)<br />

E sai do rua do Ouvidor…<br />

CABO WANDERLEY<br />

Você não me ama mais ?<br />

ATRIZ VIÚVA<br />

Amo. Morto.<br />

CAPITÃO CAVALO PEDREIRA FRANCO<br />

O Senhor morreu Cabo Wanderley<br />

Mas ressuscita em outro papel:<br />

é promovido na hierarquia<br />

a Alferes da cavalaria !<br />

(Hino como o da cavalaria Rusticana ou da Brasileira que deve ter seu Hino; recebe o título e o Cavalo Neve,<br />

ovação)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Tarda mas não falha a justiça divina do teatro militar !<br />

Monte Santo atendeu a dádiva do meu retrato<br />

virei celebridade de fato,<br />

que barato !<br />

(pessoas do público, pedem autógrafos de uma foto dele)<br />

UM SOLDADO DA POLÍCIA<br />

The Human Rights, pelo Bem !<br />

Espectadores debandem !<br />

Hoje não tem sessão, essa imoralidade não é mais viável !<br />

Quem é o responsável ?<br />

O que é isso ?<br />

MANIFESTANTES EMPASTELADORES<br />

(neonazistas- skinheads protestam pelos direitos humanos)<br />

Vamos queimar o livro desta peça de menores corruptora !<br />

Somos a nação salvadora.<br />

(CONGELA TUDO-AFASTAMENTO)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(ao vivo em torno do auto da fé)<br />

Eu estou aqui, queimando tudo<br />

Eu ainda não fui à Canudos.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Que fizestes, Oh Cezar,<br />

com as minhas legiões ! ?<br />

5


(De dentro do Teatro vem um Homem Bomba. Agora a destruição é aqui ?)<br />

HOMEM BOMBA<br />

Jihad ! Alalaô !<br />

(Pratica o Suicídio por Alá ! Explodindo-se com uma bomba. É O PRIMEIRO CLARÃO DE DESCARGAS. Vai tudo<br />

aos ares. O Público entra guiado por militares que invadem o Teatro na maior brutalidade e paranóia, dominando o<br />

público e transformando o Teatro num Centro de Operação de Guerra. É a Tropa recém formada no alistamento da<br />

Rua do Ouvidor e os Convocadores de alistamento que invadem, ocupam o Teatro e conduzem o público. Após a tensa<br />

ocupação, os batalhões vão se distribuindo na pista, de acordo com seus Estados. No chão está um enorme mapa do<br />

Brasil. Mas ouve-se o Tropel de Bárbaros ao vivo, com o som vindo de baixo da terra do que serão as bocas de fogo<br />

logo mais. Sons de helicópteros, e de guerras de todo o mundo onde há a multidão canudense mundial em canto de<br />

guerreiros. De repente, SEGUNDO CLARÃO de DESCARGAS: Segundo Sinal. É Lida a Ordem do Dia do Espetáculo<br />

Segurança, patrocinadores etc até MERDA !)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(No Camarote Norte ao lado do Teatro de Estádio que está construindo 3 anos depois.)<br />

3 anos depois, aqui em São Jose do Rio Pardo<br />

reconstruo essa ponte, na febre ardo !<br />

Queimam os sertões<br />

queimam as Metrópoles,<br />

explosões de exclusões.<br />

São Paulo-Rio-Paris-Nova York bumerangados<br />

capitais de alienados !<br />

A rua do Ouvidor vale por um desvio das caatingas.<br />

A correria do sertão entra<br />

arrebatadamente pela civilização adentro.<br />

E a guerra de Canudos é sintomática apenas.<br />

O mal é maior.<br />

Não se confina num recanto da Bahia.<br />

Alastra-se.<br />

Rompe nas capitais do litoral.<br />

O homem do sertão, encourado e bruto, tem parceiros mais perigosos.<br />

Os meios mais adiantados<br />

encobertos de tênue verniz de cultura<br />

são trogloditas completos.<br />

Revela que pouco nos avantajamos<br />

aos rudes patrícios retardatários.<br />

Estes, ao menos, são lógicos.<br />

Insulado no espaço e no tempo,<br />

o jagunço,<br />

um anacronismo étnico,<br />

só pode fazer o que faz<br />

bater, bater terrivelmente a nacionalidade que,<br />

depois de o enjeitar cerca de cinco séculos,<br />

procura levá-lo para os deslumbramentos da nossa idade<br />

dentro de um quadrado de baionetas,<br />

mostrando-lhe o brilho da civilização<br />

através do clarão de descargas.<br />

(TERCEIRO CLARÃO DE DESCARGAS - Terceiro Sinal)<br />

6


1º MOVIMENTO: 1ª COLUNA<br />

1 - a direção da luta<br />

2 - grande mapa do brasil no chão da pista<br />

3 - mãe primal bahia<br />

4 - razzia dos soldados liderados pelos republicanáticos<br />

5 - abertura de teatro de estádio<br />

6 - formação da primeira coluna<br />

7 - projeção de aracaju e da bahia, mapas do percurso das duas colunas<br />

8 - com a primeira coluna<br />

9 - com a segunda coluna<br />

10 - monte santo-brecada<br />

11 - troca de comando<br />

12 - oficinas e oficinas de teatro enquanto se espera a estréia<br />

e busca da produção e organização<br />

13 - noite de santo antônio<br />

14 - baixo clero pede uma reunião<br />

15 - conselho: porque não partir<br />

16 - entra a 32<br />

17 - general entusiasmado com a 32, decide a partida<br />

18 - foto de partida<br />

19 - general apresenta a estratégia de marcha<br />

20 - song da 32<br />

21 - cai a 32<br />

22 - saída do embaço com a 32<br />

23 - os bois querem fazer greve<br />

24 - noites de iguana dos cantos com chuva<br />

25 - na vanguarda: marcha em bossa nova<br />

26 - retaguarda do atraso - outro ponto mais distanciado da tropa o 5ª de policia<br />

27 - no centro, na brigada joaquim manoel de medeiros, wanderley faz um balanço da estratégia<br />

28 - primeiro reencontro<br />

29 - ano novo de junho<br />

30 - surge a 1ª coluna no portal da luz das cunanãs<br />

31 - madrugada de são joão - travessia da 32<br />

32 - apagão<br />

33 - chuva canto pranto:<br />

mandrágoras oxums e iansãs do céu, choram com o alferes wanderley<br />

34 - inauguração<br />

travessia da 32 rainha do mundo para canudos<br />

35 - cunanãs renascem em forma de cinema<br />

36 - parada: primeiro prisioneiro. rapto do filho de pajeú<br />

37 - pitombas jagunços surgem ao alto. pajeú na cezalpina<br />

38 - meio dia<br />

39 - ataque dos jagunços entrincheirados<br />

40 - proclamação de vitória pelo silêncio dos jagunços - fuga ?<br />

41 - chuva de balas agora do exército<br />

42 - baixas em dominó<br />

43 - s. o. s. à coluna savaget<br />

44 - balanço da situação<br />

7


A DIREÇÃO DA <strong>LUTA</strong><br />

GENERAL ARTHUR OSCAR DE ANDRADE GUIMARÃES<br />

(no centro do Teatro)<br />

Eu, General Arthur Oscar de Andrade Guimarães<br />

Comandante do 2° Distrito Militar de Porto Alegre<br />

Declaro:<br />

aceito a direção da Luta.<br />

Todas as grandes idéias tem seus mártires;<br />

nós estamos votados ao sacrifício<br />

não fugimos<br />

para legar à geração futura<br />

uma República honrada, firme e respeitada.<br />

Viva a República !<br />

TODOS<br />

Viva !<br />

(telégrafos em todas as línguas, transmitem o novo Comando da Guerra)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR DE ANDRADE GUIMARÃES<br />

Sejam convocadas tropas do Brasil inteiro<br />

Alistem-se civis, novos guerreiros<br />

Vamos salvar a República !<br />

É dever dos cidadãos republicanos do mundo inteiro.<br />

Batalhões<br />

GRANDE MAPA DO BRASIL NO CHÃO DA PISTA<br />

(Os ajudantes dos ordenanças vão trazendo rapidamente o público e o colocando, com suas faixas de Batalhão, na<br />

pista-mapa, de acordo com a localização de seus estados, onde já se encontram Oficiais de cada região. A Música<br />

Militar inicia com simples batidas de Caixa e vai se euforizando, até todo o mapa ser ocupado com todos de pé<br />

cantando trecho do Hino Nacional)<br />

CORIFEU CONVOCADOR 1<br />

(no sul do Teatro)<br />

…Do Rio Grande do Sul!<br />

CORIFEU CONVOCADOR 2<br />

(ao Norte, com chapéus de Carnaúba)<br />

Do Pará!<br />

ORDENANÇA CONVOCADOR 3<br />

(ao Norte, com chapéus de palha de Babaçu)<br />

Do Maranhão!<br />

ORDENANÇA CONVOCADOR 4<br />

(no centro norte, fora do litoral)<br />

Do Piauí!<br />

CORIFEU CONVOCADOR 6<br />

(mais para o Norte)<br />

Do Rio Grande do Norte!<br />

CORIFEU CONVOCADOR 7<br />

(no nordeste)<br />

Da Paraíba!<br />

8


CORIFEU CONVOCADOR 8<br />

De Pernambuco!<br />

ORDENANÇA CONVOCADOR 9<br />

(nordeste)<br />

De Sergipe!<br />

ORDENANÇA CONVOCADOR 10<br />

Da Bahia!<br />

CORIFEU CONVOCADOR 11<br />

(o público é conduzido para o Sul no Rio)<br />

Do Rio de Janeiro!<br />

(As Krupps já estão no Rio, seguem artilheiros para manejá-las e empurrá-las.)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Levantem-se brasileiros, cantemos todos de pé, o nosso maravilhoso Hino Nacional !<br />

(Todos cantam imóveis a primeira parte do HINO NACIONAL)<br />

CORO DE TODOS OS EXPEDICIONÁRIOS<br />

Ouviram do Ipiranga às margens plácidas<br />

de um povo heróico o brado retumbante !<br />

E o sol da liberdade em raios fúlgidos,<br />

brilhou no céu da pátria nesse instante.<br />

Se o penhor dessa igualdade<br />

conseguimos conquistar com braço forte !<br />

Em teu seio, oh liberdade<br />

desafia o nosso peito à própria morte !<br />

Oh Pátria amada, idolatrada, salve salve !<br />

Brasil um sonho intenso, um raio vívido<br />

de amor e de esperança à Terra desce<br />

em teu formoso céu risonho e límpido<br />

a imagem do cruzeiro resplandece !<br />

Gigante pela própria natureza<br />

és belo, és forte impávido colosso<br />

e o teu futuro espelha essa grandeza, Terra adorada<br />

entre outras mil, és tu Brasil, oh Pátria amada,<br />

dos filhos deste solo és mãe gentil,<br />

Pátria amada Brasil !<br />

( e saem em marcha pelo Brasil em direção à Bahia cantando em Bossa Nova)<br />

Deitado ethernamente em berço esplêndido<br />

ao som do mar e a luz do céu profundo<br />

fulguras oh Brasil florão da América<br />

iluminado ao sol do novo mundo !<br />

Do que a Terra mais garrida<br />

teus risonhos lindos campos tem mais flores<br />

nossos bosques tem mais vida<br />

nossa vida em teu seio mais amores !<br />

(Calypso do Pará)<br />

9


Oh Pátria amada, idolatrada, salve salve !<br />

Brasil de amor etherno seja símbolo<br />

um lábaro que ostentas estrelado<br />

e diga ao verde louro desta flâmula<br />

paz no futuro e glória no passado !<br />

(Samba)<br />

Mas se ergues da Justiça a clava forte<br />

verás que um filho teu não foge à Luta<br />

nem teme quem te adora à própria morte, Terra adorada,<br />

entre outras mil és tu Brasil, oh Pátria amada !<br />

Dos filhos deste solo és mãe gentil<br />

Pátria amada Brasil !<br />

MÃE PRIMAL BAHIA<br />

(O Samba Hino vai virando Melodia e Ritmo receptivo da Terra da Felicidade)<br />

BAHIA EULÂMPIA<br />

(Com Parangolé imenso de uma Saia-Grande-Bahia, inicialmente pudicamente fechada.)<br />

Meus filhos de todo mapa da nossa nação,<br />

por esta maldita briga,<br />

voltam, convergem pra mim,<br />

sua primeira Barriga.<br />

De todo o Brasil, pois venham tropas, noite e dia,<br />

Com os braços, pernas abertas<br />

vos recebo, sou vossa Mãe Pátria<br />

nas horas certas<br />

Sou Bahia !<br />

(rufa o Olodum. Eulâmpia abre a Saia do Parangolé, imensa como uma Barriga, e abriga os que chegam das várias<br />

partes do Mapa do Brasil)<br />

Mas, Bahia de Todos os Santos<br />

as tropas entretanto, tantas,<br />

dos jovens de hoje em dia,<br />

suspeitam de minha nobreza de Mãe Santa,<br />

me dizem ainda viver na velha… Monarquia !<br />

Por que saltam filhos na Bahia Amada<br />

com arrogância de triunfadores em praça conquistada ?<br />

TROPA<br />

A Bahia é uma enorme Canudos.<br />

BAHIA EULÂMPIA<br />

Repare ! Préconceito seus Péludos !<br />

Porque a velha capital conservou seus tesouros antigos ?<br />

Nessas montanhas alteadas, meus filhos, meus amigos,<br />

se embateram em tempos<br />

BAHIANAS IEMANJÁS<br />

“varredores da mar”,<br />

BAHIA EULÂMPIA<br />

batavos, normandos, atraídos,<br />

BAHIANAS IEMANJÁS<br />

10


por nosso jeito único<br />

… de amar.<br />

Na nossa metrópole, o passado vive<br />

o futuro de cada ano !<br />

BAHIA EULÂMPIA<br />

Roma Negra<br />

Coma, coma !<br />

BAHIANAS IEMANJÁS<br />

É pra já ! Iemanjá !<br />

TROPA<br />

Não nos comove<br />

irrita-nos, Bahia, renove !<br />

Trincheiras de Taipa do tempo de Tomé de Sousa,<br />

ruas estreitas, embaralhadas, que cousa !<br />

CABO VIADO CANTOR<br />

Gregório de Matos na certa, ia,<br />

encontrar igual a Triste Bahia…<br />

BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO<br />

A Bahia vos espera, venham ver nossas belezas,<br />

mesmo aqui na Alfândega quanta nobreza !<br />

(Mostra um Brasão Imperial nas Estruturas do Portal da Alfândega, onde chegam os navios)<br />

Bahia… ! Bahia… ! Bahia… ! Bahia… !<br />

RAZZIA DOS SOLDADOS LIDERADOS PELOS REPUBLICANÁTICOS<br />

SOLDADO REPUBLICANÁTICO<br />

Abaixo a Monarquia<br />

Quebrem essa Porcaria !<br />

(a marretadas, depredam o escudo em que se via as armas imperiais; a soldadesca seguindo o exemplo, exercita -se em<br />

correrias e conflitos, procurando relíquias para profanar)<br />

BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO<br />

Êpa Hey ! ! !<br />

BAHIANAS IEMANJÁS VIRADAS IANSÃS<br />

Êpa Hey ! ! !<br />

(Silêncio. A Banda pára.)<br />

Cossacos em ruas Varsóvia.<br />

Matutice óbvia.<br />

SOLO<br />

A Guerra não é aqui, é preciso vos ensinar ?<br />

SOLO<br />

Há em toda Bahia um descontentamento popular<br />

prestes a explodir<br />

BAHIANAS IEMANJÁS VIRADAS IANSÃS<br />

E vocês a provocar, provocar<br />

Vão dançar.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(aos gritos, furioso)<br />

11


Fuzilo agora, o primeiro estúpido que continuar com essa palhaçada !<br />

Nenhum batalhão permanecera mais aqui !<br />

Já do porto pra Estação da Calçada,<br />

vocês não merecem sequer pisar essa terra sagrada.<br />

(para Bahia Eulâmpia)<br />

Salve Rainha…<br />

Perdoa. Não sabem o que fazem<br />

é tudo gentinha.<br />

BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO<br />

Vosso conceito de civilidade sabe o que vale nosso Farol<br />

O Brasil sem axé, sem magia, sem poesia é só Besteirol<br />

Nobre caudilho…<br />

TROPA<br />

Nobre caudilho ? !<br />

BAHIA EULÂMPIA DE ALAQUETO<br />

Cavalheiro Republicano, eu sei<br />

Baianos saudemos General Arthur Oscar: “Meu Rei”<br />

Viva a República Meu Rei !<br />

BAHIANAS IEMANJÁS<br />

Viva A República Meu Rei !<br />

ABERTURA DE <strong>TEATRO</strong> DE ESTÁDIO<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Sou eu, Alferes Wanderley, O Rei !<br />

Ou errei ?<br />

(a multidão, e os fãs que o seguem desde a rua do Ouvidor invadem pedindo autógrafos. Luzes de flash e música de<br />

Estádio para a celebridade.)<br />

BAHIANAS<br />

Rei ! Rei !<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(do alto do soldados salta e abre o jogo Olímpico da Quarta Expedição como Teatro de Estádio) Convoco o time dos<br />

Leões !<br />

Na Arena com todos nossos Gládios<br />

Jogadores de Teatro de Estádio !<br />

(Toque da Introdução de Merda de Caetano Veloso. Com Wanderley entra uma bola: o Exército vai formar a 1ª<br />

Coluna fazendo a abertura da dionisíaca olímpica a grande abertura musical da ópera de carnaval do final do ciclo<br />

serestando dança atual de rua.)<br />

FORMAÇÃO DA PRIMEIRA COLUNA<br />

(O Coronel Joaquim Manoel de Medeiros recebe a bola e comanda o jogo de formação, passando alegremente para as<br />

Brigadas, com toda a euforia de todos.)<br />

CORONEL JOAQUIM MANOEL MEDEIROS<br />

Atenção, formação 1ª Coluna !<br />

1ª, 2ª e 3ª Brigadas<br />

por mim,<br />

Coronel Joaquim Manoel de Medeiros, comandadas.<br />

GENERAL JOÃO DA SILVA BARBOSA<br />

12


(aparece apitando do camarim norte)<br />

Até que pra minha chefia sejam passadas.<br />

(Silêncio pesado no acorde de baixo)<br />

Eu, General João da Silva Barbosa,<br />

sem prosa.<br />

1ª CO-LU-NA !<br />

Se una !<br />

(a primeira coluna se forma em uma grande linha)<br />

PROJEÇÃO DE ARACAJU E DA BAHIA, MAPAS DO PERCURSO DAS DUAS COLUNAS<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Atenção !<br />

Transmissão !<br />

(Entra o General Savaget e os Coronéis comandantes das 3 Brigadas independentes da 2ª Coluna no vídeo, direto<br />

de Aracaju no vídeo. Dançam em pequenos grupos e rodopios com Coreografia de Bastões, fazem a passagem falas,<br />

através de um Jogo de Bastões: Há muitos Objetos num só Objeto)<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Por mim comandada,<br />

General Cláudio do Amaral Savaget !<br />

Segunda Coluna<br />

Te apruma !<br />

(passa bastões para as outras Brigadas)<br />

Na liderança das Brigadas<br />

CARLOS TELLES<br />

(recebendo o bastão)<br />

Eu, coronel Carlos Maria da Silva Telles, comando a 4ª Brigada:<br />

meu esquadrão de lanceiros na vanguarda<br />

COM A PRIMEIRA COLUNA<br />

CABO VIADO<br />

Gente, é a cara do Alferes Wanderley ! ?<br />

(a tropa vaia)<br />

COM A SEGUNDA COLUNA<br />

(Carlos Telles passa para Coronel Serra Martins outro Bastão)<br />

CORONEL SERRA MARTINS<br />

(recebendo o Bastão)<br />

Coronel Julião Augusto de Serra Martins, formada<br />

aqui está 5ª Brigada !<br />

(passando para o Coronel Pantoja, que apanha o Bastão)<br />

CORONEL PANTOJA<br />

Aqui se aloja,<br />

por mim comandada<br />

Coronel Donaciano de Araújo Pantoja,<br />

a Sexta Brigada !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

(para Arthur Oscar)<br />

A segunda CO-LU-NA, se reúne aqui em Aracaju,<br />

13


daí, Jeremoabo, Cocorobó, até o ponto tabú !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Nossas duas Colunas, Savaget, de duas diferentes cidades vão partir<br />

pra em Canudos convergir.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

No Combate, General Arthur Oscar,<br />

nossas duas colunas, no dia 27 de junho, vão se enlaçar<br />

CORO<br />

E ganhar !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Da Pátria vamos operar o coração !<br />

Está constituída a 4ª Expedição.<br />

TROPAS DOS DOIS LADOS<br />

Viva a república !<br />

(sai o vídeo de Aracaju)<br />

ZABANEIRAS<br />

Viva !<br />

(corografia dos gestos explícitos de dedos cobrando dinheiro e enfiando nas bocetas)<br />

Tem bububu no bóbóbó !<br />

(As Tropas partem para seus destinos. A 1ª Coluna parte marchando animada até que os soldados se dão conta que,<br />

pouco aparelhados para o salto da 4ª Expedição para o Estádio do Desmassacre, são bucha de canhão; protestam)<br />

MONTE SANTO-BRECADA<br />

BATALHÕES CHEGADOS<br />

Batalhões chegamos<br />

desfalcados,<br />

armamentos estragados<br />

ZABANEIRAS<br />

(sentadas no jardim de Queimadas com espelhinhos da boceta, pernas entrelaçadas, sentadas)<br />

sem feijão nem arroz<br />

sozinhos ou em companhias de dois.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Vozes detonadas<br />

BATALHÕES CHEGADOS<br />

Incompletos.<br />

OFICIAIS<br />

Como vamos completá-los ?<br />

BATALHÕES CHEGADOS<br />

Sem armas.<br />

OFICIAIS<br />

Como vamos armá-los ?<br />

BATALHÕES CHEGADOS<br />

Sem vestes.<br />

14


OFICIAIS<br />

Ninguém pode ficar pelado.<br />

(Zabaneiras reagem cantando um grito)<br />

BATALHÕES CHEGADOS<br />

Da viagem enferrujados<br />

OFICIAIS<br />

Como vamos adestrá-los ?<br />

BATALHÕES<br />

Não sei ler, escrever nem contar<br />

OFICIAIS<br />

Pior, nem sabem interpretar<br />

Como dar educação<br />

Cultura, arma e pão ?<br />

CORO<br />

Falta tudo,<br />

CABO STANISLAVSKI<br />

amor, tesão, o que faz ficar de pé,<br />

CORO<br />

Falta a falta,<br />

CABO STANISLAVSKI<br />

será o axé ?<br />

TROPA<br />

Falta<br />

ZABANEIRAS<br />

rapidez de apaixonado !<br />

CABO STANISLAVSKI<br />

oh primavera, estou desesperado<br />

CORO E PÚBLICO<br />

Falta ! Falta !<br />

ZABANEIRAS<br />

Agora, nos campos de manobras…<br />

CABO VIADO<br />

…vamos agasalhar umas cobras<br />

(Os soldados tiram seus soldos do bolso para foder com as Putas. Entra Barbosa, tensionando o clima)<br />

TROCA DE COMANDO<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Em Monte Santo, aqui no acampamento,<br />

pornografia dá fuzilamento !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

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Tropa, concentração !<br />

É preciso marchar e vencer o vudu.<br />

O general Savaget já está se aprumando em Aracaju.<br />

(a tropa por instantes se convence e reanima a marcha até que)<br />

ZABANEIRAS FETICEIRAS<br />

(Jogam búzios em seus espelhos, banda acompanha o ruído como introdução do poema delas para os Oficiais,<br />

principalmente para Arthur Oscar)<br />

Mas só sai daqui meu cú de boi,<br />

só daqui duas luas depois<br />

No dia do meu Parto<br />

em São Pedro,<br />

se não, enfarto ! ! !<br />

(Todos se quedam vudusados pela profecia das Zabaneiras)<br />

<strong>OFICINA</strong>S E <strong>OFICINA</strong>S DE <strong>TEATRO</strong> ENQUANTO SE ESPERA A ESTRÉIA<br />

E BUSCA DA PRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO<br />

CORONEL SIQUEIRA DE MENESES<br />

Davai davai,<br />

Tavarisht Constantin !<br />

ZABANEIRAS<br />

Iêbai !<br />

CABO STANISLAVSKI<br />

Não se tem exército, se tem está enfermo<br />

Nem companhia, na significação real do termo,<br />

Não vale nada,<br />

essa gente amontoada<br />

com espingarda,<br />

Mais vale uma direção<br />

Uma linha contínua de ação<br />

Uma técnica, uma tática<br />

Encontrada por nós mesmos na prática<br />

Democrática, com um Estado-maior<br />

Planejando fazeres, roteiros de cor<br />

totalidade inspirada no vivo<br />

ação de um super objetivo<br />

órgão sem órgãos<br />

de operações militares para o ato,<br />

de Te-Ato.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Cabo Stanislaviski, que sabedoria !<br />

Agora vamos ganhar linha<br />

Vamos ter que entrar na sua escolinha !<br />

ZABANEIRAS<br />

Pra que dar educação ?<br />

Cultura é só tesão !<br />

ZABANEIRA<br />

Noite do Sto Antônio !<br />

Hoje Monte Santo vira uma escolona, sim !<br />

De amor !<br />

Vem Deus Matrimônio,<br />

16


seja com quem e como for !<br />

GENERAL BARBOSA<br />

A famosa universidade das dragoas?<br />

Contra nós, Santos Guerreiros ?<br />

Querem morrer, suas à toas ?<br />

ZABANEIRAS<br />

(Oferecendo-se pedindo $$$)<br />

Tem bububu no bóbóbó<br />

Tem bububu no bóbóbó<br />

(As Zabaneiras tentam assediar os soldados.)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Querem assaltar o pobre soldo dos soldados ?<br />

Exaustos, esfomeados ?<br />

NOITE DE SANTO ANTÔNIO<br />

ZABANEIRA DA ÓPERA<br />

(canta como uma cadela no cio, com um Santo Antonio e Vaso Transparente com Pinga)<br />

Hoje é Dia de Santo Antônio ! ! !<br />

Pecado ! Nenhum Matrimônio ? !<br />

Ah ! Não conformo.<br />

(Põe Santo Antonio de cabeça pra baixo no vaso)<br />

CANTADORAS ZABANEIRAS<br />

(tentando seduzir os Soldados e fazer de Monte Santo uma Capua; mas se estes cederem à sedução das gatas no cio,<br />

General Barbosa chia.)<br />

As tropas romanas desmoronavam<br />

Aí em Capua demoravam,<br />

lugar cheio de delícias,<br />

ninguém queria deixar<br />

Ai Ai Ai…<br />

Ah ! Pro descanso do guerreiro<br />

SOLO<br />

Fodia-se<br />

SOLO<br />

soldava-se<br />

(fazem sinal de $)<br />

o dia inteiro<br />

ZABANEIRAS<br />

(decepcionando-se)<br />

Monte Santo, que inversão<br />

Ninguém trepa, e o tesão ?<br />

Zabaneira<br />

Que brocheira<br />

Ninguém paga,<br />

Tudo caga,<br />

Não vai nem de graça<br />

(decidem fazer uma orgia de mulheres, entre si e as do público; sugestão: sauna gay para mulheres; procuram as<br />

mulheres do público, provocam os homens, viram Dragoas com Línguas de Fogo Sexuais desafiando a fúria Machista<br />

dos São Jorges)<br />

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Rala o grelo Zabaneira<br />

Rala o grelo Zabaneira<br />

No meu grelo brincadeira<br />

Rala o grelo Zabaneira<br />

Rala o grelo Zabaneira<br />

No meu grelo brincadeira<br />

a fome até passa<br />

Zabaneira meu inferno<br />

(tocando a boceta)<br />

queima, neste afago terno,<br />

gozo como o pai eterno !<br />

(quase gozando)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Vocês já nasceram queimadas,<br />

pombas putas desgraçadas.<br />

ZABANEIRAS<br />

Aqui vocês bocejam,<br />

Nós bocetamos<br />

Vocês desassossegam<br />

Nós valentgozamos.<br />

(Gozam descaradamente)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Fuzilaria, preparar !<br />

(Os soldados guardam as trouxas do soldo e apanham as armas)<br />

Atirar !<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Não ! ! !<br />

(com gravidade e respeito, com medo que Barbosa faça uma loucura)<br />

Hoje é dia dos namorados !<br />

ZABANEIRAS<br />

General, nem assim serão recompensados !<br />

Marcam passo, marcam toca<br />

diante do inimigo,<br />

nosso amigo,<br />

nem vos ligo.<br />

(saem putas atrás do(a)s amantes sertanejo(a)s)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(para os Oficiais, desesperado por esta perda do elenco)<br />

Perdemos as Zabaneiras !<br />

CABO VIADO<br />

Vamos comer o Pires Ferreira !<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Fuzilamento !<br />

ARTHUR OSCAR<br />

(sem saber o que fazer, manda a tropa dispersar)<br />

Dispersar!<br />

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BAIXO CLERO PEDE UMA REUNIÃO<br />

(todos dispersam, ficam Tenente Pires Ferreira e o Alferes Wanderley)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Alferes Wanderlei<br />

Não sei Sempre contigo impliquei.<br />

Mas agora sois uma celebridade !<br />

Pois com tua habilidade,<br />

organiza uma reunião,<br />

um Conselho para alguma decisão ? !<br />

(Banda Entra com Acordes Solenes no Piano)<br />

antes que eu perca olhos,<br />

(Um acorde)<br />

tripas,<br />

(outro em outro tom)<br />

mãos !<br />

CONSELHO: PORQUE NÃO PARTIR<br />

(A Banda entra Eloqüente e Solene a Grande Reunião de Cupula Mundial Montada pelo Alferes; A Luz vai para a<br />

reunião)<br />

ALFERES WANDRELEY<br />

7 palmas.<br />

Esta aberta a sessão.<br />

(ninguém se manifesta)<br />

A pauta é uma pergunta<br />

por todos perguntada<br />

e essa pergunta pergunta:<br />

PORQUE ESSA REUINIÃO ?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Ah ! Não foi isso que eu falei !<br />

Pára, me segura que vou ter um troço !<br />

(se atira de raiva ao chão)<br />

Ai ! Quebrei mais uns três ossos<br />

(É socorrido pelo Médico)<br />

MÉDICA TERRA<br />

Quebrou ? Vais perder o braço !<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

General ! O importante é sair do embaço<br />

(decidindo, decidido)<br />

Se o Sr. me permite, essa operação aqui mesmo faço.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Compustura. Olha o garrão !<br />

Num momento decisivo, iniciamos assim a reunião !<br />

MÉDICA TERRA<br />

Morfina !<br />

(entra a ambulância de enfermeiras)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(tendo um ataque, contagiado pelo do Tenente)<br />

A Pergunta é: como e quando vamos sair daquí ?<br />

É preciso repetir ?<br />

19


(o Tenente recebe o pico da morfina que contagia a reunião. A matadeira entra de Costas, a morfina traz uma lucidez<br />

simples para um acontecimento tão grandioso)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(TEMA MUSICAL DO PAÍS DE FORA CONTRA O PAÍS DE DENTRO)<br />

Vem do estômago, meu coração, a revelação ! ! !<br />

As tropas já estão chumbadas nas toneladas, desse novo canhão.<br />

(Olhando a Matadeira de Costas, todos os corpos sofrem um balanço marítimo)<br />

A máquina defensora da quietude das fortalezas costeiras,<br />

Aponta, tragédia, pro coração das terras Brasileiras !<br />

(32 entra de costas para a Pista, e acoitera-se do apontar para fora para mirar o país de dentro)<br />

ENTRA A 32<br />

(a With-worth electric sound, uma máquina-atriz que fala sons microfonados, um Globo da morte. Alferes está atônito,<br />

e deve sua imagem estar presente no vídeo com seu desacordo)<br />

TROPA E ARTILHEIROS DA MARAVILHA ELETRÔNICA<br />

Presos de amor,<br />

com valor<br />

à With-Worth !<br />

Mola de aço<br />

da English court (sotaque interior de São Paulo)<br />

Queen mulher, é pois<br />

“a” 32<br />

1. 700 quilos !<br />

Tremendos fuzílos !<br />

Gamei na hora !<br />

Big game do mundo o centro,<br />

importada do país, de fora,<br />

pra atirar<br />

no país de dentro !<br />

Importada do país, de fora,<br />

pra atirar<br />

no país de dentro !<br />

GENERAL ENTUSIASMADO COM A 32, DECIDE A PARTIDA<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(possuído pelo encanto da Máquina, fala como uma personagem de Tchecov, como se já estivesse em ação mas esta no<br />

mesmo movimento. A Máquina que caiu do céus do Hemisfério Norte vai resolver tudo !)<br />

Com esta potência<br />

partamos agora, na urgência,<br />

na emergência das batalhas.<br />

(A Luz baixa no geral mas ilumina o Médico terminando a operação do corte de braço<br />

e o Tenente Pires Ferreira)<br />

MÉDICO<br />

Lá se foi seu Tenente, aqui está seu braço,<br />

o senhor é um homem de aço.<br />

Sobe o Monte Santo, faz um ex voto,<br />

pede reforma, volta, mas antes vamos à foto.<br />

FOTO DE PARTIDA<br />

(A Luz vai se abrindo para a foto geral, todos se preparam para foto da partida em glossolalias e evoés Arthur<br />

Oscar subiu nas alturas da 32. Toda uma multidão posando feliz. Flávio da Barros prepara seu equipamento e todos<br />

20


posam expectantes, querem sair bem na fotografia da História.)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Vou à luta até o fim<br />

até que nada mais sobre de mim.<br />

TROPA<br />

Olha o Garrão !<br />

(Flávio de Barros faz a Foto. Explode a pólvora !)<br />

GENERAL APRESENTA A ESTRATÉGIA DE MARCHA<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

19 de junho,<br />

Está no meu punho:<br />

a Ordem Do Dia,<br />

pura Poesia.<br />

ALFERES E GENERAL<br />

Deixo à imparcialidade da História<br />

a resposta ao porque<br />

dessa demora.<br />

Assino, para nela ficar<br />

general Arthur Oscar.”<br />

TROPA<br />

Lindo ! ! !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Corpos desenvolvam-se sem falhas,<br />

nas distâncias regulamentares,<br />

cada brigada nos seus lugares.<br />

(as Brigadas se colocam em posição. Arthur Oscar apresenta-as fazendo a revista)<br />

Na geometria:<br />

vanguarda: engenharia e atiralharia.<br />

Linhas de apoio.<br />

Reforço: 5º de Polícia no comboio.<br />

E reservas,<br />

agir como sérvas !<br />

Tropa Marchar !<br />

(A Tropa começa a marchar)<br />

SONG DA 32<br />

CABO BRECHT<br />

Inicia-se com a Santa Rainha, a 32<br />

Uma Era, antes e depois<br />

BOIS E SOLDADOS<br />

Bois bois bois<br />

Bois bois bois<br />

Bois bois bois<br />

Bois bois bois<br />

A 32<br />

Bois, on the road,<br />

21


ad boys,<br />

Soldiers, Gorilas !<br />

You don’t know how to drive me !<br />

Oh ! Bréque !<br />

CORO<br />

She is the high tech ! (4x)<br />

A 32<br />

I’m Raitéque<br />

terceira mundo TROPA E ZABANEIRAS<br />

imundo Pôôô !<br />

carro de boi<br />

isso já foi ! Pôôô !<br />

I don’t need you !<br />

I want to be alone !<br />

(soltam a máquina que despenca na caatinga)<br />

Ai minha saco !<br />

UM BURRACO ! ! !<br />

CAI A 32<br />

(O Carro de Shiva, a 32, máquina pesadíssima cai, fica de ponta cabeça; tomba causando um barulhão acústico<br />

eletrônico. A Marcha pára.)<br />

A 32<br />

Aiii#$%***** ! ! ! ! ! ! ! !#$$<br />

CABO STANISLAVSKI<br />

Emperração, corte da ação !<br />

SOLO<br />

(viajando numa bad trip, tendo que erguer a 32)<br />

Entope a estrada<br />

à cada cagada ! !<br />

32<br />

(Enquanto uma multidão de soldados tenta desvirar a Máquina, a 32 amaldiçoa todos)<br />

Ainda não descobriram o que ío já sou ?!<br />

A Withworth ?!<br />

Da computador<br />

a precursor ?!<br />

Da míssel<br />

a bisavô ?!<br />

Não me façam sofrer assssim<br />

Força animal !<br />

No sabe fazer,<br />

dar-me prazer.<br />

(A 32 é desvirada. Ela põe a cabeça pra fora do canhão e para o público canta:)<br />

I’m the Death Machine<br />

The With Worth<br />

I came, ai vim !<br />

I am the Queen<br />

22


CORO<br />

God save the Drag Queen !<br />

A 32<br />

Repeat everibody !<br />

CORO E PÚBLICO<br />

God save the Drag Queen !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Vamos assustando todo espaço<br />

com esse importado Espantalho de Aço !<br />

32<br />

I beg your pardon ?<br />

I am an espantalho ?<br />

How dare you ? Fuck you!<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Sorry my love,<br />

nosso primeiro Passo,<br />

na Era Raitéque ! ! !<br />

(para os soldados)<br />

For Madam, Conféte ! ! !<br />

CORO DE CONFETES<br />

She is the high tech ! (4x)<br />

SAÍDA DO EMBAÇO COM A 32<br />

A 32<br />

Let’s go!<br />

(A 32 sai do empacamento puxada por seus bois.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Ufa ! De Monte Santo ao menos, largamos em frente,<br />

diga Coro: está contente ?<br />

OS BOIS QUEREM FAZER GREVE<br />

(os bois caem de cansaço)<br />

CORO GERAL<br />

Não completamente.<br />

MAJOR FRUTUOSO<br />

Agora são os bois<br />

Cansaram da 32 ! ! !<br />

ZABANEIRAS LÍDERES DOS CHINESES<br />

Querem parar<br />

Vamos ter que boisar ?<br />

(Os Chineses-público saem de seus lugares pra liberar os bois e empurrar com a força humana a 32 emperrada.<br />

Tambores tocam. Os Bois fogem. Soldados põe cordas no público que se transforma em Bois)<br />

Bois bois bois<br />

Bois bois bois<br />

32<br />

23


Let’s go !<br />

NOITES DE IGUANA DOS CANTOS COM CHUVA<br />

MAJOR FRUTUOSO MENDES e ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

A canhão 32, não pode vencer os obstáculos do instante<br />

Vamos dormir meus chineses na picada, com nossa amante.<br />

Vamo protegê nossa Rainha das chuvas torrenciais<br />

com nosssas peles e nosso amor demais.<br />

Amiga amante<br />

essa noite, imante.<br />

Dormimos todos pois<br />

com a 32.<br />

CABO BOFE XIBOQUINHA<br />

Viados ! ! !<br />

RETAGUARDA DO ATRASO<br />

OUTRO PONTO MAIS DISTANCIADO DA TROPA O 5ª DE POLICIA<br />

(Brega Nordestino Lindo, Baile Perfumado, Fashion sertanejo)<br />

CABO VIADO<br />

Por quem estou sendo chamado ?<br />

Eu o Cabo Viado,<br />

Percorri três léguas,<br />

em três dias !<br />

Por causa da tecnologia<br />

da porcaria.<br />

O 5° BATALHÃO DA POLICIA BAIANA<br />

(Brega militar-pique Jackson do Pandeiro inciando-se dopado)<br />

O Quinto de Polícia de tanta distância se dópa,<br />

no coice do rabo de toda tropa.<br />

ZABANEIRAS<br />

(mostrando o tamanho dos páus)<br />

Quinto de Polícia Baiana<br />

400 praças de páu de fama !<br />

CABO VIADO<br />

Guarnecendo provisão e a bóia desse drama<br />

O 5° BATALHÃO DA POLICIA BAIANA<br />

dos fodidos<br />

OFICIAIS<br />

e dos bacanas.<br />

(Convocando os sertanejos)<br />

Convocados !<br />

Sertanejos-soldados !<br />

(Entra o Brega com as Zabaneiras e o Quinto)<br />

ZABANEIRAS<br />

Dos viveiros do S. Francisco.<br />

O QUINTO<br />

24


Batalhão de risco<br />

Arisco !<br />

ZABANEIRAS<br />

Levanta a moral, se gruda, oh ! tropa<br />

ao som do machete, da modinha e da anedóta.<br />

QUINTO<br />

ao som do machete, da modinha e da anedóta.<br />

(Levantam o Cabo Viado e navegam)<br />

QUINTO E ZABANEIRAS<br />

Ilha perdida no mar do sertão<br />

OFICIAIS<br />

Na frente vai o gaúcho<br />

SOLO DO QUINTO<br />

Atrás nós policia baiana,<br />

CORO<br />

ralando o bucho.<br />

CABO VIADO<br />

Ai, estou sendo comído, é indecente,<br />

por uma bromélia-boceta com dente !<br />

(se libertando das bromélias e tendo um insight)<br />

Ah ! Éra só seguir o fashion vaqueiro<br />

(Entra Maneca com Roupa Sertaneja Fashion de Couro mas com uma virilha vermelha avantajada de Paraíba)<br />

show de passarela pro mundo inteiro !<br />

Préconizo a volta do exercito, com um it,<br />

com jagunço figurino<br />

evoluindo estonteante nordestino…<br />

ZABANEIRAS<br />

… nordestino !<br />

CABO BOFE<br />

Farda de Jagunço nordestino ?<br />

ZABANEIRAS<br />

Nordestino !<br />

CABO VIADO<br />

(caindo na real)<br />

Mas para a maioria do seu rebanho rapaz<br />

seria uma inovação extravagante dimais.<br />

SOLDADO VIADO IMITANDO O VIADO CONTAGIADO<br />

Mais extravagantes, nesse calor, que eu<br />

são esses dólmãs europeus.<br />

SOLDADO VIADO E CABO VIADO<br />

A gente acaba ficando nú<br />

E vamos querer tomar no cú !<br />

25


As evoluções estonteadoras dos jagunços pra nos é esporte,<br />

FREVO DE TODA A TROPA TRAVESTIDA DE FLANQUADORES SERTANEJOS DO 5º DE POLICIA DA<br />

BAHÍA<br />

Em todos os batalhões, estamos nós, os filhos do Norte,<br />

O uniforme bárbaro num vai se ajustar em mim pela prémera vez.<br />

Num me é originalidade vestir com o couro da rez.<br />

ZABANEIRAS<br />

Esses dólmãs europeus,<br />

SOLDADOS<br />

ai, me frevem, me fazem mal<br />

ZABANEIRAS<br />

É um espalhafato fora do Carnaval<br />

listras vivas botões fulgentes,<br />

SOLDADOS<br />

é pra entregar na catinga arrente, é ?<br />

ZABANEIRAS E SOLDADOS<br />

A vestidura sertaneja ia trazer, garante<br />

Talhos de nossa plástica elegante,<br />

atenua o calor no estio,<br />

atenua no inverno o frio;<br />

e dá pra tirar um soninho<br />

sobre uma moita de espinho.<br />

(dormem com/no público.)<br />

HERVAÇAL<br />

(na platéia acendendo um incêndio erótico)<br />

depara, adiante, um hervaçal em chamas<br />

(as chamas são cúmplices da passagem da Cangaceira, não obstáculo)<br />

rompe altivo sem dramas;<br />

RIBEIRÃO<br />

(na platéia oposta)<br />

um ribeirão correntoso naufragável,<br />

vadeia, leve, na véstia impermeável.<br />

CABO VIADO<br />

(Tem um Eureka, pula na pista)<br />

This is it !<br />

Um corpo só diamante<br />

Bem ensaiado, praticante.<br />

(ENTRA TRILHA DE ROGERINHO)<br />

TROPAS DIAMANTIS<br />

This is it !<br />

Um corpo só diamante<br />

bem ensaiado, praticante<br />

This is it !<br />

Um corpo só diamante<br />

bem ensaiado, praticante<br />

(Formam-se dois Times: o das Amazonas com um dos peitos de fora e a os Viados Soldados. A Vaqueiro Fashion<br />

Andrógina está no centro da pista BREQUE)<br />

26


CABO BOFE<br />

Não me deixe mais aperreado<br />

colar ao pelo do soldado a pele jagunça desgraçada ? !<br />

Isso já dá confusão<br />

e ainda mais<br />

um exército de bicharada ?<br />

É o Apocalipse de São João !<br />

(música de Rogerinho Amor Grego Nego; o exército se transforma subitamente no Batalhão de Aquiles e Pátroclo, um<br />

bando apaixonado)<br />

CABO VIADO<br />

Como na Grécia, Boçal !<br />

Amor Grego, Nego !<br />

CORO DO EXERCITO DE AQUILES E DAS AMAZONAS<br />

Uau !<br />

Não perdíamos uma batalha.<br />

Nem na tenda<br />

nem na guerra com a gentalha.<br />

Um corpo diamanti, lapidado,<br />

um batalhão de viado<br />

bem amado !<br />

Vamos dar,<br />

vamos arrasar !<br />

Vamos dar,<br />

vamos arrasar !<br />

Vamos dar,<br />

vamos arrasar !<br />

SOLDADO VIADO<br />

E se formos derrotados…<br />

TOPAS DIAMANTIS<br />

Morreremos todos abraçados.<br />

NO CENTRO, NA BRIGADA JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS, WANDERLEY FAZ UM BALANÇO<br />

DA ESTRATÉGIA<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(Olhando dos lados vendo se ninguém vê, fala com a almas do público. Com uma grande trena, desenha na pista a<br />

longura da Expedição.)<br />

A tropa espichou-se em mais de quatro léguas,<br />

violando instruções combinadas nas réguas.<br />

Sonho noite e dia<br />

Com outra estratégia.<br />

Mas mesmo sendo celebridade<br />

não gozo de liberdade<br />

sou obrigado a ficar quieto.<br />

PRIMEIRO REENCONTRO<br />

(Entra música cinética de catavento e suspense grandioso, anunciador dos futuros confrontos da aparição mística do<br />

Anjo Negro)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Meu piquete, vamos nos preparando<br />

Olhem ! Rebeldes naquela casa desafiando !<br />

27


Em linha ! Fogo !<br />

(Vêem no Telhado de Vidro Sertanejo Anjo Negro Batendo suas Asas de Armas Negras, como uma Ave Catavento,<br />

provocando, chamando, para uma direção - um Moinho de Vento, a desafiar e chamar o exército em espiral eólica.<br />

A música cinética continua. Os soldados atiram, não o ferem, ele Salta ! O Vídeo mostra seu salto do alto para o<br />

Estádio.)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Um moinho de vento<br />

anunciando o primeiro momento ?<br />

ANO NOVO DE JUNHO<br />

(A música cinética do catavento traz a roda de S. João, vira a sua introdução. Sertanejos entram com bandeirascataventos<br />

de S. João, e abrem a fase dos primeiros encontros, exércitos e sertanejos olimpicamente comemorando a<br />

Noite de S. João numa roda.)<br />

ENTIDADE DE NOITE ESTRELADA ! (com um enorme pano preto do tamanho da pista)<br />

ENTIDADE SOL- SOL(com um enorme parangolé dourado de raios do sol)<br />

AS ENTIDADES SE SAUDAM E SAUDAM TODOS -SAUDAÇÃO GERAL DO ANO NOVO<br />

A NOITE<br />

É o ano novo no sul hemisfério<br />

a noite mais longa do novo Império<br />

CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS E PÚBLICO<br />

É o ano novo no sul hemisfério<br />

a noite mais longa do novo Império<br />

O SOL E A NOITE<br />

Deus, irmão de João<br />

Luís,<br />

Nos protege dessa Trinta e dois<br />

CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO<br />

Deus, irmão de João<br />

Luís,<br />

Nos protege dessa Trinta e dois<br />

O SOL E A NOITE<br />

de todo mal do bem desse mundo pois<br />

CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO<br />

de todo mal do bem desse mundo pois<br />

O SOL E A NOITE<br />

nesse equinócio,<br />

sóis !<br />

CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO<br />

nesse equinócio,<br />

sóis !<br />

O SOL E A NOITE<br />

nesse equinócio,<br />

sóis !<br />

28


CANTO GERAL DOS SERTANEJOS, EXÉRCITO, ZABANEIRAS COM O PÚBLICO<br />

nesse equinócio,<br />

sóis !<br />

ZABANEIRAS MANDRÁGORAS<br />

(Dançam as substituições da noite Tela Negra e do dia tela Dourada)<br />

Dia 24 é a festa da Deusa Sol<br />

hoje sai mais cedo e volta tarde no arrebol.<br />

A noite é a mais longa no meu degredo,<br />

na Terra Grande o dia expulsa a noite de cedo a cedo.<br />

Acorda João,<br />

te chamo pra um brinco,<br />

amanhã é vinte cinco.<br />

(Todos batem no centro da pista para Acordar João Dionisos. Abrem as portas do Subterraneo, João Dionisios ainda<br />

dorme, as Mandrágoras, acordam-no.)<br />

CORO GERAL<br />

(Todos comas palmas das mãos em adoração ao Bambino)<br />

Xangô Dionisios Menino !<br />

DIONISIOS XANGÔ<br />

Novo dia, nova sociedade<br />

CORO<br />

nova maneira de pensar<br />

DIONISIOS XANGÔ<br />

A luiz e a sombra vão guerrear<br />

O SOL<br />

a Sol da Terra vinho<br />

DIONISIOS XANGÔ<br />

a baioneta e o espinho<br />

CORO<br />

vão se enfrentar.<br />

O SOL<br />

(Imenso LEQUE redondo se abre todo e depois vai se fechando para Oeste)<br />

É meio dia em Aracati,<br />

eu Sol, vou ter que partir<br />

no portal de Cunanã vai fulgir<br />

e guerrear<br />

Na sombra Cunanã irmã minha acende<br />

da terra a luiz rubraamarelada<br />

apaga a lâmina baioneta que corta prateada<br />

SURGE A 1ª COLUNA NO PORTAL DA LUZ DAS CUNANÃS<br />

ALFERES WANDERLEI<br />

(assustado)<br />

São Jorge, são labaredas do Dragão de Planta a larvar.<br />

É o Portal<br />

Labirintal<br />

O Primeiro Círculo do Inferno<br />

Do Arraial Interno ! ! !<br />

29


SIQUEIRA DE MENESES<br />

General Arthur Oscar,Chegamos ao Juetê !<br />

Juetê espinho grande, vai doer.<br />

CATINGA ESPINHENTA E FEROZ DO JUETÊ<br />

(Protegendo o Touro que está no labirintos das Cunanãs, que como polvos de luz do mar, começam a se desenrolar -<br />

Labirinto de luz, de matéria luminosa, a ser abatido.)<br />

Cunanã ! Cunanã !<br />

Cunanã ! Cunanã !<br />

Eu sou a mal falada, a temida cunanã !<br />

Cunanã !<br />

Cunanã ! Cunanã !<br />

De planta cultivada em jardim eu sou a má irmã !<br />

Má irmã !<br />

Cunanã ! Cunanã !<br />

(as Cunanãs vegetam suicidas como um polvo de milhões de antenas acendidas.)<br />

Vamos fazer natal no sertão<br />

na noite de São João<br />

(Toque de possessão)<br />

Venham “burgueses” covardes<br />

Ardemos, ardeis, ardam.<br />

(Os soldados atacam com Baionetas, ao som de Britadeiras que estavam repentinas-cenas de prédios históricos<br />

derruídos, Juquerí em Chamas etc BREQUE)<br />

CUNANÃS<br />

Fogos fátuos vegetais e minerais<br />

a Terra acendemos aos imortais.<br />

Labirinto Áureo<br />

protege nosso Minotauro,<br />

muitas horas pra destruir nossas fogueiras<br />

seis quilômetros, de matança da sol da noite inteira,<br />

até a escuridão chegar.<br />

Vocês vão nos suicidar<br />

e nossas luzes, voltarão a vos atormentar.<br />

MADRUGADA DE SÃO JOÃO<br />

TRAVESSIA DA 32<br />

GAL ARTHUR OSCAR<br />

Vamos ceifar a lu(i)z<br />

com que Terra, não quer nos deixar passar.<br />

GAL JOÃO BARBOSA<br />

100 baionetas prateadas,<br />

masssacrem as Cunañas aluzadas ! ! !<br />

APAGÃO<br />

(100 Baionetadas, penetram no Inferno Iluminado vegetal e dançam o Massacrar das Cunanãs, no meio de Luzes e<br />

contra Luzes até que as Cunanãs sucumbam. BREQUE. Cunanãs desligam juntas suas tomadas e morrem. Silêncio<br />

seguido da chuva)<br />

CHUVA CANTO PRANTO<br />

MANDRÁGORAS OXUMS E IANSÃS DO CÉU,<br />

CHORAM COM O ALFERES WANDERLEY<br />

MANDRÁGORAS E ALFERES<br />

Chuva canto pranto<br />

30


Chovo a noite inteira<br />

Apagou-se a fogueira<br />

Atravessou destruição<br />

Do Portal vencido, sul sertão<br />

(Nos dias 23, o CANTOR canta O AMOR de Maiakoviski.<br />

A CHUVA PÁRA.)<br />

TENENTE SIQUEIRA DE MENESES<br />

(chorando)<br />

Cunanã faleceu<br />

A mais benigna, e luminosa<br />

vegetação que se conheceu ! ! !<br />

INAUGURAÇÃO<br />

TRAVESSIA DA 32 RAINHA DO MUNDO PARA CANUDOS<br />

(Fanfarras)<br />

GAL ARTHUR OSCAR<br />

Artilharia, atravessar !<br />

CORO<br />

Atravesse Rainha do Mundo<br />

O Portal do Inferno rubicundo<br />

Metal, polido, faiscante jóia<br />

Entra e vence oh Cavalo de Tróia<br />

Metal, polido, faiscante jóia<br />

Entra e vence oh Cavalo de Tróia<br />

(filmar closes de Siqueira Cantando Guerreiro para ser susado mais adiante)<br />

Oh ! gênio da Liberdade,<br />

Tua tocha nos mostra a via do dever na nossa Idade<br />

É o Nosso Capital<br />

pra que Deus nos conduz a vitoria do bem contra o Mal<br />

o extermínio da pústula do arraial !<br />

A 32<br />

Cunanãs do diabo !<br />

TROPA<br />

Viram Atapetado da vitória dos predestinados.<br />

(Todos penetram o portal e a Zona onde está o Touro Preto, até então lutando com discrição ao lado das Cunanãs agora<br />

mortas, protetoras dos portais da natureza dos Sertões)<br />

CUNANÃS RENASCEM EM FORMA DE CINEMA<br />

TENENTE SIQUEIRA DE MENESES<br />

Entre os mortos, despertemos<br />

Cegos de novo, a luz líquida do liquor, o cinema reinventemos<br />

(Siqueira vai para o piano, desapeando da guerra, mas ainda não toca)<br />

CENA 1: EUCLIDES NO LAGO PALCO CAMA NO RIO,<br />

VENDO UM FILME DO CINEMATÓGRAFO EM CANUDOS PALIMPSESTOS<br />

(1.1.1 - Entra a equipe de cinema: 2 câmeras, microfonista com boom e assistente de direção com claquete.<br />

1.1.2 - A claquete é batida no Primeiro Plano no rosto de Euclides, que está na fonte, virada cadeira de cinema,<br />

pronto pra assistir no cinematógrafo, a reportagem da travesssia da 32 e todos os filmes que serão projetados nas<br />

31


cenas 1, 2 e 3.<br />

ASSISTENTE DE DIREÇÃO<br />

Filme…<br />

Cena 1.2.1<br />

Tomada 1 !<br />

1.2.1 - Por alguns segundos, a imagem do rosto de Euclides, captada pelo vídeo, é projetada nas telas.<br />

1.2.2 - Em sincronia com a projeção de Euclides, o projecionista liga o projetor 16mm, ainda com a lâmpada<br />

apagada, pois durante a imagem de Euclides projetada só ouvimos o som do motor do projetor de cinema.<br />

1.3.1 - O Filme se sonoriza; o sonoplasta-pianista do cinema toca o tema da Travessia da 32.<br />

1.3.2 - Em sincronia com os primeiros acordes da música, o projetor 16mm projeta na Tela o filme da Travessia da 32;<br />

a primeira cena é o título do filme que segue com passagem das tropas, com a sonoplastia da música da Travessia; o<br />

filme da 32 segue até fundir-se com as imagens de expectativa de tiroteios na favela em guerra de gangs.<br />

CENA 2: NO LAGO PALCO CAMA DE MOTEL DO RIO,<br />

DILERMANDO E ANA SE ENCONTRAM<br />

(2.1.1 - Na trilha Sonora entra Tristão e Isolda de Wagner, no arranjo de Lizt. Entram na pista ANA E DILERMANDO<br />

chegando num Bairro perigoso, para procurar um motel pra trepar. Cada um vem de um lado da pista filmados pelos<br />

dois câmeras, e se encontram no centro.<br />

2.2.1 - Tiroteios na sonoplastia.<br />

2.2.2 - Rápidos, Ana e Dilermando caem no chão evitando as balas.<br />

2.3.1 - O editor funde a imagem captada ao vivo de Ana e Dilermando e projeta o filme 16mm Favelas do Rio-SP em<br />

guerra de gangs.<br />

2.3.2 - Ana e Dilermando caminham em direção ao palco cama gostoso maior que o de casal: a fonte virada piscina<br />

do Motel. A luz da fonte sai enquanto eles tiram as roupas e as câmeras ao vivo não os filmam. Projetadas as<br />

imagens da favela que se fundem com)<br />

CENA 3: FILME DE AMOR<br />

(3.1.1 - Imagens de Siqueira de Meneses sujo de fuligem de guerra, desapeando-se do cavalo e da guerra,<br />

procurando o conforto da Terra e da região remansada do amor. Corta para<br />

3.1.2 - …O mapa Maravilhoso de Siqueira, projetado na Tela, ainda com trilha de Wagner e voz off de Siqueira<br />

gravada:<br />

SIQUEIRA DE MENESES<br />

Bordo mapas, curvas<br />

montes ondas turvas,<br />

risco estudos,<br />

das volutas impossíveis de Canudos<br />

3.2.1 - Em palimpsesto somam-se ao mapa na Tela, Ana e Dilermando ao vivo. Estão deitados na piscina, a barriga<br />

de Ana flutua. O projetor menor do teatro, projeta na barriga de Ana, na água, o mapa de Siqueira que Dilermando<br />

lê, com os dedos e fala ao vivo, captado pelo boom, junto com Siqueira ainda em off:<br />

DILERMANDO(na cama) e SIQUEIRA(off)<br />

Uma página da terra, que ainda ninguém leu<br />

ainda não aconteceu<br />

tateio mão mão a mão<br />

desconhecida e bárbara remansada região !<br />

3.3.1 - Soma ao palimpsesto plano de Siqueira abrindo a Caderneta e tirando sua pena, com a Terra Impressa na<br />

Tela. Siqueira em off:<br />

32


SIQUEIRA<br />

Nas notas da Caderneta de Campo,<br />

Agora mundo, te anoto<br />

3.3.2 - Câmeras ao vivo captam Dilermando escrevendo com a língua na barriga de Ana.<br />

Ana fala para Dilermando ao vivo com boom :<br />

ANA<br />

Escreve com tua língua lorilambendo<br />

tateando mão a mão<br />

minha desconhecida, bárbara, remansada região !<br />

3.3.3 - Ana tem orgasmos.<br />

3.4.1 - Plano de uma lasquinha de uma pedra e uma flor do sertão em palimpsesto com a cena de Dilermando e Ana<br />

no Motel. A flor por cima da água que está por cima da rocha. Siqueira em off gravado e Ana e Dilermando ao vivo<br />

com boom.<br />

SIQUEIRA E DILERMANDO<br />

Uma lasca de rocha viva…<br />

uma flor dasabrocha diva !<br />

ANA, DILERMANDO E SIQUEIRA<br />

Tatear, tatear, mão a mão<br />

desconhecida e bárbara região.<br />

3.5.1 - Euclides olhando o filme, vê a mesma rocha e flor que Siqueira e Dilermando tem nas mãos: a sua rocha e Ana<br />

que Dilermando mapeia com as mãos)<br />

EUCLIDES<br />

(de costas para Ana, olhando a projeção)<br />

Ana, me desperta inveja<br />

Desejo ler, tocar essa terra heréja.<br />

ANA<br />

(Distraída com Dilermando na da piscina)<br />

O que ?… .<br />

(Cai na risada de alguma coisa que ela e Dilermando também descobriram.)<br />

3.6.1 - Siqueira sai do piano, mas a música continua. Ele fala ao vivo com Euclides, que continua assistindo vidrado<br />

as imagens.<br />

SIQUEIRA MENESES<br />

Euclides !<br />

Você cai mimetisado, enfeitiçado<br />

pelo que meu olho vê e é desenhado<br />

3.7.1 - Siqueira olha para a imagem não projetada que a Luz revela: a transa de Dilermando e Ana. Euclides ainda<br />

vidrado vê a mesma imagem palimpsesteada com mapas de Siqueira na tela)<br />

SIQUEIRA MENESES<br />

Corno Coroado !<br />

Nada vê em teu redor,<br />

o teu sertão do Rio não é menor<br />

3.8.1 - Na Tela, entram os letreiros finais do filme: FIM sobre imagens da ROCHA VIVA: DO LAGO DO I CHING<br />

SOBRE A PEDRA com a água e os amantes. Euclides olha o fim do filme. Sai a luz da Rocha Viva.<br />

33


3.9.1 - Siqueira e Euclides ao vivo no teatro. Siqueira está transtornado, nervoso, apaixonado, mas tolhido pelos<br />

ressentimentos. Sua respiração e seu tremor, somente serão progressivamente amansados com a entrada da Valsa.<br />

SIQUEIRA MENESES<br />

Atenção, público! Fiquem sabendo, juro por Deus!<br />

O verdadeiro autor de boa parte de Os Sertões fui eu:<br />

Tenente Coronel e Engenheiro Militar José Siqueira de Meneses<br />

Ah, e também estudo botânica às vezes<br />

Minha maior paixão:<br />

A paisagem interplanetária do sertão!<br />

(saca a caderneta)<br />

Eis aqui meus estudos<br />

Sobre a região de Canudos,<br />

Uma nova Odisséia<br />

(mudando o tom)<br />

E o Dr. Euclides roubou minha idéia ! !<br />

(para Euclides)<br />

Seu filho da puta ! Você nem esteve lá !<br />

Ah, essa angústia de te influenciar,<br />

é tua inveja de Ana,<br />

vai nos liquidar…<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Não. Somos amigos do mesmo ido mar<br />

Por tanto te amar vivo a te personificar.<br />

(Euclides sem sapatos, mas com as meias, dançando com Siqueira a música que então vira valsa Seresta Ser-estando<br />

de Nestrovski)<br />

(Ana e Dilermando saem valsando da cama-piscina Rocha Viva e valsam pela pista )<br />

Te vejo Coronel Meneses, Lu(i)z da expedição,<br />

traça teu caminho, Ser-estando,<br />

Ser-estando no Sertão.<br />

SIQUEIRA<br />

Mas minha Caderneta anotada<br />

No teu livro vingador vai ser devorada ! !<br />

EUCLIDES<br />

Sou tapuio grego negro, não nego.<br />

Te devoro e não arrego.<br />

Te fiz fantasma rondando a cena,<br />

de fisionomia nazarena.<br />

SIQUEIRA<br />

Tua inveja do que você viu no cinema<br />

Minha angústia de influenciar teu poema,<br />

Teu ciúme de Dilermando,<br />

Não vão nos dar paz no mundo rodando.<br />

(a luz da valsa de Ana e Dilermando vai saindo)<br />

EUCLIDES<br />

Desafiadores na cadência,<br />

com a arte da ciência<br />

não caio, nem cairás na pista,<br />

na emboscada conselheirista.<br />

SIQUEIRA<br />

34


Nem tu Corno Sagrado!<br />

É por ciúme que serás aniquilado.<br />

EUCLIDES<br />

Te vejo Coronel Meneses, Lu(i)z da expedição,<br />

traça teu caminho, Ser-estando,<br />

Ser-estando no Sertão.<br />

SIQUEIRA<br />

Faz com minhas entranhas, teu Sertões.<br />

Minha angústia suicidou-se nessas emoções.<br />

(ele passa sua caderneta para Euclides)<br />

EUCLIDES<br />

Com nossas entranhas façamos os Sertões.<br />

Rocha Viva ser-estando<br />

SIQUEIRA<br />

Rocha Viva ser-estando<br />

DUO<br />

Rocha Viva ser-estando<br />

(Black out.)<br />

PARADA: PRIMEIRO PRISIONEIRO. RAPTO DO FILHO DE PAJEÚ<br />

PIQUETE DE SOLDADOS<br />

Prisioneiro de guerra !<br />

(Um menino entra preso num pau de arara)<br />

JESUÍNO<br />

Lembra de mim, teu Padrasto?<br />

Filho de Helena de Tróia, minha vaca de pasto!<br />

Um Troféu, um Vodú<br />

O Filho de Pajeú!<br />

(O menino vai pro General pendurado.)<br />

GENERAL JOÃO DA SILVA BARBOSA<br />

Nosso refém inesperado!<br />

Jesuino! Serás fartamente recompensado !<br />

O pai agora está emboscado!<br />

Te batizo Bicho Diabo<br />

(O General João Silva Barbosa tenta surrar o menino; Arthur Oscar o impede jogando o chicote de Barbosa no chão.<br />

Campelo França pega o chicote e o esconde.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(para Silva Barbosa)<br />

Para com isso já, demente !<br />

Filho de General mesmo das Banda é gente!<br />

Prisioneiro de guerra é pra bem tratar<br />

Queres a Corte Militar ? !<br />

(Arthur Oscar manda os soldados soltarem Bicho Diabo do pau de arara. O homem dos comboios pega o pau de<br />

arara; Barbosa amarra o menino que vai seguir com a tropa, abraça-o e lhe dá uma bala)<br />

35


GENERAL SILVA BARBOSA<br />

Quer uma balinha<br />

minha florzinha ?<br />

(Bicho Diabo joga a bala fora. Barbosa puxa o menino pra si. No pequeno espaço de entrada do teatro, Arthur Oscar<br />

ordena:)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Pro Alto, do mais alto !<br />

Pro morro da Favela !<br />

Tropas, Krupps, 32, juntas!<br />

Paralelas !<br />

(toques militares de caixa; a tropa segue em marcha)<br />

PITOMBAS JAGUNÇOS SURGEM AO ALTO. PAJEÚ NA CEZALPINA<br />

(Pajeú Trepado na Árvore atrai-os para o alto da favela.)<br />

PAJEÚ<br />

Cão fedorento ! Jesuíno !<br />

Seqüestrou o menino !<br />

Filho de Pajeú !<br />

Vai uns tiros no teu cú<br />

(atira; diz para a Tropa, mirando o General Arthur Oscar com os olhos.)<br />

General Arthur Oscar, esse seqüestro vai ser tua perdição<br />

o inferno está pronto pra tua danação !<br />

Vim, vi, e desapareci…<br />

não me siga, vai te foder se insistir.<br />

(o exército reage com uma carga de balas e Pajeú some.)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Vamos atrás dessa besta !<br />

PAJEÚ<br />

(Gravação, voz off)<br />

Meu piquete bombeia, finge só espioná.<br />

Eu Pajeú quadrilheiro dirijo a tropa do General Oscá<br />

vão pro lugar marcado, pra nos encontrá.<br />

(A TROPA segue em direção à favela, tomando o rumo norte; nas suas costas os SERTANEJOS vão entrando em suas<br />

trincheiras Bocas de Fogo;)<br />

Caçadores caçados<br />

o Touro tá danado.<br />

Jesuíno é teu guia<br />

Eu sou o teu também<br />

Mas pra caminho<br />

Que a ti não convem<br />

Sigam o meu rabo, Piquetada<br />

Vem manada, Pro abate, Eh Boi !<br />

Pate !<br />

MEIO DIA<br />

(A TROPA dá meia volta em direção ao morro da Favela; avança na pista, e se decepciona chegando ao morro. Pausa,<br />

General Arthur decepcionando-se com o terreno.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

36


É o alto do Morro da Favela ?<br />

Não se avista nada ainda dEla<br />

É uma ante-sala de espera ?<br />

(a tropa vai avançando)<br />

O morro lendário é um vale ? !<br />

Onde querem que o camarote se instale ?<br />

Onde, o amphiteatro ? !<br />

Onde o centro da cena de fato ?<br />

ATAQUE DOS JAGUNÇOS ENTRINCHEIRADOS<br />

(Um apito de João Abade. Surgem as Bocas de Fogo trincheiras preparadas com a surpresa de um ataque inesperado<br />

dos jagunços como uma ressurreição dos mortos. Música GRAVADA gloriosa ! João Abade, Pajeú, lideram um<br />

relampaguear de descargas terríveis fulminantes, rompendo de trincheiras em redes, pelo espaço todo explodindo<br />

principalmente debaixo do chão como fogaças de minas explodindo na terra em transe. Luzes debaixo. Batalhões<br />

surpreendidos, multidão atônita, assombrada inquieta: homens se esbarrando sem chão, a pista passa a ser o mais<br />

inóspito lugar de cena. 3 Bocas de incêndio. Os Soldados atravessam o Labirinto de Trincheiras surpreendidos, de onde<br />

os jagunços atiram sem riscos, de cócoras ou deitados nos fundos dos fossos, estendendo os canos das espingardas.<br />

Thompson Flores chega até a extremidade do morro no topo do palco sul do teatro, e desenrola no ar a bandeira<br />

nacional.)<br />

THOMPSON FLORES<br />

VIVA A REPUBLICA!<br />

TROPA<br />

Viva !<br />

(Uma salva de tiros jagunços cai sobre Thompson, que se atira no chão.<br />

Entra a música de Laura Finochiaro, Assum Preto, tema da Luta I, com as imagens de Canudos no video. Maravilhado,<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR, observa pela primeira vez, esbatido no clarão do luar deslumbrante, a misteriosa cidade<br />

sertaneja. Ele expõe-se temerariamente inconsciente. Um tiro passa rasante quase acertando o General. Stanislaviski<br />

se atira sobre ele salvando-o)<br />

ORDENANÇA STANISLAVSKI<br />

General, cuidado !<br />

(tomando ar)<br />

De frente e de costas<br />

observe as circunstâncias propostas<br />

por todos os flancos são batidas as tropas.<br />

Sem quorum no palco da luta<br />

pelotões atrasados faltam na disputa.<br />

Chegam divididos,<br />

pior desaparecidos !<br />

A guerra é como teatro na ação<br />

não se faz por procuração !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Cabo Stanislavski, traga os impontuais nos cascudos,<br />

para a arremetida sobre Canudos.<br />

(Uma enorme carga de tiros explodem vindos de Canudos. De repente, cessam inteiramente e inexplicavelmente os tiros<br />

sertanejos)<br />

É a mais contraproducente das estréias.<br />

Barbaridade ! Estamos cercados !<br />

Será que vamos ter que fazer um esquéte, do teatro de Beckéte ! ?<br />

PROCLAMAÇÃO DE VITÓRIA PELO SILÊNCIO DOS JAGUNÇOS - FUGA ?<br />

37


GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(tendo a sacação)<br />

Mas foram embora!?<br />

Foi um combate brilhante !<br />

O inimigo foge neste instante ! ! !<br />

Viva a República !<br />

CORO DE TUDO QUE SOBROU DA 1ª COLUNA<br />

Viva ! Vitória ! ! !<br />

(Toques festivos de cornetas)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Parte agora, Alferes Wanderley, você<br />

ao encontro do General Savaget.<br />

Leva esta mensagem para que se complete,<br />

o nosso encontro de amanhã, dia 27.<br />

(O Alferes toma o bilhete em mãos e sai.)<br />

TROPA<br />

Urraa!!!<br />

(Ouvem-se as cornetas anunciando a 32)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Que impontualidade !<br />

Artilharia, alinhar-se para a Rainha chegando atrasada !<br />

(A Tropa vaia a Retardada 32)<br />

Respeito Tropa !<br />

Ou será antes do sertanejo, por mim, Massacrada !<br />

(Entra a 32 puxada pela orelha por Cabo Stanislaviski e é instalada no centro e no alto do Morro da Favela,<br />

apontado para Canudos.)<br />

A 32<br />

I Tried to came a mil!<br />

Impossible in Brazil !<br />

My British pontuality<br />

OH! Boys, you have turned into calamity !<br />

(CANUDOS faz um ATAQUE CALAMITOSO.<br />

Atiradores das altas troneiras dos buracos de Beirute, batem sobre os morros, percutem numa chuva de balas dos<br />

Jagunços.)<br />

CHUVA DE BALAS AGORA DO EXÉRCITO<br />

(O coronel Flores pessoalmente ordena a linha de fogo.)<br />

CORONEL THOMPSON FLORES<br />

Cezar será vingado !<br />

TROPA<br />

Ave Cezar !<br />

BAIXAS EM DOMINÓ<br />

(Sua brigada investe e será batida em cheio pelos fogos diretos do inimigo entrincheirado.)<br />

CORONEL THOMPSON FLORES<br />

Não vou arrancar dos peito minhas medalhas gloriosas<br />

38


os jagunços que ousem tomá-las como mira preciosa !<br />

Vá tudo pras picas !<br />

Não debandamos, maricas !<br />

(Baquea, ferido em pleno peito, more e passa seu Cetro.)<br />

MAJOR CUNHA MATOS<br />

Substitu-o eu o major Cunha Matos, sorrindo<br />

Penitencio-me de minha covardia com o Coronel Tamarindo.<br />

(leva um tiro, é desmontado por um projétil certeiro)<br />

Passo meu cetro, Cezar dita,<br />

“pro o major Carlos Frederico de Mesquita”.<br />

(Cunha Matos passa o Cetro. Major Mesquita é atingido por uma bala)<br />

MAJOR CARLOS FREDERICO MESQUITA<br />

Assuma a direção Capitão Pereira Pinto<br />

(Ele passa o Cetro.)<br />

CAPITÃO PEREIRA PINTO.<br />

Vem heroísmo, te sinto !<br />

(cai baleado)<br />

Segura esta bandeira<br />

Capitão Martiniano de Oliveira.<br />

(Pereira Pinto passa o Cetro. Capitão Martiniano de Oliveira recebe o Cetro e é baleado)<br />

CAPITÃO MARTINIANO DE OLIVEIRA<br />

Puta que pariu, que puteiro ! !<br />

ARTILHEIRO<br />

La vai tiro !<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Em mim, por favor, artilheiro !<br />

ARTILHEIRO<br />

Você nasceu pra não morrer companheiro.<br />

Sai da frente, vem cá ! Fica de molho !<br />

(Tenente tenta se atirar na frente do tiro, e cai e perde um olho)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Uma lasca de rocha furou meu olho !<br />

(Silêncio)<br />

MÉDICA TERRA<br />

Metade dos Cezares mortos ! Numa manhã<br />

Porque não tiraram esses balangandãs ?<br />

(A Médica atende Pires Ferreira)<br />

S. O. S. À COLUNA SAVAGET<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(escolhe dois soldados)<br />

Vocês emissários,<br />

sigam separados e furtivamente,<br />

39


insinuando-se pelas caatingas, em frente<br />

busquem o socorro da 2ª coluna, do general Savaget,<br />

estacionada menos de meia légua, depressa ! Correr<br />

(saem em direções opostas)<br />

BALANÇO DA SITUAÇÃO<br />

(No Camarote, sozinho, Arthur Oscar percebe o tiroteio longínquo, abraça-se à Bandeira Brasileira rasgada e<br />

comneça a costurá-la .)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Não há Triunfadores, um meio de sair da posição conquistada.<br />

Batidos no flanco, à retaguarda, quase toda a oficialidade suicidada<br />

nossa expedição está completamente pelo inimigo, cercada.<br />

40


2º MOVIMENTO: 2ª COLUNA COLUNA SAVAGET<br />

1 - 5 de abril - via embratel - direto de salvador + conexão aracaju<br />

letreiros:<br />

2 - 12 de junho - quadrilha de santo antônio com o povo da cidade<br />

aracaju - primeira festa junina dos 3 santos à beira mar<br />

3 -jeremoabo<br />

4 - cocorobó<br />

5 - uma grande cobertura de música - água invade o espaço.<br />

tema do vasto oceano cretáceo<br />

6 - outro sentido<br />

ponto de vista da arquitetura desse teatro de estádio<br />

7 - diante das trincheiras<br />

8 - coronéis serra martins e carlos telles propõe táticas diversas<br />

9 - desmascarar a natureza<br />

10 - martelo<br />

11 - tomada das trincheiras - surpreender os jagunços<br />

12 - fuga de baque<br />

13 - gritos triunfais de vitoria<br />

14 - noturno<br />

15 - alvorada - mensageiros<br />

41


1 - 5 DE ABRIL - VIA EMBRATEL - DIRETO DE SALVADOR + CONEXÃO ARACAJU<br />

LETREIROS:<br />

Dois meses antes, dia 5 de Abril de 1897, a Segunda Coluna Chega em Aracaju!<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Nossas duas Colunas, Savaget, de duas diferentes cidades vão partir<br />

pra em Canudos convergir.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

No Combate, Geral Arthur Oscar,<br />

nossas duas colunas, no dia 27 de junho, vão se enlaçar<br />

CORO<br />

E ganhar !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Da Pátria vamos operar o coração !<br />

Está constituída a 4ª Expedição.<br />

TROPAS DOS DOIS LADOS<br />

Viva a república !<br />

(sai o vídeo de Salvador)<br />

2 - 12 DE JUNHO - QUADRILHA DE SANTO ANTÔNIO COM O POVO DA CIDADE<br />

ARACAJU - PRIMEIRA FESTA JUNINA DOS 3 SANTOS À BEIRA MAR<br />

(No centro são trazidas coroas de flores de catinga, os 3 Oficiais, estão com suas Brigadas, fazem 3 quadrilhas: Carlos<br />

Telles de Santo Antônio, Serra Martins de São João e Pantoja de São Pedro; cada Santo forma seu bando guerrilheiro<br />

de bastões em torno de seu bastão)<br />

Armadilha<br />

da Quadrilha<br />

da emboscada<br />

encantada<br />

da fogueira<br />

Santo Antonio namorada<br />

de São João Dionisio dos Quebrantos<br />

de São Pedro guardião do Estádio de Todos os Santos<br />

GENERAL CLAUDIO DO AMARAL SAVAGET COMANDANTE DE QUADRILHA<br />

(Savaget de Chefão Condutor da Dança puxa a despedida de aracaju)<br />

En Arriére Aracaju !<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

En Arriére Aracaju !<br />

(a quadrilha vai se desfazendo em marcha rodopiada militar)<br />

GENERAL CLAUDIO DO AMARAL SAVAGET COMANDANTE DE QUADRILHA<br />

En Avant Jeremoabú !<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

42


En Avant Jeremoabú !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Eu General Savaget<br />

Mudo o balancê:<br />

Autoridade pra cima de moi ?<br />

Jamais !<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

Un, deux, trois, quatre Roi…<br />

GENERAL SAVAGET, CARLOS TELLES, SERRA MARTINS E DONACIANO PANTOJA (Dançando e Coroandose)<br />

Co-Mandantes,<br />

A-tuantes,<br />

a guerrilha está a ensinar,<br />

nova tática militar:<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

pode ser, pode não ser<br />

mas se tudo move,<br />

vamos nos mover.<br />

SAVAGET<br />

Aracaju, as 3 fogueiras de junho bem comemora,<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

que pro teu país de dentro, adeus, vamos embora !<br />

POVO DE ARACAJU<br />

Adeus !<br />

CORO<br />

(em quatro vozes)<br />

Até Jeremoabo.<br />

Cada Brabo,<br />

em si<br />

no repique<br />

do Pique,<br />

Pique<br />

até chegar ali !<br />

(batem Pique, sai cada brigada para seu lado, cantando a música repetindo.)<br />

Até Jeremoabo,<br />

Cada Brabo em si<br />

No repique<br />

do Pique,<br />

Pique.<br />

(estão unidas novamente)<br />

Até chegar aqui !<br />

3 - JEREMOABO<br />

Jeremoabo<br />

Universidade do Improvisado !<br />

Na guerra<br />

sem regra,<br />

única coisa esperada:<br />

43


estar preparado:<br />

pro inesperado.<br />

CORO DAS TRÊS BRIGADAS<br />

Três Brigadas elásticas, fodidas<br />

sem comboios abastecidas<br />

sem presilhas<br />

na ginástica das guerrilhas,<br />

movimentos.<br />

Mais que quantidade,<br />

velocidade !<br />

(Saem as Brigadas por diferentes pontos acompanhadas inicialmente pelos Telões de vídeo.)<br />

CORO DE LANCEIROS<br />

(Foco nos bastões do Coro do Coronel Carlos Telles; eles passando entre si e com o público)<br />

Coronel Carlos Maria da Silva Telles, O Bastão<br />

da mais inteiriça militar organização !<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Oh ! Brigadores do Ardor…<br />

CORO<br />

pra 5ª Dimensão !<br />

Levemo-nos assim pelo Sertão<br />

arremessos temerários<br />

bravura tranqüila, Templários.<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Adoro brigar ao teu lado, praça de pré<br />

no bote aplicado…<br />

CORO<br />

de cobra de fé !<br />

(Sempre na dança dos bastões, no ritmo de suas deslocações, Carlos Telles e o Lanceiro improvisam uma luta<br />

corografica Apolínea)<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

(exercício de bastões)<br />

Há muitos objetos num só objeto<br />

CORO<br />

Mas o objetivo é um só<br />

Destruir o inimigo<br />

SOLO<br />

E se esse objetivo não for conseguido<br />

CORO<br />

Não há um só objeto<br />

em nenhum objeto”<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Vamos prolongar este pau de macho,<br />

na erecção do enfrentamento com o populacho.<br />

O inimigo a vencer está fora de nós<br />

44


CORO<br />

e dentro de nós !<br />

Bastão !<br />

Auto penetração !<br />

CORO DAS TRÊS BRIGADAS MAIS GENERAL SAVAGET<br />

Adeus Jeremoabo,<br />

cada Brigada só<br />

seguimos ago…<br />

ra até Cocorobó.<br />

No repique<br />

do Pique,<br />

Pique.<br />

Cocorobó.<br />

4 - COCOROBÓ<br />

GENERAL SAVAGET E BRIGADAS<br />

Alto !<br />

Cocorobó !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Leque da Aurora,<br />

CORO<br />

vem iluminar<br />

nova maneira<br />

de Lutar.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Pela primeira vez uma tropa expedicionária não se deixa surpreender !<br />

Aproveitem agora, no Sertão isto está a acontecer.<br />

dia 25 de junho<br />

ergamos o punho.<br />

(Cocorobó é percebido em sua beleza atordoante)<br />

Mas se não foi pelo sertanejo,<br />

surpreendido estou pela paisagem que agora vejo !<br />

5 - UMA GRANDE COBERTURA DE MÚSICA - ÁGUA INVADE O ESPAÇO.<br />

TEMA DO VASTO OCEANO CRETÁCEO<br />

OXUNS E IEMANJÁS OFÉLIAS<br />

(trazem de volta as antigas águas)<br />

Grandes lagos cobrimos<br />

descobrimos, recobrimos<br />

em diferentes edades,<br />

leitos de Divindades.<br />

Terras de Canudos guardadas<br />

criamos apaixonadas,<br />

Oxum Iemanjá namoradas,<br />

Vaza-Barril filho amante<br />

por vergonhas humanas massacrantes,<br />

afogado !<br />

(Um Gorila da ditadura militar ordena aos soldados que represem Cocorobó, transformando-o em imenso açude,<br />

afogando a paisagem e a história)<br />

45


GENERAL GORILA<br />

O Governo Militar da Revolução Brasileira de 1964,<br />

cumpre com Deus, a Pátria , a Propriedade e a Familia, o Trato:<br />

A memória Anárquica de Canudos será afogada<br />

e a Sede do Sertão, sem demagogia, finalmente, saciada.<br />

Nordeste, teu Progresso desviando o destino de tuas velhas águas<br />

acaba com tuas mágoas.<br />

Velho Antro Reacionário Subversivo, atenção: Sumir !<br />

(os soldados represam Cocorobó, todo o espaço é coberto com águas)<br />

OXUNS E IEMANJÁS OFÉLIAS<br />

Sob vastos cemitérios como depois do antes<br />

doces-salgadas amantes.<br />

Da Favela ao Caipã afogadas bromélias<br />

na caatinga reexinsistentes Ofélias<br />

nos arcos da Catedral engolida<br />

afogadas repegam cantigas idas,<br />

colonifélias submersas, esquecidas<br />

COCOROBÓ COBERTO<br />

Cocorobó,<br />

CORO<br />

Cocorobó<br />

COCOROBÓ COBERTO<br />

eu afogado<br />

represo Canudos,<br />

mas hoje, dia (o dia do dia)<br />

nesta noite de 2006,<br />

clamo:<br />

Paisagem tombada nas páginas de Euclides,<br />

retorne de vez !<br />

Deixo falar vocês, Grandeza<br />

das pedras da Nobreza.<br />

Recomecem tudo,<br />

Eu fico Mudo.<br />

CORO DOS ELEMENTOS<br />

do Monumento que o tempo<br />

as correntes,<br />

o fogo, o vento<br />

as enchentes,<br />

no Levante então,<br />

esculpiram, do Sertão,<br />

na Origem<br />

Portal Vertigem.<br />

CORIFEU<br />

37 anos de moderno sedimento<br />

CORO DOS ELEMENTOS<br />

me recobriu<br />

me revestiu…<br />

me reinudou…<br />

COCOROBÓ<br />

46


Potência dos elementos<br />

me descubram ventos !<br />

Desenterrem-me !<br />

CORO<br />

Cocorobó !<br />

COCOROBÓ<br />

Meu entorno, exumar !<br />

Serra primitiva ressurja, levantar !<br />

Removam<br />

com a força das torrentes<br />

todas as nossas correntes !<br />

(O Coro dos Elementos e os contra-regras retiram todas as coberturas que inundavam Cocorobó. música de<br />

transmutação de um estado de represa em esvaziamento. A represa esvaindo-se, vai, esvazia, então toma conta a<br />

antiga paisagem, num desenterrar de velhas camadas, desaparecendo a atual represa de Cocorobó transformada em<br />

Teatro de Estádio.<br />

Abre-se o teto. Quando todo pano-água é retirado, Cocorobó desacorrenta-se.)<br />

Espelhem nossa ousadia dos réus,<br />

linhas ondulantes dos céus !<br />

6 - OUTRO SENTIDO<br />

PONTO DE VISTA DA ARQUITETURA DESSE <strong>TEATRO</strong> DE ESTÁDIO<br />

CORO DAS ROCHAS CORO DAS ÁGUAS<br />

Ah ! Rampas abruptas de formatura Anhangabaú !<br />

afastemos solenemente em grande abertura Anhangabaú !<br />

arquibanquemo-nos<br />

CORO DOS ELEMENTOS<br />

rebolemos baianas de idade<br />

curvas de nível convexas<br />

e em concavidade.<br />

Dv, música rádio<br />

coros dançantes, Teatro de Estádio !<br />

TERRA ROCHA-ILHA-NUCLEAR NO CENTRO DO ESPAÇO CERCADA POR ÁGUAS<br />

Dentro<br />

no centro,<br />

ilhas-palcos,<br />

pra todas as vistas<br />

pedimos passagem<br />

bifurquem-se, em negras pistas<br />

ocas abertas paulistas<br />

CORO DOS ELEMENTOS<br />

em duplo funil,<br />

o Vaza-Barril…<br />

Nas vertentes ocidentais,<br />

envolventes, maiorais<br />

Anfiteatro Aberto Ágora da Cidade !<br />

Nas vertentes orientais<br />

Oficinas Florestas Tropicais<br />

Cyber-Jardim Multiversidade<br />

47


palco boceta des-ilhado.<br />

Passagem do rastro nababo<br />

Tragicomédiaorgya do Rabo !<br />

ESTEVÃO<br />

De Canudos para Jeremoabo<br />

nessa passagem de Garbo encrustrado<br />

correndo no levante do dia<br />

venho na brecha profunda que enfía<br />

a única vereda, o rio<br />

de leito vazio,<br />

vazando o barril, entro no set<br />

com a minha AK-47.<br />

(dando ordem a si memo)<br />

Sertanejo, nessa fenda estreita,<br />

no desfiladeiro, deita.<br />

CORO<br />

A Guerra em Cocorobó<br />

vai ser de fazer dó !<br />

A Guerra em Cocorobó<br />

vai ser de fazer dó !<br />

SOLO<br />

Várzea desimpedida e vasta<br />

plano de cineasta.<br />

CINEASTA<br />

Quem trilha do litoral para o ocidente,<br />

o mesmo gosto sente:<br />

de maneira idêntica incide<br />

na bifurcação que divide,<br />

à esquerda, ou à direita<br />

até chegar à outra espreita<br />

se metendo por uma vereda dessa,<br />

atravessa.<br />

Segue dali miúdo<br />

por qualquer das bordas do rio,<br />

de frente sem desvio.<br />

Árido Movie !<br />

Chego em Canudos.<br />

CORTA !<br />

7 - DIANTE DAS TRINCHEIRAS<br />

ESTEVÃO<br />

(No alto do desfiladeiro corta o êxtase da paisagem que agora invisível, começa a despejar sua fuzilaria.)<br />

Tiros de Recepção !<br />

(Mandam fuzilaria.)<br />

CARLOS TELLES<br />

(volve a toda a rédea)<br />

Alto !<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

48


Inimigo Entricheirado !<br />

CORONEL SERRA MARTINS<br />

Avancemos sobre os leões, cristãos meus !<br />

Tiroteio nutrido, nos camarotes do Coliseu !<br />

Revidem nesta rocha romana à vista<br />

aos tiros do nunca visto,<br />

antagonista.<br />

(Fuzilaria Sertaneja renhida contra os regimentos, vinda das rochas; baixas e ferimentos. Savaget vê caírem seus<br />

homens.)<br />

8 - CORONÉIS SERRA MARTINS E CARLOS TELLES PROPÕE TÁTICAS DIVERSAS<br />

CORONEL SERRA MARTINS COMANDANTE DA 5ª BRIGADA<br />

Deusa guerreira ! Disciplina !<br />

(Serra Martins tira o I ching - Criação)<br />

Reagir daqui é nossa sina.<br />

Estacados<br />

no mato escasso,<br />

não adiantemos um passo.<br />

CORO 4ª<br />

Não !<br />

CARLOS TELLES<br />

Esses desfiladeiros geminados<br />

intestinos abertos, seduzindo ser penetrados,<br />

por diminutas fracções,<br />

potentes pra aniquilá-los com nossos tesões,<br />

impõe direto o assalto,<br />

CORO 4ª<br />

de sobressalto !<br />

9 - DESMASCARAR A NATUREZA<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Krupps, arranquem as máscaras de pedra dos protagonistas do Afeganistão<br />

caiam muralhas onde escondem-se terroristas, no espetáculo da traição.<br />

Fogo !<br />

(A Krupp bombardeia a estrutura da montanha. As granadas e lanternetas, batendo-lhe em cheio, ricocheteando,<br />

deslocando-as, derrubando-as, fazendo rolar com estrépito abaixo num súbito derruir de pedaços as muralhas da<br />

estrutura que caem, rochas da terra. Os soldados comemoram)<br />

SAVAGET<br />

Em poucos minutos arrebentamos<br />

Teatro pela natureza criado há milhares de anos<br />

e é o que é: Loucura da cabeça aos pés.<br />

LANCEIRO DA 6ª BRIGADA<br />

Vejam !<br />

SERTANEJOS MASCARADOS NAS ROCHAS<br />

(os tecidos tombaram mas não chegam a desmascarar os sertanejos que replicam com mais violência, conforme o<br />

desabamento das trincheiras do cenário projetado ou do tecido. Os atiradores rareiam. Os batalhões da 5ª Brigada,<br />

francamente engajados na ação, sacrificam-se inutilmente tendo, crescente, o número de baixas. O resto da expedição,<br />

49


estirada em colunas numa linha de dois quilômetros para a retaguarda, permanece imóvel.)<br />

SAVAGET<br />

É quase um revés !<br />

Três horas de fogo, nem um palmo de terreno adquirido.<br />

A quinhentos metros do adversário impedernido<br />

nós milhares de vistas fixas, nas vistas despidas<br />

não avistamos única alma, nem as perdidas.<br />

Essas cenas são incompreensíveis,<br />

os protagonistas<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

são invisíveis !<br />

O sol ofuscante, ardente bate-os de chapa<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Mas os jagunços são duzentos, dois milhões ?<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

Enigma de todas as Campanhas !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Vamos arrancá-los das entranhas !<br />

10 - MARTELO<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

Grande lâmina em elo<br />

de um desmedido martelo.<br />

(Os cinco batalhões se lançam à investida em ordem perpendicular e se preparam para a batida,<br />

com as colunas atacantes. Uma percussão, uma pancada única de anunciação)<br />

Iááá !<br />

(Os assaltantes avançam todos ao mesmo tempo: os pelotões da frente embatendo com as estruturas - morros e enfiando<br />

pelo vale)<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

Maravilhosa façanha !<br />

1. 600 baionetas contra uma montanha.<br />

CARLOS TELLES<br />

Marche-marche,<br />

suspensas armas<br />

sem atirar,<br />

velozes correr,<br />

a distância do inimigo vencer<br />

4ª E 5ª BRIGADAS<br />

e atacar.<br />

CHEFE DO ESQUADRÃO DA CAVALARIA<br />

Esquadrão de cavalaria, direcionado<br />

Pro Vaza-Barrís esturricado.<br />

Em atrevida disparada,<br />

abra<br />

o desfiladeiro da esquerda e da direita.<br />

50


Lá te mete, rola e deita.<br />

11 - TOMADA DAS TRINCHEIRAS - SURPREENDER OS JAGUNÇOS<br />

CARLOS TELLES DA 4ª<br />

No desfiladeiro não aposta.<br />

Invistamos pela encosta,<br />

direto às posições pelos jagunços ocupadas.<br />

Nas patas, brasas ! ! !<br />

No dorso, Asas ! ! !<br />

(Os homens e os Cavalos começam a subir as estruturas, ondulam à base dos morros, que se partem com as reentrâncias<br />

do solo estrutura. O esquadrão de lanceiros e a divisão de artilharia entram na forte trincheira posta de uma e outra<br />

margem da estrutura margeando o rio no último andar das galerias até os palcos do fundo, numa bifurcação das duas<br />

estruturas. As Brigadas do assalto, a princípio avançam corretíssimas. Uma linha luminosa a cavalo, de baionetas de<br />

centenares de metros se estira, fulgurando.)<br />

CORO DAS BRIGADAS<br />

Vamos voar nessas covas rasas e arrasar !<br />

(Pausa)<br />

Covas vazias, não existe esta gente !<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

(Pegando nas mãos os cartuchos que lhe queimam)<br />

Existe, cartucho detonado e ainda quente.<br />

12 - FUGA DE BAQUE<br />

(As Brigadas assaltantes atacam com vigor as Trincheiras jagunças.)<br />

ESTEVÃO E JAGUNÇOS<br />

Não é recuo não<br />

é fuga de baque,<br />

solta o cão,<br />

ió craque !<br />

JAGUNÇOS<br />

Mas nós juramos defender o Portal<br />

chumbados até o final.<br />

ESTEVÃO<br />

É um Batalhão talentoso<br />

usou nosso teato surpreendoso.<br />

JAGUNÇOS<br />

Surpreendoso !<br />

ESTEVÃO<br />

Já ganhou<br />

JAGUNÇOS<br />

já ganhou, beleza<br />

mas não na esperteza.<br />

ESTEVÃO<br />

Não há mais o que fazer,<br />

abraçar armas, e correr.<br />

51


(Fogem rolando e resvalando pelos declives, desaparecendo.)<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Por essa ladeira empinada<br />

crespa de tropeços e ciladas,<br />

Lance de Operetas,<br />

nos libretos das baionetas !<br />

CORO LANCEIRO<br />

A hora sorri para nós lanceiros,<br />

a guerra vêm nesse transe terreiro !<br />

Nesses pampas, cheios de valos<br />

em carreiras baixem, cavalos !<br />

CARLOS TELLES<br />

Brigadas, cumprir a ordem do dia:<br />

Travessia !<br />

(As Brigadas avançam; uma carga Jagunça e uma réplica violenta do exército)<br />

Os céus de Terra gritam em mim<br />

só sei viver assim<br />

13 - GRITOS TRIUNFAIS DE VITORIA<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Vitória. Travessia.<br />

(Minutos depois as duas brigadas, num imenso alvoroço de batalhões a marche-marche, adensam-se, atravessam o<br />

desfiladeiro, que os atravessa talvez. Música Monumental de Travessia do Rio Vermelho. No Apogeu voltam os jagunços<br />

em desordem, depois do primeiro arranco da fuga, ao mesmo resistir inexplicável. GENERAL SAVAGET é atingido e<br />

desmontado juntamente com um ajudante de ordens e parte do piquete quando, à retaguarda da coluna, penetrava a<br />

garganta. Cessam as comemorações)<br />

GENERAL SAVAGET<br />

O tiro não foi fatal,<br />

nós ganhamos o arraial !<br />

LANCEIRA<br />

Nós ganhamos ! Nós ganhamos !<br />

14 - NOTURNO<br />

NOITE<br />

Noite faço parar, sou o sinal<br />

a expedição a um quarto de légua do arraial.<br />

Ainda deixo ver as ocas da igreja nova, erótico músculo<br />

branqueando no empardecer, do crepúsculo.<br />

SAVAGET<br />

(Do Camarote animado)<br />

Mas tudo delata sucesso, compensa o que foi perdido.<br />

Realizou-se pontual o itinerário preestabelecido:<br />

abram seus ouvidos !<br />

O canhoneio aberto agora,<br />

a Primeira coluna comemora !<br />

(Silêncio na escuta do som gravado da 32;)<br />

52


15 - ALVORADA - MENSAGEIROS<br />

(entram os acordes do Leque da Aurora)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(entra correndo todo sujo, com sangue, muito ferido, mensageiro para Savaget)<br />

27, dia do encontro<br />

a Coluna avança cedo pro confronto<br />

toma posição a dois quilômetros do arraial,<br />

começa a bombardear o quintal.<br />

Estamos aqui, a dois passos do comando, da chefia,<br />

Segunda Coluna está pronta pro assalto do dia ?<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Prontos. Agora arrebatar sem escudos,<br />

triunfantes, o centro de Canudos.<br />

Toda a segunda coluna como uma lombriga,<br />

a despeito das perdas na briga,<br />

está esperançosa, robusta na intriga.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Como ordem do dia de hoje, vinte sete<br />

trago ordem do dia de 26, Trompete<br />

GENERAL SAVAGET<br />

(lendo o bilhete que Wanderley entregou)<br />

Para nós motivo de justo orgulho e de completa alegria,<br />

o nosso encontro nesse histórico e glorioso dia.<br />

Não podemos ao honroso convite faltar.<br />

Comandante General Arthur Oscar”<br />

SEGUNDA COLUNA<br />

Lindo ! ! !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

A concentração almejada, com esse assalto convergente,<br />

far-se-a hoje, dentro de poucos minutos, debaixo desse sol quente.<br />

Preparar pro assalto !<br />

(A Coluna toda está reunida, e a ordem é dada em ecos que vão de comando a comando, por seus arautos, para todo<br />

o espaço ficar ciente.)<br />

4ª BRIGADA<br />

Preparar pro assalto !<br />

SERRA MARTINS<br />

Preparar pro assalto !<br />

PANTOJA<br />

Preparar pro assalto !<br />

(Toda a coluna olhos de fitos na Favela, respira em suspense. Vêem descendo as vertentes do norte, para o<br />

acampamento, um sertanejo ofegante; todos apontam armas.)<br />

SERTANEJO POMBEIRO DA COLUNA 1<br />

Por ordem do comandante-em-chefe,<br />

estou aqui para dizer que as aperturas em que se acha a tropa, no alto da Favela,<br />

exige imediato socorro a ela.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Essa nova é velha, traz minha mensagem ao contrário.<br />

53


É traça óbvia do adversário.<br />

SAVAGET<br />

Retenham este indivíduo. Vai ser fuzilado.<br />

(O homem vai ser retido, mas vem novo emissário: um alferes honorário, adido à comissão de engenharia.)<br />

ALFERES HONORÁRIO ALCEU<br />

Não, ele é homem nosso, assumo a responsabilidade eu<br />

Alferes honorário Alceu.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Alferes Alceu. Eu conheço.<br />

(os soldados da 2ª Coluna liberam o Sertanejo Pombeiro)<br />

ALFERES HONORÁRIO ALCEU<br />

O general-em-chefe apela instantemente que se una<br />

à nossa<br />

o concurso da vossa coluna.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Vai por terra todo o esforço despendido<br />

de Aracaju até a porta do bandido ?<br />

(Suspira)<br />

Envio brigadas levando munições,<br />

as demais permaneçam sustentando as conquistadas posições.<br />

ALFERES HONORÁRIO ALCEU<br />

General, é mais grave, repito eu<br />

Alferes Honorário Alceu:<br />

a tropa está assediada<br />

precisa ser libertada.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Canudos está em nossas mãos<br />

É trágica qualquer que seja a decisão.<br />

(Pausa)<br />

Segunda Coluna, meia volta, a vitória fica aqui, abandonada<br />

Tropa ! Agora, a tempo de libertar a tropa assediada. Marchar !<br />

(As cabeças todas da Segunda Coluna olham Canudos em suas mãos e despedem-se, olham em direção ao morro da<br />

Favela. A Segunda Coluna dá meia volta)<br />

54


3º MOVIMENTO: 2 COLUNAS JUNTAS<br />

1 - as duas colunas se encontram no alto da favela<br />

2 - exército acuado no morro da favela<br />

3 - dia 29. são pedro. dia do parto<br />

4 - conselheristas em ciranda de cerco<br />

cercando ocultos o morro da favela<br />

5 - na prisão dos cercados dia 29<br />

6 - desesporro<br />

7 - no meio da catinga<br />

8 - maxotauro de seis mil estômagos<br />

9 - na casa do cansaço<br />

10 - general da banda em off<br />

11 - canudos futebol júnior<br />

12 - esquete de bequete<br />

13 - canudos olhado da favela - minaretes<br />

14 - desertores<br />

15 - cidades cercadas<br />

16 - choque galvânico<br />

17 - sinos tocam - choque em canudos<br />

55


AS DUAS COLUNAS SE ENCONTRAM NO ALTO DA FAVELA<br />

( e se encontra nos deslocamentos, pelos corredores em mutação rápida com a Primeira Coluna no Palco Camarote<br />

da Ala Sul do Teatro - o Morro da Favela. Se confrontam no alto da favela..)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Uma página tarjada de horrores,<br />

mas perfumada de Glória.<br />

Apesar de parecidos,<br />

nós não somos um bando de foragidos,<br />

Nós, somos Triunfadores,<br />

só não pudemos ensaiar um passo fora da marcação conquistada,<br />

(para o desânimo da sua coluna.)<br />

e não vamos nesse período crítico virar uma tropa derrotada.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

Não percamos o tempo<br />

no alento<br />

de estéreis recontros.<br />

Duvidosas vitórias,<br />

deixemos abandonadas na história,<br />

para trazermos às tropas irmãs cercadas,<br />

o esforço de vencermos juntos as ciladas.<br />

(Os grupos se abraçam comovidos. A 2ª Coluna faz menção de armar suas barracas)<br />

EXÉRCITO ACUADO NO MORRO DA FAVELA<br />

OFICIAIS<br />

Barracas, não armem mais<br />

vão ocupar espaço demais.<br />

MÉDICA TERRA MULHER DE BRANCO FANTASMA<br />

(sacando)<br />

Enxurrada! Fez Rasgão.<br />

Vira Hospital de Sangue,<br />

da morte Estação.<br />

TROPA DAS DUAS COLUNAS, TODOS<br />

Não podemos dar um passo pra frente.<br />

Não podemos dar um passo pra trás.<br />

CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS<br />

A expedição anterior<br />

colocou espingardas, canhões na mão do jagunço lutador.<br />

Com o comboio perdido, completamos este rito singular:<br />

mais de metade das munições, acabamos de entregar.<br />

De graça<br />

pra eternizar esta desgraça.<br />

TODOS<br />

Agora, a cavaleiro do acampamento,<br />

vencidos devolvem as balas, em agradecimento…<br />

CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS<br />

Parto em busca de comida<br />

56


e do comboio perdido.<br />

CORO<br />

Boa sorte !<br />

(Corte brusco no ritmo da música, a noite desce enluarada.)<br />

Oh ! Luar fulgurante,<br />

ilumina esses pobres figurantes<br />

pro jagunço neste instante<br />

fazer sua pontaria.<br />

Sem mais força pra nos esconder,<br />

é mais fácil morrer.<br />

DIA 29. SÃO PEDRO. DIA DO PARTO<br />

ZABANEIRA<br />

São Pedro !<br />

Dia do meu parto !<br />

Jesus nasceu no meio do esterco.<br />

Porque você nasceu assim, eu Zabaneira, te batizo:<br />

Cerco !<br />

CONSELHEIRISTAS<br />

Cerco !<br />

CONSELHERISTAS EM CIRANDA DE CERCO<br />

CERCANDO OCULTOS O MORRO DA FAVELA<br />

(coro em voz sussurada comemorando São Pedro)<br />

CORO DA CIRANDA DO CERCO<br />

Ciranda<br />

Ciranda anda,<br />

Ciranda anda<br />

na Andada da Rodada.<br />

É Madrugada,<br />

de São Pedro das balada.<br />

Badalada badalada do Cerco dos bailões<br />

na nossa casa - os sertões.<br />

São Pedro Xangô<br />

o Inimigo cortou !<br />

São Pedro Xangô<br />

o Inimigo cortou !<br />

Inferno eterno alarma<br />

de quem invade é o Karma,<br />

Ataque e mais ataque<br />

O Iraque bebe o Araque<br />

Ataque e mais ataque<br />

O Iraque bebe o Araque<br />

Go Hóme(m) Go hóme(m)<br />

Some com os Home(m)<br />

Go Hóme(m) Go hóme(m)<br />

Some com os Home(m)<br />

Os Hóme(m) não podem ir nem ficar<br />

São Pedro cóme, vem comer morar.<br />

57


Os Hóme(m) não podem ir nem ficar<br />

São Pedro cóme, vem comer morar.<br />

(Entra a Matadeira para coibir a ciranda do cerco. Os Sertanejos fogem)<br />

SERTANEJOS<br />

A Matadeira ! ! ! A Matadeira ! ! !<br />

NA PRISÃO DOS CERCADOS DIA 29<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Que fazer ?<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Falta tudo, até arroz.<br />

Mas vai ser dado o primeiro tiro da 32 !<br />

Tropa, muita discrição.<br />

Todos pra posição !<br />

Um bombardeio vigoroso há de devolver-nos a fé,<br />

são vantajosas as posições da nossa artilharia de pé.<br />

32<br />

Eu, Rainha do mundo, vosso canhão,<br />

vingo vosso coração !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Nova fé, renova<br />

nosso alvo é o bunker, a igreja nova,<br />

destacando do casario baixo,<br />

Baluarte Imponente, ABAIXO !<br />

TROPA<br />

Abaixo!<br />

MAJOR FRUTUOSO<br />

Fogo!<br />

(A 32 atira.)<br />

ALFERES DUQUE ESTRADA ARTILHEIRO DA 32<br />

As balas não atingem, que cegueira<br />

passam-lhe, silvando, sobre a cumeeira.<br />

32<br />

Mas a fachada raspou,<br />

e uma lasquinha voou !<br />

CORO<br />

Uuhh !<br />

(Trevas.)<br />

DESESPORRO<br />

(VÍDEO: Entalados 5 mil soldados, mais de novecentos mortos e feridos, mil e tantos animais de montada e de<br />

tração, centenares de carguerios entupindo Terra virada prisão.<br />

Todos os soldados entram no quadrado de cerco projetado. Aperto. Soldados fissurados, sem nada em cima)<br />

SOLDADOS<br />

58


Oh ! Suruba forçada<br />

sem tesão<br />

enfiados por toda a parte sem ação,<br />

pra dois mil já lotada,<br />

pra 6 mil, prisão!!!<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Não. Este cerco já bailou.<br />

O deputado do quartel-mestre-general me afiançou.<br />

De Monte Santo chega em breve a vida,<br />

num comboio com comida !<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Mas esse comboio não existe.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Que dia é hoje, 30 ?<br />

Pois são 30 abdominais.<br />

Já ! Não admito intervenção de animais.<br />

1, 2, 3…<br />

(ALFERES WANDERLEY começa contrariado a fazer abdominais. Entra arrasado no quadrado de cerco, o buscador<br />

de comboios, Coronel Joaquim, entrando desanimado.)<br />

CORONEL JOAQUIM MANUEL DE MEDEIROS<br />

Voltei e não encontrei nada.<br />

(O Alferes pára o castigo, olha para General Arthur Oscar que está apavorado)<br />

Disse pra mim: Coronel insiste !<br />

Monte Santo !<br />

Prossegui lá também, só o nada existe.<br />

Quando eu parti, eu recebi<br />

as primeiras punhaladas da fome.<br />

Agora volto pra Casa das Provações sem nome.<br />

SOLDADO 1<br />

(Do cerco, mostrando a redondeza)<br />

Tem aqui perto, umas roças de milho, mandioca ó !<br />

Vamos, se ninguém for eu vou só.<br />

SOLDADO 2<br />

Eu vou. Pro outro lado<br />

caçar um cabrito desgarrado.<br />

SOLDADO 3<br />

Ou arrebanhar um gado.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

É Proibido pelas leis militares.<br />

GENERAL SAVAGET<br />

General, nesses penares<br />

não podemos nem proibir.<br />

O recurso é mesmo por aí sair.<br />

Rgulamentar este ato.<br />

A caçada mesmo com risco, nessa eliminatória,<br />

é obrigatória.<br />

Saiam os melhores, autorizados.<br />

59


NO MEIO DA CATINGA<br />

(SOLDADO 1: Um valente faminto. Ouve um ressoar de sincerros de cabras no sertão e reanima-se esperançado.<br />

Recobra-se um momento das fadigas, avança cauteloso, pra não espantar a presa, se mete na caatinga, no meio do<br />

público. Segue serpejando devagar, guiado pelas notas da campainha, a pontilharem, nítidas e claras, o silêncio das<br />

chapadas. Adianta-se até ouvir perto<br />

JAGUNÇO COM O SINCERRO: Em vez do animal arisco, negaceia, sinistro e traiçoeiro, esse jagunço. Procura o<br />

soldado acaroado com o chão, rente da barba a fecharia da espingarda e avança rastejando quedo, fazendo a cada<br />

movimento tanger o sininho que apresilha ao próprio pescoço.<br />

SOLDADO 1: Vê invés da cabra, o cabreiro feroz. A caça caçava o caçador.<br />

JAGUNÇO COM O SINCERRO: Atira e o Soldado 1 cai. Os tiros são ouvidos no acampamento.)<br />

MAXOTAURO DE SEIS MIL ESTÔMAGOS<br />

(Cabo Viado corifeia os sons das Barrigas que formam um ESTÔMAGO COLETIVO: O MAPINGUARI. Uma das<br />

características mais marcantes do Mapinguari é o odor insuportável que ele exala na mata. Um bicho semelhante a<br />

um homem com o corpo coberto de pêlos, como um grande macaco, e com apenas um olho bem no meio da testa; sua<br />

boca do Mapinguari é algo descomunal; tão grande que não termina no queixo, como a dos homens, mas na barriga.<br />

A pele dessa figura mitológica é parecida ao couro dos jacarés e ele tem nas costas uma espécie de armadura que se<br />

parece com um casco de tartaruga. Ao correr no meio da mata o Mapinguari solta gritos, da mesma forma como os<br />

caçadores fazem para se comunicarem uns com os outros. Ele faz isso para atrair a atenção dos caçadores e poder<br />

devorá-los com sua boca imensa. E dizem que começa pela cabeça da vítima !)ela (<br />

CABO VIADO CORIFEU MAXOTAURO<br />

Machotauro!<br />

CORO MAXOTAURO<br />

MachoTauro.<br />

CORIFÉIA LÍRICA MAXOTAURO<br />

Gado caçado<br />

CORO MAXOTAURO<br />

insuficiente.<br />

CABO VIADO CORIFEU MAXOTAURO<br />

Seis mil estômagos<br />

CORO MAXOTAURO<br />

Fome de Dinossauro<br />

(como quem vomita; para multidão)<br />

AAAHHH!<br />

SOLO DE UM OUTRO PEDAÇO DO MAXOTAURO<br />

(Busca no público a vítima)<br />

Tem carne humana<br />

MAXOTAURO<br />

Provar<br />

(1 pedaço de público entra na Boca do Maxotauro. Suspense. O Maxotauro se prepara para comer a vítima; mordem<br />

e passam mal.)<br />

NA CASA DO CANSAÇO<br />

CORO GERAL<br />

Esperamos de novo Godot.<br />

60


(Vem um Sol de Meio Dia. Soldados e oficiais, dormem chapados)<br />

CANUDOS FUTEBOL JÚNIOR<br />

(Um Time de Futebol sertanejo, envergando a camisa do CANUDOS FUTEBOL JÚNIOR, abraçados num círculo<br />

fechado, combinam o jogo)<br />

MACAMBIRA Jr.<br />

Não vamos perder a feira<br />

nós Grupos dos 11, já, matar a Matadeira<br />

antes que mate todos com mira certeira.<br />

SOLO<br />

Valentia, abalar<br />

(Partem para aventura e sempre falarão como que cochichando.)<br />

OS 11<br />

Onze, um time disposto,<br />

SOLO<br />

Acabá com o encosto<br />

SOLO<br />

Vaza-Barril, atravessar,<br />

SOLO<br />

Psiiii<br />

(Embrenha a gang, na caatinga amarela, direto pro inimigo da Favela. Desliza, dobra, rasteja cobra. Chegam ao<br />

Morro da Favela)<br />

VÍDEO<br />

TIME DOS 11<br />

Nossos 22 olhos inquietos,<br />

Felinos, fiquem quietos.<br />

Rápido, ligeiro,<br />

pro ponto dianteiro,<br />

11 rostos de homens nascentes,<br />

de rastro, no tufo das bromélias florescentes.<br />

EXÉRCITO<br />

Ninguém sente<br />

Ninguém vê<br />

indiferença soberana<br />

vinte batalhões tirando sua pestana<br />

Todos na chapação<br />

as costas nos dão.<br />

BICHO DIABO que está dormindo, encoleirado pelo General João Barbosa, acorda. Vê os meninos que o<br />

reconhecem, trocam sinais de silêncio, olha pra ação dos colegas sem poder jogar o jogo porque está encoleirado,<br />

e aponta a Matadeira. Os meninos entregam uma pistola ao Bicho Diabo. Luz-Som, vibração do forte encontro.<br />

TRILHA SONORA DE PELEGRINO.)<br />

UM SOLO<br />

Olha aí !<br />

SOLO<br />

A presa cobiçada,<br />

61


CORO DOS 11<br />

(Falando com a Luz do Sol, em voz muito baixa de cócoras, na posição mais adorável, mas ordenando:)<br />

Raios do sol, à pino ! Brilhem lampejos !<br />

(Contemplam-na extasiados)<br />

Lhe adoramos, nós, tróianos sertanejos !<br />

(Rezam o gozo do encontro. Passam a se preparar para a excução. Os 11 contemplam-na, aprumam-se e arrojam-se<br />

sobre o monstro. Assaltam; jugulam, no silêncio. Um traz uma alavanca rígida.)<br />

SOLO<br />

Mas pra essa guerra terminar ligeira,<br />

vamos lhe matar Matadeira !<br />

(Ergue a alavanca num gesto ameaçador e rápido; a batida ainda não soa)<br />

OS 11<br />

(Cantam)<br />

Um brado de alarma pousa,<br />

estala,<br />

na mudez universal das cousas !<br />

( o Ferro chega à Matadeira e a batida soa. CORO DOS SOLDADOS EM CAMERA LENTA ACORDANDO.<br />

Começam ainda sentados a perceber. O Som se distribui nas caixas e pelo espaço todo aos poucos em Som-lento<br />

tipo Camera lenta E multiplica-se nas quebradas, enche o espaço todo a repicadas, detonando ecoando atroando<br />

vales, ressaltando morros, combale numa vibração triunfal estrugidora e chega até o arraial, sacode num repelão<br />

violento, inteiro, o acampamento. O som e os movimentos se liberam TOTALMENTE. ESTRONDO)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Massacrar!<br />

(Num segundo, os jogadores assaltantes se vêem, primeiro, num círculo de sabres; depois, sob uma irradiação de<br />

golpes e tiros; um apenas se salva chamuscado, baleado, golpeado correndo, saltando, e despenca -se, livre<br />

afinal, alcandorado sobre abismos, pelos pendores abruptos da montanha. Pausa. Os soldados contemplam os 10<br />

cadáveres.)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

O esgoto se abre, a merda vem a tona inteira…<br />

(Um soldados abre a vala comum e os soldados começam a enterrar os 10 cadáveres)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

(num ataque de loucura)<br />

Vamos tomar essa plantação de trincheira<br />

limpar essa sujeira !<br />

(Avança o Batalhão. Fica o corpo do último menino morto para enterrar com um soldado. Ele reza uma ave-maria<br />

baixinho. Quando este último está quase enterrado, Bicho Diabo, atira nele e o mata. Ele cai entre os cadáveres<br />

baqueados, na vala comum, enterrado no túmulo que com suas próprias mãos abriu. Bicho Diabo fecha a cova dos<br />

amigos. Entra Gal. Barbosa.)<br />

ESQUETE DE BEQUETE<br />

JOÃO SILVA BARBOSA POZZO<br />

Já é uma miragem esse comboio.<br />

Nada a fazer.<br />

(O Prisioneiro jaguncinho é por ele preso num laço.)<br />

Bicho diabo vem cá, quero te bater.<br />

(Trevas. No VÍDEO: Passam-se 13 dias sem notícias do Comboio. A cena volta ao quadrado do cerco, com todo<br />

62


exército derrotado.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Neo Romano, no meu epitáfio, quero ser “O” que pacientou:<br />

“Chegou; viu… e ficou.”<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Vamos avançar sobre Canudos amanhã !<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Não. Chegou; viu e ficou.<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

Mas estão reunidas as duas colunas<br />

e o arraial está à distância<br />

de um tiro de Mannlicher.<br />

Venceremos, aposto minha estância !<br />

ARTHUR OSCAR<br />

Compartilho o destino comum da expedição<br />

imóvel, na inação.<br />

Não me afrouxa o garrão !<br />

GENERAL SAVAGET<br />

(explodindo)<br />

Esta fala me dilacera.<br />

Fere mais que minha ferida,<br />

é o fim de uma era.<br />

Despedaça o fio dos meus comentários<br />

não me sinto mais expedicionário,<br />

estou desalentado,<br />

mas de agora em diante, permaneço calado.<br />

(sai)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

(feito uma criança apavorada, abraçado à Bicho Diabo)<br />

Talvez daqui não saiamos nunca mais<br />

vamos virar jagunços<br />

ou sumirmos nos documentos secretos dos anais.<br />

CANUDOS OLHADO DA FAVELA - MINARETES<br />

(Todos no cerco estão transtornados; uns choram. Ouve-se os cantos dos Minaretes. LUZ SOBRE Canudos. Depois<br />

de ouvir o som, Tenente Pires Ferreira, vidente cego, e soldados dentro do cerco, se levantam cautelosamente, para<br />

verem o arraial, a salvos. A Noite cai, de Canudos ascende, ressoando longamente nos descampados em ondulações<br />

sonoras, que vagarosamente se alargam pela quietude dos ermos e se extinguem em ecos indistintos, refluindo nas<br />

montanhas longínquas, o toque dos Sinos duma Ave-Maria Muçulmana. Cruzam-se sobre o campanário humilde,<br />

trajetórias das granadas Mísseis luminosas nos Telões, como de paiéis de tv de aviões de bombardeio<br />

SINO E SINEIRO<br />

Thimoteo, o Sineiro impassível não claudica um segundo no intervalo consagrado. Não perde uma nota.)<br />

SOLDADOS CURIOSOS<br />

1, 2, 3, 5 mil casas !<br />

20 mil almas em brasas.<br />

Corda ondulante de serras desertas,<br />

povoados invisíveis de alcaidas incertas.<br />

(uma menina muçulmana atravessa de burca)<br />

63


SOLO<br />

Olha lá ! Aquela coisa já está fugindo.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA VIDENTE CEGO<br />

É Maomé, Osama, Morales ou Conselheiro Abbas ?<br />

SOLO<br />

Não, são Mulheres do Hamas !<br />

SOLO<br />

É a boliviana cantando em quechuá !<br />

CANTOS DE MÂNTRICA ÁRABE JUDAICA SERTANEJA<br />

(Uma invocação total deste lugar hoje, que primeiro os Sons no espaço podem trazer, aliado às projeções em<br />

Palimpsestos, e voltadas para fora, para São Pã. São cantos das cidades árabes que irradiam dos minaretes, pelas<br />

alturas das estruturas do teatro todo. Rezam os cantos vários:<br />

1 - CANTO ISRAELENSE por dibuk incorporado<br />

2 - CANTO PALESTINO<br />

3 - CANTO DA AVE MARIA<br />

4 - CANTO INDÍGENA<br />

5 - CANTO QUECHUA<br />

a sinfonia das cidades do médio oriente.)<br />

CANTO SERTANEJO PALESTINO ISRAELENSE<br />

Foi um recanto da Iduméia,<br />

Antiga Eterna Palestina, a véia<br />

Hoje é Israel, estrela solitária,<br />

na paragem médio-oriental lendária<br />

à margem do deserto sem horto,<br />

do Jordão, do Mar Morto,<br />

do Sertão Brasil<br />

do Vaza Barril.<br />

SOLDADOS<br />

É uma evocação sem rédeas !<br />

A terra aqui se paramenta pra idênticas tragédias !<br />

Mar estéril pra sempre pelas maldições dos profetas !<br />

Ainda protestas ?<br />

SERTANEJO(A)S<br />

(em grito de Guerra)<br />

Mar Vermélha!<br />

SOLDADOS<br />

O Mar Vermélha<br />

Arraial compacto, cidade Evangelha !<br />

TENENTE PIRES FERREIRA VIDENTE CEGO<br />

Mundo antigo reincarna no Oriente do Sertão<br />

CORO<br />

Retornam em Canudos das Favelas do Morro do Alemão !<br />

(Tiro sertanejo-estrela bomba, sinal mágico de poderes surreais. Os soldados e oficiais todos voltam ao quadrado de<br />

cerco.)<br />

DESERTORES<br />

(Luz vai para o desertor. Todos estão emocionados, principalmente o soldado que decidiu ir e se desprender do corpo<br />

64


coletivo.)<br />

DESERTOR HERÓICO<br />

Vou desertar.<br />

O inimigo vai na certa me ganhar.<br />

Prefiro do jagunço<br />

o tiro de misericórdia<br />

à essa agonia lenta,<br />

na concórdia.<br />

Adeus companheiros, boa sorte<br />

afundo no deserto, nômade, inventando outra morte.<br />

(O desertor vai embora e entrando na caatinga recebe um tiro de misericórdia dos jagunços)<br />

CIDADES CERCADAS<br />

Ah ! Os cercos lendários das idades<br />

das arcaicas cidades,<br />

SOLO<br />

Fuenteovejuna,<br />

SOLO<br />

Sodoma,<br />

SOLO<br />

Gomorra,<br />

SOLO<br />

La Paz,<br />

CARLOS TELLES<br />

Bagé<br />

CORO<br />

bem lembrado,<br />

SOLO<br />

Leningrado.<br />

CORO<br />

A Retirada. A retirada do Sertão !<br />

(Todos os soldados e oficiais, com exceção de Arthur Oscar e Carlos Telles, se desesperam e saem do quadrado de<br />

cerco. Barbosa fica no meio do caminho, entre a Matadeira e o quadrado, apoiado por Bicho Diabo; não consegue<br />

sair do lugar.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

A Retirada está fora de questão.<br />

Num Exército, não!<br />

Catástrofe até que nada reste,<br />

consumatum est…<br />

(todos voltam à situação de cerco, lentos ou rápidos, cada um na sua.)<br />

CHOQUE GALVÂNICO<br />

(Entra o Comboio)<br />

MENINO DE GODOT<br />

65


O Coronel Godot me mandou trazer esta Petição.<br />

Quer forças necessárias nesse momento<br />

pro Comboio que chegou e precisa de proteção.<br />

(A expedição combalida nem o deixa terminar. Uma energia de choque elétrico provoca raios,<br />

descargas de um CHOQUE na imobilidade Godot, donde jorra Alegria imensa, abraços, gritos, exclamações,<br />

entrecruzar por todos lados dos lutadores.)<br />

CORO<br />

Choque galvânico !<br />

Feliz pânico.<br />

(Com a empolgante nova auspiciosa, o rosto abatido, vira, goza. Os parados movem-se, as posturas dobradas<br />

desdobram-se. Desdobram-se as bandeiras. Ressoam clarins, ataques de choro histéricos, alvoradas doidas, a música<br />

explode em todas as bandas de todos os corpos. Estrugem hinos…<br />

O Vento Nordeste sopra rijo ares inflantes. Rufla bandeiras ondulantes, mistura sons baralhados de ira e hilários<br />

de Canudos e Expedicionários, das bandas marciais notas metálicas dos hinos, à milhares de brados de triunfo e de<br />

Canudos o Sino Traz o sopro inicial dos primeiros Acordes da Ave Maria. Desce a noite. Estrelada como um dia.)<br />

SINOS TOCAM - CHOQUE EM CANUDOS<br />

(TIMÓTHEO toca contagiado pelo choque e avassala com o toque, a energia do galvânico choque em ecos indistintos<br />

quentes, flui pras montanhas longínquas dos orientes. Ascende aos céus Onde não há juízes ou réus. Vibra pelos<br />

descampados do mar do globo num ondular sonoro, de arrobo, todas as brazyleyras turquyas, todas as Ave-Maryas<br />

A alegria da AveMaria se soma a das Bandas como seu Choque Galvânico)<br />

66


4º MOVIMENTO: O ASSALTO DE 14 DE JULHO<br />

1 - o assalto - dia 14 - marselhesa<br />

2 - luta pela conquista das trincheiras<br />

3 - atirador fantástico único com armas de reptição e brigada carlos telles<br />

4 - carlos telles é ferido (e levado por seus lanceiros)<br />

5 - serra martins encontrando um caminho a direita.<br />

6 - as tropas avançam e enfrentam últimos habitantes das casas<br />

7 - construção da linha negra<br />

arthur oscar da favela dirige-se agachado para canudos.<br />

8 - no cemitério recém tomado pelo exército<br />

9 - zabaneira em canudos excitada com a promiscuidade e aumento repentino da população<br />

10 - alferes e seu cavalo são feridos, conduzidos ao hospital de sangue improvisado em canudos, atrás da igreja velha<br />

11 - construção dos muros barricadas do exército<br />

12 - início do cerco com siqueira e seus mapas na projeção<br />

13 - alerta de joaquim manoel de medeiros<br />

14 - considerações finais sobre tempo do cerco por siqueira de meneses, defendendo a legitimidade dos jagunços de<br />

se defederem em seu próprio lar<br />

15 - mensangeiro é enviado em busca de reforço da divisão salvadora.<br />

67


1 - O ASSALTO - DIA 14 - MARSELHESA<br />

ARTHUR OSCAR<br />

(Discursando solenemente diante da tropa, lendo o texto de seu ghost writer: Alferes Wanderley)<br />

14 de julho,<br />

Dia propício, minha expedição:<br />

Dia da Revolução Francesa.<br />

Há pouco mais de cem anos um grupo de sonhadores,<br />

se bateu pela utopia da fraternidade humana, universal !<br />

Liberté ! Egalité ! Fraternité !<br />

TROPA TODA<br />

Liberté ! Egalité ! Fraternité !<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

General, no Ataque não comprometa toda a força numa jogada.<br />

Um ensaio primeiro feito por uma única brigada da vanguarda,<br />

outras a seguir, até convergir afinal,<br />

a concentração de todas, dentro do arraial.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Sua argumentação para o combate,<br />

é inteligente, é, mas não bate.<br />

Depois desse tempo de desmobilização,<br />

mais que rasgos de uma estratégia de imaginação,<br />

a psicologia da tropa exige: sair da paralisia, para o salto,<br />

da inércia absoluta para o Assalto !<br />

(Recepção delirante da 1ª coluna.)<br />

MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES<br />

Eu, Major Vieira Pacheco Frutuoso Mendes<br />

ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

E eu, Alferes Duque Estrada<br />

MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

Juramos pela deusa República a Canudos dar uma boa cova:<br />

desarticular pedra por pedra, os muros da igreja nova.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Jurado?<br />

MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

Jurado!<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Tropa, meia volta, volver !<br />

Vive la Révolution Française !<br />

TROPA<br />

Viva!<br />

MAJOR VIEIRA PACHECO FRUTUOSO MENDES E ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

68


Fogo!<br />

(A 32 atira. A 1ª e 2ª colunas penetram, reunidas a arena do combate.)<br />

CORO<br />

Aux armes, citoyens,<br />

Formez vos bataillons,<br />

Marchons, marchons !<br />

Qu’un sang impur<br />

Abreuve nos sillons !<br />

2 - <strong>LUTA</strong> PELA CONQUISTA DAS TRINCHEIRAS<br />

(a luz se concentra na Brigada de Carlos Telles)<br />

CORONEL CARLOS TELLES<br />

(se benzendo)<br />

Deus dos sem deus !<br />

Agora deu ou não deu.<br />

Lanceiros, perseguição no galope !<br />

O buraco da minhoca desentope.<br />

3 - ATIRADOR FANTÁSTICO ÚNICO COM ARMAS DE REPTIÇÃO E BRIGADA CARLOS TELLES<br />

(o retorno do atirador fantástico com arma de repetição. Em baixo, numa cova, o atirador fantástico com suas armas<br />

super automáticas: Do clavinote, à linha demontagem; da linha de montagem à arma de repetição do web atirador<br />

Fantástico que dá a primeira rajada.)<br />

CARLOS TELLES<br />

Meu Estado-maior não baqueia.<br />

É a última ladeira, esperneia !<br />

O adversário é implacável<br />

na ondulação favorável, tropa esconde.<br />

CORO DE LANCEIROS<br />

Mas onde ? É tudo descampado !<br />

Mato Capado !<br />

CARLOS TELLES<br />

Terra Mãe Sanguinária.<br />

Avancemos !<br />

(Uma fuzilaria de repetição eletrônica dos Sertanejos)<br />

CORO DE LANCEIROS<br />

Não ! O chão explode nossos pés.<br />

Milhares soltam busca-pés !<br />

(Tiros sertanejos vindo de trincheira de baixo)<br />

CARLOS TELLES<br />

Numeroso Exército Sertanejo ! Incomum !<br />

Derrubam um a um.<br />

(Carlos Telles e alguns últimos sobreviventes, vêem afinal, perplexes, sem nenhuma iniciativa pela própria<br />

perplexidade, à borda de uma cova circular, ressurgir à flor do chão um rosto bronzeado e duro. E pulando do buraco,<br />

sem largar a arma, o jagunço, escorregando célere, desaparece. Carlos Telles lança-se na trincheira soterrada,<br />

apanha no chão cartuchos, que derruba como cachoeira.)<br />

UM LANCEIRO<br />

(aos berros)<br />

69


Um só caçador ! Todo tempo de tocaia,<br />

mais de trezentos cartuchos vazios de uma única metrálha.<br />

4 - CARLOS TELLES É FERIDO (E LEVADO POR SEUS LANCEIROS)<br />

CARLOS TELLES<br />

A T A C A R ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !<br />

(Carlos Telles é atingido por um tiro de parta do atirador fantástico)<br />

Um só caçador.<br />

De um exército imolador ! ?<br />

Meu esquadrão, o mais forte desta guerra<br />

o mais querido, todo se enterra ?<br />

E minha vitoria nesta Bagé<br />

não se repetiu. É um fato, é!<br />

Minha ansia!<br />

Lá se foi minha estância!<br />

(Herói Grego forte, explodindo ainda na pista)<br />

Ai de Mim.<br />

(Os Lanceiros o acolhem fora de cena. Treva férteis.)<br />

5 - SERRA MARTINS ENCONTRANDO UM CAMINHO A DIREITA.<br />

CORONEL SERRA MARTINS SUBSTITUINDO SAVAGET NA 2ª COLUNA<br />

(Encontrando o caminho)<br />

Alonguem-se para a direita,<br />

entrada única, estreita.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(do camarote)<br />

Na extrema direita, uma direção começa a sugir !<br />

Vai fazer os sertanejos agora fugir!<br />

6 - AS TROPAS AVANÇAM E ENFRENTAM ÚLTIMOS HABITANTES DAS CASAS<br />

(Em novas trincheiras, do bairro à direita, Jagunços arrebentam descargas vivas, e depois abandonam as primeiras<br />

casas. Felicidade fugaz do exército que vê os sertanejos abandonando suas casas.)<br />

SERRA MARTINS<br />

Abandonaram as primeiras casas!<br />

CORO DE TODO EXÉRCITO<br />

Abandonaram as primeiras casas…<br />

SIQUEIRA DE MENESES<br />

Vitória!<br />

7 - CONSTRUÇÃO DA LINHA NEGRA<br />

ARTHUR OSCAR DA FAVELA DIRIGE-SE AGACHADO PARA CANUDOS.<br />

SERRA MARTINS E GENERAL BARBOSA<br />

(do camarote)<br />

R I S C A R A L I N H A N E G R A ! ! ! ! !<br />

(A Soldado Juliana da 5ª BRIGADA DO CORONEL SERRA MARTINS faz uma linha descontínua e torcida, que<br />

se alonga para a esquerda até ao Vaza-Barris. O 5° DE POLÍCIA BAIANA rompe pelo leito seco do rio, e cai nos<br />

subterrâneos. RISCAM A LINHA NEGRA. NA PROJEÇÃO, o mapa com o terreno conquistado. General Arthur Oscar<br />

faz a pé, mal encoberto pelas casinhas esparsas da vertente, uma travessia até o bairro conquistado.)<br />

8 - NO CEMITÉRIO RECÉM TOMADO PELO EXÉRCITO<br />

70


(entra a projeção no chão formando o cemitério de Canudos)<br />

TERRA MÉDICA<br />

Na retaguarda, coalhada de mortos e feridos, o sangue brota.<br />

É a impressão emocionante da derrota.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

O primeiro terreno reconquistado ao Império é, está se vendo: um Cemitério.<br />

9 - ZABANEIRA EM CANUDOS EXCITADA COM A PROMISCUIDADE E AUMENTO REPENTINO DA<br />

POPULAÇÃO<br />

(Sai a a Luz que se concentra agora em Canudos)<br />

ZABANEIRA DO ACAMPAMENTO PÉROLA NEGRA<br />

Que noite ! Em poucos minutos, aumento absoluto da população<br />

3 mil bofes a mais no nosso chão !<br />

Essa promiscuidade me excita inteira<br />

Emoção de Zabaneira !<br />

10 - ALFERES E SEU CAVALO SÃO FERIDOS, CONDUZIDOS AO HOSPITAL DE SANGUE<br />

IMPROVISADO EM CANUDOS, ATRÁS DA IGREJA VELHA<br />

(LUZ A PINO. Alferes Wanderley e seu cavalo Néve chegam até o limite da Linha Negra.)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Viva a Repú<br />

(Um tiro certeiro faz cair o Alferes e seu cavalo.)<br />

LANCEIRA DO EXÉRCITO<br />

Foi atingido nosso Rei!<br />

O Alferes Wanderley<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(vai ao encontro do ferido)<br />

Meu São Jorge! Guerra, sacrifica o que quiseres<br />

mas não leve nossa celebridade, o Alferes !<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(Ordenanças contra regras, os vão encaminhando numa maca para o Hospital improvisado atrás da Igreja Velha,<br />

numa calha do lado leste.)<br />

Ah ! São Jorge ! Meu querido General Arthur Oscar<br />

pedaços sobraram, não,<br />

nem tudo está morrido,<br />

nem meu cavalo,<br />

nem vosso Alferes,<br />

somente muito, muito sentidos.<br />

(o corpo de socorro sai levando o cavalo e o Alferes)<br />

CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS<br />

Nesse cair da tarde, imobilizemos-nos como os mortos deste cemitério.<br />

Quinta parte do arraial…<br />

Limitemos-nos a faixa dessa coxilha em declive para a praça principal.<br />

(VÍDEO da praça principal de Canudos.)<br />

CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA<br />

A cidadela não foi atingida.<br />

Aqui em frente está ameaçadora rígida<br />

71


Sem muros, inexpugnável,<br />

na nossa frente, oferecida,<br />

mais de milhares de portas escancaradas,<br />

entradas abertas<br />

para a inextrincável rede de becos alertas.<br />

11 - CONSTRUÇÃO DOS MUROS BARRICADAS DO EXÉRCITO<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Muros seguros levantem no escuro<br />

muros e mais muros<br />

Toda extensão da linha Negra blindada,<br />

tábuas, pedras, paredes, ossos, pernas, orelhas: barricada.<br />

(o Muro vai sendo construído com as barricadas trincheiras. Tudo é feito nesta surdina tensa de esperar que de um<br />

momento a outro venha uma tocaia. A Luz vai saindo, entra a projeção com as linhas das posições, no Mapa, deste<br />

início de cerco nos fundos da igreja velha, paralelamente à face leste da praça. Uma retaguarda, guarda o flanco<br />

direito do acampamento, onde vai sendo maquinado o Palco Italiano Camarim de Arthur Oscar - O Quartel-General,<br />

na vertente oposta, à extrema direita, no segundo andar.)<br />

12 - INÍCIO DO CERCO COM SIQUEIRA E SEUS MAPAS NA PROJEÇÃO<br />

(camarote leste do comandante em chefe no quartel general)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(Para seu ESTADO MAIOR, bem desfalcado, e para todos seus soldados próximos e para o público)<br />

O balanço do 14 de julho nos impõe essa incumbência:<br />

começar traçar do cerco, a circunferência<br />

mesmo que as linhas curvas de nossa frente,<br />

desenhem por enquanto, uma pequenina lua crescente.<br />

Mas já alude<br />

como a lua, sua plenitude.<br />

(Mapa estratégico muito específico, trazido por Siqueira de Meneses, desenhado pela direção de arte exatamente<br />

para esta finalidade, evidentemente inspirado na personagem que o traz, projetado em GRANDE TELA NO CHÃO;<br />

e a linha de cerco conforme se fala dela, vai sendo traçada num computador, pelo próprio Siqueira, e por pequenas<br />

bandeiras, maquetes virtuais das atuais, grandes que serão depois abertas no espaço todo, no instante do cerco.)<br />

TENENTE CORONEL SIQUEIRA DE MENESES<br />

Para se últimar a circunferência<br />

temos que conquistar na persistência<br />

este traçado prolongado - para a direita em cheio<br />

virando para o norte ao meio,<br />

dobrando para as “cidades encantadas”<br />

no Cambaio, a oeste do casario,<br />

serpenteando depois o rio,<br />

até o sul na cola da zona da peste,<br />

até a cauda ir encontrando a cabeça aqui ao leste<br />

seis quilômetros, rodando a partir de onde estamos e cercando.<br />

13 - ALERTA DE JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS<br />

CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS<br />

Catástrofe próxima ! Ninguém mais pode esconder.<br />

O inimigo na luta regular, está pra nos bater<br />

na vingança, na desforra<br />

os selvagens vêm à fórra.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

72


Chamar isso de inimigoé eufemismo exagerado!<br />

São bandidos famigerados.<br />

14 - CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE TEMPO DO CERCO POR SIQUEIRA DE MENESES,<br />

DEFENDENDO A LEGITIMIDADE DOS JAGUNÇOS DE SE DEFEDEREM EM SEU PRÓPRIO LAR<br />

TENENTE CORONEL SIQUEIRA DE MENESES<br />

Enquanto estávamos distantes, nas caladas<br />

nos preparavam ciladas.<br />

Mas, agora, batemo-lhes às portas<br />

defendem o lar, mais nada importa.<br />

Canudos só será conquistado casa a casa,via a via,<br />

a expedição vai dispender três meses pra travessia<br />

dos cem metros de prova<br />

que vão da capela velha à igreja nova.<br />

15 - MENSANGEIRO É ENVIADO EM BUSCA DE REFORÇO DA DIVISÃO SALVADORA.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Coronel Medeiros,<br />

seja nosso especial mensageiro,<br />

vá telegrafar este pedido em Queimadas,<br />

de um reforço de 5 mil homens para a empreitada.<br />

CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS<br />

Uma divisão salvadora ?<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Uma divisão salvadora.<br />

Depois de mais uma vitória,<br />

de novo esperar Godot é nossa falta de história.<br />

73


5º MOVIMENTO: GOLFADA DE SANGUE<br />

1 - no alto da montanha da igreja nova pajeú general das banda<br />

2 - no acampamento jesuíno<br />

3 - pajeú dá ultimato para a tropa<br />

4 - arrastão<br />

5 - morte de pajeú<br />

6 - morte de jesuíno<br />

7 - enterro de pajeú<br />

8 - triunfo pelo telégrafo coral sinfônico<br />

9 - decisão de por na estrada os feridos: a golfada<br />

10 - golfadas de sangue do vulcão do hospital de sangue<br />

11 - hospital de sangue na estrada<br />

12 - looping estranhos frutos do angico<br />

13 - o rancho fundo<br />

14 - o r i t o d o v a l e<br />

15 - nos telões, baixas de canudos do iraque, de americanos, dos soldados mortos nas guerra do tráfico.<br />

74


1 - NO ALTO DA MONTANHA DA IGREJA NOVA PAJEÚ GENERAL DAS BANDA<br />

(Vem o Tema do General das Banda GENERAL PAJEÚ surge no alto da estrutura, coroado de TOURO. Combina<br />

ataque com seu bando como um General Autoritário.)<br />

GENERAL PAJEÚ<br />

Eu, General Pajeú, comandante das Banda, declaro:<br />

aceito a direção da Luta.<br />

Super-Objetivo, sem desviação,<br />

Capturá Arma e Munição.<br />

Vamo atacá em dois bando,<br />

por duas banda:<br />

uma vinda do sol nascente<br />

e a nossa, do morrente.<br />

A nossa ataca cortando rente,<br />

separando a Frente do resto do Contingente.<br />

A outra banda de pivete,<br />

CRIANÇAS<br />

em Arrastão,<br />

PAJEÚ<br />

atravessa pescando arma e munição.<br />

AÍ! Manda!<br />

2 - NO ACAMPAMENTO JESUÍNO<br />

(Jesuíno, começa a respirar e a cheirar o ar como um cão; sente, no alto, Pajeú e late. Ele fala com voz gravada em<br />

off.)<br />

GUIA JESUÍNO<br />

Meio dia, cheiro forte,<br />

ah, irresistível, perfumado tição!<br />

Domina doce perfume, faz parar a agitação.<br />

Vem Pajeú, te espero aqui te cheirando,<br />

meu faro está apontando !<br />

3 - PAJEÚ DÁ ULTIMATO PARA A TROPA<br />

(os guerrilheiros se colocam nas duas extremidades opostas.<br />

Pajeú propõe a entrega para a Tropa)<br />

PAJEÚ<br />

Tropa ! Tão Cercado<br />

por dois bando<br />

da minha banda.<br />

Deixa todas arma, munição, o garoto<br />

e se Manda !<br />

O General das Banda Comanda!<br />

OUTRA BANDA DO GENERAL DAS BANDA<br />

(Outra banda surge do leste. Pajeú aponta o quartel general, onde está o Estado Maior, nas Galerias do Leste do<br />

Teatro)<br />

Tropa, Chegou por outra banda<br />

a outra banda<br />

do General das banda.<br />

Te Manda!<br />

(Os Militares sentem o cerco. Jesuíno está em êxtase erótico que quase não suporta, entra em possessão, transe com o<br />

cheiro. Os Soldados quase entregam as armas, apavorados, quando)<br />

75


GENERAL BARBOSA<br />

Em formação ! Vem General das Banda, vem pegar teu filho tição !<br />

Todos os batalhões te esperam.<br />

4 - ARRASTÃO<br />

OUTRA BANDA DO GENERAL DAS BANDA<br />

Olha o arrastão !<br />

(ENTRA O ARRASTÃO. Os homens armados de Pajeú, como combinado, separam a Frente do Resto do Contingente.<br />

Do lado Sul-leste o ARRASTÃO vem, com uma rede, roubando um carro-comboio do exército com armas e munições.<br />

Quando o Arrastão consegue passar as armas para o outro lado da linha negra, tudo imobiliza num quadro que<br />

somente respira. General Barbosa aparece apontando uma pistola para a cabeça de Bicho Diabo.)<br />

PAJEÚ<br />

Meu filho !<br />

5 - MORTE DE PAJEÚ<br />

GUIA JESUÍNO<br />

(A cena se congela; Mão no gatilho, a câmera vê na mira do CAXANGÁ JESUÍNO.)<br />

Minotauro<br />

Acabou Tua Era<br />

Cheguei no Labirinto<br />

Da Tua espera<br />

É tudo que precisava<br />

Mas não desejava<br />

Mas tinha que ser<br />

Perdoa Touro Preto<br />

Meu Deus Meu Senhor<br />

Já não existo mais<br />

Morro nesse ato de amor.<br />

(Jesuíno atira no impetuoso, no TOURO PAJEÚ que baqueia mortalmente ferido. Atira-se sobre o corpo de Pajeú<br />

chorando e cheira-o como um cachorro, beija-o)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Atirem Baterias da Favela.<br />

Gloria Final !<br />

Matamos o Touro Labirintal !<br />

Fogo !<br />

(Pajeú continua a ser metralhado pelos soldados, como se matassem 100 homens num só homem. Os jagunços lutam<br />

pelo corpo de Pajeú, conseguem arrancar de Jesuíno, e levar para o Arraial. Jesuíno cambaleia, ferido, chora-rindo,<br />

como se quisesse acompanhar aquele cheiro até o fim da vida. Todo ferido, agonizando, enlouquecido como um<br />

jogador que fez o maior gol do mundo, ele canta desesperado a Morte de seu deus Bin Laden Pajeú)<br />

GUIA JESUÍNO<br />

AuauauauauauauauauauauauaÚ<br />

MANDRÁGORAS, JAGUNÇOS E NINFAS<br />

(Iiniciando o enterro.)<br />

O Deus Morreu ! Ai …!<br />

JESUÍNO<br />

(ouvindo os sons do enterro)<br />

Vou pra Canudos enterrar Pajeú.<br />

6 - MORTE DE JESUÍNO<br />

76


GENERAL BARBOSA<br />

Pelotão de fuzilaria, preparar !<br />

(Os Soldados vão fazendo uma linha de fuzilamento sob o Comando do General Barbosa)<br />

JESUÍNO<br />

(começa a falar para os soldados num crescendo quase doce)<br />

Eu matei, eu morri.<br />

Ninguém mata um Deus, Soldados famintos,<br />

Eu matei. Atirem em mim<br />

(para o Bode Campelo França)<br />

seu rango porco é insuficiente ?<br />

Comam a mim !<br />

General Arthur Oscar<br />

diante do General Pajeú<br />

tu não tem perfume.<br />

Tu fede banha branca de cortume.<br />

Gaúcho porco cor de rosa,<br />

(Jesuíno grita ordenando para os soldados e oficiais do público)<br />

atira suíno, Assassino Prosa<br />

GENERAL JÕAO BARBOSA<br />

Fogo !<br />

(Os soldados matam Jesuíno)<br />

7 - ENTERRO DE PAJEÚ<br />

(Então explode o ENTERRO DE PAJEÚ. TOMA CONTA COM TODOS OS ORIXÁS E EXUS EM DELÍRIO<br />

FÚNEBRE CORTEJO PROCISSÃO)<br />

MANDRÁGORAS, JAGUNÇOS E NINFAS SERTANEJAS<br />

“Deus Morreu !”<br />

Vamos Bailar o Bailado do deus Morto<br />

Aih !… Aih !… Aih !… Aih !…<br />

DEUSA BATERÍA<br />

FAZ DA TRISTEZA ALEGRÍA<br />

(Invocando a Bateria que deve fazer enloquecer os corpos dos atores e personagens, que devem deixar que a Deusa<br />

Bateria tome em curvas todos seu corpo em transe.)<br />

VAI TAM TAM<br />

(invocando a Cuíca)<br />

CUÍCA! CUIÍCA<br />

(Sons de Cuícas. Trasformação do ai, em Iá; momento de gozo humorado líquido e delicioso, absolutamente diferente<br />

dos outros Deus Morreu ALEGRE, EXPLODINDO DE ALEGRIA)<br />

IAh… IAh !… IAh !… o Deus Morreu !<br />

(O GRITO DA MORTE DO DEUS cantado e dançado com CUÍCAS, percorre o espaço no meio do Público até<br />

plantá-lo no jardim, ao lado das Árvores.)<br />

JAGUNÇOS<br />

Pu Ti Bum<br />

MANDRÁGORAS<br />

Twig Twig<br />

JAGUNÇOS<br />

77


Pu Ti Bum<br />

MANDRÁGORAS<br />

Twig Twig<br />

(O Enterro-banquete Coroa com chifres de Touro, todos os sertanejos, alimentados pela força do seu Deus. Jesuíno é<br />

jogado na vala comum pelo exército. No VÍDEO Cenas do enterro de Garrincha e de Traficantes, enquanto as mídias<br />

anunciam a Vitória do Exército e o enterro de Pajeú.)<br />

8 - TRIUNFO PELO TELÉGRAFO CORAL SINFÔNICO<br />

(SONS DE TELÉGRAFO, MÍDIAS, MÚSICA DO ENTERRO VIVA E NA GRAVADA, ELOQUÊNCIA DA<br />

EXCITAÇÃO ELETRÔNICA DE SONS E IMAGENS DO BROADCASTING EM SEUS MOMENTOS DE GLÓRIA)<br />

CORAL SINFÓNICO<br />

VITÓRIA VITÓRIA PAJEÚ, O DEUS, MORREU !<br />

COMEÇA OUTRA ERA DE DEUS<br />

MAXOTAURO RENASCEU<br />

MONARQUIA, FOI-SE EMBORA O SEU BIN LADEN<br />

NÃO SE ENFADEM !<br />

ESTÁ MORTO ESTÁ MORTO ESTÁ MORTO,<br />

CHÊ NEGRO NÚ, GENERAL DAS BANDA PAJEÚ<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR DECLAROU:<br />

(Gravada para entrevista)<br />

BANDIDOS ENCURRALADOS,<br />

A INSURREIÇÃO FRACASSOU.<br />

A VITÓRIA DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA É TOTAL<br />

DENTRO DE DOIS DIAS ESTARÁ EM NOSSAS MÃOS O ARRAIAL<br />

(Toda a farra eletrônica virtual emudece como se houvesse um apagão apagando-se, deixando uns fios de som<br />

perdidos, até morrer.)<br />

9 - DECISÃO DE POR NA ESTRADA OS FERIDOS: A GOLFADA<br />

CORONEL JOAQUIM MANOEL DE MEDEIROS<br />

Diante da morte de seu Deus Pajeú,<br />

não temos mais Segurança.<br />

Os Sertanejos coroaram-se todos com seus Cornos:<br />

Tocaiam Selvagens Vinganças.<br />

Esperamos a Divisão Salvadora<br />

Mas, antes mais que tudo morra,<br />

sem víveres, constrangidos,<br />

devemos evacuar do campo de batalha, todos os feridos.<br />

10 - GOLFADAS DE SANGUE DO VULCÃO DO HOSPITAL DE SANGUE<br />

(ENTRA EM CIMA TEMA MUSICAL SINFÔNICO DA GOLFADA HEDIONDA. A médica cobre a pista com um<br />

plástico branco. Alferes Wanderley entra com um cano móvel, catéter, canudo de plástico, cheio de sangue, que vai<br />

fazer jorrar como brindando, abrindo uma garrfa de champagne Golfada de Sangue<br />

PROJEÇÃO:<br />

Quase mil homens entre mortos e feridos!<br />

A luz se fecha em Wanderley e no cavalo. Entra Leit Motivo de Wanderley dando continuidade ao tema da Luta I)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Estamos sendo vomitados pro ralo!<br />

Nós rebotalhos ! Nós meu cavalo !<br />

Não servimos mais pros republicanáticos.<br />

Pra estrada, nós lunáticos !<br />

78


Lá se vai nossa geração de Cruzados,<br />

fóra, como a ralé dos mouros desarmados!<br />

Todos republicanáticos todos,<br />

sem excetuar um,<br />

temos ainda no bolso, mal soldado, um soldo, um,<br />

mal arrancado do banqueiro do país endividado<br />

e no peito esquerdo pendurado<br />

a marca do marechal Floriano Peixoto<br />

pra morrendo, saúdar sua memória de escroto<br />

com a mesma história, com o mesmo entusiasmo delirante,<br />

a mesma aberração tocante,<br />

com que os jagunços bradam pelo Bom Jesus de Cá,<br />

os fundamentalistas clamam por Alá,<br />

ou os liberais pelo deus do Dólar de Lá !<br />

(Lança fora a medalha de Floriano.)<br />

Fora Soldados!<br />

sob o hipnotismo da coragem pessoal dos chefes,<br />

imobilizados.<br />

Pelo prestígio de oficiais,<br />

dominados,<br />

avançemos pelas linhas de fogo cambaleando imundos,<br />

desafiando a morte moribundos.<br />

(Abre o Champagne GOLFADA. Cai na gargalhada, chorando rindo, abraçando seu cavalo ferido que relincha.)<br />

Ferido, Parelho<br />

atravessemos o mar vermelho !<br />

CORO DA GOLFADA<br />

Golfada de sangue hedionda, estronda,<br />

Vomitados pra fora do acampamento nesta onda,<br />

pra estrada da vida<br />

da morte que ronda.<br />

(A luz vai saindo, com os feridos no rastro de sangue saindo pela porta da rua. Silêncio. Na sala a Viúva do Alferes<br />

Wanderley, sensitiva e simples, a Viúva Porcina Desmontada)<br />

VIÚVA DO ALFERES WANDERLEY PORCINA DESMONTADA<br />

Eu Ex-viúva venho dizer só esta estrofe<br />

Estão chegando os documentos vivos da catastrofe.<br />

11 - HOSPITAL DE SANGUE NA ESTRADA<br />

(Entra a Seca o chão é uma praia de areia. Volta o tema da Golfada)<br />

SECA<br />

Sugadas dos sóis<br />

árvores, dobrem murchas em bemóis<br />

folhas, caiam dia a dia,<br />

por terra vazia,<br />

murchas flores do absurdo<br />

à ação latente do meu incêndio surdo<br />

Sob meu deslumbrante, implacável céu sem nuvens<br />

à luz crua dos dias claríssimos, ardentes:<br />

feridos, coadjuvem.<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS<br />

Coadjuvantes !<br />

Trazemos sangria quente nunca vista antes.<br />

Sangue repelido<br />

em golfadas derramando,<br />

79


inúmeros bandos,<br />

pra rota!<br />

Sem ordem, sem nota.<br />

SOLO<br />

10 horas. Nesta manhã plana,<br />

estacionemos, caravana!<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE QUEREM PARAM<br />

Anunciemos inertes<br />

o fim,<br />

pra onde tudo converte.<br />

CORO DOS GOLFADOS<br />

Unidos saídos, todos éramos um,<br />

distendemo-nos agora pelos caminhos,<br />

CORO PEQUENO<br />

em pequenos grupos,<br />

SOLO<br />

sozinhos.<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE ANDAM E CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE PARAM<br />

SEDENTOS<br />

(vem ficando para trás, mas simulam que andam)<br />

Nós, aguilhoados pela sede,<br />

nas águas das terras viradas parede<br />

chupamos cardos<br />

llenos de espinos, estranhos vinhos.<br />

Deslembramos do inimigo,<br />

ferocidade de jagunço é até de amigo,<br />

diante da Terra Mãe<br />

secada até o umbigo.<br />

Aqui está a mesma trilha<br />

um mês antes percorrida.<br />

Tontos, irradiando 4 mil baionetas,<br />

ao som das heróicas trombetas<br />

no ritmo das cargas, febricitantes…<br />

O depois …<br />

é sempre o contrário do antes.,<br />

(Glossolalia de explosão bucal, vindo da boceta da garganta, a ser criada)<br />

BOOOOOOMMMM-TZHATZAHTZHA<br />

12 - LOOPING ESTRANHOS FRUTOS DO ANGICO<br />

(Entram as caveiras trazida pelos fantasmas dos atores e a deTamarindo, trazida agora pelo ator que o fez, e pelas<br />

madrágoras. Transição.)<br />

SOLO<br />

Agnus dei !<br />

(no VÍDEO entram imagens da Luta I: corpos mortos e o empalamento de Tamarindo)<br />

CORO DOS FERIDOS<br />

Replay<br />

um icto do Indo,<br />

um icto do Vindo<br />

80


Revindo<br />

Noutro Retorno<br />

E o tempo consumindo,<br />

(Diante da fileira de ossadas)<br />

brancas ossadas, debruadas<br />

gêmeas enfileiradas<br />

natureza morta apodrecendo aparecendo…<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(Diante do espantalho de Tamarindo, “O Enforcado”, um boneco decapitado, despedaçado, no pau do empalo,<br />

trazido por seu Fantasma)<br />

Oh Anjo do Angico, não é um crucifixo<br />

mas um frutifico<br />

Te Santifico.<br />

Peço a ti, Santo Decapitado<br />

Empalado,<br />

Lindo<br />

coronel Tamarindo<br />

não permita deus que eu morra sem que volte para lá<br />

…onde meu cavalo vai voar.<br />

CORO DA GOLFADA<br />

Martírio Secular da Terra<br />

Um carnaval de verdade<br />

Hospitaleira inamizade<br />

Jardim Brutalidade<br />

(A marcha dos feridos continua, o estranho fruto vai desaparecendo levado pelos Fantasmas…)<br />

13 - O RANCHO FUNDO<br />

(e se percebe uma paisagem com sentido oposto da anterior. As luzes vão transmudando. De repente, o Alferes vê<br />

um Rancho, um rio, uma árvore. A GOLFADA Cerca a casa, o Alferes, com seu animal fantástico, fica distante da<br />

multidão que rodeia a Zabaneira, não a viu ainda)<br />

ZABANEIRA<br />

(Na choupana para Golfada)<br />

Aqui é o famoso Rancho Fundo<br />

CORO DA GOLFADA<br />

O Rancho Fundo…<br />

DUPLA SERTANEJA<br />

O Rancho Fundo bem pra lá do fim do mundo.<br />

ZABANEIRA<br />

Deus ficou sabendo da tristeza aqui da serra<br />

e me mandou pra cá, pra dar todo o amor que há na Terra !<br />

Por isso, me vendo por amor,<br />

pros que estão no fundo<br />

entre o desejo e o extertor.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Zabaneira, Zabaneira<br />

Você nesta golfada expelida ?<br />

ZABANEIRA<br />

(Aproxima-se em silêncio, se afastando do Coro, que começa a instalar-se no Rancho, evitando os carentes da<br />

Golfada que queriam já os seus serviços)<br />

81


Fez tudo certo Soldado,<br />

e deu errado.<br />

(Ela está ao lado dele e, antes de tudo, com seu dedo e saliva, molha os lábios secando de Wanderley e vai se<br />

molhando. Beija o Alferes umidamente, desapeam-se.)<br />

Me fala de amor<br />

A Golfada aqui passa<br />

e eu vendo amor.<br />

Minha bolsa tem muito soldo de soldado,<br />

mas ninguém tem mais vontade<br />

de me fazer uma declaração de amor<br />

Você faz, coração ?<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(Relaxado, deitado sobre seus frangalhos)<br />

Matutos aqui passavam a vida,<br />

noutra encarnação<br />

horas de paz do sertão.<br />

Onde nunca estive.<br />

Agora estou,<br />

assim precário,<br />

num instante de paz,<br />

pra mim antes desconhecido !<br />

A Paz É isso ?<br />

Muito prazer.<br />

Zabaneira<br />

sagrada guerreira<br />

que trouxe o amor de Terra inteira,<br />

teu aroma me arranca do meu coma.<br />

Cheire lá o que for<br />

é minha declaração de amor<br />

(Eles se cheiram muito, primeiro com distância visível dos corpos, para o vazio do cheiro ser desenhado no espaço;<br />

depois vão se cheirando e se aproximando.)<br />

ZABANEIRA<br />

(Caminha amparando o Alferes e o cavalo)<br />

Eu te banho cavalo assanhado,<br />

suado, poento, fedorento, machucado.<br />

SOLDADOS<br />

Água morta, envenenada.<br />

ZABANEIRA<br />

(para a Ipueira)<br />

Líquido só renovado,<br />

ano sim, ano não<br />

por chuvas, de passagem, sem estação<br />

Vamos chover e ser, líquido, a tua ablução<br />

CHORADEIRA PRA OXUM<br />

Chora, chora, choradeira<br />

nessa hora derradeira<br />

chama Oxum.<br />

Uma de muitos uns<br />

soma tuas águas<br />

às de cada um<br />

às dos olhos, afogados nas mágoas<br />

ZABANEIRA<br />

82


às debaixo da minha anágua.<br />

CHORADEIRA PRA OXUM<br />

Lágrimas rolem inteiras!<br />

Em cachoeiras!<br />

Poça contaminada, vira<br />

lagoa desta montanha sagrada.<br />

(A água se ilumina com luz dourada de adoração. Se banham como num ritual de ligação entre água, homem, mulher,<br />

cavalo, corpo sem órgãos.)<br />

ZABANEIRA<br />

Vêm vindo o touro preto e as vaca<br />

Sinto na minha tabaca<br />

Minha mãe do deus!<br />

Você me atendeu<br />

Podem vir, sou eu !<br />

Manada desgarrada<br />

na guerra alvoroçada<br />

sentiram de longe nossa viragem,<br />

voltam à sua velha paragem.<br />

Buscam a mim !<br />

(Canta o toar de um sonho de Aboiada)<br />

IÉU O<br />

VACAS, TOUROS E BEZERROS<br />

IÉU O<br />

ZABANEIRA<br />

GADO GODOT<br />

OXUM XAMÔ<br />

IÉU O<br />

(entram os Touros, bezerros e vacas)<br />

Aqui ! Soltas ! As mais amadas<br />

as mais fartas da manada.<br />

(Vai ao encontro delas)<br />

Minhas irmãs<br />

trotem no terreiro…<br />

nada vale mais no mundo inteiro<br />

(Recepção cruel da turba faminta: em tumulto, gritos discordantes, a Zabaneira no meio tentando impedir, o Alferes<br />

impotente, o Animal Fantástico começa a relinchar. Estrondam as espingardas. Vacas e o Touro preto, vão morrendo,<br />

em tiroteios vivos, que lembram combates. Acertam a Zabaneira.)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Z A B A N E I R A !<br />

(Com a Zabaneira ferida)<br />

Não sou vocês, rebanho ensandecido!<br />

Não quero estar com essas coisas,<br />

nem morto nem ferido<br />

nem na promiscuidade de um fosso injuriante,<br />

numa cova comum, com esse bando repugnante<br />

homens que abatem feridos,<br />

já abatidos !<br />

ZABANEIRA<br />

(Zabaneira ferida)<br />

Sou só mais uma ferida<br />

83


das Féras Feridas<br />

de Terra.<br />

Deus, missão cumprida.<br />

Vamos andando.<br />

Não fico mais aqui<br />

sigo com vocês amores, por aí.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

(Para os matadores dos bois)<br />

Escória, vivem uma tragédia<br />

e fazem drama, comédia.<br />

Pro deserto varridos<br />

trambolhos esquecidos<br />

inúteis,<br />

e apavorados assassinos fúteis !<br />

(tentam se afastar só os três, mas o bando segue-os, os fazem de líderes)<br />

Não me sigam.<br />

(o grupo não desiste de segui-los)<br />

A única maneira de me livrar de vocês<br />

é mandar em vocês,<br />

guiar o rebanho.<br />

Está bem, esse papel, abocanho.<br />

Sou Alferes Capitão<br />

Coronel General Marechal Deus !<br />

Guiando todos para a morte no vale ! Como eu.<br />

14 - O R I T O D O V A L E<br />

(Caminham, o espaço se esvazia inteiramente como um Vale Vazio da Morte, um lugar pelo qual se passa para<br />

morrer, todos caminham no passo do Monge como Yamabushis, mas desolidarizados, somente ligados no corpo sem<br />

órgãos, ou ignorando-o, inteiramente, acreditando somente em sua vida única, pessoal)<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS QUE PARAM<br />

Nós ficamos quietos,<br />

à sombra dos arbustos abjetos<br />

de fadigas sucumbidos<br />

até o fim de todos os sentidos, estivando<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Depois dos primeiros passos,<br />

Senhor dos Passos, começo a fraquejar<br />

(Alferes Wanderley cai, o cavalo fica a seu lado; Zabaneira chega até ele.)<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS<br />

A fraqueza é humana<br />

vai experimentar o seu final<br />

ZABANEIRA<br />

Alferes Wanderley, você agora é mais.<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS<br />

É um sinal.<br />

ALFERES<br />

Meu animal fantástico, branco zoombí,<br />

minha montada, fique aqui.<br />

CABO BACO BRECHT<br />

Nimm’ meine Bibel, die sich Fatzer nennt,<br />

84


lies sie wie eine letzte salbung.<br />

einige geschriebene Fragmente, ueber ein und dieselbe Emotion.<br />

Tome minha Bíblia, chama-se Fatzer.<br />

Leia como extrema-unção.<br />

Alguns fragmentos escritos, sob a mesma emoção.<br />

(Passa-lhe o livro)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Não vou mais sair do chão<br />

nossa causa perdida, faltou precisão.<br />

Tem que ser organizada,<br />

não como os que no alto estão falando de barriga cheia,<br />

em vão<br />

Alguma coisa vai se perder na areia<br />

porque nós fazemos tudo na vida para nos perdermos na areia<br />

Um Corpo, o que é afinal?<br />

CORO DOS FERIDOS GOLFADOS<br />

Quatro baldes de água, um pacote de sal.<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Não há mais vencidos<br />

só vencedores.<br />

A derrota está conquistada.<br />

O derrotado, da sabedoria,<br />

não tem escapada.<br />

(deixa o livro do Cabo Brecht)<br />

Sigo Fundo e estivo<br />

deixem-me ficar exausto e vivo<br />

nas curvas do caminho nesta quixabeira.<br />

Ninguém vai dar por minha falta, nem você Zabaneira.<br />

Meu palpite é feliz<br />

você logo vai me respirar,<br />

na poeira, que cheira a vida inteira,<br />

quando os ventos baterem, no teu nariz.<br />

(Wanderley deixa a cabeça tombar pra trás, retorna, olha pra todos, que jogam a cabeça pra trás e retornam mortos.<br />

Cai areia em todos e se faz um Jardim Brutalidades de MÚMIAS)<br />

CORO GERAL PROTAGONISTAS HUMANOS VEGETAIS MINERAIS AÉREOS TERRESTRES, EM ESTADO<br />

DE ESTIVA<br />

Dias, semanas, meses sucessivos,<br />

viandantes passando vivos,<br />

nos vêem na mesma postura:<br />

nossa carcaça dura<br />

no brilho, o braço direito arqueando-se à fronte<br />

resguardando do sol que toma o horizonte.<br />

Combatentes fatigados aparentando<br />

estar descansando…<br />

Morte pungente<br />

imobilizamos em vida latente<br />

Não nos decompomos, como toda gente<br />

A atmosfera ressequida, ardente<br />

nossos corpos conserva,<br />

murchamos, apenas,<br />

enrugando a pele, exaurindo reservas.<br />

À margem dos caminhos permanecemos<br />

85


longo tempo<br />

o corpo a morte vivendo<br />

até o suave momento, do desabamento<br />

(entra a fauna do Bixigão)<br />

CORO GERAL<br />

Esperamos<br />

Estivamos…<br />

ÁRVORES CORO GERAL<br />

Árvores esturricadas. Esperamos<br />

Desesperadas Estivamos…<br />

AVES CORO GERAL<br />

Aves caídas mortas dos ares estagnados, Esperamos<br />

os vôos dos ventos continuam cancelados. Estivamos<br />

GADO CORO GERAL<br />

Rêses caídas, Esperamos<br />

manadas de cera, Estivamos…<br />

como em feira<br />

exibidas CORO GERAL<br />

Esperamos<br />

SUÇUARANA Estivamos<br />

Suçuarana, garra dianteira no chão fincada<br />

em salto paralisada<br />

o pescoço alongado,<br />

procurando um líquido<br />

já secado.<br />

CORO GERAL<br />

Cacimba extinta,<br />

TERRA - CACIMBA EXTINTA<br />

Mas o ponto, o ponto …sinta<br />

CORO GERAL<br />

Sem que os vermes nos alterem os tecidos,<br />

Retornamos aos elos perdidos…<br />

(Música dos Ventos ásperos, rígidos finos, em redemoinhos)<br />

ANIMAL FANTÁSTICO<br />

Agora, passam<br />

rajadas ásperas e finas,<br />

agitando ondulantes minhas longas crinas…<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Sem decomposição repugnante,<br />

numa exaustão imperceptível,<br />

começo a volver ao turbilhão da vida.<br />

CORO GERAL MAIS CAVALO E ALFERES WANDERLEY<br />

É agora: o ponto.<br />

(1 Bundo acende o fogo - uma vela. Silencio depois da inspiração)<br />

As águas, o vento,<br />

no tempo<br />

nos desabam:<br />

86


pronto.<br />

(Todos os mortos se deitam, humanos e bichos. Mortos descansando. Tombam grossas e bulhentas as águas da<br />

cachoeira iluminada virando lago sobre a Montanha, o lago do I ching na Rocha Viva.<br />

Subtexto: O desabamento das múmias é total. Os corpos dissolvem-se em implosão vertiginosa, devorados em flamas<br />

gozosas, varridos aos ares em decomposição. A Terra gostosa inicia sua sucção, arrebatando-os vida a fora, na<br />

revivescência triunfal da vida ! Os corpos se encontram na passagem da aniquilação para a Iniciação)<br />

NOS TELÕES, BAIXAS DE CANUDOS DO IRAQUE, DE AMERICANOS, DOS SOLDADOS MORTOS<br />

NAS GUERRA DO TRÁFICO.<br />

(Entra o hino do Expedicionário Brasileiro. Superpondo-se à LISTA DE MORTOS:<br />

CHEGAM NA BAHIA FERIDOS E MAIS FERIDOS,<br />

DOCUMENTOS VIVOS DA CATÁSTROFE<br />

LUTO NACIONAL<br />

REZA O MUNDO REPUBLICANO<br />

PRA QUE SE FORME UMA DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

De 25 de junho, dos primeiros tiros com o inimigo, até 10 de agosto, 2. 0 4 9 baixas.<br />

(Imagens sob mapas oficiais.)<br />

1ª coluna 1. 171 homens 2. ª com 878. “1ª coluna Artilharia: 9 oficiais e 47 praças feridos; 2 oficiais e 12 praças<br />

mortos; ala de cavalaria: 4 oficiais e 46 praças feridos; 30 oficiais e 16 praças mortos; engenheiros: 1 oficial e 8 praças<br />

feridos; 1 praça morta; corpos de polícia: 8 oficiais e 46 praças feridos; 8 oficiais e 24 praças mortos; 5. ° Batalhão de<br />

Infantaria: 4 oficiais e 66 praças feridos; 1 oficial e 25 praças mortos; 7. °: 8 oficiais e 95 praças feridos; 5 oficiais e 52<br />

praças mortos; 9. °: 6 oficiais e 59 praças feridos; 2 oficiais e 22 praças mortos; 14. °: 8 oficiais e 119 praças feridos; 5<br />

oficiais e 42 praças mortos; 15. °: 5 oficiais e 30 praças feridos; 10 praças mortos; 16. °: 5 oficiais e 24 praças feridos;<br />

10 praças mortos; 25. °: 9 oficiais e 134 praças feridos; 3 oficiais e 55 praças mortos; 27. °: 6 oficiais e 45 praças<br />

feridos; 24 praças mortos; 30. °: 10 oficiais e 120 praças feridos; 4 oficiais e 35 praças mortos. 2. ª coluna 1 general<br />

ferido; artilharia: 1 oficial morto; 12. ° de Infantaria: 6 oficiais e 128 praças feridos; 1 oficial e 50 praças mortos; 26. °:<br />

6 oficiais e 36 praças feridos; 2 oficiais e 22 praças mortos; 31. °: 7 oficiais e 99 praças feridos; 4 oficiais e 48 praças<br />

mortos; 32. °: 6 oficiais e 62 praças feridos; 4 oficiais e 31 praças mortos; 32. °: 10 oficiais e 65 praças feridos; 1<br />

oficial e 15 praças mortos; 34. °: 4 oficiais e 18 praças feridos; 7 praças mortos; 35. °: 4 oficiais e 91 praças feridos; 1<br />

oficial e 22 praças mortos; 40. °: 9 oficiais e 75 praças feridos; 2 oficiais e 30 praças mortos. “E a hecatombe progride<br />

com uma média diária de oito homens fora de combate.<br />

BRASIL Quantos nas Guerras dos Morros e Periferias<br />

Quantos no Iraque,Quantos nos EEUU SUDÃO PALESTINA ISRAEL MORROS DO RIO, FAVELAS DE SAMPÃ,<br />

HAITÍ HAITÍ HAITÍ HAITÍ HAITÍ<br />

87


2º ATO<br />

EUCLIDES EM CANUDOS<br />

17.05.2006<br />

88


6º MOVIMENTO: RIO DE JANEIRO<br />

1 - sobre a ameaça de canudos não querer fugir ao cerco, e sobre como tirar do cerco a expedição do general arthur<br />

oscar, prudente:<br />

a - prepara-se<br />

b - faz seu pronunciamento para república:<br />

tudo para nomear o marechal da divisão salvadora.<br />

2 – relações do marechal com sua secretária ordenança e anunciação da entrevista do jornalista euclides da cunha<br />

3 - contratação de euclides da cunha<br />

4 - perfil do marechal<br />

5 - novíssima república invade a cena<br />

89


1 - SOBRE A AMEAÇA DE CANUDOS SE EXPANDIR E SOBRE COMO TIRAR DO CERCO A EXPEDIÇÃO<br />

DO GENERAL ARTHUR OSCAR, PRUDENTE<br />

a) PREPARA-SE<br />

(Presidente Prudente lendo o texto do briefing preparado por seu GHOST WRITER. Conhece a pauta e a estuda enquanto<br />

vai sendo paramentado na intimidade com Dona Adelaide, com Maquiador, Camareiro e Cabeleireiro etc… para o ato<br />

oficial. A cena vai se montando, o Presidente vai ficando pronto; a luz vai criando o ambiente e de repente, sem que se<br />

perceba, já se está em pleno espetáculo da nomeação do Comandante Geral da Guerra de Canudos)<br />

PRUDENTE DE MORAIS<br />

Golfadas Hediondas de Sangue,<br />

vomitadas de Salvador para o Rio,<br />

(Para o Camareiro)<br />

para os “Apocalípticos”: “Batalha perdida !” Shit !<br />

(Para Dona Adelaide primeira Dama)<br />

para os “Prudentes”: O governo, por prudência, tem de agir,<br />

com a presteza requerida ! This is it!<br />

CAMAREIRO<br />

Você é o Presidente,<br />

tenho aqui comigo,<br />

todas as ordens do dia, não se impaciente.<br />

PRUDENTE DE MORAIS<br />

-“Jagunços batidos, moscas no mel!<br />

Vitórias!Vitórias!”…no papel.<br />

CABELEIREIRO RUBENS<br />

Esse otimismo exagerado da Macheza<br />

está a-fo-gan-do a República na incerteza.<br />

Cresce a comoção nacional…<br />

Tome, amor, uma decisão maternal.<br />

DONA ADELAIDE PRIMEIRA DAMA<br />

Nem Freud entende essa jagunçomania,<br />

por que não fogem pr’outros sertões da Bahia ?<br />

Ou pros confins do Araguaya ?<br />

Quem iria atrás deles em tais tocaias ? !<br />

Eu vibro, jagunça, para tomarem outra decisão:<br />

curtirem sua comunidade, em outra locação,<br />

mas uns ressentidos, gente do mal,<br />

insistem em enraizar-se no arraial !<br />

PRUDENTE DE MORAIS<br />

Que fazer ? !<br />

Acho até de mau gosto uma sangria.<br />

Mas os jagunços insistem na martiriolatría.<br />

Querem o nosso assédio, querem fechada a derradeira saída ! ?<br />

Torcem para um massacre suicida ! ?<br />

CAMAREIRO<br />

Então vamos fazê-los sucumbir como querem, massacrados,<br />

sob os escombros heróicos, dos templos sagrados.<br />

CABELEREIRO RUBENS<br />

Acho dispensável esta cena clichê de “As Troianas”:<br />

Tudo pra entrar na história de Marias Pulquérias Bahianas ?<br />

(Ouve-se o Hino da Cerimônia Oficial; Prudente põe o terno e a Coroa de Café.)<br />

90


CORO DOS QUE PREPARAM PRUDENTE<br />

Triple Merde !<br />

b) FAZ SEU PRONUNCIAMENTO PARA REPÚBLICA:<br />

TUDO PARA NOMEAR O MARECHAL DA DIVISÃO SALVADORA<br />

PRESIDENTE PRUDENTE DE MORAIS<br />

(Já saindo do Solilóquio para o Balcão, para todo o público.)<br />

Eu, presidente da República do Brasil,<br />

busco formar não uma outra expedição,<br />

pois a Quarta está dentro de Canudos,<br />

necessitando de reforço, lanças e escudos.<br />

Então a Presidência decidiu enviar,<br />

não somente uma Salvadora Divisão:<br />

arrebanhando os últimos batalhões dispersos pelos Estados da União,<br />

mas principalmente, um Comando Geral à altura, para pulsear a situação.<br />

Em vez da opção pela Garra, Raça, Violência, Euforia,<br />

opta pela sabedoria,<br />

a técnica da revolução, não a do atraso,<br />

mas a do médio prazo.<br />

Por isso, nomeio para dar fim a este conflito que se acerra,<br />

o próprio Secretário de Estado dos Negócios da Guerra:<br />

in loco, tout court,<br />

o Marechal Carlos Machado de Bittencourt.<br />

(Aplausos fortíssimos. O Marechal, que estava no computador de costas, levanta-se, olha o público bem<br />

desinteressado dos aplausos; Prudente passa um laptop para o Marechal, cumprimenta-o. O Estado Maior e os<br />

Soldados aplaudem-no e fazem o público aplaudi-lo com ENTUSIASMO.)<br />

UM DISCURSADOR<br />

Movimento armado, ultrapassa !<br />

Assuma a forma d’um levante de massa !<br />

Do extremo norte ao extremo sul de todas as zonas<br />

de S. Paulo agora, do Pará e do Amazonas !<br />

(aplausos)<br />

Ao Comando da Divisão Salvadora<br />

Nossa gratidão Imorredoura.<br />

Um Viva…<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

(Fazendo um gesto para o discursador…)<br />

Não, chega, por favor… Tropa Evacuar<br />

(A Tropa vai saindo, se retira desapontada)<br />

Precisamos trabalhar !<br />

(o Marechal cumprimenta Prudente que sai com sua comitiva e volta à sua mesa.)<br />

2 – RELAÇÕES DO MARECHAL COM SUA SECRETÁRIA ORDENANÇA E ANUNCIAÇÃO DA<br />

ENTREVISTA DO JORNALISTA EUCLIDES DA CUNHA<br />

SECRETÁRIA REPUBLICANA<br />

Está aí há muitas horas o engenheiro e jornalista Dr. Euclides da Cunha<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Ficha e Assunto, por escrito.<br />

SECRETÁRIA<br />

(Passa a ficha para o Marechal Bittencourt, enquanto passa um halytol, e se aproxima…)<br />

Ah ! Já está arquivado aqui, na ficha de segurança…<br />

91


aqui diz o assunto…<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

(Diante do seu computador)<br />

Por favor, senhorita, tire o dedo da ficha, assim não consigo ler, péssimo habito,<br />

não gosto dessa intimidade de hálitos…<br />

Mande-o entrar.<br />

SECRETÁRIA<br />

Perdão Excelência.<br />

(esconde o halitol e introduz Euclides)<br />

3 - CONTRATAÇÃO DE EUCLIDES DA CUNHA<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Muito prazer, Marechal Bittencourt,<br />

eu sou Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha<br />

enviado pelo Dr. Júlio Mesquita,<br />

como já é de seu conhecimento,<br />

como jornalista para cobrir o evento<br />

para o Jornal O Estado de São Paulo.<br />

Fui membro do exército,<br />

então, eu estaria designado a acompanhar sua expedição<br />

na qualidade de repórter de guerra<br />

pois é a primeira a ser telegrafada no mundo,<br />

que acompanha os acontecimentos com muita paixão.<br />

Sei que há outros jornalistas credenciados<br />

e o fotógrafo Flávio de Barros.<br />

Mas vou seguir com minha máquina também,<br />

e ousaria documentar o combate, para além das reportagens,<br />

(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)<br />

escrevendo um livro mais profundo<br />

sobre esse assunto tão decisivo para o Brasil e pra República no mundo.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

O senhor tem tudo isso por escrito ?<br />

(o órgão pára de ressoar)<br />

Cartas de recomendação ?<br />

EUCLIDESS DA CUNHA<br />

Do General Solon.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Seu sogro.<br />

EUCLIDESS DA CUNHA<br />

Um grande Republicano. Meu mestre.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Seu sogro.<br />

Me passa a carta.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

E do Jornalista Dr. Júlio Mesquita<br />

(Euclides passa a carta)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Firmas reconhecidas, autenticadas. Seus documentos.<br />

92


(Euclides põe seus documentos a dispor. O Marechal confere.)<br />

Está escrito, não está ?<br />

Que o senhor tem talento de escritor e disciplina de soldado,<br />

e que além das reportagens, quer fazer um trabalho definitivo sobre a Campanha.<br />

O Dr. Júlio Mesquita fez o requerimento de seu passe, não fez ?<br />

O Presidente Prudente de Morais respondeu, sim.<br />

Está aqui em vermelho: recebido,<br />

e depois atendido. Está escrito, não está ?<br />

Então o Dr. Euclides da Cunha passa a fazer parte do nosso Estado Maior,<br />

como adido de imprensa.<br />

(música)<br />

4 - PERFIL DO MARECHAL<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Está também escrito aqui, que com o início de seu trabalho,<br />

o senhor me pede neste encontro para traçar um perfil meu ? !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Um Retrato,<br />

mas a partir da sua própria avaliação,<br />

eu anoto e fotografo.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Sim. Eu também li aqui.<br />

Sua entrevista já foi requerida e agendada há algum tempo,<br />

concluí interessar ao meu currículo, à minha aposentadoria.<br />

E vai ficar tudo por escrito, não vai ?<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Por escrito. A entrevista será publicada.<br />

Fará parte dos anais da República.<br />

Pode ser ao vivo falando para este público no Teatro.<br />

São momentos importantes,<br />

corpo a corpo em que seu coração se abrirá nesse órgão.<br />

(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)<br />

Vibre na música de sua preferência que anoto, suas notas.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Não gosto de música.<br />

(corte brusco do órgão.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Há grande poetas que também não.<br />

E todo o auto-retrato somente é bom quando se fotografa a si mesmo com muito amor<br />

e rigor.<br />

Essa é a verdadeira beleza.<br />

(o coro ressoa como um órgão por todo o espaço)<br />

Fale dela.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Não me interessa a beleza.<br />

(o órgão se cala.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

É seu retrato, não o meu, sincero perdão.<br />

Fotografe-se como achar melhor.<br />

93


MARECHAL BITTNCOURT<br />

Sou principal árbitro da situação.<br />

Fui feito ao molde de todas as dificuldades do momento.<br />

(Falando com prazer erótico de sua maneira burocrática de ser, como que para causar um surpreendente e doce<br />

escândalo ao público. Um orgão quase imperceptivel marca o êxtase burocrático de suas phalas)<br />

Sou frio, viciado num ceticismo tranqüilo, inofensivo.<br />

Na minha simplicidade plebéia se amortecem todas as expansões generosas.<br />

Militar às direitas, sou capaz de me contabilizar, nos maiores riscos.<br />

Mas, friamente, equilibradamente, encarrilhado nas linhas do dever.<br />

Não sou um bravo, nem um pusilânime.<br />

Ninguém vai me ver,<br />

arrebatado num lance de heroísmo.<br />

Mas ninguém vai poder sequer imaginar-me<br />

subtraindo-me a uma conjuntura perigosa.<br />

Não sou uma organização militar inteiriça,<br />

entretanto, afeiçôo-me ao automatismo típico dessas máquinas sem músculos, sem nervos,<br />

feitas para agir mecanicamente, à pressão inflexível das leis.<br />

Menos por educação disciplinar e sólida que por temperamento.<br />

Fico inerte, movo-me passivo, comodamente endentado<br />

na entrosagem complexa das portarias e dos regulamentos.<br />

Fora disto, sou um nulo.<br />

Tenho realmente, o fetichismo das determinações escritas.<br />

Não as interpreto, não as critico: cumpro-as.<br />

Boas ou péssimas, absurdas, extravagantes, anacrônicas, estúpidas ou úteis,<br />

não importa,<br />

espelho-as;<br />

“está escrito”.<br />

Por isto, todas as vezes que os abalos políticos baralharam as determinações escritas,<br />

me retraí cautelosamente no ostracismo.<br />

(Diante de um enorme quadro de Floriano Peixoto Projetado, da cabeça aos pés e que é do próprio que deve fazer os<br />

dois papéis: Floriano e Marechal Bittencourt. Tamanho natural.)<br />

Marechal Floriano Peixoto, profundo conhecedor dos homens do seu tempo,<br />

nos períodos críticos de seu governo,<br />

deixou-me ficar sempre de parte.<br />

Felizmente, não me chamou<br />

não me afastou<br />

não me prendeu.<br />

Era-lhe por igual desvalioso como adversário ou partidário.<br />

Sabia que esse homem, cuja carreira se desatava numa linha reta, seca, inexpressiva,<br />

não daria um passo a favor ou contra no travamento dos estados de sítio.<br />

5 - NOVÍSSIMA REPÚBLICA INVADE A CENA<br />

(A República invade a cena na garupa da moto de seu amante)<br />

SECRETÁRIA<br />

(tentando barrar a República)<br />

A senhora não marcou a entrevista, o Marechal está em reunião com um jornalista…<br />

REPÚBLICA<br />

Eu sou a República, a senhorita não está me reconhecendo<br />

porque passei por uma grande transformação noturna.<br />

Vê, está sem cadeado minha buceturna…<br />

(Trilha Sonora. A República mostra sua “Buceturna”, uma “Caixa 2” virada uma urna eletrônica de voto, no meio de<br />

suas pernas. Está bastante rejuvenescida com muito botox, e vestida como a estátua da Liberdade, mas incorporando<br />

muito bem toda sua história dos tempos da revolução Francesa até 2006. É uma Grande Diva Mais que Centenária.)<br />

Nunca mais voy a perder the elections.<br />

MARCECHAL BITTENCOURT<br />

94


Madame, a senhora deveria ser a primeira a dar exemplo.<br />

Leis são feitas para que vosso regime sirva nosso tempo.<br />

REPÚBLICA RESTAURADA<br />

(dengosa, coquete, provocadora)<br />

Marechal, você nunca me amou.<br />

Eu República fui sim, um acidente inesperado agora, no fim de sua vida.<br />

Fui para você cidadão, sempre, novidade irritante.<br />

Não porque mudei os destinos de um povo<br />

mas porque alterei uns tantos decretos,<br />

e umas tantas fórmulas,<br />

velhos preceitos que o senhor, súdito da Monarquia<br />

sabia de cor e salteado.<br />

Mas sinto que agora, nos seremos úteis.<br />

(O Marechal toma a República em seus braços)<br />

Que tal ficou minha plástica ?<br />

Sou a Novíssima República.<br />

Olha a Pele !<br />

Principalmente na Televisão<br />

minha Imagem é uma Sensação !<br />

Bato Rei, Bato Rainha, Juiz, Bispo, General, Marechal !<br />

Nem Jean Genet nem Andy Warhol, souberam me ver bem.<br />

Existo bela desde my lieben Platão,<br />

faça mais de 100, 200 ou 3.000 anos<br />

Eu estou mais bela que a Bárbara, a “Buscha”<br />

E assim sigo à Bahia,<br />

voy a fazer uns trabalhos no terreiro da Orixá Joséphine Baker<br />

uma amante de santo transexual,<br />

acho que voy assumir<br />

sair do armário,<br />

virar uma eterna travesti<br />

para teu escândalo, mon chér.<br />

(gargalha)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Não recebi nenhum aviso sobre Vossa Honrosa participação neste meu retrato<br />

mas como Madame é a Lei…<br />

Guardo só para mim,<br />

a impressão sobre este tão inesperado fato.<br />

Partimos amanhã, no navio Espírito Santo.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Espírito Santo ?<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Chegamos em Salvador dia 1º de agosto<br />

e em Canudos, dia 14 de setembro às 15: 35.<br />

Boa Noite, Dr. Euclides da Cunha.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Até o Espírito Santo<br />

(Beija as mãos da República, que o faz acariciar sua Buceturna)<br />

Amor, Ordem e Progresso. A República é uma Imortal !<br />

95


7º MOVIMENTO: BAHIA<br />

1 - no espírito santo diante da bahia de todos os santos<br />

solilóquio<br />

2 - canto de recepção a todos os santos<br />

3 - recepção no porto<br />

4 - encontro com um ferido<br />

5 - introdução forte do trenzinho caipira para queimadas<br />

6 - palimpsestos ultrajantes: vão sendo gravados a carvão os reais problemas, impedimentos, sentimentos, fúrias<br />

7 - tanquinho - foco em euclides e no general carlos eugênio<br />

8 - 3 bruxas zabaneiras fazem profecias ao marechal bittencourt diante das chuvas de novembro<br />

9 - resort de monte santo<br />

10 - exaltação das patas dominadoras do burro<br />

11 - shote-reggae da engrenagem orgânica dos comboios dos burros, na roda da fortuna cirandando a guerra<br />

g(r)an(h)a energia tudo vai se transformando<br />

96


1 - NO ESPÍRITO SANTO DIANTE DA BAHIA DE TODOS OS SANTOS<br />

SOLILÓQUIO<br />

(Euclides está já no navio, chegando à Bahia. Música maritime, o dia vem nascendo. Começa escuro até uma<br />

alvorada de luz. A Imagem da República permanece ao fundo.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Eu nunca pensei que fosse tão calorosa a noção de “Pátria”,<br />

que encarnasse em síntese tão admirável essa afeição,<br />

que nos anima, nos consola, a nós,<br />

que nos afastamos de lares intranqüilos,<br />

para a agitação da guerra entre dois tão diferentes estilos.<br />

Aqui à bordo do “Espírito Santo”, ouço na nossa chegada o canto do mar,<br />

(as sereias cantam)<br />

mais próximos do solo do sertão que em breve vamos pisar,<br />

onde a República com segurança vai dar,<br />

o último embate ao monarquista bárbaro e impertinente.<br />

Nossa ! Que vejo ! ?<br />

Pras bandas do ocidente, erguem-se nesse instante,<br />

em contraste com o dia brilhante que nos rodeia,<br />

no lado oposto dessa manhã que incendeia:<br />

cúmulus pesados, precisamente, do lado do sertão !<br />

(Nuvens pesadas surgem no horizonte.)<br />

Sensação de violentos tornados,<br />

grandes nuvens desenrolando-se silenciosas,<br />

fazendo-nos sentir saudades mais tormentosas.<br />

(Observa o rosto do público diante de nuvens projetadas bolhando nas alturas)<br />

Canudos, Nossa Vendéia, se esconde numa larga manta nublada<br />

avultando como uma emboscada…<br />

Nos deslumbramentos dessa manhã tropical recém-nascida<br />

esta manta embuçada em breve será rompida,<br />

à fulguração de Metralha,<br />

num cintilar vivíssimo de espadas,<br />

em luzes brancas de Mortalha ! O Cosmos dá o sinal:<br />

A República, é Imortal.<br />

(A Luz termina com a Imagem da República como a estátua da Columbia Pictures)<br />

2 - CANTO DE RECEPÇÃO A TODOS OS SANTOS<br />

(Formando uma Bahia de Santos.)<br />

CORO DE TODOS OS SANTOS<br />

Saravá !<br />

Nós, todos os Santos bendizemos São São Paulo !<br />

Pela primeira vez nesta Missão,<br />

Santo Irmão !<br />

Vem Santa Amazonia !<br />

Vem São Pará !<br />

3. 000 mortais<br />

300 Oficiais, Imortais.<br />

BAHIA EULÂMPIA<br />

Comandante de Brigada General Carlos Eugenio de Andrade Guimarães<br />

do General Arthur Oscar Irmão, eu, mãe das mães…<br />

CORO DE TODOS OS SANTOS<br />

…de Santo Irmão pra Irmão<br />

Bem-vinda Santa, Redentora, Divisão Salvadora !<br />

97


3 - RECEPÇÃO NO PORTO<br />

(O porto está cheio, uma recepção maior que a de Moreira Cezar. O Marechal desce do barco sem dar a menor<br />

importância aos que querem homenageá-lo, aos aplausos, aos lenços, à Música triunfal. Baixa um silencio<br />

constrangedor. Entra a música sagrada do órgão, muito remota ecoando de Todos, de onde sai a energia do<br />

Marechal. Depois de um silêncio que enche o ar todo, a ação de sua emoção de Grande Intendente)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Esse mundo todo é uma imensa Casa da Ordem,<br />

e a História uma variante da escrituração dos sargentos.<br />

(A mídia que vai viajar com seu estado maior, anota o que diz com estranheza. Seria um gênio, um Nelson Rodrigues<br />

antecipado ?<br />

A Declamadora, ‘diseuse’ vestida como Isadora Ducan, uma Maria Betânia, descalça, da Época, sobe num palquinho,<br />

todos a adoram, para declamar um poema para o Marechal)<br />

UMA JOVEM DA ARISTOCRACIA REPUBLICANA<br />

De Euclides da Cunha, aos 16 anos,<br />

à Saint Just !<br />

(imagem no Vídeo)<br />

Quando a tribuna a ele se ergueu,<br />

rugindo, ao forte impulso das paixões audazes<br />

- ardente o lábio de terríveis frases,<br />

e a luz do gênio em seu fulgor surgindo…<br />

(a luz tudo ilumina como um milagre)<br />

A tirania estremeceu nas bases,<br />

de um rei na fronte escorreu, ferindo, um suor de morte<br />

e um terror infindo gelou o seio aos cortezãos sequazes<br />

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,<br />

brotou em cada um, uma esperança,<br />

de um sono acordou, o firme, o Direito<br />

e a Europa - o mundo<br />

– mais que o mundo, a França<br />

– sentiu numa hora sob verbo seu<br />

as comoções que em séculos não sofreu !…<br />

(O público do porto aplaude histérico. O Marechal passa os aplausos para Euclides. A cena se congela nos aplausos<br />

e foca no Marechal que tem seus pensamentos em off.)<br />

MARECHAL BITTENCOURRT<br />

Versos flamívomos, oradores explosivos dispenso,<br />

estrondam-me em torno,<br />

me ferem mais que bombas<br />

deflagram meus ouvidos,<br />

esse estrepitar de palmas, aplausos, ouço-os aparentemente indiferente<br />

mas muito contrafeito.<br />

Não sei respondê-los.<br />

Tenho a frase emperrada e pobre.<br />

Além disso, tudo quanto saia do passo ordinário da vida,<br />

não me comove<br />

desorienta, contraria-me, demove-me.<br />

4 - ENCONTRO COM UM FERIDO<br />

98


UM FERIDO<br />

Sou recém-vindo da luta.<br />

Pela Pátria, atenda:<br />

requiro uma transferência<br />

ou uma licença.<br />

SECRETÁRIA ORDENAÇA DO MARECHAL<br />

Tem atestado médico ?<br />

UM FERIDO<br />

Não.<br />

SECRETÁRIA ORDENAÇA DO MARECHAL<br />

Nada feito, não adianta,<br />

o Marechal Bittencourt não dispensa a formalidade de um atestado médico.<br />

UM FERIDO<br />

E se eu lhe puser à vista esse rombo de um tiro de trabuco<br />

Essa cicatriz sangrando nesse meu rosto maluco!<br />

(Arranca as ataduras do rosto, e mostra ao Marechal)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

(Muito delicado e frio)<br />

São coisas banais, do ofício.<br />

Secretária, encaminhe esse cidadão<br />

ao funcionário competenete, que regularize esta situação imediatamente.<br />

(O Marechal encaminha-o para o hospital.)<br />

5 - INTRODUÇÃO FORTE DO TRENZINHO CAIPIRA PARA QUEIMADAS<br />

CORO VILLA-LOBOS DA DIVISÃO SALVADORA<br />

Terra estranha<br />

Outros hábitos<br />

Outros quadros<br />

Outra gente<br />

Outro povo<br />

Outra língua<br />

Me sinto fora do Brasil.<br />

Pátria nós teus filhos<br />

armados até os dentes,<br />

buscando nossa Terra<br />

ao sons da nossa nova guerra<br />

despedaçando<br />

tuas montanhas<br />

escacarando<br />

tuas entranhas.<br />

desmatando<br />

queimando, queimadas<br />

queimadas, queimando<br />

queimadas queimadas…<br />

Queimadas.<br />

(Descem do Trem. O órgão novamente ressoa pelo espaço.<br />

MARECHAL BITTENCOURT Sorri orgulhoso de sua generosidade religiosa, de Santo da Ordem, para o público.<br />

Música bela e respeitosa do órgão, enaltecedora da figura que se confessa ao órgão, à platéia das Galerias. Fala com<br />

o público. VIDEO MOSTRA SEU QUADRO OFICIAL NO VATICANO MILITAR)<br />

99


EUCLIDES DA CUNHA<br />

Marechal pra essa emergência o senhor, é o Protagonista, concordem !<br />

Sua presença neste tempo de guerra, inspira um lema sagrado da nossa Bandeira: a Ordem !<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

(para os soldados e para o publico)<br />

O senhor está enganado, não sou o Protagonista não,<br />

mas o Coadjuvante, o Intendente.<br />

(diante do retrato do Marechal Bittencourt)<br />

Hoje eu sou o Patrono da Intendência do Exército Brasileiro,<br />

meu bom senso, faz com que eu apanhe, por inteiro,<br />

as exigências reais da luta.<br />

A menos valiosa, nem se discuta,<br />

a acumulação de um maior número de combatentes na disputa.<br />

Eu mesmo dou o exemplo,<br />

não vou seguir para a frente da Batalha.<br />

Mais gente na região conflagrada, só atrapalha.<br />

Vão compartilhar as mesmice das provações no fronte<br />

concorrendo todos à penúria comum, prum total desmonte.<br />

Sou o diretor de cena, o produtor,<br />

o incansável administrador,<br />

o humilde deputado do Quartel-Mestre-General<br />

de uma campanha em que é chefe supremo<br />

meu inferior hierárquico, o General Arthur Oscar.<br />

O que é preciso combater a todo o transe,<br />

e vencer,<br />

não é o jagunço,<br />

é o deserto.<br />

(o órgão pára de ressoar)<br />

Imprescindível dar à campanha o que ela ainda não teve:<br />

uma linha e uma base de operações.<br />

Reina harmonia e competência no meu acampamento<br />

porque ninguém discorda de meu planejamento.<br />

6 - PALIMPSESTOS ULTRAJANTES<br />

(Vídeo:<br />

MAS O DESCONTENTAMENTO IMPERA NA CASERNA,<br />

O ÚNICO MEIO DE COMUNICAÇÃO: SECRETA BADERNA.<br />

Vêm bastões fortes de carvão que o público e a tropa podem apanhar, dentro de uma cerimônia solene, que a música<br />

sacra furiosa mantém; o chão se abre e os muros do subterrâneo se transformam nas TELAS de expansões do que<br />

está retido, da fúria do tabu querendo virar Totem.)<br />

MÚSICA SACRA CENA FÚRIA SACRA<br />

CORIFEU<br />

Harmonia no Acampamento ? !<br />

Tá Viajando o Elemento !<br />

Grafitar, Rebelados, o quanto antes<br />

PALIMPSESTOS ULTRAJANTES !<br />

COROS EM VÁRIOS RITMOS PALIMPSESTOS<br />

Grafia bronca,<br />

colhe em flagrante<br />

o sentir deste instante<br />

100


Nos palimpsestos ultrajantes !<br />

(Muros PALIMPSESTOS começam a ser grafitados)<br />

SOLO<br />

Nas capelas: telas, amurados<br />

descarreguemos nossos pecados.<br />

Literatura bronca de soldado.<br />

Tatuar o que vier na veneta,<br />

à carvão, à baioneta !<br />

Tatuar o que vier na veneta,<br />

à carvão, à baioneta !<br />

Grafia bronca,<br />

colhe em flagrante<br />

o sentir deste instante<br />

Nos palimpsestos ultrajantes !<br />

Blasfêmias fulminantes,<br />

brados retumbantes !<br />

Onda escura de rancores,<br />

retidos amores.<br />

Trocadilhos ferinos,<br />

enrustidos libertinos.<br />

Chora, tatua teus muros<br />

e entra nas casas, faz furos.<br />

Chora, tatua teus muros<br />

e entra nas casas, faz furos.<br />

Grafia bronca,<br />

colhe em flagrante<br />

o sentir deste instante<br />

Nos palimpsestos ultrajantes !<br />

Pornografias fundas,<br />

arrancadas das bundas,<br />

Poesia de Banheiro<br />

Glória, do mundo inteiro!<br />

Memórias, brasileiros<br />

gravadas nos imundos banheiros.<br />

são Pauta da Ação<br />

de direção, de produção.<br />

7 - TANQUINHO<br />

FOCO EM EUCLIDES E NO GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

(LUZ SE FECHA NO TANQUINHO E NO JARDIM. Tabuleta ou projeção com o Nome da Vila. A Luz partindo do<br />

Tanquinho ilumina o entorno, onde os que seguem para Monte Santo se encontram com os que voltam de Canudos,<br />

feridos, no objetivo comum, água. LUZ FÓCO na água bebida pelo General Carlos Eugênio e em Euclides da<br />

Cunha, que está com uma capa sobre terno elegantíssimo, inaugura um completo de linho branco com botinas<br />

muito bem engraxadas por seu ordenança Jaguncinho. Mas está com os primeiros sintomas da maleita. Golfada de<br />

feridos, vindos de pra onde a Divisão vai indo; os feridos a pé se encontram Euclides o o General Carlos Eugênio.)<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

Tchê, região coalhada de feridos !<br />

101


Nós bem montados, abastecidos !<br />

Tchê, imagine essa gente seguindo a pé<br />

sem um bastão incendiado de fé.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Cada vez que se pára<br />

a guerra me encara,<br />

é febre ou é calor… Ah !<br />

Como era bom ser só doutor.<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

É mistério ser chamado pelo irmão<br />

para a mesma vocação.<br />

No nosso sangue, de Arthur e do meu<br />

corre por Deus<br />

a Arte Militar,<br />

mas este Tanquinho dentro de mim está a jorrar<br />

tem mais arte, sinto agora, meu caminho vai mudar.<br />

Sera que Arthur Oscar<br />

Vai concordar?<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(olhando as ruínas do lugar)<br />

…é solo brasileiro…<br />

(Comovido)<br />

foi destruído inteiro !<br />

(Mas, de repente, seu olfato sente)<br />

Que cheiro ! Alecrim-dos-tabuleiros !<br />

(Como uma criança descobrindo, corre pro Tanquinho)<br />

Tanquinho ! Que pequenininho !<br />

Aqui as raízes fizeram teias<br />

libertaram o solo da sucção das areias !<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

Raízes solidárias querem transbordar,<br />

estancar essa golfada sangrando<br />

na terra sem parar.<br />

(À sua borda, marginal à estrada, sesteiam dezenas de feridos. Todos se aproximam e tentam beber.)<br />

8 - 3 BRUXAS ZABANEIRAS FAZEM PROFECIAS AOS SOLDADOS FERIDOS OU NÃO, DIANTE DAS<br />

CHUVAS DE NOVEMBRO E DO MARECHAL BITTENCOURT<br />

(Começa uma chamada de cuíca e percussão de magia, uma fumaceira, e surgem três feiticeiras de Macbeth, três<br />

bruxas adivinhas, fazendo defumação. A tarde vai caindo até a escuridão iluminada pela fogueira delas que tem um<br />

caldeirão com pinga em cima do fogo.)<br />

3 BRUXAS<br />

(gargalham)<br />

Aqui na Zona até novembro vem a estação torrencial<br />

o Vaza-Barris intumesce feito um pau.<br />

Uau ! Uau !<br />

Aí piora ! Ah Piora !<br />

(Pausa. Duas fazem Defumação no Local, o Teatro. Uma fica no atabaque.<br />

A tarde vai caindo até a escuridão iluminada pela fogueira delas e que tem um caldeirão com pinga já no fogo,<br />

para se sentir o cheiro e vão pouco a pouco se relacionando com o teatro inteiro para compensar as más vibrações<br />

que virão… Bem caboclas, bem bregas, bem umbandistas ciganas… Vão defumando com chocalhos xamânicos nas<br />

mãos e folhas secas…)<br />

102


Tórrentes se éxtinguirão<br />

em ardéntíssima cómbustão.<br />

Na seca rétornada<br />

cada lagoa chórada<br />

vai déstilar fébre<br />

repróduzindo feito lebre<br />

germens dos infernos vindos,<br />

infinitas crias em cada ponto parindo.<br />

SOLO<br />

Basta um raio di sol e pronto:<br />

vão cair, sobre a tropa, miasmas,<br />

bichos em festa fantasmas.<br />

(Estão de novo tentando livrar os ares desta maldição; retornam ao ponto inicial em torno do caldeirão)<br />

Em nóvembro dos escorpiões,<br />

não mais restarão<br />

nem batalhões<br />

nem sertões.<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Até Novembro<br />

não haverá de jagunço<br />

cabeça, corpo ou membro<br />

nem ciganas,<br />

Microbianas.<br />

AS 3 ZABANEIRAS<br />

Podes escapar do Inverno<br />

Mas não do désejo do Inferno<br />

(pára a percussão)<br />

Intendenti<br />

rima com…<br />

Ah ! Acidenti.<br />

(Ordenando com os chocalhos ferozes, de féras)<br />

Vá buscar Cabeção<br />

a Cabeça do Conselheiro na tua mão,<br />

tua cabeça também cairá<br />

teu sangue vai rolar terno,<br />

por todo claro do vosso terno.<br />

Estás fadado<br />

serás derrotado por bem ou por mal.<br />

Dentro do barril de cachaça<br />

(surgem 2 repolhos-cabeça)<br />

a tua Cabeça e a do Conselheiro,<br />

clamam em dupra: Desgraça!<br />

(Mostram as duas cabeças e picam os repolhos numa mesinha de tronco. Gargalham. Volta a percussão alta e logo<br />

abaixa a dinâmica para o Marechal falar. Elas passam a preparar a comida de Monte Santo. Um soldado quer<br />

fazer continência pro Marechal, mesmo quase morto.)<br />

SHITÉ DO CORONEL SERRA MARTINS FERIDO SEMI MORTO<br />

Está entristecido Marechal ?<br />

Sobrou um pouco de ração ?<br />

Sou um troço em desencarnação.<br />

Fantasma mal aprumado no ar<br />

mas ainda posso fazer continência militar:<br />

103


MARECHAL BITTENCOURT<br />

Não te daria como comida nem prum animal,<br />

carne podre, féde a incarnação do mal.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Como você, sou um ferido,<br />

sem saber onde, nem porquê,<br />

tiritando sem querer, Maleita,<br />

me dobra, me deita<br />

me abriga ipueira<br />

…Ah! a Mulher de Branco se abeira!<br />

(Uma Mulher de Branco surge dançando em torno de Euclides, no Tanquinho)<br />

Sombra voa<br />

Dança, À toa, à toa…<br />

MULHER DE BRANCO<br />

À toa… À toa… À toa…<br />

9 - RESORT de MONTE SANTO<br />

(Vídeo:<br />

RESORT DE MONTE SANTO<br />

Da escuridão explode a Luz do Resort de Monte Santo. Bandeiras ondulantes, vibrações metálicas saúdam<br />

possantes tambores em cadência triunfal ! Saudando todo espaço, um Ressort BRANCO, estão armadas as 2.000<br />

tendas brancas. A Música instrumental explode num Barry White dos séculos 19, 20 e 21, de acordo com o ambiente<br />

que lembra um show room; o Marechal, sempre à paisana, parece um empresário inaugurando uma feira moderna e<br />

sóbria de Marketing. Vende a Guerra. Todos os convidados vem do norte para cortar a fita de inauguração. O povo<br />

vai ocupar a praça que ficará repleta do povo e gentes atraídas de todos os lugares.)<br />

CHEFE DA EQUIPE DE PRODUÇÃO E DIREÇÃO DE ARTE<br />

Estão entregues: 2 mil barracas brancas<br />

(os convidados se surpreendem)<br />

avenidas alinhadas sem trancas.<br />

(a fita de inauguração é cortada)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Quem foi o artista ?<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Esses maquinistas.<br />

CHEFE DA EQUIPE DE PRODUÇÃO E DIREÇÃO DE ARTE<br />

O Marechal é um homem modesto,<br />

veio tudo por escrito<br />

é dele o branco limpo,<br />

agora sóbrio, restrito.<br />

(Os soldados maravilhados juntam-se aos bandos em torno de cornetas e tambores festeiros; começam<br />

improvisando, comunicando-se musicalmente de um lado a outro do acampamento.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Parabéns, Marechal !<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Minha primeira modesta vitória neste pé da serra<br />

minha coxia central nesta guerra !<br />

ANIMADOR<br />

104


(Discurso convite ao coquetel)<br />

Acotovelemo-nos nestas praças belas,<br />

aos esbarros pelas vielas,<br />

ombro a ombro<br />

que assombro !<br />

todas posições sociais,<br />

num happy hour demais,<br />

Publico mistura-te a nossas atuações.<br />

(Cena em que o público entra para o coquetel, e as personagens fazem as apresentações.)<br />

Atuem como soldados simpáticos com armamento,<br />

feridos e senhoras dançando no andamento !<br />

Um coquetel não dispensa apresentações !<br />

Lélis Piedade !<br />

LÉLIS PIEDADE<br />

Do Jornal da Bahia, Lélis Piedade.<br />

Com os Comitês Patrióticos vamos trabalhar com vontade:<br />

atender feridos, fugidos,<br />

dar voz aos vencidos<br />

em comum situação<br />

lutando a sua maneira, cada qual pelo seu sertão.<br />

ANIMADOR<br />

Fávila Nunes !<br />

FAVILA NUNES<br />

A minha apresentação é franca<br />

me chamam jornalista chapa branca<br />

Favila Nunes da Gazeta de Notícias, do Rio !<br />

Luta pela República Prudente de Moraes.<br />

Viva Marechal Bittencourt, ele é demais !<br />

CORO<br />

Viva !<br />

ANIMADOR<br />

Euclides da Cunha !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Euclides da Cunha pelo “Estado de São Paulo”<br />

Na civilização não me enjaulo, nem no arraial: o Sertão,<br />

O Brasil é arraial e civilização,<br />

São Paulo, sem conversão !<br />

Flávio de Barros, filma em movimento todos nós,<br />

todos que estamos neste papel.<br />

O Cinematógrafo é uma revolução<br />

quem me dera escrever, filmando esta expedição.<br />

MANOEL BENÍCIO<br />

(desabafando)<br />

Manoel Benício do Jornal do Comércio de Pernambuco.<br />

(os seguranças impedem Manoel de falar)<br />

ANIMADOR<br />

O Sr. não está protocolado neste cerimonial republicano !<br />

(o Marechal dá ordem aos seguranças de liberar o jornalista)<br />

105


MANOEL BENÍCIO<br />

Minha pena na liberdade batuco,<br />

mas me ponham no esquife<br />

ou me exportem pro Recife<br />

tenho que escrever o que vejo<br />

declaro que não desejo<br />

aqui, onde a guerra é vendida,<br />

minha expulsão,<br />

por mim não está consentida.<br />

(Vaias)<br />

Mas aviso, Marechal, “O Rei dos Jagunços”, publíco e não é ficção.<br />

Há uma outra nação,<br />

em extermínio ou negociação.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Ele escreveu um livro, armado na situação.<br />

Honrado não pode ser castigado, por liberdade de expressão<br />

(O Filme vai para o Marechal Bittencourt)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Não é o coquetel para dramatizar nosso descontentamento.<br />

Pois agora vivemos o grande momento!<br />

Estamos conseguindo organizar<br />

um corpo de comboios regular<br />

ligando o exército em atuação<br />

à nossa base, aqui, de operação.<br />

A esperança agora em Monte Santo se alcança<br />

na Ordem do Dia, está escrito “Mudança”.<br />

10 - EXALTAÇÃO DAS PATAS DOMINADORAS DO BURRO<br />

ANIMADOR<br />

A grande apresentação do dia, sussuro:<br />

Viva o Burrro!<br />

(Entra um burrico meio Science, quer dizer, mais ou menos cyber sob Acordes Triunfais)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

1.000 burros mansos valem, na emergência, por 10.000 heróis !<br />

Ah ! Salve a colaboração<br />

dessa espécie tão caluniada.<br />

Suas patas entaloadas,<br />

sobre as crises crescentes<br />

vão esmagá-las, inclementes.<br />

ANIMADOR<br />

A República finalmente, Dom Casmurro,<br />

Recebe sobre seu dorso as patas de um Burro !<br />

(O Marechal desfila com o Burro, levando-o até a República. Grandes Acordes republicanos acompanhados de<br />

relinchos de burro e aplausos. O Burro sobe como numa charge da época em que se vê as patas de um burro<br />

dominando “A Crise da República”. Imagem de Vídeo ao vivo será mais bela fundindo-se com a charge histórica.<br />

Renée e o Burro, La belle et la bête: PROJEÇÃO : “A REPÚBLICA ESTÁ SOB AS PATAS DE UM BURRO”.)<br />

CORO<br />

Viva o Burro ! Viva o Burro !<br />

Viva o Burro ! Viva o Burro !<br />

106


REPÚBLICA<br />

Oh patriotisme lirique! Est-vous pour toujours foutu?<br />

Ça ronge mon coeur deçu !<br />

Oh Cette Blague mauvaise de l’ Histoire<br />

Mais il faut tout faire pour ma Gloire!<br />

Voilá je sui prête<br />

Pour faire foutre cette scene de bête!<br />

11 - SHOTE-REGGAE DA ENGRENAGEM ORGÂNICA DOS COMBOIOS DOS BURROS, NA RODA DA<br />

FORTUNA CIRANDANDO A GUERRA G(R)AN(H)A ENERGIA TUDO VAI SE TRANSFORMANDO<br />

(As belas barracas brancas do resort são transformadas nas cargas que vão para as costas dos soldados<br />

transformados em burros, desfilando pela pista, formando uma engrenagem de comboios. No vídeo começam a<br />

desfilar comboios infinitos em todas as telas, como a Roda da Fortuna, de belos burros carregando carga, numa linha<br />

de montagem ao infinito, burros de 3.000.000 watts; o homem e o cavalo forçam, energia nuclear, digital, virtual<br />

crescendo, a energia pela energia, a energia na ciranda do moto contínuo da guerra.)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Todos já sentem novos ares,<br />

Seguem pra Canudos, os primeiros comboios regulares,<br />

desenrolando-se com os muares<br />

num moto contínuo infindo,<br />

indo e vindo<br />

(Impaciente, de relógio em punho, e dando a voz de partida.)<br />

Comboio, passou da sua hora, quinze minutos,<br />

Vão ser descontados, matutos.<br />

(Respirando)<br />

Cada comboio que segue vale batalhões.<br />

o combatente os recebe nos mais perdidos rincões<br />

e pouco a pouco a vitória lhe chegando as mãos<br />

destróindo vai-se a estagnação<br />

o assédio não está mais paralisado,<br />

pelas últimas notícias, está totalmente ligado.<br />

CORO<br />

Agora a guerra se larga,<br />

Valentes, troquemos pelos burros de carga<br />

Cavalos de força: quilowatts<br />

herói militar, vates,<br />

todos desempregados,<br />

o arremesso das brigadas,<br />

só precisa, de bestas disciplinadas:<br />

Entrem na nova cena. sem urros,<br />

Viva os burros !<br />

Viva os Burros !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Euclides em cima de um burrico, escrevendo nas costas dele)<br />

A dezesseis léguas do centro da ação<br />

o Marechal é de fato o diretor supremo da encenação.<br />

Numa internet tosca virtual<br />

nos beats do burro animal.<br />

(Sai a Luz)<br />

107


8º MOVIMENTO: CANUDOS BODES BACOS - DE 24 DE AGOSTO À 7 DE SETEMBRO<br />

1- canudos bodes bacos - 24 de agosto<br />

em canudos ocupado, na área da igreja velha, onde se faz a gira de coroar o bode joão de goya abade demônio<br />

batuque<br />

2 - no morro da favela<br />

3 - jagunços e mandrágoras na igreja velha<br />

4 - do alto do acampamento leste ocupando canudos<br />

5 - na igreja velha o sino vai caindo e rolando<br />

6 - sinofuzilaria sertaneja - sin(o)fonia<br />

7 - suicídio da 32<br />

8 - vingar a 32: canhoneio sobre a igreja nova<br />

9 - no canto das torres caídas do arraial<br />

10 - diante da trincheira jagunça, no morro fazenda velha<br />

11 - despedaçamento<br />

12 - trincheira 7 de setembro<br />

13 - funerais de joão abade<br />

108


1- CANUDOS BODES BACOS - 24 DE AGOSTO<br />

EM CANUDOS OCUPADO, NA ÁREA DA IGREJA VELHA, ONDE SE FAZ A GIRA DE COROAR O BODE<br />

JOÃO DE GOYA ABADE DEMÔNIO BATUQUE<br />

(No Santuário, Conselheiro-Sileno e Beatinho-Satyro antam o vinho do São Francisco.)<br />

CORO<br />

Ditirambo ! Ditirambo ! Ditirambo !<br />

BRAZYLINA<br />

24 de agosto,<br />

o Diabo tá solto !<br />

Ou você muda ou vira encosto !<br />

CORIFEU<br />

IÓ ! PÃ !<br />

CORO<br />

IÓ ! Francisco Rio São !<br />

Vinha da Ira Vaza o Sertão !<br />

Baixa Vinho, deus da Atuação !<br />

Vamos coroar nesta Ode<br />

o nosso grande bode !<br />

João Abade, orgya<br />

Coroe-se e comande a folia !<br />

João Abade, folía<br />

Coroe-se o Rey da orgya !<br />

(João Abade se coroa de bode)<br />

2 - NO MORRO DA FAVELA<br />

(O batuque deixa os oficiais e soldados loucos, que ficam pegos pelo fetiço do ritmo)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

32, você e teus macaco !<br />

Do alto da Favela, desçam, no ato.<br />

(tocam alto os atabaques)<br />

Essa doideira de Atabaque,<br />

mata mais que um Ataque !<br />

ALFERES ARTILHEIRO DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES<br />

Oh! Vamos provar que valemos mais que um jumento !<br />

É hora de cumprir o juramento !<br />

(A Câmera foca-os através da Mira no Sino, que passa a ser a grande personagem agora.)<br />

É uma ruina esse Campanário,<br />

mas Thimoteo abala o Cenário.<br />

3 - JAGUNÇOS E MANDRÁGORAS NA IGREJA VELHA<br />

BEATINHO SATYRO<br />

Da Favela à Ribanceira,<br />

vem descendo a Matadeira !<br />

(O Sineiro pendurado na Corda do sino, badala bêbado transfigurado, chamando os sertanejos, para um ataque<br />

báquico.)<br />

JOÃO ABADE<br />

(Coroado de Bode, da roda vê, (e câmera também na mira) o General João Barbosa espionando com o menino Bicho<br />

Diabo como escudo.)<br />

109


Ave-chumbo, direta pro Degolador<br />

na mira dourado esplendor.<br />

MANDRÁGORA<br />

Não! O anjinho Serafim está de refém.<br />

(Bicho Diabo atira, o General Barbosa cai. Médica Terra chega até ele. O menino tenta fugir mas é pego.)<br />

JOÃO ABADE<br />

Serafim deu fim antes de mim, ainda bem!<br />

Mas vai apanhar continuar vivo refém.<br />

4 - DO ALTO DO ACAMPAMENTO LESTE OCUPANDO CANUDOS<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(Para a direção dos tiros)<br />

General Menelau foi ferido,<br />

revide imediato, renhido.<br />

Grande peça detona !<br />

Acerta no Badalo da Cona !<br />

MAJOR FRUTUOSO MENDES<br />

Fogo !<br />

5 - NA IGREJA VELHA O SINO VAI CAINDO E ROLANDO<br />

(A 32 atira. O badalo do sino é atingido, despenca câmera-lentamente descendo com o sineiro, que chega ao chão<br />

sobre o sino abraçado, rolando, rolando, rolando, masturbando o badalo para tocar. Beatinho Satyro quer tirar<br />

Conselheiro nos braços, raptando-o.<br />

Conselheiro Sileno gira com as Mandrágoras Bacas, como se o Canto Báquico detivesse o Inimigo)<br />

CORO<br />

Timóteo, abraça<br />

Sino, arruaça !<br />

Chama Multidão !<br />

Vem Possessão<br />

insistente,<br />

vem, Dionisio Combatente<br />

(as Bacas tiram da adega subtarrânea do Vaza Barrís, um Barril de vinho, que vaza. Milagre !)<br />

CONSELHEIRO SILENO<br />

Diabo! Deus do Hoje,<br />

do teu Umbigo !<br />

Castiga,<br />

Brinda o Inimigo !<br />

(Apanham Taças Brindando)<br />

No Terreiro que arde<br />

todos de Fogo<br />

no Fogo da tarde !<br />

CORO<br />

Vaza Barril<br />

Vaza Vinho do Brazyl !<br />

Mel Vermelho !<br />

Mel Vermelho !<br />

6 - SINOFUZILARIA SERTANEJA - SIN(O)FONIA<br />

(Os sertanejos mandam uma fuzilaria de copos de cristais brindando milhões de sinos de Dionísio atirando,<br />

abastecendo-se literalmente no Barril Vazando, da Fonte para todos. O exército responde com uma fuzilaria de tiros.)<br />

110


CONSELHEIRO SILENO<br />

Sertanejos sátiros bacantes,<br />

soldados atacantes<br />

brindem<br />

pela noite adentro até o amanhecer<br />

não parar mais de beber<br />

Sonho da Guerra do Amor<br />

Trepar com o adversário, por Baco, sem dor !<br />

(Os sertanejos vão até o limite da Linha Negra; com uma dança báquica, com todas as taças e o vinho derrubam<br />

a Linha, desfazem os limites. Todos os soldados se põe a beber o Vaza Barris, no milagre do Vinho, todos bêbados,<br />

ouvindo as badaladas enquanto a luz gira três dias; os guerreiros num delírio báquico se amam, se mordem, se<br />

afastam, numa gira de explosão da Peste da Paixão no meio da Guerra. Depois dos três dias, um soldado põe o<br />

Barril vazado na adega sertaneja.)<br />

BEATINHO SATYRO<br />

Embriagados soldados, oficiais<br />

fuzilaria de brindes, 3 dias seguidos querendo mais !<br />

(soldados e sertanejos sátyros e bacantes ocupam toda a pista para um grande brinde à Matadeira e ao Sino)<br />

JOÃO ABADE<br />

À Matadeira !<br />

SERTANEJOS E SOLDADOS<br />

À Matadeira ! Aleggro ma non troppo !<br />

Brindemos nossos Copos !<br />

SANTA BACANTE<br />

Ao Sino !<br />

SERTANEJOS E SOLDADOS<br />

Morre o Sino, morram os dois !<br />

Mata de Amor Thimótéo, a trinta e dois !<br />

(Levantam o Brinde em direção à 32. Silêncio. Satyro e Sertanejos pãs bacantes copos transbordantes. o CORO DE<br />

DEMONIOS E SOLDADOS vai matando a 32, com o progressivo tocar do sino dos brindes nos copos.)<br />

7 - SUICÍDIO DA 32<br />

A 32<br />

I die with the Bell’s ringing.<br />

It’s beautiful, my ancestor<br />

Two eras, in the battle of love,<br />

horror under and above !<br />

I hear the bells,<br />

I love the bells !<br />

I know I’m the death machine,<br />

but we commit suicide together.<br />

I go to my future back,<br />

I will be reborn as the sound track…<br />

(Timótheo e a 32, JUNTOS, na última respiração.)<br />

A 32 TIMÓTEO<br />

The sound track O som do treco<br />

(Desmonta-se a máquina desmaquinada, desconstruída, destrambelhada que solta fumaça e morre como um ser vivo.)<br />

111


SERTANEJOS E MANDRÁGORAS<br />

Evoé!!!!<br />

GENERAL BARBOSA<br />

(ferido, ordena que os soldados saiam do transe báquico)<br />

Reponham a Linha Negra !<br />

(os soldados ainda bêbados nada fazem. Barbosa atira para o alto e eles repôem a linha)<br />

Fogo !<br />

(Artilheiros da matadeira: Alferes Duque Estrada e Major Frutuoso Mendes tentam detonar, sem conseguir; olham<br />

espantados o canhão.)<br />

EX-ARTILHEIRO DA MATADEIRA ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

Mas o que é isso ?<br />

Cumpriu sua derradeira missão ?<br />

Uma pecinha, o obturador do canhão…<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Quebrou-se por psicotecnossomática emoção ?<br />

EX-ARTILHEIRO DA MATADEIRA MAJOR FRUTUOSO MENDES<br />

Emudeceu por amor ao sino, seu velho irmão !<br />

Inventor da comunicação !<br />

(o exército e os sertanejos cobrem e enterram a 32 e o Sino)<br />

8 - VINGAR A 32: CANHONEIO SOBRE A IGREJA NOVA<br />

ALFERES DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES<br />

Então torres gêmeas,<br />

a Macha e a Fêmea,<br />

estão por nós juradas.<br />

Seja nossa Rainha 32 vingada !<br />

(entram as Krupps)<br />

Porra ! Nós juramos as Torres Gêmeas, juradas !<br />

Essas munições vieram todas erradas !<br />

TROPA<br />

Granadas ?!<br />

MAJOR ARTILHEIRO FRUTUOSO MENDES<br />

Balas-cagadas !<br />

ALFERES DUQUE ESTRADA<br />

Vamos gastar logo essa bosta,<br />

cagando na igreja nova, na crosta.<br />

Fogo !<br />

(Canhoneio forte incessante sobre a Igreja Nova.)<br />

ARTILHEIROS DUQUE ESTRADA E MAJOR FRUTUOSO MENDES<br />

O quê ?<br />

Caíram as Torres Gêmeas ?<br />

Já vi essa cena ! ! !<br />

As Torres Gêmeas da Igreja Nova !<br />

Das miras altíssimas, fomos libertados !<br />

112


Sitiados, não seremos mais fulminados ! ! !<br />

(a tropa comemora. Abrem-se as janelas da Igreja nova, massacrada desmassacrando-se)<br />

SOLDADO<br />

Acabou inimigo, o teu encanto.<br />

O arraial enorme, é só um canto.<br />

Vaia ! Vaia em quem não vale mais nada,<br />

vaia na jagunçada.<br />

(Vaia imensa.)<br />

9 - NO CANTO DAS TORRES CAÍDAS DO ARRAIAL<br />

(As Mandrágoras recebem as vaias como Divas Altivas.)<br />

MANDRÁGORAS<br />

Altas Esbeltas Celtas<br />

no firmamento azul arremessadas,<br />

acendam em noites estreladas,<br />

alcancem as cestas de nuvens de véus,<br />

basquetes de rezas, bolas do inferno, pros céus.<br />

10 - DIANTE DA TRINCHEIRA JAGUNÇA, NO MORRO FAZENDA VELHA<br />

(no Vídeo: 7 de setembro de 1897)<br />

CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA<br />

Atiradores pelos dois flancos,<br />

desçam pelos barrancos !<br />

Fazenda Velha endemoniada…<br />

Em cinco minutos,<br />

a casa onde morreu César, será vingada !<br />

Ave Cezar !<br />

TROPA<br />

Ave Cezar !<br />

(Os soldados descem vindos das laterais, até as trincheiras da Fazenda Velha.)<br />

11 - DESPEDAÇAMENTO<br />

(Atacam a trincheira, de onde vem uma carga de balas, mandada por João Abade. Surpreendido, é cercado e<br />

capturado na Trincheira do Alto do Mario. Os soldados pegam o Bode para o sacrifício. Estraçalham-no: pés, braços<br />

e cabeça. Atiram suas partes para os sertanejos do outro lado da Linha negra.)<br />

12 - TRINCHEIRA 7 DE SETEMBRO<br />

(Olímpio de Silveira toma o espaço do Bode João Abade, euforia da soldadesca.)<br />

CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA<br />

Hoje dia 7, te batizo: “Trincheira Sete de Setembro”<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Tomar o terreno !<br />

CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA<br />

Independência, do leste,<br />

até o corpo do oeste !<br />

(A Linha Negra é redesenhanda ampliando o terreno conquistado pelo exército: Leste, centro, penetrando agora o<br />

oeste.)<br />

113


CORONEL OLIMPIO DA SILVEIRA<br />

Independência ou Morte !<br />

TROPA<br />

Independência ou Morte !<br />

13 - FUNERAIS DE JOÃO ABADE<br />

MANDRÁGORAS BACANTES<br />

João Abade ! ! ! Foi despedaçado !<br />

(chegam até os pedaços do corpo de João Abade, cantando o canto do Bode)<br />

Tomba um Sonho rasgado.<br />

(no video entra a projeção do Bode Coroado de Goya)<br />

BODE JOÃO<br />

Reconstrói outro dos pedaços encontrados.<br />

João Diabo<br />

Conselheiro<br />

me fez Padre<br />

me chamou<br />

de João Abade.<br />

CORO DE MANDRÁGORAS<br />

Por Amor ao Diabo,<br />

e ao Abade do Rabo,<br />

Canta a Tragédia<br />

o canto do Bode !<br />

(Todos improvisam a ode aos Bodes, com imprecações. As Bacantes oferecem os pés ao Bode. Ele pega o esquerdo,<br />

pega o pé direito. As Bacas oferecem os braços, ele pega um braço, pega outro. Recebe o rabo do Bode. Elas<br />

oferecem os chifres. Ele se coroa)<br />

Fúria ! Fura, Bacante<br />

Canta o bode Berrante !<br />

Bale badalo de Sino de cabra,<br />

Abracadabra !<br />

(A pólvora com enxofre explode. Sinos da Cabra.)<br />

114


9º MOVIMENTO: CHEGADA DA DIVISÃO SALVADORA<br />

1 - divisão salvadora aproxima-se<br />

2 - recepção na linha negra<br />

3 - rotina - primeiros contatos: diálogos no arraial e acampamento<br />

115


1 - DIVISÃO SALVADORA APROXIMA-SE<br />

(Entra o Tema da Divisão Salvadora. O FOCO é uma cabeça de frade sangrando que Euclides fotografa<br />

apaixonado.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Anotando tudo em seu diário de expedição e em sua caderneta de campo; tem dois cadernos.)<br />

Não vamos ver nem o fim ?<br />

Vamos chegar numa guerra perdida<br />

antes de vencida ? !<br />

Trincheiras vazias da platéia ?<br />

Jagunços deixam as posições na pré-estréia ?<br />

Materiais abandonados antes do terceiro sinal…<br />

Refluíram pro arraial.<br />

GAL. CARLOS EUGÊNIO<br />

Vamos aumentar a celeridade,<br />

antes que a guerra acabe de verdade.<br />

BRIGADA DOS NOVOS EXPEDICIONÁRIOS<br />

Ô lôco, meu ! Tesão doido de um recontro fugitivo,<br />

com a porra do adversário, ainda vivo.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(De surpresa)<br />

Na frente, mudo,<br />

distante dois quilômetros: Canudos ! ! !<br />

(Euclides tira o binóculo e começa a tremer. Entra no VÍDEO a Paisagem de Canudos. Foco no general)<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

Chegamos a tempo.<br />

Entremos avante pelo acampamento.<br />

Candidatos à História,<br />

agora não nos faltará,<br />

ao menos, meia ração de Glória.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(De binóculos)<br />

O quê ? Erramos de acampamento ?<br />

Estamos com o bando de Conselheiro ?<br />

Que será de nós ?<br />

(Apavorado com toda sua banda que está fardada, ele mesmo está com um traje elegantíssimo, sapatos engraxados,<br />

brilhando)<br />

Chegamos de sopetão<br />

num vilarejo suspeito do sertão.<br />

Homens à paisana !<br />

Roupas insanas !<br />

Mais percalços,<br />

a maioria…<br />

EUCLIDES E GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

D E S C A L Ç O S ! ? ! ? /&%@#<br />

3 BRUXAS DO ACAMPAMENTO<br />

(Que tudo ouviram o tempo todo, na sentinela vanguarda do acampamento, feito bruxas)<br />

Assustados com as Bruxa maltrapilha ?<br />

Às porta tecemo tranqüila<br />

queimando achas de lenha.<br />

116


O exército, meus filho,<br />

se rendeu pras grenha.<br />

Se amestiçou,<br />

se amulherou.<br />

Na guerra, se acabou !<br />

CORO DA DIVISÃO<br />

Não, mano ! Há um engano na rota,<br />

isso é treta de jagunço ou de xoxota.<br />

(As 3 Bruxas Gargalham)<br />

SOLDADO DA DIVISÃO<br />

Bruxas: Tua Feitiçaria é perdedora !<br />

CORO DA DIVISÃO<br />

Sumam ! Chegou a Divisão Salvadora !<br />

2 - RECEPÇÃO NA LINHA NEGRA<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Santo Irmão de todos Irmão !<br />

(Festa no Acampamento. Musica grandiloqüente gaúcha cinematográfica, pontuando o encontro dos dois irmãos<br />

generais. O General Arthur Oscar vem correndo de cima, como um menino, encontrar-se com seu irmão; se abraçam<br />

emocionados: Carlos Eugenio e Arthur. A aparência dos dois é oposta: um fardado, limpo, o outro com a farda tendo<br />

a marca do cerco, sujo; uma força nova e uma força velha desgastada, trocando energias de sangue incestuoso.<br />

Choram e riem de alegria.)<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

(Como um sub-texto secreto, físico, confessado.)<br />

A musculatura de ferro da nossa Divisão<br />

anseia se medir com o espernear da insurreição, tá entendendo ?<br />

Cês que tão aqui desdos tempo inicial,<br />

já tiveram uma puta glória animal.<br />

Nós tá afim de lutar o quanto antes.<br />

Somo paulista, somo atacante.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Inútil despender mais vidas.<br />

Vamos esperar a rendição pretendida.<br />

DIVISÃO SALVADORA<br />

Não, firmeza locão, mas só vai acontecer se nós tomá a decisão, tá ligado ?<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Respirem, paulistas, está calmo o acampamento<br />

uma povoação pequena de um aldeamento<br />

bem policiada, sem nenhum algoz,<br />

nada que recorde a campanha feroz.<br />

3 - ROTINA<br />

PRIMEIROS CONTATOS: DIÁLOGOS NO ARRAIAL E ACAMPAMENTO<br />

(Noite Velha, os soldados da linha negra, na tranqueira avançada do cerco, travam conversas com os jagunços.)<br />

SOLDADO DO EXÉRCITO<br />

(Entre a muralha e um fosso no vão, entre um lado e outro da linha negra, na Zona de Gaza, no estreito da trincheira.<br />

Volta-se para o lado da praça e fala.)<br />

117


Que saudade da minha nega, compadre Severino.<br />

JAGUNÇO<br />

Aqui não tem nenhum Severino, não sabe ?<br />

Meu nome é Elvys José Sidney Science,<br />

e o teu ?<br />

SOLDADO DO EXÉRCITO<br />

(Com voz amiga e carinhosa, como se velho camarada.)<br />

Severino Suassuna Pelotas<br />

JAGUNÇO<br />

Pois é, Seu Séverino, eu não estou com muitas saudades não das minhas,<br />

elas estão aqui me aperreando,<br />

(rindo)<br />

queria saber como é a tua.<br />

(do âmago dos entulhos das igrejas)<br />

UMA MANDRÁGORA<br />

Seu Suassuna tem uma nega aqui,<br />

que achou sua voz de artista.<br />

OUTRA MANDRÁGORA<br />

(Rindo debochando)<br />

Não é nega não, é galega !<br />

E Cabo Pelota, tá toda molhadinha !<br />

(Uma batendo na outra na mesma tonalidade mansa, dolorosamente irônica, mas não querendo fazer muito barulho,<br />

mas chamando ao mesmo tempo a atenção com suas gargalhadas, e seus Pissius ! Chut !)<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

Dêem-se ao respeito diante do Inimigo, Zabaneiras !<br />

MANDRÁGORAS<br />

Vai te fuder Science !<br />

SOLDADO DO EXÉRCITO<br />

Não é tudo irmão e irmã. Você é batizado ?<br />

OUTRA MANDRÁGORA<br />

Pelo Vigário do Cumbe, pela Mãe Marilda, pelo Exu Boca Torta.<br />

(Caem na gargalhada)<br />

Tira a mão daí menina.<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

O Comandante Suassuna está conversando comigo<br />

Onde comandante nasceu ?<br />

SOLDADO DO EXÉRCITO<br />

Em Alegrete no Rio Grande do Sul<br />

e o Comandante… como é… Science ?<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

Yes, I am.<br />

Na Bósnia de Tuparetama.<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Tem família ?<br />

Eu tenho, mas é de amigado<br />

118


minha mulher legítima me abandonou por uma prenda velha.<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

Prenda ?<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Uma Chimarroa, uma mulher, tchê.<br />

(Dá risada)<br />

O Comandante está bem de vida ?<br />

Já tem sua casa ? Os filhos estão na escola ?<br />

Ganha bem ?<br />

OUTRA MANDRÁGORA<br />

Tá ótimo !<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

Minha casa agora é aqui mesmo, nesse buraco.<br />

Num sabe ? Gosto dessa aqui na linha negra ? !<br />

E meus filho tão na oficina da jagunçada,<br />

o Canudão, por aí nos piquetes.<br />

MANDRÁGORA<br />

(Rolando num cascalhar de risos abafados.)<br />

Repara uma coisa, isso vai dar amigação…<br />

(Dão uns gritinhos de sapatinha e viadinhos)<br />

Diadorim ! Riobaldo !<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Estou aqui na conversa de amizade,<br />

meu nome é Suassuna<br />

Não sou de Pelotas não,<br />

Zabaneiras de Merda !<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

Não fala assim com Mulher,<br />

sou filho de Nossa Senhora.<br />

Tu vai engolir essa merda do meu Trabuco agora<br />

(atira)<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Tu é um filho de uma china.<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

China não, Xana, filho de uma Xana<br />

e tu nasceu do que, filho de canhão ?<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

O canhão eu vou mandar na tua cara de bunda e nas suas putas.<br />

MADRÁGORA<br />

Eu vou aí e te capo,<br />

se é que tem alguma coisa pra capar aí nessa farda nojenta.<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

A conversa é minha, não se mete, enfia essa faca na terra.<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Povo porco.<br />

119


Vamos por um ponto final ?<br />

(Manda uma bala)<br />

JAGUNÇO SCIENCE<br />

três pontinhos no cú do teu Marechal Bítencú.<br />

(Manda três tiros)<br />

SARGENTO DO EXÉRCITO<br />

Uma rajada de peido no teu Conselheiro.<br />

(Estronda um canhão.)<br />

120


10º MOVIMENTO: TRIBUNAL INTERNACIONAL<br />

1 - euclides na sua barraca próxima às conversas de rotina<br />

que ele ouvia enquanto fumava e bebia<br />

2 - “tribunal internacional para os crimes das nacionalidades contra a humanidade euclides da cunha”<br />

depoimento de uma testemunha<br />

3 - prisioneiros criancinhas chegando desfilando como numa passarela de moda andrajosa<br />

canção das desgraças das criancinhas<br />

4 - escrivão ordenança - brazyleirinho<br />

5 - primeiro lutador a ser degolado<br />

6 - de orangotango a titã: anjo negro<br />

7 - a velhinha, as crianças e o palhaço<br />

8 - hécuba euá<br />

9 - dente por dente<br />

10 - uma página de protesto<br />

121


1 - EUCLIDES NA SUA BARRACA PRÓXIMA ÀS CONVERSAS DE ROTINA QUE ELE OUVIA<br />

ENQUANTO FUMAVA E BEBIA<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Trêmulo amaleitado. Tem as feridas das balas de Dilermando no corpo e um pano amarrado à cabeça como fazem<br />

com os mortos e os febris.)<br />

A Batalha decisiva vai matar !<br />

O vitorioso em meu eu Republicano, vai chegar<br />

meu bardo acobardado minha cabeça, trança, febril, desenlança !<br />

Édipo sabe, Euclides !<br />

Olha !<br />

Vê ! Tira o lacre,<br />

É o nosso próprio Massacre !<br />

(Joga o caderno de anotações fora e os dedos que escrevem leva para os olhos como se tentasse se cegar como Édipo.<br />

Imagem da Justiça cega nos Telões. VENDADA)<br />

Ai de mim ! Ai de mim ! Édipo !<br />

Tira as mãos dos olhos, vê anota Escreve, diz: Não arrego<br />

Deixa de ser cego<br />

(A Justiça da Projeção tira a faixa dos olhos, larga a balança e começa por ela a criação do Tribunal mundial, do<br />

Deus sem juízo.)<br />

Ai de mim ! Ai de mim ! Édipo !<br />

Trêmulo transtornado,<br />

Pega já tua caderneta, nefando !<br />

(DILERMANDO FARDADO FERIDO COM ANA NA CAMA)<br />

Vê tua amada amando Dilermando !<br />

Vê a República a Terra massacrando !<br />

2 - “TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA OS CRIMES DAS NACIONALIDADES CONTRA A<br />

HUMANIDADE EUCLIDES DA CUNHA”<br />

DEPOIMENTO DE UMA TESTEMUNHA<br />

(Letreiro projetado da Cena. Rufares e Abertura de um Tecno Ditirâmbico Tribunal do deus sem juízo da Multidão<br />

Mundial. A cena da degola acontece dentro do Tribunal INTERNACIONAL HOJE: O <strong>TEATRO</strong> e ao mesmo tempo<br />

na moita no meio da Caatinga em 1897. O Tribunal Internacional hoje, julga este crime. A Multidão do dia de cada<br />

apresentação, constitui este tribunal, como jurados, carrascos, vítimas, juizes e réus. Euclides está ao mesmo tempo<br />

em l897, na TENDA DO GENERAL JOÃO BARBOSA e no Tribunal Hoje. General Barbosa, ferido, está em uma<br />

rede, com Bicho Diabo amarrado no chão ao lado. Há uma cadeira onde está escrito: Relator dos Direitos Humanos<br />

do Governo Americano. Nela está assentado um estrangeiro que somente faz anotar, gravar… Sofre com o que vê,<br />

mas tem de se mostrar imparcial. Há os estudantes de Medicina, já uniformizados como médicos, que contemplam as<br />

cenas, além de Soldados Carrascos, Auxiliares, e a Secretária Escrivã. A Cena é muito intensa, pública, mas tem um<br />

quê de segredo erótico. É dor-prazer co(a)ntada com Morfina. Uma Justiça ao vivo SEM VENDA.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Afirmativo, com as mãos sobre a caderneta, mas ferido como na cena anterior, com a faixa na cabeça e tudo, vítima e<br />

carrasco de guerra.)<br />

Deponho aqui em Canudos, na minha caderneta<br />

E agora, aqui, diante do planeta.<br />

3 - PRISIONEIROS CRIANCINHAS CHEGANDO DESFILANDO COMO NUMA PASSARELA DE MODA<br />

ANDRAJOSA<br />

CANÇÃO DAS DESGRAÇAS DAS CRIANCINHAS<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Traz os prisioneiros !<br />

122


(Entram crianças prisioneiras. Bicho Diabo começa a reconhecer seus companheiros de Canudos.)<br />

CANÇÃO DAS DESGRAÇAS DAS CRIANCINHAS<br />

Somos as crianças dessa terra<br />

Somos as sobras dessa Guerra<br />

Somos os frutos da mãe terra<br />

Somos os restos de toda Guerra<br />

e só temos pra mostrar ao mundo<br />

esse desfile “fashion” do tipo imundo<br />

Não pedimos pra nascer<br />

não pedimos pra nascer<br />

não pedimos pra nascer<br />

mas também não queremos morrer<br />

CRIANÇAS<br />

(para BRAZYLEIRINHO, criança com a cabeça encoberta por um trapo)<br />

Risada aberta…<br />

Rí em cheio<br />

Um tiro me acerta<br />

Me cala no meio.<br />

(BRAZYLERINHO gargalha com a chaga aberta enquanto os soldados terminam com um longo suspiro.)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Refresco !<br />

(as crianças sentam na posição clássica de repressão da FEBEM)<br />

4 - ESCRIVÃO ORDENANÇA - BRAZYLEIRINHO<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Vamos abrir as Comissões de inquéritos Republicanos<br />

inquirindo criança de poucos anos.<br />

Só vamos apurar a verdade.<br />

Respeito a infantil ingenuidade.<br />

Escrivã registre religiosamente.<br />

Fala a criança, mas não mente.<br />

ORDENANÇA ESCREVENTE<br />

Nome<br />

BRAZYLEIRINHO<br />

Brasileirinho<br />

ORDENANÇA ESCREVENTE<br />

Idade<br />

BRAZYLEIRINHO<br />

(real de Ariclenes)<br />

13 ano.<br />

ORDENANÇA ESCREVENTE<br />

Figura encolhida,<br />

embrião de lumbriga.<br />

Olho preto grandão<br />

tipo jaboticabão.<br />

123


BRAZYLEIRINHO<br />

Me dá um cigarro.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

O quê ?<br />

BRAZYLEIRINHO<br />

Senão, não falo.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Dá o cigarro.<br />

Pode dar.<br />

(Escrivão dá o cigarro, o menino espera o fogo, BRAZYLEIRINHO acende, traga e solta baforadas fortes, dá um<br />

show de fumaça.)<br />

ESCRIVÃO<br />

(Escrevendo)<br />

Suga o fumo, precoce<br />

na bonomia de velho viciado, nem tosse !<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Você é um chefe de quadrilha ?<br />

BRAZYLEIRINHO<br />

Nós dançava quadrilha antes das estilha.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Você participou da tentativa de matar a 32 ?<br />

BRAZILEIRNHO<br />

32 ?<br />

Sei não ?<br />

Contar, não sei contar não ?<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Como vocês dizem ?<br />

BICHO DIABO<br />

Matadeira<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Você participou da tentativa de matar a Matadeira ?<br />

BRAZILEIRNHO<br />

Nós não mata a mata é muito seco,<br />

quase não tem mata nem matadeira.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Chega de brincadeira.<br />

Seu tratante, isso não é informação!<br />

É negaceio de embrulhão !<br />

(Barbosa manda prender Brazyleirinho. Entra um soldado sobraçando a Comblain, a criança interrompe a linguagem<br />

confusa, ininteligível, observa convicta entre o espanto geral.)<br />

BRAZYLEIRINHO<br />

Essa comblé não presta, é xulé<br />

124


É uma arma à toa,<br />

xixilada: sem vergonha, numa boa,<br />

faz um “zoadão danada”,<br />

mas não tem força, não é de nada.<br />

Prefiro a manuliche cem por cento,<br />

um clavinote de”talento”.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Tome então essa mannlicher.<br />

(Um soldado tira as balas da Mannlincher e passa a arma pra Brazyleirinho que toma, maneja)<br />

ESCRIVÃ<br />

(Escreve)<br />

Maneja com perícia de soldado atento.<br />

Desarticula na maior agilidade fechos completos !<br />

É seu brinco infantil predileto.<br />

GENERAL DE BRIGADA CARLOS EUGÊNIO DE ANDRADE GUIMARÃES<br />

O senhor atirou com ela, em Canudos ?<br />

ESCRIVÃ<br />

(Envolvido)<br />

Sorriso adorável,<br />

Ah ! De superioridade dos sortudos.<br />

BRAZYLERINHO<br />

E por que não ?<br />

Nas treta de miliano, no tribuzanado<br />

havera de levar pancada, como boi acuado ?<br />

E ficar moscando na Diamba,<br />

enquanto os mano fechava o samba ?<br />

ESCRIVÃ<br />

Essa criança é uma aberração!<br />

Quem te ensinou essa danação?<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Euclides tem uma crise de metralhadora revoltante, levanta e fala.)<br />

É aluno nosso perfeito,<br />

reponta bandido feito,<br />

à tona da luta,<br />

carregando no ombro pequenino<br />

treze anos de ondas milionárias de erros,<br />

soma essa, escrivão, à tua cárie<br />

cinco séculos de barbárie.<br />

A campanha de Canudos dá prova nesse momento:<br />

É ela a Aberração !<br />

Qual é seu objetivo civilizador ?<br />

Destruir um povoado do Sertão ?<br />

Toda essa campanha será crime inútil, carnicería<br />

se os caminhos abertos para a artilharia<br />

não trouxerem abraçados aos nossos tempos libertários,<br />

esses rudes amados compatriotas, ditos retardatários.<br />

Meu deus, o que eu disse ?<br />

Estamos vários,<br />

o que está acontecendo com minha cabeça ?<br />

Que a pressão dessas cenas não me enlouqueça !<br />

125


(Respira tentando se conter.)<br />

Desculpem-me todos.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Recolher !<br />

(as crianças são levadas para fora do tribunal)<br />

5 - PRIMEIRO <strong>LUTA</strong>DOR A SER DEGOLADO<br />

(Primeiro interrogado entra.)<br />

ESCRIVÃ<br />

Entra na tenda.<br />

Comandante João Barbosa,<br />

O que será jugulado, é fera perigosa.<br />

Vem da fila de espera<br />

(Para o lutador.)<br />

É sua vez nessa era.<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

Escrivão, sublinha<br />

lutador de primeira linha.<br />

(Maquiando o lutador que está de cabeça baixa. Ordenando, amigável, e delicado, sempre, com tesão.)<br />

Alevanta a cabeça.<br />

Olhem o olhar:<br />

um inteiro a brilhar<br />

o outro meio a sangrar<br />

(O chapéu de couro começa a tirar, faz menção de se sentar…)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

(Amassa o papel do interrogatório, joga fora.)<br />

Tirar o chapéu, sentar ?<br />

Pensa que em sua casa está ?<br />

Suprema petulância do bandido !<br />

Pode ser brutalmente repelido !<br />

Cabo de esquadra,<br />

(O cabo se apresenta, faz continência.)<br />

O senhor é o Famoso, por certas façanhas…<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

(Bem pequenininho, do tamanho de uma criança ou de um anão, meio dengoso, sorri, tímido, sem jeito.)<br />

Modéstia a parte.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Como é teu nome de Guerra ?<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

(Ri orgulhoso.)<br />

Coração de Mãe.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Coração de Mãe ?<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

É que eu tenho a Tatuagem do Coração de Mãe no meu braço.<br />

(Mostra a tatuagem.)<br />

126


Eu sou um coração de mãe,<br />

como a minha mãezinha, cabe tudo aqui dentro !<br />

RELATOR DOS DIREITOS HUMANOS<br />

Send greetings for your mother.<br />

ESTUDANTE TRADUTOR<br />

Mande lembranças pra tua mãe.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Então Coração de Mãe, o que está esperando ?<br />

(SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE Sorri orgulhoso com a cumplicidade, adivinhando o intento do<br />

General, apanha o baraço, a corda, e faz o laço para estrangular, com muita competência e tesão.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Para o público do tribunal, ainda com medo do General Barbosa, vendo, horrorizado, febril, tenta uma objetividade<br />

de jornalista do Brasil.)<br />

Um cabresto de touro:<br />

pode ser uma tira de couro,<br />

um relho amarrado na ponta de um cacete,<br />

usado pro chiqueiro de chicote-porrete,<br />

impele-se a vítima pra diante com a faca<br />

pra atravessar por cada barraca.<br />

Ao mínimo sinal de fuga ou resistência<br />

um puxão pra trás na premência<br />

faz com que o laço se antecipe a faca de mola,<br />

e o estrangulamento…à degola.<br />

(O Coração de Mãe, leva para fora do Foco da Tenda, outra luz, a Presa. Leva para um buraco. Euclides segue em<br />

l897, vendo a degola primeira, arquetipal.)<br />

Fora, aos empurrões segue o guerreiro<br />

com o estranho parteiro.<br />

Na barriga da caatinga, vai o infeliz<br />

abrir na minha vista a primeira cicatriz.<br />

(Somem. Euclides acompanha. O fotógrafo Flávio de Barros tenta segui-los. É detido.)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Não insista o diretor de fotografia, não vá lá o senhor.<br />

Esta cena por enquanto é bela demais para ser divulgada no exterior<br />

(FOCO EM EUCLIDES.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Se escondeu em 1897. Reaparece e tenta olhar dos lados para não ser visto, começa a vomitar… e a tremer em 1897<br />

e em 2006)<br />

Chega à primeira vala deserta<br />

uma cena vulgar obscena,<br />

o soldado impõe à vitima uma fala que não o excita.<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

(Fora de cena, num buraco.)<br />

Viva a República ! Grita !<br />

JAGUNÇO A SER DEGOLADO<br />

Lutando, um tiro merecedor, dá brio<br />

127


mas morrer a ferro frio ?<br />

Não é da morte temor.<br />

Não, é o nosso supremo pavor !<br />

Noss’alma assim não se salva.<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

Então, prometo a esmola de um tiro, mas custa uma revelação.<br />

JAGUNÇO A SER DEGOLADO<br />

Ninguém revela nada, não.<br />

Afronto então mudo, a eterna perdição.<br />

EUCLIDES<br />

(Silêncio)<br />

Os próprios jagunços, ao perder a liberdade,<br />

conhecem a sorte que lhes cabe<br />

no arraial desse processo se sabe,<br />

o que contribui pra a resistência enlouquecida.<br />

Poderiam se render a outros adversários, não serem suicidas,<br />

mas diante dos que lhe oferecem tal sorte,<br />

vão lutar até à morte.<br />

Prólogo invariável, cena modelo:<br />

agarra do lutador o cabelo,<br />

dobra a cabeça, esgargalha o pescoço<br />

põe a nu, exposta, a garganta,<br />

o carrasquinho seduz, pede, canta…<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

(Carrasco soldado repete.)<br />

Viva à República, Filho Meu !<br />

PRIMEIRO <strong>LUTA</strong>DOR<br />

Louvado seja Antonio com Deus !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Geme, se contorce, tirita de febre, segura a caderneta e a esconde.)<br />

Pronto.<br />

SOLDADINHO CARRASCO CORAÇÃO DE MÃE<br />

(Como uma puta, um michê)<br />

Mais outro, entre…<br />

(Entra outro lutador puxado à corda.)<br />

6 - DE ORANGOTANGO A TITÃ: ANJO NEGRO<br />

(ANJO NEGRO Totalmente coberto de barro como uma estátua elameada, destruída, morrendo diante do Escrivão.)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Isso não interrrogo, nem por bem, nem por mal,<br />

seria uma ofensa a dignidade deste tribunal !<br />

É um gorila !<br />

Deus que me defenda.<br />

Isso nem se questiona, morde ?<br />

Ladra ?<br />

CORO DO TRIBUNAL<br />

Anjo Negro Zumbi,<br />

dos raros puros daqui.<br />

128


ANJO NEGRO<br />

Na presença asquerosa<br />

do general João da Silva Barbosa<br />

Num recontro fui colhido,<br />

empurrado, arfando, exausto, vencido.<br />

Sou assim: espigado, seco, exato.<br />

Desfibrada delato<br />

o rigor da fome e do combate.<br />

A magreza me estica encurvado num baque.<br />

A grenha, crescida,<br />

afoga minha cara fugida,<br />

Cambaleio,<br />

cambaleio claudicante, sem freio,<br />

nariz chato, lábios grossos,<br />

dentes, esmaltados colóssos,<br />

olhos pequeninos,<br />

vivos,<br />

luzindo cristalinos,<br />

das minhas órbitas profundas de macaco<br />

meus braços oscilam como um Gorila de fato.<br />

Deus me acuda<br />

Deus me acuda<br />

agrava mais a semelhança, minha carranca carrancuda.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Coração de Mãe !<br />

(O Soldadinho Carrasco Coração de Mãe, como é muito baixinho, pequeno na altura, custa a enlear o laço ao<br />

pescoço do condenado, vai ficando nervoso, cai. O Condenado, porém, olha dentro dos olhos do Coração de Mãe<br />

e auxilia-o tranqüilamente, apanha o nó já embaralhado enfia ao pescoço, pelas próprias mãos, jugula-se. O<br />

condenado vai transmudando-se aos primeiros passos para o suplício.)<br />

ANJO NEGRO<br />

(Um blue, uma reza, cool jazz, com percussões longínquas, arcaicas, africanas, no som mixado do DJ.)<br />

Little tyrant ! Take it Easy !<br />

Envergadura abatida<br />

aprume vertical rígida,<br />

atitude cheia da graça<br />

singularmente altiva da raça.<br />

(O barro vai caindo.)<br />

Ombro retraído<br />

relaxe, distraído,<br />

minha cabeça, firme,<br />

gire, me confirme.<br />

Dilate, meu peito, dance<br />

meu olhar, num lampejo ilumina-me a fronte,<br />

e alcance a nobreza da África Fonte.<br />

RELATOR DOS DIREITOS HUMANOS<br />

(Em êxtase, contorcendo-se, levanta-se de sua cadeira.)<br />

Desse arcabouço repugnante,<br />

num instante<br />

despontam linhas terrivelmente esculturais,<br />

plástica estupenda, o mais que o mais !<br />

Um primor de estatuária, tudo que se ama,<br />

modelado em lama !<br />

ANJO NEGRO<br />

129


Oh ! Stop baby !<br />

Ok, ajeito esse troço.<br />

(Já está saindo a maior parte da casca da estátua que vira conforme se aproxima da degola, humana, viva,<br />

transhumana. Anjo Negro parte; entra seu som em off.)<br />

Parto antes, Antonio Xamã<br />

eu, velha estátua de Titã<br />

há cinco séculos soterrada<br />

agora desenterrada,<br />

na imensa Canudos arruinada,<br />

Ismael, escrivão, o eterno Arcanjo:<br />

Negro Anjo,<br />

Negro,<br />

Anjo Negro.<br />

(Vai cantando seu blue na direção morte. Ele se dá ao torturador, dobra o pescoço, lhe entrega a faca e cai degolado.)<br />

7 - A VELHINHA, AS CRIANÇAS E O PALHAÇO<br />

(Um Palhaço Mendigo, fazendo um numero de circo, uma Velha invadem a tenda. Ela dança amparada por uma<br />

mocinha, com duas netinhas, menininhas num definhamento absoluto. Trilha eletro acústica da”Sombra Impertinente<br />

do Remorso”)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

(percebendo a velhinha, as criancinhas e o Palhaço)<br />

Quem deixou isso entrar ?<br />

DUPLA: DUAS MOCINHA ENGATINHA<br />

“Duas Mocinha que engatinha”<br />

Sombra da vóinha que acende sua luzinha.<br />

Dançarina do perigo<br />

do amigo e do inimigo,<br />

Joga Luz com seus esforço<br />

na sombra Impertinente escondida dos Remorso…<br />

(cantam pedindo esmola para o General Barbosa)<br />

Se nóis não come,<br />

nóis chorá de fome<br />

De pé nós mais não anda,<br />

Então criamo essa ciranda:<br />

(o General dá balinhas de esmola)<br />

“Duas Mocinha que engatinha”<br />

Sombra da vóinha que acende sua luzinha.<br />

(DANÇARINA EUÁ dança sua dança com uma lanterninha e um mundo na mão.)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Vamos aplaudi-la, em sua dança ?<br />

(Aplausos. Terminado o número, um silêncio)<br />

DANÇARINA EUÁ<br />

Não tem aí uns resto de marmita ?<br />

(Acende sua lanterninha perguntando para o público.)<br />

Quem tem uma brusa véia ?<br />

(A Secretária Escrivã, num ataque, cospe uma bolacha no chão; a Velha vê e, tossindo, manda o Palhaço Mendigo<br />

pegar e dá pra netinhas. Os soldados tiram de cena as meninas e a vozinha, dando pão a elas, que saem mordendo o<br />

pão, e cantando sua cantiguinha.)<br />

130


GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

(Chorando comovido.)<br />

Não trucidamos mulheres, nem crianças,<br />

mas a Degolação é mais prática, mais humana.<br />

Sou um mutilado de guerra e eu sei,<br />

mas o inquérito tem que ser feito, e dentro da lei.<br />

Resume-se às perguntas de Convenção<br />

necessárias ao nosso Serviço de Informação.<br />

Nosso Estudante, Tenente do Estado Maior,<br />

está relatando tudo pra Comissão de Diretos Humanos, de cor…<br />

8 - HÉCUBA EUÁ<br />

(um soldado entra com outra prisioneira: Hécuba Euá)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

(exibindo bondade)<br />

Minha Senhora, Grande Matriarca Nordestina, Qual o seu nome ?<br />

HÉCUBA EUÁ<br />

Hécuba,<br />

(espera a reação do General Barbosa)<br />

a Rainha de Tróia !<br />

A Megera, a Jóia !<br />

Euá Euá Euá Euá !<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Viva a nossa Hécuba<br />

(Todos aplaudem menos Euclides e o relator dos Direitos Humanos.)<br />

Qual é o número de combatentes ?<br />

(silêncio.)<br />

Em que estado de saúde se acham ?<br />

HÉCUBA DANÇARINA EUÁ<br />

E eu sei ?<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Observem todos, estou querendo até ajudá-los,<br />

mas nossa Matriarca não está colaborando…<br />

De que recursos dispõem ?<br />

HÉCUBA EUÁ<br />

E eu sei ?<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Nossas leis, em casos excepcionais…<br />

HÉCUBA EUÁ<br />

Não vale nada perguntar tanto…<br />

Quem quer saber muito é que sabe muito bem:<br />

Vocês estão todos perdidos.<br />

Não são sitiantes, são sitiados.<br />

Não vão poder voltar, como as outras Expedição<br />

vai ficar ainda mais Cegos<br />

do que já são !<br />

Cegos de ficar tateando à toa na bruma,<br />

sua colunas…<br />

(Enquanto Barbosa fala, Hécuba Megera Matriarca continua possessa, gritando –“Cegos ! Não são sitiantes, são<br />

131


sitiados, estão presos, chumbados… não vão mais voltar, vão ficar ainda mais cegos, cegos de ficar tateando à toa…)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Conseguiu irritar !<br />

Matriarca ?<br />

Megéra !<br />

Bruxa Agourenta !<br />

Diabo de Saia !<br />

Virago !<br />

Mulher Macho !<br />

Rainha Lacaia !<br />

De nós triunfadores, bem-querer não vai merecer.<br />

Segurem essa Maluca,<br />

Coração de Mãe, dá o cabo, degola essa Mãe do Diabo…<br />

(Sai gritando, ouve-se somente o som, pelo caminho e debaixo da vala.)<br />

HÉCUBA MEGERA<br />

Louvado seja Antonio, vou pra baixo<br />

Não te encontro mais lá no eterno,<br />

vou de carro de Boi pro inferno,<br />

mas não me Rebaixo.<br />

Louvado seja…<br />

(Sons da degola.)<br />

9 - DENTE POR DENTE<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Isso não é uma campanha.<br />

É uma charqueada.<br />

General, não é a ação severa das leis, é vingança.<br />

COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO<br />

Meus amigos foram trucidados,<br />

nas tocaias traiçoeiras, foram degolados,<br />

no papel de cadáveres ainda ficaram apalhaçados,<br />

como espantalhos<br />

daninhos<br />

à orla dos caminhos.<br />

(Fogueira)<br />

Uma criança debatia-se entre as chamas !<br />

Eu Major Henrique o incêndio afrontei<br />

Tomei-a nos braços, aconcheguei-a<br />

(Abraça com um belo gesto carinhoso.)<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

O único traço de heroísmo,<br />

nessa jornada feroz de cinismo.<br />

COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO<br />

Salvei-a.<br />

(Aplausos dos dois lados. Mas a criança está armada, aponta, olha bem no olho do Salvador e ameaça atirar.)<br />

COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO<br />

Porque guri ?<br />

CRIANÇA<br />

Vê se ri !<br />

132


COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO<br />

Vou morrer em poucas horas aqui,<br />

Complete o trabalho, guri…<br />

Não me arrependo… é meu destino,<br />

eu major comandante Henrique Severino,<br />

guerreio desde menino.<br />

Consistente e valente.<br />

CRIANÇA<br />

E eu não ?<br />

(A criança dá o tiro de misericórdia, termina o trabalho e foge)<br />

COMANDANTE MAJOR HENRIQUE SEVERINO MORTO<br />

Isso não se faz.<br />

10 - UMA PÁGINA DE PROTESTO<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

A piedade dos companheiros<br />

alivia-os pra essa impiedosa selvageria.<br />

(Para o público do Tribunal contra os Crimes das Nacionalidades contra a Humanidade.)<br />

A púrpura do luto Chinês, vestem altaneiros<br />

com as lágrimas lavadas no sangue vira lata dos brazyleiros.<br />

(As Personagens do tribunal Militar da tenda da Rede do general Barbosa coagulam-se, no museu de Cera da<br />

História.)<br />

E depois porque temer o juízo tremendo do futuro.<br />

A História não vai chegar mesmo aqui ? !<br />

Afeiçoamo-nos,<br />

vendo a fisionomia temerosa dos povos,<br />

na ruinaria majestosa das cidades devastadas,<br />

na imponência soberana dos coliseus ciclópicos,<br />

nas gloriosas chacinas das batalhas clássicas,<br />

e na selvatiqueza épica das grandes invasões.<br />

O que tem demais este matadouro ?<br />

À Favela não chega, certo, a correção dos poderes constituídos.<br />

O atentado é público.<br />

Conhece-o, em Monte Santo, o principal representante do governo,<br />

o Marechal Bittencourt<br />

e silencia.<br />

Coonesta com a indiferença culposa.<br />

Segue a cumplicidade tácita dos únicos que podiam reprimí-la,<br />

amalgama-se a todos os rancores acumulados,<br />

e arroja, armada até aos dentes,<br />

em cima da mísera sociedade sertaneja,<br />

a multidão criminosa paga pra matar.<br />

Canudos tem muito apropriadamente, em roda,<br />

uma cercadura de montanhas.<br />

É um parêntesis<br />

É um hiato.<br />

É um vácuo.<br />

Não existe.<br />

Transposto cordão de morros,<br />

ninguém mais peca.<br />

Descidas as vertentes, em que se entala essa furna enorme,<br />

133


pode-se representar lá dentro, lá em cima, lá em baixo, obscuramente,<br />

um drama sanguinolento da idade das cavernas.<br />

O cenário é sugestivo.<br />

Os atores, de um e de outro lado,<br />

negros, caboclos, brancos e amarelos,<br />

trazem, intacta, nas faces, a caracterização indelével, multiforme das raças<br />

e só podem unificar-se sobre a base comum dos instintos inferiores e maus.<br />

A animalidade primitiva, lentamente expungida pela civilização, ressurge, inteiriça.<br />

Desforra-se afinal.<br />

Encontra nas mãos,<br />

ao invés do machado de diorito e do arpão de osso,<br />

a espada, a carabina.<br />

Mas a faca relembra melhor o punhal antigo de sílex lascado.<br />

Vibra-a.<br />

Nada tem a temer.<br />

Nem mesmo o juízo remoto do futuro.<br />

CORO<br />

Mas que entre os deslumbramentos do futuro caia,<br />

brutalmente violenta, sombria,<br />

esta página sem brilhos,<br />

implacável e revolta, sem altitude,<br />

porque a deprime o assunto<br />

porque é um grito de protesto,<br />

caia sombria,<br />

porque reflete uma nódoa,<br />

sombria<br />

esta página sem brilhos,<br />

sombria<br />

implacável e revolta,<br />

sombria<br />

porque a deprime o assunto<br />

sombria<br />

porque é um grito de protesto.<br />

134


11º MOVIMENTO: EMBAIXADA AO CÉU<br />

1 - embaixada ao céu no camarote do anfiteatro<br />

2 - arraial<br />

Partida de vila nova<br />

3 - conselhos de substituições<br />

4 - camarote do amphiteatro<br />

5 - decisão de antonio conselheiro<br />

6 - camarote dos generais<br />

7 - cenário de tragédia<br />

8 - tiroteio/abalo nuclear<br />

9 - nave viajeira<br />

10 - cerco fechado<br />

135


EMBAIXADA AO CÉU NO CAMAROTE DO ANFI<strong>TEATRO</strong><br />

(No camarote, numa barraca na estrutura superior, lado leste, de veludo vermelho com franjas douradas e apliques<br />

amarelos, como um camarote. As Bandeiras do cerco estão quase todas levantadas, como um estádio cercado por<br />

cortinas de palco italiano, menos no NORTE. Olímpio da Silveira comanda Bandeiras que poderão fechar o norte a<br />

partir do OESTE, sentido horário, e o General Carlos Eugênio comanda outro batalhão com as bandeirolas-cortinas<br />

que poderão fechar o NORTE a começar pelo lado LESTE, sentido anti-horário.)<br />

OLÍMPIO DA SILVEIRA<br />

Cobertores vermelhos, bandeiras, archotes…<br />

Façamos o cerco aparecer pros generais, nos camarotes<br />

formando em vermelha lista,<br />

desenhando o mapa do cerco da conquista.<br />

CORO DA TROPA<br />

Resta apenas, antes das extremas unções,<br />

o quadrante norte pros fujões:<br />

as veredas do Uauá e Várzea da Ema.<br />

A ação rápida dos ventos do tempo<br />

nos guia, pra última Cena.<br />

GENERAIS ARTHUR OSCAR E BARBOSA<br />

Ninguém acreditava, a batalha já foi ganha<br />

abra-se para o começo do fim da campanha.<br />

(Música Muito Forte, sim-fônica de Vitória.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Bloqueio quase completo,<br />

há extenso claro ao norte,<br />

não reduz ainda o inimigo à morte.<br />

Se não fecharmos as portas do Norte<br />

essas represas em fuga abrem lá comportas.<br />

Vão fugir: quem aposta, nesta Proposta ? !<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Essa sua proposta,<br />

é uma bosta.<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

(ao Nordeste)<br />

Temos que dar aos sertanejos,<br />

estes caminhos, os mais benfazejos !<br />

Nesse instante deixemos que escapem, há salvação.<br />

Se a população fugir, não entraremos em perseguição.<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Discordo !<br />

(Suspense entre os militares, vão os sertanejos fugir ?)<br />

2 - ARRAIAL<br />

PARTIDA DE VILA NOVA<br />

(No centro em CANUDOS)<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Pelo baixo S. Francisco, zonas sempre desconhecidas,<br />

fugas pra Várzea da Ema e Uauá são garantidas.<br />

Quem quiser partir, é também amado,<br />

e sempre bem será lembrado.<br />

136


(Silêncio)<br />

VILA NOVA<br />

(Com o livro de contabilidade na mão.)<br />

Não. O Balanço final, bateu azul<br />

não foi vermelho, não.<br />

Ouro, sobre o azul.<br />

Aqui na nossa mão<br />

(Mostra ouro dos cofres de Canudos, que quer passar pras mãos de Conselheiro, que entretanto não solta das mãos<br />

de Vila Nova)<br />

Nossa glória, nosso prazer<br />

é viver junto até o nosso morrer.<br />

CONSELHEIRO<br />

Não Vila Nova, vive junto com nosso viver.<br />

Contabilidades, contas estamos cotados,<br />

viva para esse conto, ser bem contado.<br />

Não esqueça, não esqueço,<br />

é só o começo<br />

contabilidade de conta<br />

que não tem preço<br />

esse ouro faça dobrado,<br />

cada vez mais dourado<br />

pra luta do sertão de dentro<br />

de fora, de todo lado.<br />

(Vila Nova chora, beija Conselheiro, beija o chão de Canudos olha todos, vai sair. Pausa.)<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Conta esse silêncio, o resto é ruído.<br />

(Sai, todos se olham, ninguém o segue. Silêncio. Para os que ficam.)<br />

A gorda força dos nossos adversários crescente<br />

coincide com a nossa fragilidade nascente.<br />

(Olhando para o lugar onde está Olímpio da Silveira, dirigindo-se aos mais frágeis e feridos.) Não é melhor feridas<br />

mais queridas, fugir ?<br />

Ir se escoando, pouco e pouco, às encobertas<br />

Em bandos diminutos, pelas veredas ainda abertas ?<br />

Os lutadores desembaraçados, na luta por vício<br />

livram vocês, desse último sacrifício ?<br />

FERIDOS ABATIDOS - 3 CEGUINHAS<br />

Nós, ceguinha forte, já decidimo todas por um:<br />

nos devotamo ao compreto jejum,<br />

em pró dos que pode lutar e nos defender,<br />

não vamo deixar vocês,<br />

pois nóis vai vencer.<br />

TODOS <strong>LUTA</strong>DORES VIVOS E ANJOS<br />

Não saiam de perto de nós.<br />

Não vamos ficar sós.<br />

NORBERTO CARIRÍ<br />

Nossa maioria não é um trambolho,<br />

nosso movimento não vai pro encolho.<br />

Não é a Farinha quem vai decidir.<br />

3 - CONSELHOS DE SUBSTITUIÇÕES<br />

BRAZYLINA<br />

137


João Abade, João Grande, Timótheo Sineiro, nossos mais fortes guerrilheiros que desapareceram,<br />

em nossos corpos vivem inteiros.<br />

BEATINHO<br />

De Guerra, que comandantes tem abertos o fiofó ?<br />

MANDRÁGORAS<br />

O Índio Cariri ! Sela ele, ao comando guindado !<br />

(todos cercam apaixonados Norberto)<br />

BEATINHO<br />

Ficou entre os maiores<br />

pela carência de outros pro mando melhores.<br />

3 CEGUINHAS<br />

Norberto tem qualidade é esperto.<br />

O Último Cariri ! Aqui tão perto ? !<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Certo !<br />

Nosso coração ferido,<br />

pra ti, Norberto, está aberto.<br />

NOBERTO CARIRÍ<br />

Meu guerreiro,<br />

perdão, não estou a altura da situação,<br />

mas a luta agora se fará com os que aqui estão<br />

(Norberto pega a AK-47)<br />

porque além de lutar, não vão poder mais tomar outra decisão.<br />

(Norberto Carirí recebe as Faixas)<br />

TODOS<br />

Vem Alegria da Dor Feroz.<br />

Vem Miséria, abatimento, magreza, falta de voz.<br />

Vem dias de angústia, suportamo a crueldade<br />

diante da porta aberta pra liberdade.<br />

CONSELHEIRO<br />

(Para o público e para os que não se decidem)<br />

Para vocês é inexplicável ?<br />

É mesmo impensável ?<br />

Experimentemos a matéria desse êxtase, estático.<br />

Não, não ponham neste instante um nome, nem o batizem de fanático.<br />

Começo a ação do que chamam morrer<br />

vi tombar o sino, as igrejas,<br />

santos feito estilhas,<br />

altares caídos, relíquias…<br />

Meu organismo,<br />

sem organismo<br />

combalido<br />

dobra-se ferido<br />

de comoção violenta,<br />

de uma caminheira.<br />

De uma bala perdida na fronteira,<br />

começa a viver o morrer,<br />

frágil, enfrenta<br />

requinta na abstinência<br />

138


jejua, mas não aceita a continência.<br />

4 - CAMAROTE DO AMPHI<strong>TEATRO</strong><br />

(General Arthur Oscar do seu, ordena que em cada um, a Artilharia da Favela a seu lado, e a do 7 de Setembro,<br />

através de uma chamada de Bateria de Sopro, comecem a movimentar-se para fechar o Cerco. Toque de Cerco. Os<br />

três lados ao mesmo tempo que atiram, o cerco começa caminhar as bandeiras-cortinas cobertores vermelhos para<br />

cercar o arraial inteiro, como uma procissão redonda de Teatro Italiano. De repente, percebem o olhar de Antônio<br />

Conselheiro, estacam. Foca-se no Norte, um espaço grande de abertura que interrompe a procissão do cerco num<br />

repente… e se liga em Conselheiro, lentamente.)<br />

5 - DECISÃO DE ANTONIO CONSELHEIRO<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Os olhos rodam 360 graus<br />

Os olhos<br />

(A última bandeirola pára quase se encontrando com a primeira. Há uma enorme ferradura na cena, o cerco começa<br />

a se fechar. Conselheiro contracena com a seqüência dos últimos gestos do cerco pelo olhar. Os movimentos todos se<br />

ralentam, o olhar de Conselheiro tem o poder de contracenar com a força de vibração assim com o todo. O ARRAIAL<br />

atrasa ao máximo o MOVIMENTO DO EXÉRCITO, em guerra de energia, e vai determinando o ritmo do cerco: O<br />

DO QUE QUER MANTER ABERTO E DO QUE QUER FECHAR. A partir desse ponto começa outro movimento.<br />

Conselheiro começa a imobilizar-se de bruços, fronte colada à terra, entre as ruínas do templo.)<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

(para todos)<br />

Vou seguir em viagem pro céu.<br />

Resolvi me dirigir diretamente à Providência.<br />

Vou me encontrar agora, com Deus.<br />

Já deixei tudo roterizado com a maior antecedência.<br />

Sinto muito, vocês soldados vão cair agora na maior apertura,<br />

não vão por um tempo poder sair do lugar em que escolheram nessa tortura<br />

nem mesmo para fugir apressados.<br />

Estão todos tomados<br />

cegos de amor nas trincheiras,<br />

nos camarotes, nas troneiras.<br />

Vão ficar pra expiação suprema,<br />

gozando sua pena,<br />

até o final da cena das cenas.<br />

Eu retorno, logo, com milhões de arcanjos nas cismeiras<br />

(os Anjos de Canudos começam a subir nas alturas)<br />

descendo caralhos maiores que todas as matadeiras,<br />

esporreando em fogo das alturas<br />

numa revoada, olímpicas figuras<br />

caindo sobre os sitiantes aos risos<br />

apaixonando a todos pro começo do Fim dos Juízos !<br />

BEATINHO<br />

Antônio, é Antônio Beato, me reconhece ?<br />

Eu te sinto. Me sente ?<br />

Aconchego no teu peito o T do Teatro !<br />

(Comunica)<br />

Antônio Conselheiro está indo !<br />

NORBERTO<br />

Insurreição !<br />

Antônio Conselheiro vai se encontrar com Deus !<br />

(Essas palavras contagiam o arraial em ecos.)<br />

“Insurreição ! Antônio Conselheiro vai se encontrar com Deus”<br />

139


MANDRÁGORA<br />

(Com os dedos pedindo que tudo pare, pois ela esta se comunicando com Antonio)<br />

Antônio Conselheiro ainda aqui está,<br />

mas ouço música ao longe<br />

vibrando fogos de Maracatus !<br />

Anjos de Bucetas, Caralhos, Peitos, Pés, Bocas e Cus ! ! ! ! !<br />

(Surgem os ANJOS ESPORREANDO FOGO. Nesses intervalos desaparece o arraial sob a fumaça.)<br />

6 - CAMAROTE DOS GENERAIS<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Estamos assistindo o Clímax do drama ! Que Teatro !<br />

Ufa ! Estamos chegando ao fim, do quinto ato !<br />

7 - CENÁRIO DE TRAGÉDIA<br />

(O DIA COMEÇA A NASCER. EXÉRCITO CERCANDO: OFICIAIS DE BINÓCULOS NOS SEUS CAMAROTES DE<br />

SEGUNDO E TERCEIRO ANDAR nas estruturas lado leste galerias de franjas, veludo vermelho e ouro, misturadas<br />

com o público, Platéia enorme para a contemplação do drama. Apontam binóculos em todos os rasgões das<br />

estruturas.)<br />

ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Babas de línguas de fogo esporreiem jatos de gozo !<br />

(ANJOS ESPORREAM FOGO.)<br />

Antes que eu fosse, chegam pra me buscar<br />

Lambam-nos todos no linguarar !<br />

(O delírio de Antonio vai se materializando, os artistas de Circo mandam jatos aéreos de fogo.)<br />

Nas galerias do Amphiteatro ! Oficiais Chumbados<br />

No Espetáculo do Massacre Massacrado<br />

Assistam Animados, Sertanejos !<br />

Soldados encarem fortes,<br />

as Trincheiras e os Camarotes.<br />

(Os Soldados desmontados encaram os camarotes. Os generais são surpreendidos pelo enquadramento da camera. Ao<br />

lado de Beatinho e das Mandrágoras, Conselheiro vai caindo de bruços sobre a terra, como que querendo entranharse<br />

carinhosamente, plantando-se, para a viagem… Entra GLAUBER ROCHA. Está numa cadeira de diretor numa<br />

grua, que pelo espaço flutua, ao lado dos câmeras com um megafone. Na cadeira está escrito Glauber Rocha. Ele<br />

vai dirigindo a cena na grua. Conforme vai pedindo aos contra regras as máquinas de fumaça, aos operadores e<br />

iluminadores as luzes, a sonoplastia ao DJ, todos vão realizando sua direção…)<br />

GLAUBER ROCHA<br />

Villa-Lobos !<br />

Uma Gambiarra de Incêndios<br />

(Contra regras aprontam…)<br />

Um Sopro do Nordeste<br />

(Ligam-se ventiladores…)<br />

Desapareça a Favela dos amores,<br />

diante dos espectadores;<br />

estenda-se a prumo<br />

a imprimadura sem relevos do fumo.<br />

Sombreando o quadro de extremo a extremo<br />

velando o espaço supremo.<br />

(Trabalham as máquinas de fumaça…)<br />

Como um Telão descido sem rédeas<br />

Sobre um Ato de Tragédia.<br />

(O Teatro está todo coberto de nuvens negras…)<br />

Uma chapa circular em brasa<br />

140


sem brilhos, rubra, vaza !<br />

(Os maquinistas fazem a lata lua…)<br />

Um sol minguante de eclipse<br />

Apocalipse.<br />

(Escuridão quase total. As vistas curiosas dos Camarotes e do público, que pelo próprio afastamento não compartem<br />

do enfrento, coam-se nesse sendal de brumas em aparato e em toda a cercadura de camarotes grosseiros do<br />

monstruoso anfiteatro; explodem irreprimíveis clamores de desapontamentos do espectador boquiaberto, agitam<br />

binóculos inúteis.)<br />

BARONESA DO JEREMOABO<br />

Que enredo é o desta peça, Meu Deus !<br />

De repente encoberto no apojeu !<br />

Quá Quá Quá ? !<br />

8 - TIROTEIO/ABALO NUCLEAR<br />

GLAUBER ROCHA<br />

(ordenando aos Sertanejos)<br />

Fogo !<br />

(Sertanejos retomam a iniciativa da fuzilaria, no bala-bala abalando a balada do baile de gala de encontro a fuzilaria<br />

de metralhadora circular de Shostakovich, com todos do assédio, o cerco do público e dos camarotes. Os generais se<br />

abaixam, se jogam no chão…)<br />

TODO CERCO<br />

Socorro ! Tiroteio cerrado, vivo, clama,<br />

tapadeiras em chama!<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Um ataque do bárbaro em tropel ?<br />

CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA<br />

ou um revide repentino de cordel ?<br />

GENERAL DO SUL JOÃO BARBOSA<br />

Polícia, Exército, batam de frente ! Bateria!!!!<br />

CORO DE SERTANEJOS BORRADOS DO SANGUE<br />

H e m o r r a g i a !<br />

GLAUBER ROCHA<br />

(aos berros)<br />

Chama Euclides ! Chama !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Ana, Ana !<br />

ANA<br />

Euclides !<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Atacar !<br />

Teerã !<br />

(Um abalo nuclear fortíssimo, realizado pela luz, video e pela sonoplastia.)<br />

ARTHUR OSCAR<br />

141


(abalado)<br />

Não foram essas as ordens.<br />

9 - NAVE VIAJEIRA<br />

(Detalhe, close de Luz em Conselheiro, no meio da Fumaça. Conselheiro vai entrando no túmulo, olhando a todos…<br />

Silêncio absoluto, todos se concentram em Conselheiro)<br />

CONSELHEIRO<br />

Adeus aves, adeus árvores, adeus campos, adeus bichos, adeus a todos vós<br />

aceito minha despedida pelas gratas recomendações que ao deus levo em minha voz,<br />

jamais se apagará da lembrança deste viajante,<br />

o desejo ardente de amor desmassacrante<br />

do nosso afeto comum,<br />

esteja no nosso eterno retorno em todos e em cada um.<br />

(Conselheiro olha Beatinho, a todos, vai se despedindo para sua viagem. Esvazia-se nos braços de Beatinho que<br />

abraça e beija Conselheiro. Este respira sorrindo entrando na viagem espacial, abre muitos os olhos e coloca a<br />

personagem no espaço da energia do Teatro. Os olhos continuam abertos. Beatinho entra na trincheira túmulo, na<br />

nave especial.)<br />

CONSELHEIRO<br />

Ninho<br />

Sepultura,<br />

Trincheira,<br />

Nave Viajeira<br />

Debaixo da Pedra<br />

Tem Mar<br />

Plantio Entorno<br />

Eterno retorno.<br />

Debaixo da Pedra<br />

Tem Mar<br />

BEATINHO MANDRÁGORAS SERTANEJOS<br />

(cantam)<br />

Ninho<br />

Sepultura,<br />

Nave Viajeira<br />

Debaixo da Pedra<br />

Tem Mar<br />

Plantio Entorno<br />

Eterno retorno.<br />

(Brazylina cobre seu corpo com o Lençol Sagrado. Atiram camadas leves de pedrinhas de rocha, regam, trazem flores<br />

amarelas…)<br />

MACHA ANA<br />

(para o Estádio)<br />

Antonio nosso Irmão,<br />

esperanças vem e vão ?<br />

Milhares adoraram a corrente de ouro<br />

em torno de um Carvalho,<br />

a bigorna bicorneada do deus touro<br />

erguendo esse trabalho.<br />

Custou tanta Luta<br />

Alegria Sofrimento disputa<br />

142


cumpram-se os destinos<br />

destes Sinos ?<br />

De repente caíram, quebraram.<br />

CORO<br />

(Para o sino quebrado que está em cena no jardim como a Taça…)<br />

Derreta-se esse chumbo<br />

já derretido de um canhão<br />

foi taça, vira bigorna<br />

forja agora<br />

o país de fora<br />

no<br />

de dentro,<br />

sertão.<br />

O divino corno<br />

toca bigorna<br />

o eterno retorno.<br />

(Os Anjos embarcam na Nave Espacial de Conselheiro. Fecha-se o túmulo. Silêncio.)<br />

Os massacres estão massacrados.<br />

Todos amantes! Todos Amados !<br />

10 - CERCO FECHADO<br />

GLAUBER ROCHA<br />

Generais retomem seus binóculos.<br />

Que uma rajada corra límpida pela cerração adentro<br />

talhando-a de meio a meio,<br />

desvendando o novo cenário.<br />

(A Luz Manda uma Fuzilaria de canhões que desvendam a cena, onde se vê o começo e o fim do do cerco fechando-se<br />

com as cortinas rubro douradas e bandeirolas vermelhas. FINALMENTE UNINDO-SE…)<br />

Vai Siqueira, Brados, vivas longínquos.<br />

(A LINHA NEGRA toma todo o espaço e faz um cerco fechado em torno da praça de Canudos)<br />

SIQUEIRA<br />

Vive La Republique !<br />

CORNETEIRO<br />

God Save The Republic !<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

Viva A República !<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Fogo !<br />

(O Baile de gala do exército manda uma fuzilaria violenta em cima dos jagunços que caem mortos na vala.)<br />

GENERAL BARBOSA<br />

Os jagunços estão sendo massacrados !<br />

CABO VIADO<br />

Está bloqueado Canudos é o que importa !<br />

A insurreição está morta !<br />

(Nos Camarotes corre-se aos mirantes acasamatados. Retomam os binóculos, aplaudem e fazem o público aplaudir.<br />

Batem com os pés no chão. Gritam. Aplausos emocionados…)<br />

143


12º MOVIMENTO: ÚLTIMOS DIAS<br />

1 - estrebuchar dos vencidos - presos no 8 do infinto<br />

2 - o lago e o cerco das águas<br />

titãs contra moribundos<br />

3 - terra se transmuta em oxum<br />

4 - no camarote de arthur oscar<br />

5 - assalto final - 48 minutos de fogo<br />

6 - assalto das baionetas caladas<br />

7 - cadete<br />

8 - vassourada<br />

9 - clamor<br />

10 - dinamite<br />

11 - dinamitação<br />

12 - pós dinamite<br />

apocalipse do phogo da rosácea de entulhos no centro da pista gritos e sussuros aos quatro cantos.<br />

um sol irradiando o terror e as fúrias das cóleras<br />

cantos murmúrios dos jagunços ainda vivos no miolo central<br />

13 - o que restou do arraial<br />

1 - carnes de cadáveres incinerando-se:<br />

2 - caxerenguengues:<br />

14 - coro do livro vingador<br />

15 - euclides vê a bigorna<br />

144


1 - ESTREBUCHAR DOS VENCIDOS - PRESOS NO 8 DO INFINTO<br />

(Os soldados fazem uma linha negra de cerco, apertada em torno do quadrado central de Canudos.<br />

CANTO GRAVADO DESTE MANTRA:<br />

ESTREBUCHAR ESTREBUCHAR ESTREBUCHAR<br />

VÍDEO:<br />

25 DE SETEMBRO<br />

CANUDOS CERCADO,<br />

A INSSUREIÇÃO ESTÁ MORTA !<br />

Entra imagem em movimento do mar revolto estrebuchando<br />

e dançante; montagens de letras de Filmes Soviéticos Revolucionários MAIAKOWISKIANOS:<br />

AS LETRAS DO ESTREBUCHAR DOS VENCIDOS JUNTO AO MOVIMENTO DO ESTREBUCHAR DOS ATORES<br />

DANÇARINOS<br />

Partitura Musical e Corográfica MARÍTIMA:<br />

Energias Sertanejas dos 2 cantos retornam e batem nos corpos das beiras terrestres do público nas platéias, nas<br />

cortinas italianas do cerco até nos camarotes… e se recolhem em busca de novas energias em corpos muito próximos,<br />

apaixonados e sedentos depois do ESTREBUCHAR. A luz cai numa noite enluarada e revela:)<br />

2 - O LAGO E O CERCO DAS ÁGUAS<br />

TITÃS CONTRA MORIBUNDOS<br />

(Militares tomam água mineral, ou cerveja, ou bebidas de camarotes patrocinados de carnaval, que Marechal<br />

Bittencourt fez chegar lá sob um patrocínio de marca de alguma uma corporação. a luz lunar revela os copos dos<br />

bebedores cheios de água e com marcas comerciais de marchandising nos camarotes e cercos.<br />

A Lua reflete o brilho da lama dourada enganadora da Lago onde Terra está misturada ao lamaçal de Nana Burucú.<br />

Os próprios atiradores do Cerco, voltados pra Lago, impedindo a aproximação dos Jagunços à Cacimba dourada,<br />

bebem Água Mineral Importada.)<br />

CORO DOS ÚLTIMOS RESISTENTES<br />

(Grupo de últimos resistentes no Buraco central, olham o Lago sedutor, brilhando fétido ao luar. Uma das Câmeras<br />

está com a mira ótica da arma do Atirador Invasor, vê, vindo lento, rastejando, de bruços, rentes com o chão,<br />

vagarosamente serpenteando, dois Lagartos sertanejos camuflados da pré-história, silenciosos; arrastam-se pelo<br />

esteio areento do rio… A Câmera nos gatilhos de um soldado do exército. Deixa que se aproximem, que atinjam o<br />

líquido brilhando na noite de lua cheia, chamariz único dessa ceva monstruosa.)<br />

SOLDADOS<br />

Ipueira esgotada!<br />

Jóia estragada…<br />

CORO SEDENTO<br />

Ipueira esgotada!<br />

Jóia estragada…<br />

SOLDADOS<br />

Seguranças armados<br />

saciados,<br />

fazemos cercado<br />

CORO SEDENTO<br />

à nossa sede de fissurados !<br />

Sem mais Oxuns,<br />

lamaceiros imundos<br />

nem Nanãs Burucús<br />

SOLDADOS<br />

fosfatos intoxicados<br />

CORO SEDENTO<br />

145


intóxicados<br />

SOLDADOS E CORO SEDENTO<br />

dos cadáveres insepultados<br />

água salobra apodrecida<br />

estrela sedutora no mangue fedida<br />

CORO SEDENTO<br />

preste ou não preste<br />

traga ou não peste,<br />

te queremos<br />

nos drenos<br />

dos teus atômicos venenos<br />

ou de sêde,<br />

de sede<br />

morreremos.<br />

(Então lampeja o fulgor da descarga subitânea. Um tiro de luz ou som. Fica um corpo lagarto, estrebuchando à beira<br />

do Lago.)<br />

3 - TERRA SE TRANSMUTA EM OXUM<br />

(Terra está enterrada na Lagoa embarrada, chora. O VÍDEO projeta a água de suas lágrimas que escorrem<br />

purificadas. O Lagarto que sobrevive, enche um bogó com as lágrimas e leva para os aflitos que pedem o elemento<br />

regenerador… O Milagre cria trégua. O Exército vê as lágrimas douradas de Terra, oferecendo em suas faces sob<br />

a lama. Todos soldados choram e deixam os matutos beberem as águas das lágrimas douradas do rosto da Terra. A<br />

Música traz a entidade água, muito cool, de um Vaza Barryl novo. Notas docemente atabaqueadas, suaves, da água<br />

viva…)<br />

4 - NO CAMAROTE DE ARTHUR OSCAR<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Meus joelhos tremendo começam a dobrar,<br />

e General nem sei rezar,<br />

em Deus nunca,<br />

muito menos diante disso,<br />

consigo acreditar.<br />

Sinto nesse instante,<br />

vontade de pedir perdão<br />

pro meu povo irmão.<br />

General, este vale é sagrado…<br />

Não pode nunca mais ser profanado.<br />

(sai a luz da ipueira)<br />

5 - ASSALTO FINAL - 48 MINUTOS DE FOGO<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(Faz um gesto pedindo concentração a Euclides. Silêncio. Euclides não sabe como se dominar. O General olha de um<br />

binóculo grande de um tripé, do alto da estrutura.)<br />

O Dr. Euclides com todo respeito é um analfabeto em guerra,<br />

nessa atitude patética, com todo respeito, o senhor erra.<br />

(VÊ O QUADRADO PROJETADO.)<br />

Num quadrado estreito do centro da praça<br />

está o que resta da massa.<br />

Número diminuto,<br />

quatrocentos, calculo em bruto.<br />

Os que lá se abrigam unidos<br />

com uma hora a mais, terão desistido.<br />

146


Somos 6 mil pro assalto final, vale a pena tentar,<br />

vamos começar.<br />

(Deixa o Círculo de reunião e dirige-se à todos. Fala com a clareza necessária de um diretor de teatro, ou treinador<br />

da Copa do Mundo.)<br />

Militares, nova estratégia:<br />

não adianta aguardar a rendição,<br />

será dupla tragédia.<br />

Loucos são, não se renderão.<br />

Resolvamos o Embate<br />

vamos pro último Combate.<br />

6 mil soldados,<br />

em números arredondados.<br />

Atenção!<br />

O assalto será iniciado por todas as brigadas,<br />

é minha Direção.<br />

Tropa ! Toda Etiqueta !<br />

Última punctura da baioneta !<br />

No peito do agonizante,<br />

o tiro de misericórdia retumbante.<br />

Com essa façanha,<br />

fim da Campanha…<br />

CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA<br />

(Do camarote do oeste, como um mestre escola de uma Bateria de Grande Ópera.)<br />

Overture:<br />

(Tambores surdos, trompetes, vão criando diferentes temas para diferentes comandos, alas, grupos no círculo do<br />

cerco. Quadrado da Praça é a projeção: o foco, o ALVO.)<br />

um bombardeio que fure.<br />

Um Concerto Clássico pros matutos.<br />

Já já, de 48 minutos.<br />

Depois do canhoneio,<br />

um minuto de silêncio cheio…<br />

(Cessam os tambores)<br />

Entram virtuoses, baionetas caladas,<br />

sem o estrondo dos gongos nem nada.<br />

(Os tambores voltam a tocar um toque de caixa de avançar)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Há algo de dolorosamente insolente e irritante<br />

no afogo, na inquietação, na ânsia desapoderada,<br />

com que vocês, bravos militares robustos,<br />

bem fardados, bem nutridos, bem armados,<br />

bem dispostos<br />

marcham a morcegar<br />

a organização desfibrada dos adversários,<br />

que desvivem há três meses,<br />

famintos, baleados, queimados,<br />

dessangrados gota a gota,<br />

e as forças perdidas, e os ânimos frouxos,<br />

e as esperanças mortas.<br />

(a Médica vem atender Euclides, tirá-lo do ataque histérico)<br />

147


CORONEL OLÍMPIO DA SILVEIRA<br />

Dr. Euclides o senhor é um artista,<br />

isto não é uma sala de Visita!<br />

Comporte-se! Não crie obtáculo !<br />

Isso é um espetáculo !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Iniciamos a Estréia da Paulicéia<br />

nessa Odisséia.<br />

(soam os clarins da estréia da Paulicéia)<br />

1° de outubro, Alvorada de Canhoneio<br />

Ponteio<br />

(Rufar dos tambores)<br />

4, 3, 2, 1, e… 48 MINUTOS DE FOGO ! ! ! !<br />

(Todas as armas e o sound around do Teatro, que pode soar MUDO SOMENTE COM IMAGENS DO FOGO<br />

convergentes para o centro, dos 4 cantos, sobre os últimos casebres, no centro. Não há errar o alvo imóvel.)<br />

6 - ASSALTO DAS BAIONETAS CALADAS<br />

(Breve silêncio. Tensão. Os camarotes e os binóculos estão atentos, quase sem respirar acompanhando a ação visível.<br />

Principia o assalto das baionetas caladas.)<br />

GENERAL CARLOS EUGENIO DE ANDRADE<br />

Branqueia, vem o sol, é dia.<br />

Embaixo, a praça continua, vazia !<br />

7 - CADETE<br />

(Ao avançar um dos batalhões de reforço, um Cadete crava dentro do quadrado da igreja a Bandeira Nacional.<br />

Ressoam dezenas de cornetas…)<br />

CADETE<br />

Ao grito Republicano vindo nosso mais profundo anseio<br />

os sertanejos, cessaram o tiroteio !<br />

Viva à República !<br />

TROPA <strong>TEATRO</strong> – TODOS<br />

Viva !<br />

CADETE<br />

E a praça, pela primeira vez é livre Amor !<br />

É do povo como o céu é do condor !<br />

Desce aí General !<br />

Linha negra vai pro escambau !<br />

(retirando a Linha Negra. Atiram para o alto os quepes de guerra. Generais João Barbosa, Arthur Oscar e Carlos<br />

Eugênio, seguem com dificuldades, rompendo pela massa tumultuária e ruidosa, na direção da latada.)<br />

SOLO<br />

Desce espectador, em teatral e cívico ardor !<br />

SOLO<br />

Espadas espingardas, cruzemos<br />

brindemos !<br />

CORNETEIRO PAULISTA DA DIVISÃO SALVADORA<br />

Paulista,<br />

é nóis na pista !<br />

Me abraça maluco !<br />

Cola aí com seu trabuco !<br />

148


CADETE<br />

Termina afinal “A Luta” Crudelíssima !<br />

SOLO<br />

Absoluta ! Milagre !<br />

PAULISTAS<br />

Banda,<br />

Comanda !<br />

1, 2, 3, e…<br />

(Quando a Banda vai começar…)<br />

8 - VASSOURADA<br />

CORO DO ARRAIAL<br />

Olha a Va-ssou-ra-da… !<br />

(De Pratos, luzes, ruídos de vassouras, vassourada, espaço esvazia-se. Percebem surpreendidos, sobre as cabeças,<br />

zimbrando rijamente os ares, balas. O combate continua… Esvazia-se de repente, a praça. O Público foge apavorado,<br />

cercado de balas por todos os lados…<br />

Reação Inerperada dos Sertanejos no núcleo central. Tiroteio de Canudos.)<br />

9 - CLAMOR<br />

(Foco no General Arthur Oscar. On Line, o Presidente Prudente de Morais e o Marechal Bittencourt no VIDEO.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Marechal, comunique este texto ao presidente.<br />

Que o orçamento da República dos Banqueiros<br />

e das coporações do Globo Inteiro<br />

sejam investidos, o quanto antes<br />

em mais forças assaltantes !<br />

Torne disponível, o indisponível,<br />

o infinito necessário,<br />

pra lutar contra o invisível.<br />

Uma fogueirada arde em toda a latada !<br />

Há um sumiço geral !<br />

Do exército, de todo nosso pessoal !<br />

TROPA<br />

(E o público lendo projeções, colocadas no Tempo Ritmo da Fala.)<br />

Nós, Chasqueados, Batidos !<br />

Em pleno agonizar dos vencidos !<br />

Triunfadores, que triunfadores !<br />

GENERAL CARLOS EUGÊNIO<br />

Os mais originais Triunfadores de toda a História,<br />

SIQUEIRA DE MENESES<br />

nesse andar, vão nos devorar na sua Glória !<br />

10 - DINAMITE<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Dinamite!<br />

A única lei que se admite<br />

vem de molde.<br />

É a da dinamite.<br />

149


(O General João Barbosa e ajudantes de ordens do comandante geral, comandam as operações de instalação da<br />

DINAMITE no Teatro. Trazidas pela artilharia e a comissão de engenharia, surgem no acampamento, caixas com<br />

Bombas, FIOS, e DETONADOR DE DINAMITE. Os engenheiros começam a instalar, em PÂNICO, como se tudo fosse<br />

aos ares.)<br />

GENERAL CARLOS EUGENIO DE ANDRADE<br />

(tentando impedir)<br />

Não vamos talhar na praça,<br />

o corpo da rocha viva da nossa raça,<br />

o cerne revelado da nossa nação ! ! ! !<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

O Estado de Sítio Permite ? ! !<br />

CORO DE JAGUNÇOS<br />

(irônico deseseperado)<br />

É uma consagração ! ? !<br />

(Silêncio. Cessam as fuzilarias. Desce sobre todas as linhas um grande silêncio de expectativa ansiosa…)<br />

11 - DINAMITAÇÃO<br />

(O ARTILHEIRO DETONA. O teatro todo treme num crescendo antes da explosão, acompanhando o fio detonador<br />

das várias bombas de dinamite.)<br />

12 - PÓS DINAMITE<br />

APOCALIPSE DO PHOGO DA ROSÁCEA DE ENTULHOS NO CENTRO DA PISTA GRITOS E<br />

SUSSUROS AOS QUATRO CANTOS.<br />

UM SOL IRRADIANDO O TERROR E AS FÚRIAS DAS CÓLERAS<br />

CANTOS MURMÚRIOS DOS JAGUNÇOS AINDA VIVOS NO MIOLO CENTRAL<br />

(O CANTO MURMURADO, surdo e indefinível dos evoés da população entocada, cantos de choros e risos<br />

transpirando nos subterrâneos)<br />

MANDRÁGORAS<br />

(as Chamas cobrem os corpos)<br />

…<br />

13 - O QUE RESTOU DO ARRAIAL<br />

(Fundida ao fogo, projeção dos Croquis dos desenhos de Euclides dos fundos da Igreja Velha e das Paredes da<br />

Nova derrubadas. Atores, técnicos, contra-regragem vão enchendo a pista de Ex votos, de todas as partes do corpo.<br />

Primeiros cadáveres insepultos dos inimigos, jazentes.<br />

1 - CARNES DE CADÁVERES INCINERANDO-SE:<br />

Fumaça de corpos, ex votos, ardem em combustão. Atuadores incinerados em ação-psicofísica-meditação-ativa,<br />

despejam seus corpos ex-votos em combustão, virando cinzas. Euclides fotografa, apesar da vontade de vomitar,<br />

respira findo, anota na sua caderneta, em fotos e no corpo de sua alma. Ex-votos pouco a pouco vão povoando a<br />

cena, formando um tapete de massacre. Entre ex -votos, edições de “Os Sertões” defiguradas, queimadas. Pessoas e<br />

Edições de “Os Sertões”, exaustos, deixam fugir suas páginas como um brinquedo desarticulado. Euclides anota:<br />

2 - CAXERENGUENGUES:<br />

Projeção revela no chão, chocalhos azuis, rosários, papéis esparsos, caderninhos costurados, doutrinas cristãs<br />

velhíssimas, LIVROS VERMELHO DE MAO, livros que foram importantes para montar os Sertões, restos do<br />

espetáculo, Imagens dos Santo do Beija: escapulários de Verônicas e Madalenas encardidas.)<br />

14 - CORO DO LIVRO VINGADOR<br />

EUCLIDES DA CUNHA – A TROPA, SERTANEJOS, TODOS<br />

Não bastam 6 mil mannlichers<br />

150


e 6 mil sabres<br />

e o golpear de 12 mil braços,<br />

e o acalcanhar de 12 mil coturnos<br />

e 6 mil revólveres<br />

e vinte canhões,<br />

e milhares de granadas,<br />

e milhares de schrapnels;<br />

e os degolamentos,<br />

e os incêndios,<br />

e a fome,<br />

e a sede;<br />

e dez meses<br />

de combates,<br />

e cem dias<br />

de canhoneio contínuo<br />

e o esmagamento das ruínas<br />

SOLA EUCLIDES DA CUNHA<br />

e o quadro indefinível dos templos derrocados,<br />

e por fim, na ciscalhagem das imagens rotas,<br />

dos altares abatidos, dos santos em pedaços,<br />

sob a impassibilidade dos céus tranqüilos e claros<br />

a queda de um ideal ardente,<br />

a extinção absoluta<br />

de uma crença consoladora e forte…<br />

15 - EUCLIDES VÊ A BIGORNA<br />

(A Música se transforma. DO CAMAROTE do LESTE, EUCLIDES HAM-LET VÊ A BIGORNA no meio dos<br />

caxerenguengues nos subterrâneos do centro não conquistado. A Bigorna brilhando no Centro do Quadrado, no<br />

subterrâneo. MUITA FUMAÇA)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(VOZ OFF. Relacionado com o Oficina inteiro.)<br />

O que foi esse pardieiro ?<br />

Uma tenda de ferreiro ?<br />

Oficina ! Mina ! ?<br />

Casa de Pantomima ?<br />

(Entra uma Composicão símile a Vila Lobos de “Rude Poema”. Euclides com o Binóculo lê a marca “ESSEN”.)<br />

Em Essen, o mais fino aço fundido<br />

prum canhão lançar-se por este espaço<br />

tomado de César na 3ª expedição<br />

foi Sino, hoje bigorna,<br />

fundação.<br />

151


13º MOVIMENTO: UM BRASIL OLHA O OUTRO<br />

1 - susto<br />

2 - no meio da catinga<br />

3 - entrega<br />

4 - um brasil olha o outro<br />

5 - anunciação do povo brasileiro<br />

6 - fotografia<br />

7 - como uma bandeira:<br />

no centro o losango se abre: estão os últimos lutadores.<br />

atravessando o globo vermelho de sangue corre o filete vermelho que vai dar na saia da sanga de sangue do hospital<br />

de sangue com o o lema desta bandeira.<br />

os últimos defensores do arraial no centro onilê da bola de sangue da bandeira brazileira<br />

8 - dois sargentos ajudantes<br />

9 - em são josé do rio pardo<br />

152


1 - SUSTO<br />

(Aparece um lenço branco, nervosamente agitado.<br />

VÍDEO:<br />

2 de outubro de 1897.)<br />

SOLDADOS E OFICIAIS<br />

Estão se rendendo ! Até que enfim ! ! ?<br />

(Esses gritos ecoam por todo cerco. Comovidos, tiram lenços, choram alguns.<br />

A bandeira desaparece e, logo depois, dois sertanejos, saem de um atravancamento impenetrável. Um grande silêncio<br />

avassala as linhas e o acampamento. Eles se apresentam ao que julgam ser um Comandante de um dos batalhões.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Quem é você ?<br />

BEATINHO<br />

Saiba o seu doutor general, sou Antônio Beato<br />

e eu mesmo vim por meu pé me entregar<br />

porque a gente não tem mais opinião<br />

e não agüenta mais.<br />

(Um frêmito de alegria contagia a Tropa ! Beatinho roda lentamente o gorro nas mãos lançando sobre circunstantes<br />

um olhar sereno.)<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Bem. E o Conselheiro…?<br />

BEATINHO<br />

O nosso bom Conselheiro está no céu…<br />

Agravou um antigo ferimento,<br />

que recebeu de um estilhaço de granada.<br />

Atravessava a praça,<br />

da igreja para o Santuário,<br />

morreu, a 22 de setembro,<br />

de uma “caminheira”.<br />

ARTHUR OSCAR<br />

O que é isso ?<br />

BEATINHO<br />

(Com naturalidade)<br />

Uma caganeira.<br />

(Todos explodem em um frouxo de riso, coletivo. O Beato finge talvez, não perceber. Queda imóvel, face impenetrável<br />

e tranqüila, de flecha sobre o general, olhar a um tempo humilde e firme. O diálogo prossegue.)<br />

GENERAL ARTHUS OSCAR<br />

Já viu quanta gente aí está, toda bem armada e bem disposta ?<br />

BEATINHO<br />

(A resposta é sincera, ou admiravelmente calculada. O rosto do altareiro desmancha-se numa expressão incisiva e<br />

rápida, de espanto.)<br />

Eu fiquei espantado !<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Pois bem. A sua gente não pode resistir, nem fugir.<br />

Volte para lá e diga aos homens que se entreguem.<br />

Não morrerão.<br />

153


Garanto-lhes a vida.<br />

Serão entregues ao governo da República.<br />

E diga-lhes que o governo da República é bom para todos os brasileiros.<br />

Que se entreguem.<br />

Mas sem condições; não aceito a menor condição…<br />

BEATINHO<br />

Não, recuso essa missão.<br />

Temo meus próprios companheiros.<br />

Todas as razões não adiantam…<br />

Não vão se entregar.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Este seu gesto não é o de entrega ?<br />

BEATINHO<br />

Não.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

Degola esse cabecilha.<br />

É truque da Camarilha.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

(Está impactado com a figura, mostra um crucifixo para o General João Barbosa e tira um revólver.)<br />

Toma um vinho vampiro<br />

Sossega tua sede de sangue ou atiro.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

E esse outro ?<br />

BARNABÉ JOSÉ DE CARVALHO<br />

Barnabé José de Carvalho<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Profissão<br />

BARNABÉ JOSÉ DE CARVALHO<br />

Eu sou chefe de segunda linha.<br />

Meu cabelo alourado se arrepia nesse lugar nefasto<br />

meu único olho azul acendo neste pasto.<br />

Sou matuto sim,<br />

largado, amigado com filha do General Pedro Celeste.<br />

Do Belo Monte, eu sou mesmo a Peste.<br />

(Para Beatinho.)<br />

Vamos, Homem ! Vamos ! Sem vacilar.<br />

Eu falo com eles pra se entregar.<br />

Agora deixe tudo comigo<br />

nada pro inimigo.<br />

(Beatinho, faz que hesita. Barnabé, olha. Para todos e saindo diz.)<br />

Fomos.<br />

(Black out, a lua cheia ilumina a caatinga; de povo, só os dois.)<br />

2 - NO MEIO DA CATINGA<br />

BARNABÉ<br />

Eclipse de Lua Cheia !<br />

154


BEATINHO<br />

Incendeia<br />

A mim<br />

A Você<br />

A tudo que é vivo<br />

Nossa missão passa o crivo<br />

Você fica com os lutadores como antes<br />

Leve nossas novas informações das forças sitiantes.<br />

Trocando em miúdos,<br />

venho com os que precisam sair de Canudos.<br />

Conselheiro deve ter retornado<br />

Diga a ele, que retorno<br />

ao eterno amor retornado.<br />

BARNABÉ<br />

Volta, conto contigo no quadrado<br />

onde estamos plantados.<br />

(Enquanto Barnabé se afasta, o Povo que vai sair de Canudos vai aparecendo, passam pra Beatinho o tyrso de<br />

Conselhiro num afoxé com os sertanejos feridos, e todas as mulheres grávidas.)<br />

3 - ENTREGA<br />

CORO DOS CORPOS FERIDOS FECUNDADORES<br />

Chegamos<br />

com o bastão de Antonio Conselheiro,<br />

nas mãos de Antonio Beatinho, santinho brasileiro !<br />

(Afoxé cool, no icto do Bastão de Beatinho. O povo vai cantar e Beatinho vai falar com Euclides e o público como em<br />

off, com a voz microfonada, ou mesmo gravada.)<br />

Batuta biruta<br />

oscila,<br />

vacila<br />

no vacila do não vacila.<br />

Dança carcaça<br />

passo fracassa<br />

e logo renasça !<br />

Tente<br />

metrônomo indolente<br />

isocronamente<br />

tente:<br />

Tente<br />

metrônomo indolente<br />

isocronamente<br />

tente:<br />

Olhos nos olhos<br />

que não olham<br />

e nos que olham,<br />

Olhos nos olhos<br />

que não olham<br />

e nos que olham,<br />

no passo da batuta cadente<br />

afoxé permanente<br />

vivendo morrendo<br />

no vai não vai<br />

do tempo sai<br />

155


mas não sai<br />

mas não sai<br />

vai não vai<br />

mas vai<br />

Vai vai<br />

Vai !<br />

Atrasados mancando na historia<br />

no compasso glorioso dos sem glória!<br />

(A fila extensa, tracejando ondulada curva pelo pendor da colina, segue na direção do acampamento; acumulase,<br />

metros adiante, em amontoado repugnante de corpos repulsivos em andrajos. Beatinho entra de novo no<br />

acampamento arado e pronto para a recepção dos Feridos, com seu afoxé de saídas de germes de Canudos para o<br />

mundo, dançando todo, na marcação de seu bastão…)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Escrevendo em sua Caderneta de Campo, voz off gravada, ou microfonada como se fosse off -vê entrar o Afoxé.)<br />

Beatinho joga de mestre estrategista:<br />

diplomata consumado, grande conselherista,<br />

liberta da fome a multidão<br />

e ainda dá sobrevida aos últimos combatentes do mutirão.<br />

Determinado, bem aventurado, criador do próprio papel,<br />

completa sua ação e ganha desta Guerra o Troféu.<br />

GENERAL JOÃO BARBOSA<br />

(fala alto, desconfiado)<br />

Isso cheira cilada !<br />

(Barbosa se aproxima de Beatinho…)<br />

Cilada…<br />

(…tenta lhe tomar a batuta, que o beato não larga. Barbosa chama um soldado que encaminha Beatinho até o<br />

carrasquinho Coração de Mãe, que está à beira da cova.)<br />

BEATINHO<br />

(Como que rezando, voz off)<br />

Alento !<br />

Tatuando o momento<br />

além do nosso tempo,<br />

último sacrifício sem dor,<br />

à nossa crença de amor.<br />

Retorno, depois retorno<br />

ao passado transtorno<br />

no nosso futuro presente<br />

crescente<br />

no ar que aqui agora se sente.<br />

Da sagração do delírio,<br />

ao desejo de gozar o martírio<br />

ardente aniquilaçao<br />

eterno retornado<br />

finado<br />

em iniciação.<br />

(Coração de Mãe degola BEATINHO, que pari seu parto de iluminados, de sementes do Brasil, frágeis, pra serem<br />

brotadas. Comovem, porque estão CO-MOVIDOS. O carrasquinho pega o bastão de Conselheiro e o entraga ao<br />

General Menelau Barbosa, que o joga no chão. Helena se mostra ao Menelau. O General solta Bicho Diabo que<br />

corre ao encontro de sua mãe, Helena)<br />

BICHO DIABO<br />

156


Mãe !<br />

GENERAL MENELAU BARBOSA<br />

(murmura)<br />

Helena…<br />

4 - UM BRASIL OLHA O OUTRO<br />

( A TROPA vê pela primeira vez os sertanejos:<br />

Nem um rosto viril, porque se alarmam ? Nem um braço capaz de suspender uma arma !<br />

É um assalto massacrante, o mais torturante: a legião desarmada, mutilada,<br />

faminta claudicante… São estes os mesmos guerreiros das trincheiras de fogo ? Gente inútil, numerosa, frágil,<br />

pavorosa, dos casebres habitados três meses bombardeados. Rostos baços, desejos de abraços, sujos arcabouços,<br />

cuspidos dos fossos. A vitória tão longamente apetecida decai, se esvai. Repugna-os este triunfo. Envergonha, o<br />

trunfo! Contra-producente compensação,<br />

gastos luxuosos de combates, em vão, reveses de milhares de vidas, pro apresamento dessa caqueirada humana que<br />

não ufana, entre trágica e imunda. Os olhos nos seus olhos, afunda!)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(Pro público e pro futuro presente.)<br />

Um contraste dolorido.<br />

Um mesmo povo dividido.<br />

O povo forte e íntegro abatido<br />

dentro de um quadrado de seres indefinidos<br />

não rendidos.<br />

5 - ANUNCIAÇÃO DO POVO BRASILEIRO<br />

(Um movimento de intensa energia de luta, um corpo energético invadindo todo o espaço de felicidade guerreira<br />

ameaçadora para aqueles soldados, em presentificação da força do povo brazyleiro. Todas mais uma vez, Grávidas,<br />

Mulheres, sem número de Mulheres. Velhas espectrais, velhas e moças, distintas, indistintas, mesma fealdade da<br />

beleza. Filhos escanchados nos quadrís desnadegados. Crias encarapitadas às costas, suspensas aos peito murchos,<br />

afastadas pelos braço, nos ventres todos túmidos. Crianças, sem número, crianças… Criação..)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(repórter)<br />

Qual é vossa história ?<br />

CORO DAS MULHERES<br />

(Responde como um coro grego para Euclides Corifeu)<br />

Em meia dúzia de palavras: a de uma tragédia<br />

um drama, ou uma besta comédia<br />

com final invariável, sem fala<br />

de facão ou de bala.<br />

6 - FOTOGRAFIA<br />

FLÁVIO DE BARROS<br />

Vamos fazer a fotografia<br />

(Não entendem. Os soldados tentam ajudar e começam a pôr todas juntas, enquanto Flávio de Barros prepara e dirige<br />

a fotografia.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Miséria tu escava as faces com maldade,<br />

mas não destrói a mocidade.<br />

(chamando a atenção do fotógrafo)<br />

Olha ! Uma beleza Olimpica, ressurgindo assim, no prosaico ? !<br />

Lá… naquele perfil judaico!<br />

157


(ficam curtindo na Lente)<br />

FLÁVIO DE BARROS<br />

Dr. Euclides da Cunha, concentre-se, na veia,<br />

vou fotografar minha santa ceia !<br />

(Fotografa)<br />

7 - COMO UMA BANDEIRA:<br />

NO CENTRO O LOSANGO SE ABRE: ESTÃO OS ÚLTIMOS <strong>LUTA</strong>DORES.<br />

ATRAVESSANDO O GLOBO VERMELHO DE SANGUE CORRE O FILETE VERMELHO QUE VAI DAR<br />

NA SAIA DA SANGA DE SANGUE DO HOSPITAL DE SANGUE COM O O LEMA DESTA BANDEIRA.<br />

OS ÚLTIMOS DEFENSORES DO ARRAIAL NO CENTRO ONILÊ DA BOLA DE SANGUE DA BANDEIRA<br />

BRAZILEIRA<br />

(um friso de sangue vindo dos soldados, do hospital de sangue, dos soldados feridos, se mistura, cruza o coração dos<br />

que são os últimos resistentes e estão no centro do Losango, na bola da Bandeira do Brasil.)<br />

BARNABÉ, VELHO NEGRO, CRIANCINHA ÍNDIA, NORBERTO: ÚLTIMOS DEFENSORES<br />

Nós, Trágicos Brasileiros<br />

saltando sobre braseiros,<br />

sem cuidar de ocultação<br />

os últimos em ação !<br />

Ouçam o que dizemos:<br />

nós não nos rendemos,<br />

nós vencemos.<br />

(EUCLIDES DA CUNHA Deixou o arraial, trêmulo, com muita febre, olha para o quadrado. A<br />

Câmera de Flávio de Barros que esteve o tempo todo, vê do ponto de vista de Euclides: a praça das<br />

igrejas, a Bigorna, n subterrâneo, o quadrado do PROJETOR NUMA ABERTURA AMPLA refletindo a<br />

PRAÇA DESERTA, plaina, varrida, fachada das torres de janelas escancaradas, a nave vazia, escura,<br />

misteriosa. O Templo monstruoso dos jagunços é O <strong>TEATRO</strong> <strong>OFICINA</strong>, O TETO, QUE MOVE, ABRE<br />

PRO CÉU. A PROJEÇÃO REVELA NO JARDIM)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

O que houve a 3 e 4, não há relatar,<br />

a luta, perde dia a dia o caráter militar,<br />

os jagunços não podem resistir por muitas horas,<br />

vivem, sua deshora.<br />

No sangue em bola, do tumor,<br />

da bandeira brasileira, sem o amor,<br />

a última trincheira dos jagunços derradeiros…<br />

Os primeiros…<br />

(No Centro da Pista como o Losango da Bandeira do Brasil, numa cava quadrangular de pouco mais<br />

de metro de fundo, ao lado das ruínas da igreja nova, do estádio em construção, lutadores esfomeados e<br />

rotos, medonhos de ver-se, predispõe-se a um suicídio formidável.)<br />

OS ÚLTIMOS<br />

(Acúmulo de mortos, de muitos dias, se amontoando cheirando mal, das quatro bordas da escavação<br />

transbordando, compondo o losango da última ação.)<br />

Nós moribundos concentrados no enredo:<br />

nossa vida na última contração do nosso dedo.<br />

8 - DOIS SARGENTOS AJUDANTES<br />

(Cena em câmera-lenta. Gêmeos juntos, aproximam, mãos nos gatilhos, atiram. Recebem um tiro<br />

sem som e caem fulminados na trincheira de corpos esmigalhados, sendo incorporados ao acervo de<br />

cadáveres andrajosos, a camuflagem dos uniformes garbósos, com divisas de sargentos ajudantes.<br />

O vermelho do sangue dos gêmeos, contamina, sobre o fosso domina. Quadro dos corpos, de uma<br />

158


trincheira de mortos, argamassada de sangue, esvurmando pus, na seca: um mangue, campo fértil de<br />

germes, do escombro.)<br />

9 - EM SÃO JOSÉ DO RIO PARDO<br />

(Euclides está muito mal, vai começando a sentar-se na cabana de São José do Rio Pardo, de onde<br />

está, no fim do livro, e no fim da ponte – Estádio de Teatro em construção. Está comovido, e escreve<br />

suas conclusões finais, chorando com as lágrimas escorrendo nas tintas, mas segurando uma fala sem<br />

pieguismo. Toda emoção interiorizada jorra nas tintas e nas lágrimas. Num foco, os últimos lutadores,<br />

na trincheira de cadáveres no centro como a bola da bandeira do Brasil, perfurada de onde brotam<br />

intestinos, como flores de hemorróidas. Se vêem na pista esverdeada, no losango cercado de fogo, os<br />

militares atônitos.)<br />

EUCLIDES<br />

Não tive o intuito de defender os sertanejos,<br />

porque este livro não é um livro de defesa<br />

é, infelizmente, de ataque.<br />

Suas últimas páginas, fechemos<br />

o desmassacre comecemos.<br />

Canudos não se rendeu, não se rende<br />

não vai se render,<br />

é sua glória.<br />

Exemplo único em toda a história,<br />

resiste, não se esgota,<br />

no esgotamento completo,<br />

é vivo, começo, feto.<br />

Expugnado palmo a palmo,<br />

na precisão integral do termo,<br />

recomeça no dia 5, ao entardecer,<br />

quando caem seus últimos defensores,<br />

que todos morreram.<br />

Quatro vivos apenas:<br />

um velho, dois homens feitos e uma criança, calados<br />

na frente dos quais rugem raivosamente 6 mil soldados.<br />

Não vamos descrever os últimos momentos.<br />

Nem poderíamos,<br />

esta página, imaginamos sempre trágica e emocionante<br />

mas vamos cerrá-la sem brilhos… vacilante.<br />

Como quem vinga uma montanha altíssima, virgem…<br />

no alto, de uma perspectiva maior: a vertigem…<br />

(Apagão. A SONOPLASTIA solta os 6.000 tiros rugindo raivosamnte. A Trincheira é fechada.)<br />

159


14º MOVIMENTO: CABEZAS<br />

1 - cabezas<br />

2 - rio de janeiro - porto<br />

160


1 - CABEZAS<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Caiu o arraial hoje, dia 5.<br />

Amanhã acabamos sua destruição.<br />

As 5.200 casas, cuidadosamente contadas,<br />

serão desmanchadas<br />

com Fogo, único elemento purificador<br />

do veneno contagiante do agitador !<br />

(O guia, filho de Jesuíno, vingando pai, busca o cadáver de Conselheiro, cisca. Pede para Cabos<br />

removerem uma camada de terra de um ponto. Aparece o Cadáver de Antonio Conselheiro, no lençol<br />

de Brazylina, imundo, flores murchas. Mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato e esquálido, olhos fundos<br />

cheios de terra.)<br />

Desenterrem com cuidado,<br />

único prêmio dessa guerra,<br />

despojo opulento desta terra.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Máximo resguardo,<br />

o corpo não pode se desarticular,<br />

senão vai virar<br />

uma massa de tecidos decompostos<br />

em náusea expostos.<br />

GENERAL ARTHUR OSCAR<br />

Flávio de Barros, desabafa:<br />

fotografa.<br />

(Flávio obedece e tira a famosa foto.)<br />

Lavre-se uma ata rigorosa<br />

firmando a identidade<br />

de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro.<br />

Importa que o mundo se convença bem<br />

de que está, afinal, extinto, aqui na pista,<br />

esse terribilíssimo antagonista.<br />

(Marechal Bittencourt, chega de Monte Santo, de terno, muito limpo em contraste com todos os outros<br />

militares e com a paisagem dos mortos. Sua ordenança traz uma tina com pinga. Vão restituir o<br />

cadáver de Conselheiro à cova…)<br />

MARCECHAL BITTENCOURT<br />

Não, não enterrem.<br />

Vamos guardar essa cabeça tantas vezes maldita.<br />

(General João Barbosa traz uma faca jeitosamente brandida, corta a cabeça que o MARECHAL<br />

BITTENCOURT levanta como troféu empastada de escaras, e matéria podre, depois mergulha dentro de<br />

um tacho com pinga, para conservar. Mas volta com ela pingando pinga, nas mãos.)<br />

2 - RIO DE JANEIRO - PORTO<br />

(A Cabeça de Antonio é exibida, chorando pinga. Ouve-se forte o barulho do mar, tão grande é o silêncio<br />

quando do alto do navio o Marechal Bittencourt vem trazendo a cabeça para o Presidente Prudente de<br />

Moraes que o espera no Porto.)<br />

MARECHAL BITTENCOURT<br />

Presidente Prudente,<br />

Que a ciência diga a última palavra competente.<br />

aqui estão no relevo de circunvoluções expressivas ou obscuras,<br />

161


as linhas essenciais do crime e da loucura…<br />

(Um Tenente Jacobino, vestido com uma farda, faz pontaria na cabeça de Prudente de Morais, vai atirar,<br />

o tiro falha. SEGURANÇAS capturam o Atirador)<br />

MULTIDÃO<br />

MATA! MATA! MATA!<br />

PRUDENTE<br />

Não ! Seja julgado pelas leis republicanas !<br />

(Os segurança se distraem, o Jacobino apanha uma espada e se atira sobre Prudente, mas Marechal<br />

Bittencourt passa a frente e é decepado, o assassino é dominado. Prudente de Moraes não larga a<br />

Cabeça, de Bittencourt; apanha com a outra mão, das mãos do Marechal, a cabeça de Conselheiro. e<br />

com a outra mão, a que foi agarrada, a do Marechal Bittencourt e fica com uma em cada mão. Euclides<br />

vem para o Centro da Cena, fecha o Livro.)<br />

162


EPÍLOGO:<br />

SERESTANDO<br />

CORO<br />

Ah Sertão<br />

Tão sem ser<br />

Sertão<br />

Rocha Viva<br />

Voando ando<br />

ser estando, ser estando…<br />

Serestando…<br />

Tão sem Ser…<br />

O sertão pisei<br />

e encontrei<br />

fundamento sem fundamento<br />

e escorreguei,<br />

e então valsei…<br />

Rocha viva brazyleira<br />

mestiçeira resistente<br />

retornando sempre.<br />

Muitas gentes,<br />

ocidentes, orientes<br />

sul e nortes,<br />

devorando mortes,<br />

desmassacrados,<br />

tão amados,<br />

caboclos persistentes<br />

valseios permanentes.<br />

EUCLIDES<br />

(pode ser falado)<br />

Removendo<br />

a nacionalidade,<br />

a personalidade,<br />

a superfície,<br />

rocha surge nua<br />

frágil pedra<br />

onde a alma viva medra…<br />

CORO<br />

Material dos ventos ventre,<br />

saudade do futuro-passado, no presente<br />

subsolo vazando o desejo<br />

serestando sertanejo<br />

despedaçando cada pedaço<br />

juntando novo, no novo abraço.<br />

Ah! Sertão<br />

Tão sem ser<br />

Sertão<br />

Rocha Viva<br />

Voando, ando<br />

Ser estando, ser estando…<br />

Serestando…<br />

163


Tão sem ser…<br />

(Marcelo Drummond tira o bigode, a maquillagem, e diz ao público.<br />

VÍDEO:<br />

última página dos sertões)<br />

Ah ! só mais duas ultimas Fá-linhas:<br />

Existe um Maudsley, pras loucuras e crimes das nacionalidades<br />

Sou testemunha…<br />

é Euclides da Cunha.<br />

CORO<br />

FIM<br />

164

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