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Entre o Antigo e o Novo Testamentos - David S - Webnode

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Digitalização e Revisão: Levita Digital<br />

26/10/2009<br />

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<strong>Entre</strong> o <strong>Antigo</strong> e o <strong>Novo</strong> <strong>Testamentos</strong><br />

O Período Interbíblico<br />

D.S.Russell<br />

©Abba Press Editora e Divulgadora Cultural Ltda.<br />

Categoria: História<br />

Cód. 01.12101.0507.2<br />

2" Edição no Brasil<br />

Maio de 2007<br />

Tradução<br />

Eliseu Pereira<br />

Revisão<br />

Irene Pereira<br />

Maria Isabel C. Dutra<br />

Coordenação Editorial<br />

Oswaldo Paião<br />

Impressão<br />

Gráfica Sumago<br />

ISBN 978-85-85931-58-2<br />

E permitida a reprodução de partes<br />

desse livro, desde que citada a fonte<br />

e com a devida autorização escrita dos editores.<br />

Abba Press<br />

R. Manuel Alonso Medina, 298 - CEP 04650-031 - São Paulo / SP<br />

Tels./Fax ( 1 1) 5686-5058 / 5686-7046 / 5523-9441<br />

Site: www.abbapress.com.br<br />

E-mail: abbapress@abbapress.com.br


Prefácio<br />

Conteúdo<br />

PARTE UM<br />

O FUNDO CULTURAL E LITERÁRIO<br />

1. Judaísmo versus Helenismo<br />

1. Surgimento e Expansão do Helenismo<br />

A. Os Gregos e os Romanos<br />

B. A Septuaginta e a Literatura Helenística<br />

C. A Cultura Grega na Palestina<br />

D. A Influência Religiosa do Helenismo<br />

2. A reação contra o Helenismo<br />

A. O Partido Helenista em Jerusalém<br />

B. A Vingança de Antíoco<br />

C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus<br />

D. A Casa de Hasmoneu<br />

E. Herodes e os Romanos<br />

2. O Povo do Livro<br />

1. A Religião da Torah<br />

A. Do templo à Torah<br />

B. O Ponto de Levante da Revolta<br />

C. A Santa Aliança<br />

2. A Torah e as seitas<br />

A. Os Fariseus<br />

B. Os Saduceus<br />

C. Os Essênios<br />

D. Os Zelotes<br />

E. Os Pactuantes de Qumran<br />

3. Os Escritos Sagrados<br />

1. As Sagradas Escrituras<br />

A. O Cânon Hebraico<br />

B. As Escrituras na Dispersão<br />

2. A Tradição Oral<br />

A. Sua Origem e Desenvolvimento<br />

B. Sua Forma e Conteúdo


3. Os "Livros Não Incluídos"<br />

A. A Literatura Não-Canônica<br />

B. O Ambiente dos Apocalípticos<br />

4. A Literatura Apócrifa<br />

1. Os Livros Comumente Chamados "Apócrifos"<br />

A. Sua Identidade<br />

B. Seu Conteúdo e Gênero Literário<br />

C. Seu Valor Histórico e Religioso<br />

2. Os Outros Livros "Apócrifos" (ou Pseudepígrafos)<br />

A. Sua Identidade<br />

B. Na Comunidade de Qumran<br />

3. Os livros Apócrifos no Cristianismo<br />

A. No <strong>Novo</strong> Testamento<br />

B. Na História da Igreja<br />

PARTE DOIS<br />

Os APOCALÍPTICOS<br />

5. A Mensagem e o Método dos Apocalípticos<br />

1. A Tradição Apocalíptica<br />

A. O Segredo Oculto<br />

B. A Linguagem do Simbolismo<br />

C. A Lenda de Esdras<br />

2. Os Apocalípticos e a Profecia<br />

A. A Unidade da História<br />

B. As Últimas Coisas<br />

C. A Forma de Inspiração<br />

3. Pseudonímia<br />

A. Um Recurso Literário<br />

B. Extensão de Personalidade<br />

C. O Significado do "Nome"<br />

6. O Messias e o Filho do Homem<br />

1. O Pano de Fundo do <strong>Antigo</strong> Testamento


2. O Messias Tradicional ou Nacional<br />

A. O Messias Não Indispensável<br />

B. O Messias Levítico<br />

C. O Messias Davídico<br />

D. O Messias e os Rolos do Mar Morto<br />

E. Jesus e o Messias<br />

3. O Messias Transcendente e o Filho do Homem<br />

A. O Filho do Homem Apocalíptico<br />

B. O Pano de Fundo do Oriente<br />

C. O Filho do Homem como Messias<br />

D. Sofrimento e Morte<br />

E. Jesus e o Filho do Homem<br />

7. A Ressurreição e a Vida Após a Morte<br />

1. A Ressurreição: Origem e Desenvolvimento<br />

A. A preparação no <strong>Antigo</strong> Testamento<br />

B. Sua Origem Histórica<br />

C. Desenvolvimento Subseqüentes<br />

D. A Ressurreição e o Reino Messiânico<br />

2. A Natureza da Sobrevivência<br />

A. Sheol, a Morada das Almas<br />

B. Distinções Morais no Sheol<br />

C. Mudança Moral na Vida Além<br />

D. A Alma Individual e o Julgamento Final<br />

3. A Crença na Ressurreição e a Natureza do Corpo da<br />

Ressurreição<br />

A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevivência da Personalidade<br />

B. A Ressurreição do Corpo e sua Relação com o Ambiente<br />

C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o Corpo Físico<br />

Bibliografia Selecionada<br />

Literatura Apócrifa<br />

Governantes e Principais Acontecimentos<br />

Dedicado a Marion, Helen e Douglas


Prefácio<br />

Na maioria das Bíblias, o período entre o <strong>Antigo</strong> e o<br />

<strong>Novo</strong> <strong>Testamentos</strong> é representado por uma única página<br />

em branco o que, talvez, tenha um significado simbólico. O<br />

período "de Malaquias a Mateus" por muito tempo tem<br />

permanecido vago e desconhecido para muitos leitores da<br />

Bíblia. Vários mistérios permanecem, mas nos últimos<br />

tempos, muita luz tem sido lançada sobre todo esse<br />

período. Os escritos de grande número de eruditos e<br />

algumas notáveis descobertas arqueológicas têm fornecido<br />

novos e deslumbrantes pontos de vista a respeito do<br />

assunto.<br />

No início deste século, o Dr. R.H.Charles escreveu<br />

com freqüência sobre o assunto, e a publicação, em 1914, de<br />

seu pequeno livro Desenvolvimento Religioso entre o <strong>Antigo</strong> e<br />

o <strong>Novo</strong> Testamento, incluiu um outro público de leitura<br />

nesse campo de estudo e auxiliou grandemente a<br />

preencher a lacuna no entendimento das pessoas em<br />

relação a esse assunto. Mas ninguém poderia prever que<br />

esse período ainda se tornaria um foco de atenção, não<br />

apenas para os eruditos, mas também para o "cidadão<br />

comum". A descoberta dos pergaminhos do Mar Morto<br />

despertou a imaginação popular e atraiu a atenção de<br />

eruditos do mundo inteiro. Esses escritos são de extrema<br />

importância, não somente pelos relatos que fornecem sobre<br />

as crenças e práticas dos Pactuantes de Qumran, mas<br />

também pelo novo interesse e conhecimento que trazem a<br />

todo o período interbíblico.<br />

Neste pequeno volume, fiz uma tentativa de revisar<br />

esses anos, à luz dos recentes estudos e descobertas, e em<br />

particular para avaliar a contribuição religiosa desse grupo<br />

de homens, um tanto estranhos, conhecido como "os


apocalípticos". Muitas outras questões pertinentes a esse<br />

período interbíblico poderiam ter sido tratadas, mas o<br />

propósito deste livro é seletivo e não, exaustivo, indicando<br />

a participação que os apocalípticos tiveram no desenvolvimento<br />

religioso do Judaísmo e na preparação das mentes<br />

dos homens para a vinda do Cristianismo.<br />

Espero que este breve estudo estimule o apetite do<br />

leitor, levando-o a aprimorar estes estudos, ainda mais,<br />

com ajuda da bibliografia sugerida.<br />

DAVID S. RUSSELL<br />

College Rawdon, Leeds


Parte Um<br />

O PANO DE FUNDO<br />

CULTURAL E LITERÁRIO<br />

1<br />

Judaísmo Versus Helenismo<br />

Os anos que se estendem de 200 a.C. a 100 d.C,<br />

geralmente citados como "o período interbíblico", são de<br />

fundamental importância tanto para o Cristianismo como<br />

para o Judaísmo rabínico, porque foi durante esses séculos<br />

que, num sentido muito especial, o caminho foi sendo<br />

preparado para o aparecimento dessas duas grandes<br />

crenças religiosas. O propósito deste livro é examinar,<br />

embora resumidamente, a cultura e a literatura desses<br />

importantes anos e analisar o desenvolvimento de certas<br />

crenças religiosas, cuja influência foi sentida<br />

particularmente dentro da Igreja Cristã em crescimento.<br />

Ao longo de todo esse período, os judeus estavam<br />

rodeados pela cultura e civilização gregas e,<br />

particularmente na Dispersão, muitos tiveram que adotar a<br />

língua grega ou como seu único idioma ou como<br />

alternativa à sua própria língua, o aramaico. Era inevitável<br />

que eles fossem influenciados, e profundamente, pelo<br />

ambiente helenístico em que viviam; o surpreendente é que<br />

a reação deles a esse ambiente não foi tão marcante e que,<br />

apesar da pressão trazida sobre eles, eles conseguiram<br />

manter sua distinta fé judaica.


No período de 170 a.C. a 70 d.C, o nacionalismo<br />

judaico desempenhou um papel mais importante na<br />

resistência ao avanço do helenismo. Como veremos, esse<br />

nacionalismo não foi motivado apenas por objetivos<br />

políticos, mas também por ideais religiosos oriundos de<br />

uma devoção profunda por parte de muitos e arraigados<br />

em firmes convicções teológicas. Porque o Judaísmo, ao<br />

contrário do Helenismo, representava não tanto um modo<br />

de vida, mas um movimento religioso nacional. O Dr F. C.<br />

Burkitt, escrevendo sobre o Judaísmo desses dois séculos e<br />

meio, descreve-o como "uma alternativa para a civilização<br />

como se considerava então". Ele não era apenas uma<br />

alternativa, mas era a alternativa, pois, na convicção de<br />

muitos, o judaísmo conduziria afinal os homens para o<br />

Reino de Deus, cuja vinda precederia à Nova Era<br />

determinada por Deus.<br />

1. SURGIMENTO E EXPANSÃO DO HELENISMO<br />

A. Os Gregos e os Romanos<br />

A palavra "helenismo" é comumente usada para<br />

descrever a civilização dos três séculos aproximadamente<br />

desde o tempo de Alexandre, o Grande (336-323 a.C.)<br />

durante os quais a influência da cultura grega era sentida<br />

de Leste a Oeste. Era o forte desejo desse imperador fundar<br />

um império mundial associado à unidade da língua,<br />

costume e civilização e, em suas grandes conquistas<br />

militares, ele se empenhou em concretizar tal idéia. Após<br />

sua morte, quando seu Império no Leste foi dividido entre<br />

os Selêucidas na Síria e os Ptolomeus no Egito, o processo<br />

de helenização continuou rapidamente nos países sobre os<br />

quais eles governaram.<br />

Desde o início, os judeus devem ter sentido o<br />

impacto dessa cultura sobre seu estilo de vida e


particularmente sobre sua religião. A exceção de uma área<br />

comparativamente pequena ao redor de Jerusalém, eles<br />

não constituíam um Estado, pelo contrário, uma Dispersão,<br />

espalhados não apenas por toda a Palestina, mas por todas<br />

as regiões do Império. Eles ficaram especialmente<br />

vulneráveis à influência do helenismo por intermédio dos<br />

negócios e das trocas comerciais. A política de Alexandre e<br />

de seus sucessores era enviar os colonos gregos no rastro<br />

de seus exércitos e plantá-los como comerciantes nas terras<br />

conquistadas. Nessas terras, particularmente no leste,<br />

viviam muitos judeus que haviam sido exilados da<br />

Palestina muitos anos antes, e outros que, até mesmo antes<br />

do tempo de Alexandre, haviam emigrado e se instalado<br />

em cidades gregas no extremo oeste. Muitas comunidades<br />

judias podiam ser encontradas em lugares tais como Síria,<br />

Antioquia, Damasco, Ásia Menor, Macedónia, Grécia,<br />

Chipre, Cirene e Roma. Onde quer que os judeus<br />

estivessem, sob o governo dos Selêucidas ou dos<br />

Ptolomeus, eles haviam desfrutado por muito tempo das<br />

bênçãos da liberdade religiosa sob uma política de<br />

tolerância religiosa que, sem dúvida, os deixaria abertos à<br />

influência sutil da cultura helenística. Os romanos, por sua<br />

vez, continuaram a estimular o desenvolvimento dessa<br />

cultura, especialmente nas províncias orientais, e buscaram<br />

por esses meios realizar os sonhos de Alexandre, o Grande.<br />

Nesse sentido, não houve um verdadeiro rompimento<br />

entre o regime grego e o romano, ou, realmente, entre os<br />

anos antes de Cristo e os anos depois de Cristo. A cultura e<br />

a civilização helenísticas foram características de todo o<br />

período greco-romano e é com esse amplo fundo histórico<br />

e cultural que vamos estudar as reações do povo judeu e<br />

sua fé religiosa.<br />

B. A Septuaginta e a Uteratura Helenística


Desde tempos remotos, houve assentamentos de<br />

judeus no Egito, e Alexandria logo alcançou um honrado<br />

nome, particularmente como centro literário. Foi aqui que a<br />

tradução Septuaginta das Escrituras para a língua grega foi<br />

apresentada para uso dos judeus de fala grega do Egito,<br />

que não mais conseguiam ler hebraico e para quem as<br />

traduções disponíveis nos ofícios das sinagogas<br />

mostravam-se inadequadas. A tradução da 'Torah" ou<br />

Pentateuco aconteceu, provavelmente, durante o reinado<br />

de Ptolomeu II (285-247 a.C), com o nome "Septuaginta"<br />

sendo estendido para abranger também as outras partes do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento. Na Carta de Aristéia, que mais tarde<br />

acompanhou a Bíblia grega, há uma lenda de que a<br />

Septuaginta foi o resultado de uma ordem real de<br />

Ptolomeu II, do Egito, que teria delegado a tarefa da<br />

tradução a 72 "anciões". Em formas posteriores da história,<br />

o número é citado como 70. Esses homens levaram a cabo a<br />

obra de tradução em ambientes separados e produziram<br />

resultados precisamente semelhantes! Porém, é provável<br />

que a Septuaginta tenha vindo a existir como um Targum 1,<br />

assim como na Palestina passou a existir um Targum 1 para<br />

ajudar aqueles que não conseguiam entender as Escrituras<br />

hebraicas. A influência da Septuaginta sobre os judeus da<br />

Dispersão e mesmo sobre a jovem Igreja Cristã não pode<br />

ser superestimada. A exceção de certas notáveis<br />

implicações gregas aqui e ali, que poderiam lembrar seus<br />

leitores de seu fundo cultural, ela era quase<br />

desconsiderável como um veículo de helenizaçâo. Mas<br />

como um instrumento de propagação de Judaísmo durante<br />

a Dispersão, sua contribuição foi de importância<br />

inestimável.<br />

Em Alexandria, também, foram escritos muitos<br />

livros gentílicos e enviados para muitas partes do mundo<br />

onde, sem dúvida, foram estudados pelos mais instruídos


dentre os judeus. Não raro, esses livros continham<br />

acusações difamadoras contra a raça e a religião judaica<br />

que eram normalmente considerados supersticiosos e<br />

ateístas. Os judeus, por sua vez, não tentavam disfarçar, em<br />

seus próprios escritos, o absoluto desprezo que unham<br />

pelos pagãos. De fato, toda a literatura judaico-helenística,<br />

da época da Septuaginta até Josefo ao final do primeiro<br />

século d.C, tinha como alvo a condenação da idolatria,<br />

principalmente através de ridicularizações, e a defesa do<br />

Judaísmo contra as intromissões de tal influência pagã 2.<br />

Muito dessa literatura é conhecida por nós apenas por<br />

fragmentos ou em referências em outras obras 3, mas esses<br />

escritos que sobreviveram mostram muito claramente a<br />

mescla de pensamento grego e judeu que predominava<br />

bem antes do começo da era cristã.<br />

Isso é bem ilustrado em livros tais como os Oráculos<br />

Sibilinos (Livro III) e Sabedoria de Salomão. Os Oráculos<br />

Sibilinos foram escritos durante a última metade do<br />

segundo século a.C, em Alexandria. São semelhantes à Sibil<br />

grega que exerceu considerável influência sobre o<br />

pensamento pagão, tanto antes como depois desse tempo.<br />

A Sibil pagã era uma profetisa que, sob inspiração de um<br />

deus, podia dar sabedoria aos homens e revelar-lhes a<br />

vontade divina. Havia uma variedade de tais oráculos em<br />

diferentes países, e no Egito, em particular, eles passaram a<br />

gozar de um crescente interesse e significado.<br />

_______________________<br />

1 A palavra "Targum" (no grego) significa uma tradução ou paráfrase<br />

da Escrituras Hebraicas na língua do povo. Nas regiões de fala aramaica, a<br />

leitura das Escrituras na sinagoga era acompanhada por uma repetição oral<br />

(veja p. 63 ss). Acredita-se que esse costume reportava aos tempos de<br />

Esdras (cf. Ne 8.8). No segundo século d.C. os Targuns aramaicos passaram<br />

a existir na forma escrita.


Os judeus de Alexandria viam nesse tipo de<br />

literatura um excelente meio de propaganda. Por meio de<br />

alterações e acréscimos discretos, eles usaram a estrutura<br />

dos oráculos pagãos para propagar a fé no "único Deus<br />

vivo e verdadeiro".<br />

De muito maior significado é o livro Sabedoria de<br />

Salomão, escrito no primeiro século a.C. por um judeu de<br />

Alexandria que, ao apresentar sua fé, demonstra que havia<br />

sido profundamente influenciado, em seu pensamento,<br />

pela perspectiva e filosofia do mundo grego gentio e que<br />

ele era, sem dúvida, muito versado nesse campo. Por<br />

exemplo, essa influência pode ser percebida ao tratar da<br />

idéia de "sabedoria" que ele personifica de modo<br />

semelhante ao ensinamento estóico referente ao conceito<br />

amplamente conhecido de Logos ou Verbo 4. Neste ponto,<br />

de fato, trata-se de uma forte tentativa de reunir a piedade<br />

do judaísmo ortodoxo e a forma de pensamento grego da<br />

época. De acordo com outros escritos judaicos daquele<br />

tempo, ele incorpora uma forte polêmica contra os gentios<br />

e exalta a verdadeira religião que Deus revelou a seu servo<br />

Moisés.<br />

Um bom exemplo de Judaísmo helenístico pode ser<br />

encontrado no escritor judeu alexandrino Philo, que foi<br />

contemporâneo de Jesus e de Paulo. Ele era bem versado<br />

não apenas nas Escrituras em hebraico, como nos escritos<br />

judaico-helenistas, e também em filosofia grega.<br />

_____________________<br />

2 Este também era o tema de outros livros judeus, oriundos da<br />

Palestina, que no devido tempo foram traduzidos para o grego, e finalmente,<br />

acharam lugar na Septuaginta, como I Macabeus, Bel e o Dragão, Judite, o<br />

Resto de Ester, Tobias e Susana (veja pp. 78 ss).<br />

3 Ver R. H. Pfeiffer, History of New Testament Times, with a<br />

Introduction to the Apocrypha (História dos Tempos do <strong>Novo</strong> Testamento,<br />

com uma Introdução aos Apócrifos), 1949, p. 200 ss.


O objetivo de seus escritos era demonstrar a relação<br />

entre a religião das Escrituras e a verdade das filosofias<br />

gregas. Ele fez uso livre da alegoria, prática comum em<br />

Alexandria, e através dela demonstrou, por exemplo, que<br />

Moisés estava em consonância com os filósofos gregos. A<br />

posição de Philo não era aceita pelo Judaísmo ortodoxo de<br />

seus dias, mas sua abordagem da religião e da filosofia, e a<br />

relação entre elas, teve uma influência considerável no<br />

desenvolvimento da teologia cristã nos anos que se<br />

seguiram.<br />

C. A. Cultura Grega na Palestina<br />

O impacto do helenismo sobre o judaísmo foi sentido<br />

até mesmo na própria Palestina onde, na maior parte, os<br />

judeus passaram pela Dispersão e viviam como membros<br />

de uma comunidade grega. Durante o período dos<br />

Selêucidas, muitas cidades da Palestina foram<br />

conquistadas pelo estilo de vida grego e algumas novas<br />

cidades foram construídas em estilo grego. Essas<br />

comunidades, governadas por um senado democrático,<br />

semelhante ao Boulê ou Conselho Ateniense, eleito<br />

anualmente e composto de representantes do povo,<br />

trouxeram para os judeus uma perspectiva mental<br />

completamente nova e uma, até então desconhecida, visão<br />

da cultura e civilização helenística, muito do que, para o<br />

judeu fiel, parecia ser prejudicial e até mesmo subversivo à<br />

fé de Israel. Mesmo em Jerusalém e seus arredores havia<br />

muitos que adotaram o estilo de vida grego desde o início<br />

do período da supremacia ptolomaica, e muitos mais<br />

sucumbiram sob a propaganda concentrada dos<br />

Selêucidas.<br />

___________________<br />

4 Para uma abordagem mais completa, ver p. 23 s.


O Primeiro Livro de Macabeus lança luz sobre a<br />

situação daquele tempo nestes palavras: "Nesta época<br />

saíram também de Israel uns filhos perversos que<br />

seduziram a muitos outros dizendo: Vamos e façamos<br />

alianças com as nações ckcunvizinhas, porque desde que<br />

nós nos separamos deles, caímos em infortúnios sem conta.<br />

Semelhante linguagem pareceu-lhes boa, e houve entre eles<br />

quem se apressasse a ir ter com o rei, que concedeu a<br />

licença de adotarem os costumes pagãos. Edificaram em<br />

Jerusalém um ginásio como os gentios, dissimularam os<br />

sinais da circuncisão, afastaram-se da aliança com Deus,<br />

para se unir aos estrangeiros e se escravizar ao pecado" (1<br />

Mac 1.12-15). Comentando sobre essa passagem, A.C.<br />

Purdy escreve: "Lendo nas entrelinhas, podemos inferir<br />

que o desafio para o Judaísmo aqui não era o de uma<br />

religião rival, mas o de uma cultura rival. Era o desafio do<br />

secularismo. A religião dos judeus estava ainda para ser<br />

diretamente atacada, mas um helenismo definido e<br />

agressivo havia surgido entre eles" 5.<br />

Um fator importante de expansão dessa cultura rival<br />

foi indubitavelmente a formação de ginásios que foram<br />

construídos não apenas em Jerusalém, mas em muitas<br />

regiões da Dispersão, na Palestina e arredores. "Eles<br />

expressavam", escreve o Dr. Edwin Bevan: "tendências<br />

fundamentais da mentalidade grega — sua inclinação para<br />

a beleza harmoniosa da forma, o prazer do corpo, a<br />

franqueza imperturbável com respeito ao mundo natural." 6<br />

A ênfase grega na beleza, forma e movimento iriam abrir o<br />

horizonte estético, desconhecido até então para muitos<br />

judeus.<br />

_________________________________<br />

5 Q H. C. MacGregor e A. C. Pwdy,Jewand Greek (O Judeu e o<br />

Grego), 1937, p. 30.


Por essa razão, alguns dos ritos religiosos judaicos<br />

que pareciam inestéticos para os gregos, passaram a ser<br />

negligenciados por certos judeus. Como a citação anterior<br />

de 1 Macabeus mostra, os atletas judeus, por exemplo, que<br />

iam normalmente correr nus na pista, passaram a ser<br />

"incircuncidados" por meio de uma leve operação cirúrgica<br />

para evitar o escárnio da multidão.<br />

Jogos e corridas no estádio e no hipódromo eram<br />

marcas distintas das cidades helenizadas e eram populares<br />

entre os jovens judeus, não menos do que entre pessoas de<br />

outras tradições religiosas e culturais. O teatro também<br />

desempenhou um papel importante na disseminação da<br />

cultura grega. Sabemos de judeus que escreveram<br />

tragédias em versos gregos, e cujas peças, como Êxodo de<br />

um certo Ezequiel, foram, com certeza, apresentadas no<br />

teatro que Herodes construiu perto do Templo de<br />

Jerusalém. Os ritos e cerimônias religiosos, aos quais<br />

muitos dos jogos e apresentações eram associados, tinham<br />

uma influência inevitável sobre a população judia e<br />

tendiam a corromper as mentes dos jovens, acompanhadas,<br />

como eram muitas vezes, de uma medida de imoralidade e<br />

vícios. O helenismo com o qual os judeus estavam em<br />

contato durante esse período, embora contivesse muito do<br />

que era bom e bonito, tinha, na concepção popular, uma<br />

íntima conexão com o 'túmulo de Dafne, e os caminhos dos<br />

soldados, guardiães de bordéis e comerciantes 7.<br />

_______________________<br />

6 Jerusalem under the High Priests (Jerusalém sob a Liderança dos<br />

Sumos Sacerdotes), 1920, p. 35.<br />

D. A Influência Religiosa do Helenismo<br />

E óbvio, a partir do que se tem sido dito, que a<br />

influência do helenismo não podia estar confinada


estritamente aos aspectos sociais ou literários ou culturais<br />

ou estéticos; por sua própria natureza, criou-se uma<br />

atmosfera definitivamente espiritual que era, em muitos<br />

aspectos, completamente estranha à perspectiva religiosa<br />

dos judeus. Os vários festivais e cerimônias, associados a<br />

quase tudo na vida social grega, deixaria sua impressão na<br />

vida religiosa e nos costumes do povo.<br />

E importante, nesta conexão, observar que o<br />

Helenismo era um sistema sincretista, sob cuja superfície o<br />

pensamento e as crenças de muitas antigas religiões<br />

orientais continuaram a exercer uma forte influência. No<br />

ramo sírio do helenismo, por exemplo, o Zoroastrismo,<br />

religião do antigo Império Persa, ainda estava bem vivo 8.<br />

Em sua forma mais primitiva, de alguma forma o<br />

Zoroastrismo ensinava um dualismo no qual havia uma<br />

interminável batalha entre os poderes da luz, liderados<br />

pelo espírito bom Ahura-Mazda, e os poderes das trevas,<br />

conduzidos pelo espírito mau Angra-Mainyu. Esse<br />

princípio dualista é formulado em uma doutrina de "duas<br />

eras" na qual a "presente era" de impiedade é contraposta à<br />

"era futura" de retidão. Afinal, pelos bons ofícios de<br />

Shaoshyant, o salvador, Ahura-Mazda lança<br />

Angra-Mainyu no abismo. O fim do mundo sobrevêm; os<br />

mortos são ressuscitados e enfrentam o julgamento. Todos<br />

os homens são sujeitados à chama de um fogo purificador;<br />

por rim, todos são salvos e surge a nova era com um novo<br />

céu e uma nova terra.<br />

______________________<br />

7 G. H. C. Macgregor e A/C. Purdy, op. cit, p. 143.<br />

8 Ver p. 95,107 ss, 112,135.<br />

Ao lado desse ensino do Zoroastrismo, havia o<br />

antigo culto babilónico baseado nos luminares celestes e<br />

especialmente nos sete planetas que, em suas voltas ao


edor da terra, controlavam, acreditava-se, as vidas dos<br />

homens e as nações. A sobrevivência desse culto é bastante<br />

compreensível porque o Império Persa que Alexandre, o<br />

Grande, conquistara, tinha, por sua vez, sucedido o antigo<br />

Império Babilônico e, no processo, havia incorporado<br />

muitos de seus costumes e crenças e adotara o aramaico ou<br />

"caldeu" como o idioma oficial do governo. Assim, ali<br />

emergiu o sincretismo perso-babilônico, ou "mescla" de<br />

cultura, que ao longo do tempo coloriu profundamente o<br />

helenismo sírio.<br />

Por meio do helenismo sírio, o impacto dessa cultura<br />

seria sentido pelos judeus na Palestina. Realmente, muitos<br />

dos judeus tinham contato direto com o pensamento e a<br />

cultura perso-babilônica porque, desde o tempo do<br />

Cativeiro, eles tinham vivido lado a lado com iranianos (ou<br />

persas) na Mesopotâmia.<br />

De vez em quando esses judeus babilónicos<br />

voltavam à Palestina, trazendo consigo uma avaliação<br />

simpatizante de alguns aspectos do pensamento persa,<br />

particularmente aqueles que não eram necessariamente<br />

incompatíveis com sua própria religião hebraica. Sem<br />

dúvida, muitos foram atraídos a voltar à Palestina no<br />

tempo dos Macabeus e seus sucessores, quando um estado<br />

judeu forte começava a surgir.<br />

A influência do Zoroastrismo, e de fato, de toda a<br />

cultura perso-babilônica é amplamente ilustrada nos<br />

escritos dos judeus apocalípticos desse período e mesmo,<br />

embora em menos extensão, nas obras dos Judaísmo<br />

farisaico. E evidente também nos escritos dos Pactuantes<br />

de Qumran, nos quais aparece, por exemplo, uma forma<br />

_________________<br />

9Compare o interesse nos corpos celestes demonstrados nos<br />

escritos como Jubileus e I Enoque 72-82.


de dualismo, em muitos sentidos semelhante ao do<br />

Zoroastrismo, que não pode ser explicado simplesmente<br />

através da referência à religião do <strong>Antigo</strong> Testamento .<br />

Uma relação com a escatologia (isto é, doutrina das<br />

"últimas coisas") do Zoroastrismo é indicada no próprio<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento ; mas os judeus apocalípticos, incluindo<br />

o escritor do Livro de Daniel, são muito mais fortemente<br />

influenciados por ele. Toda a perspectiva deles é<br />

governada pela convicção de que aquela era presente<br />

maligna estava na iminência de terminar e que a nova era<br />

se seguiria imediatamente . Essa visão dualística do<br />

universo coloriu suas convicções em relação à esperança<br />

messiânica, por exemplo, que ao longo do tempo assumiu<br />

características transcendentais e também sua concepção da<br />

vida após a morte. Neste último caso, a influência do<br />

Zoroastrismo é evidente em questões tais como a separação<br />

da alma do corpo no momento da morte, o destino dos<br />

mortos no lapso de tempo entre a morte e a ressurreição, a<br />

doutrina da ressurreição e o ensino relativo ao Juízo Final.<br />

Outro campo no qual se percebeu profundamente essa<br />

influência, é na doutrina amplamente difundida sobre<br />

anjos e demônios e, em particular, a personalização de<br />

espíritos maus para os quais não há paralelo no<br />

pensamento do <strong>Antigo</strong> Testamento. 16<br />

________________________________<br />

10 Ver p. 50.<br />

11 Compare particularmente o rolo intitulado 'The War of the Sons of<br />

Light and the Sons of Darkness" (A Guerra entre os Filhos da Luz e os Filhos<br />

de Trevas).<br />

12 Por exemplo, Isaías 24-27; 65.17 ss.<br />

13 Ver p. 94, 107 ss, 120 ss.<br />

14 Ver p. 130 ss.<br />

15 Ver capítulo 7.<br />

16 Verp. 50,112.


Ainda mais importante do que o helenismo sírio foi<br />

o helenismo egípcio que tomou forma sob os Ptolomeus.<br />

As antigas tradições religiosas e místicas do Egito e da<br />

Babilônia entraram em contato com a nova ciência e cultura<br />

gregas, produzindo um sistema de pensamento muito mais<br />

abstrato em forma do que o ramo sírio de helenismo.<br />

Muitos judeus, especialmente os da Dispersão, foram<br />

grandemente influenciados pelo tipo filosófico de religião<br />

que acompanhava essa forma particular da cultura grega.<br />

Este ponto é bem ilustrado pelo autor de Sabedoria<br />

de Salomão , cuja familiaridade com o pensamento grego é<br />

evidente, por exemplo, no ensino referente à "sabedoria". A<br />

idéia de "sabedoria" é bem familiar para os leitores do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento em livros como Provérbios, Jó e<br />

Eclesiastes, mas em Sabedoria de Salomão a influência da<br />

filosofia grega está mais claramente demonstrada. "O<br />

ensino do autor referente à sabedoria divina e humana",<br />

escreve B. M. Metzger, "é uma explicação das idéias<br />

primitivas sobre esse tema expressadas no Livro de<br />

Provérbios, com uma distorção metafísica emprestada da<br />

concepção estóica do Logos universal, aquele mediador<br />

impessoal entre Deus e a criação." Tendo "criado o mundo<br />

a partir da matéria informe" (11.17, cf. Gn 1.2), Deus envia à<br />

criação uma alma que, para o escritor desse livro, é nada<br />

menos que a própria sabedoria. O espírito de sabedoria vem<br />

de Deus (7.7, etc.) e é "uma clara efluência da glória do<br />

Todo-Poderoso" (7.25). Deus criou todas as coisas por Sua<br />

palavra (9.1), mas a sabedoria estava presente antes da criação<br />

(9.9). Desde então, ela tem sido "o artífice" (7.22), o renovador<br />

(7.27), o ordenador (8.1) e o realizador (8.5) de todas as coisas.<br />

_____________________<br />

17 Ver também IV Macabeus que mostra um conhecimento íntimo da<br />

filosofia grega, especialmente 1.13 - 3.18, 5.22-26, 7.17-23.<br />

18An Introduction to the Apocrypha (Uma Introdução aos Apócrifos), 1957, p.<br />

73.


Em 7.22s ele faz uma tentativa de definir sabedoria e<br />

atribui nada menos que 21 qualidades a ela; mesmo assim,<br />

ela permanece um enigma.<br />

A influência do pensamento grego no livro<br />

Sabedoria de Salomão também é evidente em seu ensino<br />

referente à doutrina platônica sobre a preexistência da<br />

alma, como em 8.19-20, em que lemos: "Eu era um menino<br />

vigoroso, dotado de uma alma excelente, ou antes, como<br />

era bom, eu vim a um corpo intacto." Essa mesma ideia esta<br />

presente no escntor judeu Philo (morto em cerca de 50 d.C.)<br />

e em livros tais como II Enoque (1-50 d.C.) onde aparecem<br />

estas palavras: "Sente-se e escreva para todos os filhos dos<br />

homens, porém, muitos deles nascem, e os lugares são<br />

preparados para eles na eternidade; porque todas as almas<br />

são preparadas para a eternidade, antes da fundação do<br />

mundo" (23.4-5).<br />

A maioria desses livros judeus (particularmente os<br />

de caráter apocalíptico) expressa a crença em uma<br />

ressurreição da morte na qual a alma ou o espírito é<br />

reunido ao corpo, mas em alguns deles a influência do<br />

pensamento platônico é novamente evidente em passagens<br />

que expressam a crença na imortalidade da alma. Em<br />

Sabedoria de Salomão 3.1-5, por exemplo, lemos: "Mas as<br />

almas dos justos estão nas mãos de Deus, e nenhum<br />

tormento os tocará. Aparentemente eles estão mortos aos<br />

olhos dos insensatos: seu desenlace é julgado como uma<br />

desgraça. E sua morte como uma destruição, quando na<br />

verdade estão na paz! Se eles, aos olhos dos homens,<br />

suportaram uma correção, a esperança deles era portadora de<br />

imortalidade, e por terem sofrido um pouco, receberão grandes<br />

bens. Porque Deus, que os provou, achou-os dignos dele." Pelo<br />

menos dois outros livros expressam essa mesma crença.<br />

___________________<br />

19 Cf. também 15.8,11, IV Mac 13.13, 21; 18.23<br />

20 Ver p. 84,146 ss.


Em I Enoque 91-104 (cerca de 164 a.C), o escritor<br />

refuta a visão dos saduceus de que não há nenhuma<br />

diferença entre a sorte dos justos e a dos ímpios após a<br />

morte (102.6-8,11) e afirma que, pelo contrário, "toda<br />

bondade e alegria e glória estão preparadas" para as almas<br />

dos justos (103.3). Eles vão viver e se regozijar e seus<br />

espíritos jamais perecerão (103.4). Assim também no Livro<br />

de Jubileus, (c. 150 a.C.) o justo passa imediatamente da<br />

morte para a bem-aventurança da imortalidade — "Seus<br />

ossos vão descansar na terra, e seus espíritos terão muita<br />

alegria" (23.31).<br />

A influência desses diferentes tipos de helenismo no<br />

Judaísmo durante esse período está clara; mas em suas<br />

doutrinas fundamentais, o Judaísmo permaneceu fiel à fé<br />

de seus pais e preparou o caminho não apenas para sua<br />

própria sobrevivência, mas também para o nascimento da<br />

religião cristã.<br />

2. A REAÇÃO CONTRA O HELENISMO<br />

Já se mencionou a política de tolerância seguida<br />

tanto pelos Ptolomeus como pelos Selêucidas, por meio da<br />

qual foi permitido ao Judaísmo e ao Helenismo existirem<br />

lado a lado. Esses foram anos de grande perigo para a fé<br />

judaica. Porque essa política visava uma helenização por<br />

meio de uma infiltração gradual de influência grega e uma<br />

assimilação gradual do estilo de vida grego. Foi quando<br />

essa política de penetração pacífica foi substituída por uma<br />

política de perseguição, notavelmente no reinado de<br />

Antíoco IV (175-163 a.C), que irrompeu uma violenta<br />

reação transformada, com o tempo, num ódio ardente<br />

contra todo o estilo de vida helenístico.


A. O Partido Helenista em Jerusalém<br />

Muito antes de Antíoco IV assumir o trono, havia um<br />

forte partido helenista entre os judeus da Palestina, cujos<br />

líderes podiam ser encontrados principalmente entre a<br />

aristocracia rica e sacerdotal que, por sua posição social,<br />

desfrutava dos privilégios da corte real e bajulava os<br />

favores do rei.<br />

Além disso, todo esse período foi marcado por<br />

amarga rivalidade entre duas grandes famílias, a Casa de<br />

Tobias e a Casa de Onias, que iriam influenciar<br />

profundamente o curso dos eventos nos anos futuros,<br />

particularmente em relação ao ofício do Sumo Sacerdócio.<br />

Josefo conta como o Sumo Sacerdote Onias II, "um grande<br />

amante do dinheiro", recusou-se a pagar o imposto anual<br />

de 20 talentos a Ptolomeu IV (221-203 a.C), depois que José,<br />

filho de Tobias, havia sido indicado coletor de impostos de<br />

todo o país. José e sua casa tornaram-se extremamente ricos<br />

e ganharam uma posição de poder considerável perante a<br />

nação. E assim, naquele momento, as duas casas rivais<br />

estavam representadas nos dois ofícios mais elevados do<br />

Estado.<br />

No tempo de Antíoco, o Grande (223-187 a.C), o<br />

controle da Palestina passou dos Ptolomeus para os<br />

Selêucidas e em seguida José e seus seguidores<br />

transferiram sua submissão àquele monarca, cujo governo<br />

estava terrivelmente dependente de dinheiro. Havia, em<br />

Jerusalém, homens prontos a levantar ou oferecer dinheiro<br />

em troca de posições de poder. Um desses era Simão, da<br />

Casa de Tobias, que no reinado de Seleuco IV (187-175 a.C.)<br />

encorajou o ministro-chefe do rei a se apoderar do dinheiro<br />

sagrado do Templo e então tentou incriminar o Sumo<br />

Sacerdote, Onias III. Várias revoltas eclodiram em Jerusa-


lém e Onias III partiu para a corte de Seleuco, a fim de<br />

pedir a ajuda do rei para suprimir os distúrbios.<br />

A rixa entre as duas casas rivais chegou a um ponto<br />

crítico no reinado de Antíoco IV (175-163 a.C.) que sucedeu<br />

a seu irmão Seleuco. Os helenistas em Jerusalém, e em<br />

particular no partido aristocrático, que eram abertamente<br />

favoráveis à Síria, viram na ascensão de Antíoco uma<br />

oportunidade para atingir seus objetivos. O Sumo<br />

Sacerdote legítimo, Onias III, cuja lealdade era pró-Egito,<br />

era um obstáculo às suas esperanças e assim, durante sua<br />

ausência temporária do país, e com a concordância do rei,<br />

seu irmão Jesus ou Josué (que mudou seu nome para a<br />

forma grega, Jason) foi designado Sumo Sacerdote em seu<br />

lugar, em troca de um suborno significativo para o rei (2<br />

Macabeus 4.7-10). Antíoco, sem dúvida, considerou essa<br />

indicação como um sábio movimento político. Concedeu<br />

permissão para remodelar Jerusalém segundo as linhas<br />

helenísticas (I Macabeus 1.11-15); um ginásio foi construído<br />

em Jerusalém e muitos judeus se vestiam segundo a moda<br />

grega.<br />

Os judeus ortodoxos, e em particular os Hasidim ou<br />

os Piedosos (antecessores dos Fariseus) , ficaram furiosos<br />

com esses acontecimentos e com a expansão da influência<br />

helenística em geral. Para eles, a indicação de um Sumo<br />

Sacerdote era um ato de Deus, que nada rinha a ver com a<br />

aprovação ou desaprovação de um rei gentio. O único<br />

consolo era que o novo Sumo Sacerdote, Jason, pelo menos<br />

era membro do partido ortodoxo. Porém, tal situação seria<br />

logo alterada, porque a essa altura, um Menelau, que não<br />

era membro da família do Sumo Sacerdote, expulsou Jason<br />

do ofício com a ajuda de Tobias e a oferta ao rei de um<br />

suborno maior que o oferecido por seu rival (II Mac 4.23<br />

ss)! Os seguidores de Menelau apoiavam abertamente o<br />

estilo de vida grego e se colocaram contra o partido


ortodoxo. A divisão entre essas duas facções do povo<br />

aumentou e a luta irrompeu em Jerusalém entre os partidos<br />

helenista e ortodoxo. Encorajados por um rumor de que<br />

Antíoco havia morrido em uma campanha no Egito<br />

(170-169 a.C), Jason se apressou rumo a Jerusalém e<br />

expulsou Menelau (II Macabeus 5.5 ss).<br />

O cenário já estava pronto para o início da luta. O<br />

conflito que se seguiria não era simplesmente uma questão<br />

de*"judeus contra sírios", mas de "judeus contra judeus";<br />

porque, em oposição ao partido helenista em Jerusalém, a<br />

vasta maioria dos judeus nos arredores do país estava<br />

alinhada em oposição a qualquer política de helenização.<br />

Como o Dr. Oesterley observa: "Durante uma boa parte do<br />

segundo século a.C, 'Jerusalém contra Judá' descreve<br />

corretamente o conflito interno judaico."<br />

O rumor referente à morte de Antíoco mostrou-se<br />

falso e o rei voltou, determinado a fazer que a Palestina se<br />

submetesse a sua política declarada de unificar o reino por<br />

meio da cultura e da religião helenísticas. Sem dúvida, sua<br />

determinação foi fortalecida pelo medo do crescente poder<br />

de Roma e da conseqüente necessidade de consolidar o<br />

Império. A expulsão de seu protegido, Menelau, do ofício<br />

de Sumo Sacerdote era considerada uma afronta à sua<br />

dignidade real, por isso resolveu vingar-se dos judeus.<br />

Assim, ele atacou Jerusalém, expulsou Jason e restabeleceu<br />

Menelau em seu ofício. Seus soldados ficaram livres e<br />

massacraram muitos dentre o povo; o Templo foi<br />

profanado e os utensílios sagrados saqueados (I Mac<br />

1.20-28).<br />

____________<br />

Ver pp. 49, 54 s.<br />

B. A Vingança de Antíoco


Logo tornou-se óbvio que, embora ele tivesse o apoio<br />

dos helenistas em Jerusalém, sua política de helenização<br />

era violentamente contrária à maioria das pessoas que,<br />

além disso, recusavam-se a reconhecer Menelau como<br />

Sumo Sacerdote. Assim, Antíoco determinou exterminar<br />

completamente a religião judaica (168 a.C). Optou por<br />

destruir as próprias características distintivas da fé judaica<br />

(cf. I Macabeus 1.41 ss), assim consideradas desde o tempo<br />

do Cativeiro. Todos os sacrifícios dos judeus foram<br />

proibidos; o rito da circuncisão teve que cessar, o Sábado e<br />

os dias de festas não podiam mais ser observados. A<br />

desobediência a qualquer desses mandamentos acarretaria<br />

a pena de morte. Além disso, os livros da Torah (ou Lei)<br />

foram desfigurados ou destruídos; os judeus, forçados a<br />

comer carne de porco e a oferecer sacrifícios em altares<br />

idólatras erigidos por todo o país. Então, para coroar suas<br />

ações de infâmia, Antíoco erigiu um altar a Zeus do<br />

Olimpo com uma imagem do deus (provavelmente com as<br />

características do próprio Antíoco) sobre o altar de ofertas<br />

queimadas no interior do átrio do Templo (I Mac 1.54). É<br />

esse altar que o escritor do Livro de Daniel chama "a<br />

abominação desoladora" (Dn 11.31).<br />

Esses eventos foram seguidos de severa perseguição<br />

na qual muitos foram condenados à morte (I Mac 1.57-64).<br />

A esse período pertencem as histórias, em parte lendárias,<br />

contadas em II Macabeus 6-7 sobre o martírio de Eleazar e<br />

os Sete Irmãos. Muitos abandonaram as cidades e<br />

superlotaram as aldeias onde eram perseguidos pelos<br />

agentes do governo, cuja intenção era extinguir a fé<br />

judaica.<br />

_______________<br />

22 A History of Israel (Uma História de Israel), vol. 2, 1934, p. 259.


C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus<br />

Logo, a resistência passiva abriu caminho à agressão<br />

aberta. A faísca para a revolta veio da vila de Modein,<br />

noroeste de Jerusalém, onde um sacerdote, Matarias, da<br />

Casa de Hasmon, vivia com seus cinco filhos (I Mac 2.1 ss).<br />

Quando um oficial sírio chegou a Modein para obrigar à<br />

realização de sacrifícios pagãos, Matarias não apenas se<br />

recusou a concordar, mas também matou um judeu<br />

apóstata que prestava sacrifícios e ao mesmo tempo matou<br />

o oficial sírio. Esse foi o motivo para Matatias e seus filhos<br />

fugirem para as montanhas, onde a eles se uniram muitos<br />

judeus zelosos (I Mac 2.23-28). De particular importância<br />

foi a adesão a suas fileiras dos Hasidim (I Macabeus 2.42<br />

ss), para quem toda a cultura helenística e a influência<br />

estrangeira eram anathema, porque a presença deles "deu<br />

plena sanção religiosa à revolta." Eles não poderiam ser<br />

considerados um partido dentro do Judaísmo, mas<br />

formavam um grupo de opinião muito poderoso. Eram<br />

oriundos, em maior parte, das classes mais pobres e dos<br />

distritos rurais, mas havia entre eles alguns homens<br />

proeminentes. Sua evidente devoção e zelo religioso viriam<br />

a ser vitais para o futuro da nação. A atitude deles é<br />

vividamente expressa no Livro de Daniel que, em sua<br />

forma presente, de algum modo, foi composto, no tempo<br />

de Antíoco, por um dos Hasidim.<br />

A Revolta que se seguiu foi liderada sucessivamente<br />

por três dos filhos de Matarias: Judas (165-160 a.C.)<br />

cognominado Macabeus ("Martelador"?), Jonatas (160-143<br />

a.C.) e Simão (142-134 a.C). Em suas campanhas obtiveram<br />

notável sucesso. No dia 25 de casleu (dezembro), 165 a.C,<br />

no mesmo dia em que o templo havia sido profanado três<br />

____________________<br />

23 H. Wheeler Robinson, The History of Israel {A História de Israel),<br />

1938, p. 176.


anos antes (I Mac 4.54), eles o purificaram e o<br />

rededicaram, sob a liderança de Judas, e a adoração foi<br />

restabelecida (I Mac 4.36 ss; cf. II Mac 10.1-7). Esse evento<br />

tem sido comemorado desde então na Festa judaica de<br />

Hanukkah (Dedicação), às vezes conhecida como a Festa das<br />

Luzes. As lutas continuaram, mas em 162 a.C. Lisias,<br />

regente de Antíoco V, ofereceu condições generosas ajudas<br />

e concedeu perdão total aos rebeldes, e plena liberdade<br />

religiosa (I Mac 6.58ss; II Mac 13.23s). Para convencê-los à<br />

conciliação, ele ordenou que Menelau fosse condenado à<br />

morte. Os Hasidim, cujos propósitos, por esse tempo, eram<br />

religiosos e não políticos, viram seus alvos atingidos e<br />

retiraram seu apoio aos Macabeus. Isso é indicado pelo<br />

apoio que deram a Alkimus, a quem Demétrio I (sucessor<br />

de Antíoco V), indicou como Sumo Sacerdote. Ele foi<br />

reconhecido pelos Hasidim como um legítimo Sumo<br />

Sacerdote da linha de Aarão. Judas, porém, não ficou<br />

contente com apenas a liberdade religiosa, já que buscava a<br />

independência política. Depois de relativo sucesso inicial,<br />

os judeus foram derrotados e o próprio Judas foi morto em<br />

Elasa em 160 a.C. (I Macabeus 9.18s). Alkimus morreu<br />

pouco tempo depois, e pelos próximos sete anos Jerusalém<br />

ficou sem Sumo Sacerdote.<br />

Jonatas sucedeu a seu irmão Judas como líder dos judeus<br />

nacionalistas com a ajuda de seu outro irmão, Simão. Foi<br />

um tempo de intriga no qual vários rivais passaram a<br />

reivindicar o trono sírio. Em 153 a.C. Demétrio I (162-150<br />

a.C.) teve de lidar com tal rival na pessoa de Alexandre<br />

Balas que afirmava ser filho de Antíoco IV.<br />

__________________<br />

24 No sentido exato o nome "Macabeus" deveria ser aplicado apenas<br />

a Judas, mas em geral também é usado em referência a seus irmãos.<br />

25 Cf. João 10.22 onde se faz referência à "Festa da Dedicação".


Ambos tentaram cortejar a amizade de Jonatas, e no<br />

fim, Balas (150-145 a.C.) sobrepujou Demétrio<br />

designando-o Sumo Sacerdote em 152 a.C. (I Macabeus<br />

10.15-17). Deve-se observar que o partido ortodoxo não<br />

elegeu o Sumo Sacerdote, mas quando muito,<br />

simplesmente aceitou a indicação feita pelo rei. Mais tarde,<br />

Jonatas foi confirmado no ofício de Sumo Sacerdote por<br />

Trifon, que estava agindo em nome do filho mais novo de<br />

Alexandre Balas. Mas Trifon, suspeitando cada vez mais<br />

do poder de Jonatas, matou-o em 143 a.C. (I Macabeus<br />

12.48; 13.23).<br />

Simão, que sucedeu a seu irmão Jonatas, começou a<br />

solidificar sua posição. Em 142 a.C. ele ganhou de<br />

Demétrio II (145-138 a.C.) imunidade de impostos e os<br />

judeus proclamaram sua independência (I Mac 13.41). Em<br />

141 a.C. deram um passo a mais. Um decreto em bronze foi<br />

apregoado no Templo conferindo-lhe o ofício de Sumo<br />

Sacerdote com direitos hereditários: "Os judeus e os<br />

sacerdotes haviam consentido que Simão se tornasse seu<br />

chefe e sumo sacerdote, perpetuamente, até a vinda de um<br />

profeta fiel... e Simão aceitou. Prontificou-se a ser sumo<br />

pontífice, chefe do exército, governador dos judeus'* (I Mac<br />

14.41-47). O Sumo Sacerdote outrora hereditário na Casa<br />

de Onias e que havia sido usurpado desde a deposição de<br />

Onias III, agora voltava a ser hereditário na linha de<br />

Hasmoneu .<br />

Aqui, então, nós vemos o surgimento de um estado judeu<br />

independente no qual o chefe civil e líder militar era, ao mesmo<br />

tempo, o Sumo Sacerdote. Essa união iria perdurar por toda a<br />

vida da Casa de Hasmoneu. A Simão, porém, não seria permitido<br />

morrer em paz. Em 134 a.C. ele foi traiçoeiramente assassinado<br />

por seu genro Ptolomeu. Seu filho, João Hircano, agora<br />

assumia o Sumo Sacerdócio (I Macabeus 16.13-17).<br />

_______________<br />

26 Para o significado deste nome, ver a seção seguinte.


Os Macabeus, em nome do judaísmo, haviam<br />

conquistado uma ressonante vitória, não apenas sobre seus<br />

inimigos externos, mas também sobre toda a cultura que<br />

esses iriimigos estavam determinados a impor sobre eles.<br />

Mas seria falso imaginar que a vitória decisiva havia sido<br />

ganha.<br />

D. A Casa de Hasmoneu<br />

A palavra Hasmoneu é derivada do nome da família<br />

de Mavatias e seus filhos que pertenciam à Casa de<br />

Hasmon. Por este nome os Macabeus eram conhecidos<br />

mais tarde na literatura judaica, mas é conveniente reservar<br />

a expressão "Macabeus" para Judas e seus dois irmãos e<br />

usar o título "Hasmoneu" para descrever seus<br />

descendentes, ao todo cinco, sob os quais os judeus<br />

experimentaram quase setenta anos de independência<br />

(134-63 a.C). Por pouco tempo, durante o reinado de João<br />

Hircano (isto é, Hircano I, 134-104 a.C.) a Judéia tornou-se<br />

um estado vassalo, mas recuperou a independência em 129<br />

a.C. com a aprovação do Senado de Roma. Hircano<br />

imediatamente começou a estender seu território. No sul,<br />

por exemplo, ele anexou a Iduméia, compelindo os<br />

habitantes a se circuncidarem; no norte, ele se apossou do<br />

território de Samaria, destruindo o Templo rival do Monte<br />

Gerizim.<br />

Esses atos de Hircano mostram que ele tinha ideais<br />

evidentemente religiosos, mas durante todo esse período<br />

havia um crescente descontentamento, principalmente da<br />

____________________<br />

27 Para pontos de vista destes eventos sobre a esperança<br />

messiânica, ver p. 123 s.<br />

28 Este Templo havia sido construído provavelmente em alguma<br />

época do IV século.


parte dos Hasidim e dos judeus ortodoxos em geral, contra<br />

os Macabeus e a Casa de Hasmoneu. Esses não apenas<br />

haviam tomado o Sumo Sacerdócio, mas estavam se<br />

tornando cada vez mais mundanos e irreligiosos. No<br />

tempo de João Hircano, o ramo crescente dentro do<br />

Judaísmo havia-se materializado em dois partidos, cujos<br />

nomes agora emergem, pela primeira vez, como Fariseus e<br />

Saduceus. Primeiro, Hircano tomou o partido dos fariseus,<br />

mas quando um de seus membros exigiu que ele<br />

renunciasse ao ofício de Sumo Sacerdote, ele rompeu com<br />

estes e uniu forças com o partido dos Saduceus.<br />

O Dr. Oesterley afirma que uma das principais<br />

razões por que os fariseus se opunham aos Hasmoneus era<br />

que eles falavam de si mesmos como reis, embora não<br />

fossem da linhagem de Davi, e ele indica que até Hircano<br />

assumiu esse ofício real. Se as coisas eram assim ou não,<br />

Josefo informa que o sucessor de Hircano, Aristóbulo I (103<br />

a.C), foi o primeiro a assumir o título de rei, embora isso<br />

não seja indicado em suas moedas. Esse fato, associado ao<br />

apoio do partido dos Saduceus, seu amor pela cultura<br />

grega e o fato de estar implicado no assassinato de sua mãe<br />

e de seu irmão Antígono, aumentou ainda mais o<br />

antagonismo dos fariseus.<br />

Essas questões, porém, chegaram a um ponto crítico<br />

no tempo de seu sucessor, Alexandre Janeus (102-76 a.C).<br />

Desde o início, ele irritou profundamente os fariseus ao se<br />

casar com a viúva de seu irmão Aristóbulo, embora fosse<br />

contra a lei um Sumo Sacerdote fazê-lo. Além disso, ele<br />

negligenciou seu ofício espiritual e dedicou-se como<br />

guerreiro a conquistar e a engrandecer a si mesmo por<br />

meio da guerra.<br />

________________<br />

29<br />

Ver p. 49 ss.<br />

30<br />

Op. Cit, p. 285 s.<br />

31<br />

Antiquities (Antiguidades) 13. 301; Bellum Judaicum 1. 70.


Usava o título de "rei", anunciando o fato em suas<br />

moedas em caracteres tanto gregos como hebraicos, assim<br />

revelando sua ligação com o estilo de vida grego,<br />

demonstrando um passo à frente na secularização do Sumo<br />

Sacerdócio. Sua impopularidade entre o povo é ilustrada<br />

por um incidente por ocasião da Festa dos Tabernáculos.<br />

Com total desprezo pelas responsabilidades com seu ofício<br />

de Sumo Sacerdote, ele propositalmente escarneceu das<br />

exigências rituais ao derramar a água da libação no chão e<br />

não sobre o altar. As pessoas ficaram tão furiosas que<br />

bateram nele com os ramos de cidreira que haviam trazido<br />

para usar no ritual. Em um acesso de cólera, ele deu ordens<br />

a seus soldados que mataram muitos dos judeus dentro do<br />

pátio do Templo. Mais tarde, a situação ficou tão ruim que<br />

estourou a guerra civil de seis anos. Quando, afinal, a paz<br />

foi restabelecida, registra-se que ele levou oitocentos<br />

judeus que haviam lutado contra ele, à morte por<br />

crucificação.<br />

Durante o restante de seu reinado, os fariseus e os<br />

ortodoxos permaneceram em paz. Mas o partido dos<br />

fariseus estava se tornando tão poderoso que Janeus,<br />

próximo ao final de sua vida, viu nisso um grave perigo<br />

para a casa real. Assim, aconselhou sua esposa Alexandra,<br />

indicada rainha por sua ordem, a entrar em acordo com<br />

eles dando-lhes mais autoridade no Estado. Quando<br />

Alexandra (75-67 a.C.) subiu ao trono após a morte do<br />

marido, ela agiu conforme ele havia orientado e designou<br />

seu filho mais velho, Hircano II, como Sumo Sacerdote.<br />

Hircano era bem disposto com os fariseus e, por sua<br />

influência, o poder deles aumentou consideravelmente em<br />

força. Com forte poder civil e religioso nas mãos, eles<br />

puderam impor, ao povo, suas próprias convicções. Em<br />

particular, eles tornaram as coisas muito difíceis para seus<br />

oponentes saduceus, os quais encontraram um defensor no


filho mais novo de Alexandra, Aristóbulo, que deixou claro<br />

que sua intenção era o trono. Após a morte de sua mãe,<br />

Aristóbulo reuniu um exército e derrotou seu irmão perto<br />

de Jericó. Hircano foi forçado a deixar o ofício e Aristóbulo<br />

(66-63 a.C.) tornou-se rei e Sumo Sacerdote, permanecendo<br />

no poder até 63 a.C.<br />

A história dos Hasmoneus chegou ao fim por causa<br />

de um Antipater, governador da Iduméia, que encorajou<br />

Hircano, no exílio, a remover seu irmão do ofício. Com<br />

ajuda de um governador árabe, Aretas III, ele atacou<br />

Aristóbulo em Jerusalém. Foi nesse momento que Roma<br />

decidiu interferir nas questões da Palestina. Pompeu<br />

enviou seu general, Scaurus, para sufocar o levante e ele,<br />

mediante suborno, apoiou Aristóbulo. No ano de 63 a.C, o<br />

próprio Pompeu, temendo os desígnios de Aristóbulo,<br />

atacou Jerusalém e a conquistou, entrando pessoalmente<br />

no Templo e no Santo dos Santos. Aristóbulo foi levado<br />

cativo para Roma. Hircano foi confirmado no Sumo<br />

Sacerdócio e designado etnarca da Judéia, então<br />

acrescentada à província da Síria.<br />

E. Herodes e os Romanos<br />

Em 163 a.C, então, os judeus perderam sua independência<br />

quando Pompeu, mais uma vez, os submeteu ao<br />

"jugo dos pagãos". Desse momento em diante, o espírito do<br />

nacionalismo judeu transformou-se em revolta e continuou<br />

até a completa destruição de Jerusalém e do Estado judeu<br />

em 70 d.C.<br />

Os anos que se seguiram a 63 a.C. realmente foram<br />

muito atribulados, e as complicações não podem ser<br />

mencionadas aqui a não ser ligeiramente. Antipater, cujo<br />

nome é proeminente na história dos judeus nos vinte anos<br />

seguintes, a princípio deu forte apoio a Pompeu, mas em 48<br />

a.C; quando Pompeu foi derrubado, ele transferiu seu


apoio para o rival, César. Como resultado, César concedeu<br />

muitos consideráveis privilégios aos judeus, não apenas na<br />

Judéia, mas também na Dispersão. Antipater foi nomeado<br />

governador da Judéia, recebendo também a cidadania<br />

romana. Mas, apesar de todos os benefícios decorrentes de<br />

sua amizade com César, Antipater era amargamente<br />

odiado pelos judeus, sem dúvida justamente por causa de<br />

sua dependência de Roma e por ser idumeu (isto é,<br />

edomita) de nascimento. Esse ódio se intensificou quando,<br />

depois da morte de César em 44 a.C, o procônsul Cassius<br />

entrou na Síria e, com extrema severidade, impôs pesados<br />

tributos ao povo. No ano seguinte, Antipater foi<br />

envenenado por seus inimigos.<br />

Quando Antônio subiu ao poder, após a batalha de<br />

Filipos em 42 a.C, ele nomeou os dois filhos de Antipater,<br />

Fasael e Herodes, tetrarcas sob o governo do etnarca<br />

Hircano II, a quem ele confirmou no Sumo Sacerdócio. Mas<br />

logo surgiram sérios problemas. Antígono, filho de<br />

Aristóbulo, o Hasmoneu, ganhou o apoio de Partiano, que<br />

apoiava suas reivindicações ao trono. Fasael e Hircano<br />

foram feitos prisioneiros; o primeiro cometeu suicídio e o<br />

outro foi levado ao exílio. Porém, Herodes escapou e foi<br />

direto para Roma, onde assegurou uma entrevista com<br />

Antônio. Ali, para sua própria surpresa, ele foi designado<br />

rei da Judéia (40 a.C). Porém, ele ainda tinha que enfrentar<br />

Antígono, que havia tomado posse da Judéia. Com ajuda<br />

dos romanos, ele derrotou seu rival em 37 a.C, após um<br />

cerco de três meses a Jerusalém. Antígono foi condenado à<br />

morte e assim começou o reinado de Herodes, o Grande.<br />

Sob o governo de Herodes (37-4 a.C.) e de seus<br />

filhos, a política de helenização propagou-se rapidamente.<br />

Ele queria, tanto quanto possível, ser "tudo para todos os<br />

homens" - para os judeus, um judeu, para os pagãos, um<br />

pagão. Seu casamento com Mariane, a neta de Hircano, era


uma indicação de seu desejo de agradar aos judeus como<br />

foi, por exemplo, a construção do novo Templo de<br />

Jerusalém, iniciada no ano 20 a.C. Porém, mesmo assim,<br />

não foi possível conciliar o povo com sua origem iduméia e<br />

com seus planos de helenizar o reino. Num aspecto<br />

importante, ele perdeu a simpatia de muitos de seus<br />

súditos judeus: na dinastia hasmoneana, o Sumo Sacerdote<br />

e o rei eram a mesma pessoa; Herodes, sendo idumeu, não<br />

poderia ser o Sumo Sacerdote, e assim ele adotou a política<br />

de, tanto quanto possível, degradar esse ofício. Com isso<br />

em vista, ele quebrou o princípio hereditário no qual o<br />

sumo sacerdócio estava baseado e aboliu o direito vitalício<br />

desse ofício. Depois disso, o Sumo Sacerdote passou a ser<br />

designado por ele e mantinha o ofício enquanto agradasse<br />

ao rei.<br />

A política de helenização que Herodes empreendeu<br />

era devida, pelo menos em parte, à própria natureza de seu<br />

reino, que abrangia muitas cidades gregas e incluía<br />

inúmeros gregos entre os cidadãos. Ele tem sido chamado,<br />

às vezes, de "patrono do helenismo" e esse título pode ser<br />

plenamente justificado em muitos sentidos. Por exemplo,<br />

ele fez pouco uso do Sinédrio judeu e em seu lugar<br />

estabeleceu um conselho real nos moldes helenísticos;<br />

substituiu a antiga aristocracia hereditária por uma nova<br />

aristocracia de serviço e elevou essa nova classe de acordo<br />

com as práticas helenísticas. Sua política de administração,<br />

de natureza burocrática fortemente centralizada, seguia<br />

também as linhas do helenismo. O historiador Josefo nos<br />

diz que "ele indicou jogos solenes a serem celebrados a<br />

cada cinco anos em honra a César, e construiu um teatro<br />

em Jerusalém, como também um imenso anfiteatro na<br />

planície" (Ant., 15.8.1, seção 267-69). Era um partidário<br />

liberal dos Jogos Olímpicos e "foi declarado nas inscrições<br />

do povo de Elis para ser um dos atdministradores


permanentes destes jogos" (Ant, 16.5.3, seção 149). Suas<br />

extensas operações de construção provam a alegação de<br />

que ele encorajava o culto ao Imperador, porque todos os<br />

muitos templos que construiu por toda a Palestina eram<br />

dedicados a César. Os fariseus, particularmente, ficaram<br />

horrorizados quando souberam que Herodes realmente<br />

havia permitido que os pagãos erigissem estátuas a ele, em<br />

seu reino. Lemos sobre certos homens, sucessores legítimos<br />

dos antigos Maca-beus, que entraram em santa aliança<br />

para impedi-lo, até mesmo sob risco de morte, de perpetrar<br />

sua política de helenização.<br />

Mesmo quando eram capturados e torturados e<br />

condenados à morte, havia outros prontos a tomar seus<br />

lugares.<br />

Em seguida à morte de Herodes em 4 a.C,<br />

irromperam tumultos na Galileia, que desse tempo em<br />

diante ficou conhecida como berço do nacionalismo<br />

judaico. Josefo nos diz que um certo Judas, o Galileu,<br />

associado a Zadoque, fariseu, rebelou-se contra Roma e<br />

fundou uma nova seita em 6 d.C. Esse é presumivelmente<br />

o partido que mais tarde veio a ser conhecido como Zelotes<br />

(em grego) ou Cananeus (em aramaico) ou Sicaris (em<br />

latim) e que passou a ser um espinho na carne dos romanos<br />

por muitos anos. Com matança, a rebelião na Galileia foi<br />

sufocada por Arquelau, filho de Herodes (4 a.C. — 6 d.C.)<br />

que o sucedeu como governador da Judeia, apenas para ser<br />

banido anos mais tarde pelos romanos como resultado de<br />

uma apelação contra ele por judeus e samaritanos. A<br />

exceção de um curto período de três anos, nos quais o neto<br />

de Herodes, Agripa I (41-44 d.C), governou como rei da<br />

Judéia, o país foi dirigido por uma sucessão de<br />

procuradores romanos (6 d.C. -66). Durante todo esse<br />

período, o nacionalismo judeu foi crescendo em<br />

intensidade e encontrou uma expressão particularmente


perigosa nas atividades dos Zelotes, que consideravam o<br />

governo estrangeiro dos romanos como uma situação<br />

intolerável. Essas atividades eram motivadas não apenas<br />

por propósitos políticos, mas também por profundas<br />

convicções religiosas, porque aparentemente os Zelotes<br />

consideravam a si mesmos como a verdadeira linha<br />

sucessória dos antigos Macabeus.<br />

É interessante notar que pelo menos um dos<br />

discípulos de Jesus pertenceu, ou havia pertencido, a esse<br />

partido. Ele é chamado Simão, o Zelote (Lucas 6.15, Atos<br />

1.13) ou Simão, o Cananeu (Mateus 10.4, Marcos 3.18). Tem<br />

sido discutido que outros também podem ter pertencido,<br />

como Judas Iscariotes (do latim sicarius, "assassino"?),<br />

Simão Barjonas (do acadiano barjona "terrorista"?) e Tiago e<br />

João, os "filhos do trovão" (Marcos 3.17). Em pelo menos<br />

uma ocasião, pensa-se que Paulo era um Zelote (Atos<br />

21.38) e o próprio Jesus foi associado aos líderes do<br />

movimento Zelote pelo mestre Gamaliel (Atos 5.36,37).<br />

Jesus não era um Zelote, mas, sem dúvida, alguns de seus<br />

contemporâneos judeus e dos romanos o consideravam<br />

como tal.<br />

Os Zelotes eram essencialmente homens zelosos<br />

para com Deus — agentes de Sua ira contra os caminhos<br />

idólatras dos pagãos. Eles criam que eram chamados por<br />

Deus para se engajarem em uma Guerra Santa contra o<br />

"poder das trevas". Nesse particular, compartilharam as<br />

crenças de muitos outros judeus patrióticos, incluindo os<br />

Pactuantes de Qumran. De fato, a esse respeito, à exceção<br />

dos colaboracionistas saduceus, não há, às vezes, uma<br />

linha clara de demarcação entre uma seita e outra.<br />

_________________<br />

32 Cf. O. Cullmann, The Slate in the New Testament (O Estado no<br />

<strong>Novo</strong> Testa-mento), 1956, p. 15 ss.


Mesmo Josefo, que cuida em isolar os Zelotes e<br />

imputar a eles a vergonha da Guerra dos Judeus, em pelo<br />

menos uma ocasião, associa os Zelotes aos Essênios, e,<br />

como temos visto, associa-os aos fariseus em sua origem.<br />

Seu patriotismo era, sem dúvida, mais obviamente<br />

expresso do que o dos outros, e seu zelo por Deus os<br />

tornou bem preparados para empunhar a espada como um<br />

instrumento de salvação apontado por Deus, mas como<br />

oDrWR. Farmer diz: "Quando as coisas ficaram claras, toda<br />

a nação foi chamada a uma luta de vida ou morte entre o<br />

povo de Deus e seus inimigos. Todos os judeus patriotas,<br />

quer fariseus, essênios ou zelotes, seriam chamados a dar<br />

todo o seu empenho na Guerra Santa." O mesmo<br />

escritor-observa que os Zelotes eram, sem dúvida,<br />

considerados por muitos de seus compatriotas como<br />

"extremamente zelosos" e "um tanto rápidos no gatilho",<br />

em comparação com os outros partidos do país. O que é<br />

certo é que eles contribuíram muito para começar a guerra<br />

com Roma que assolou de 66 a 70 d.C. e terminou com a<br />

destruição de Jerusalém e de todo o Estado judeu. Apenas<br />

mais uma vez, em 132 d.C, houve uma tentativa de lutar<br />

pela independência do Judaísmo em uma revolta liderada<br />

por Ben Kosebah, comumente chamado de Bar Kochba,<br />

ajudado pelo influente Rabino Akiba. Três anos mais tarde,<br />

a rebelião foi esmagada e Jerusalém foi remodelada como<br />

cidade pagã.<br />

A batalha entre o judaísmo e o helenismo havia<br />

terminado e por todas as aparências a batalha fora perdida.<br />

Mas, assim como o helenismo não se pôde resistir apenas<br />

________________<br />

33Ver p. 54 ss.<br />

34Ver p. 37.<br />

35Maccabees, Zealots and josephus (Macabeus, Zelotes e Josefo),<br />

1956, p. 183.


pela força, assim também o judaísmo não pôde ser<br />

extinto pelo poder das armas. O Estado judeu caiu, mas o<br />

judaísmo prevaleceu, porque quando a conquista foi<br />

negada e o acordo proibido, ao contrário do cristianismo,<br />

que se expandiu para o mundo helenístico para "pensar<br />

melhor, viver melhor e morrer melhor" os pagãos, o<br />

judaísmo escolheu para si o caminho da separação. Esse<br />

passo significativo foi dado por Jonatas ben Zakkai que,<br />

enquanto a batalha assolava a vida de Jerusalém, pouco<br />

antes de sua queda, partiu para a cidade de Jamina no<br />

litoral da Palestina e fundou uma escola que iria marcar o<br />

início de uma nova era para o povo judeu. Eles já não<br />

tinham Jerusalém; eles já não tinham o Templo; mas lá em<br />

Jamina eles tinham o estudo da sagrada Lei de Deus, e isso<br />

para eles era mais do que a própria vida. Por ela seus pais<br />

haviam lutado e morrido; por ela seus filhos iriam viver.


2<br />

O Povo do Livro<br />

A luta entre o judaísmo e o helenismo descrita no<br />

último capítulo não pode ser explicada tendo como<br />

referência o desejo dos judeus, seja de "liberdade política",<br />

seja de "liberdade religiosa". De fato, havia luta até mesmo<br />

quando eles desfrutavam de liberdade política; e a<br />

"liberdade religiosa", no sentido dos direitos de cada<br />

homem seguir os princípios de sua própria consciência,<br />

não era tolerada pelos judeus. "Durante todo este período",<br />

escreve o Dr. T. W Manson, "os judeus estavam lutando,<br />

não por ideais modernos como estes, mas pela<br />

sobrevivência de 'Israel', onde 'Israel' representa um todo<br />

orgânico complexo, que inclui a fé monoteística, os cultos<br />

no Templo e nas sinagogas, a lei e os costumes<br />

personificados na Torah, as instituições políticas que<br />

haviam surgido no período pós-exüio, a reivindicação de<br />

propriedade da Terra Santa, e qualquer sonho do que<br />

pudesse ter sido um mundo governado por Israel para<br />

substituir o governo dos impérios gentílicos". 36<br />

A nova ordem das coisas contida nesses ideais, pelos<br />

quais o judaísmo estava disposto a lutar até a morte, já<br />

haviam encontrado expressão perto do início do século III<br />

a.C. em algumas palavras do Sumo Sacerdote Simão, o<br />

Justo. No tratado judaico Pirke Aboth 1.2 está escrito: "Ele<br />

dizia: sobre três coisas o mundo está fundamentado: na<br />

Torah, e no Serviço (Templo), e em praticar o bem". Essas<br />

três coisas representam "revelação, adoração e simpatia,<br />

isto é, a palavra de Deus para o homem, a resposta do<br />

______________


36 T. W. Manson, The Servant-Messiah (O Servo Messias), 1956, p. 5.<br />

homem para Deus, e o amor do homem para com seu<br />

semelhante", 37 e são ao mesmo tempo a lei da vida e o<br />

fundamento da nação e do estado de Israel. Nos dias anteriores<br />

aos Macabeus, o Templo ainda era um bastião contra<br />

a onda do helenismo, mas, como podemos ver, o ponto de<br />

levante das forças do judaísmo tornou-se cada vez mais a<br />

Torah eterna e sagrada.<br />

1. A RELIGIÃO DA TORAH<br />

O Dr. G. F. Moore define a palavra "Torah" como "o<br />

termo amplo para a revelação divina, escrita e oral<br />

baseados na qual os judeus possuíam o padrão e a norma<br />

singulares de sua religião". 38 A palavra significa "instrução"<br />

ou "ensino" e indica a revelação dada por Deus a Israel por<br />

meio de seu servo Moisés. A palavra é freqüentemente<br />

traduzida como "Lei", mas isso pode conduzir a um<br />

equívoco, porque seu significado está mais próximo de<br />

"revelação" do que de "legislação". Mas, uma vez que essa<br />

"revelação" encontra expressão escrita no Pentateuco, o<br />

nome 'Torah" é aplicado comumente aos "cinco livros de<br />

Moisés". Como vamos ver, o nome poderia ser aplicado não<br />

apenas ao registro escrito dessa revelação, mas também à<br />

tradição não escrita que buscava explicitar o ensino implícito na<br />

Torah escrita.<br />

Ao longo de todo o período de Antíoco IV (175-163 a.C.)<br />

a Vespasiano (d.C. 69-79) e Tito (d.C. 79-81), o nacionalismo<br />

judeu estava arraigado e fundamentado na Torah. Nessa<br />

palavra estavam os germes da revolta que iriam declarar morte<br />

ao helenismo e a tudo aquilo que a cultura estrangeira estava<br />

introduzindo na nação judaica. E assim, o Livro, o veículo e a<br />

____________________<br />

37<br />

R, H. Charles, Apocr. And Pseud. (Apócrifos e Pseudônimos),<br />

1913, p. 691.<br />

38 ]udaism (Judaísmo), vol. 2,1927, p. 263.


expressão da Torah, cada vez mais se tornou o sinal e<br />

o símbolo da fé dos judeus.<br />

A.. Do Templo à Torah<br />

O espaço deste livro não permite contar a história de<br />

Esdras que, de acordo com o Talmude 39, "fundou" a Torah<br />

muito depois de ela ter sido esquecida e, apenas se pode<br />

fazer uma breve menção aos soferins ou escribas que, de<br />

acordo com a tradição, continuaram o trabalho de Esdras,<br />

ensinando e interpretando a Torah para as sucessivas<br />

gerações, reivindicando para ela uma posição de<br />

autoridade suprema no judaísmo. O ensino deles, baseado<br />

em exegese simples da Torah, deu ensejo a novas tradições,<br />

para as quais não havia nenhum precedente na antiga<br />

tradição ou na própria Torah.*<br />

O papel exercido pelo ensino oral dos escribas foi<br />

muito significante no preparo das pessoas para os anos<br />

atribulados que se seguiriam, nos quais a influência da<br />

cultura helenística começou a se fazer sentir muito<br />

profundamente. Há razão para acreditar que os soferins<br />

organizaram reuniões semanais não só em Jerusalém, mas<br />

nas cidades e aldeias adjacentes, nas quais liam a Torah<br />

publicamente e explicavam seus ensinamentos. Seria um<br />

equívoco pensar nessas reuniões em termos dos ofícios das<br />

sinagogas, que surgiram posteriormente e se espalharam<br />

rapidamente por toda a Jerusalém e pelas regiões da<br />

Dispersão, mas sem dúvida, eles prepararam o caminho<br />

para aqueles ofícios, e aos soferins e seus sucessores é<br />

atribuído muito do crédito pelo desenvolvimento dessa<br />

instituição vital para o judaísmo.<br />

_________________<br />

39Ver p. 68, n. 3.<br />

40Ver também p. 64 ss.


Na ocasião da morte de Simão, o Justo, cerca de 270<br />

a.C, a influência dos soferins declinou, mas há evidência de<br />

que após essa data um conjunto de homens,<br />

principalmente leigos, continuou a aplicar-se<br />

reservadamente ao estudo da Torah. Esse período de<br />

ensino não autorizado continuou até cerca de 196 a.C,<br />

quando provavelmente foi encerrado pela organização que<br />

mais tarde viria a ser conhecida como Sinédrio, um<br />

tribunal composto de membros sacerdotes e leigos que se<br />

dedicava à regulamentação das questões religiosas.<br />

Assim, muito tempo antes da Revolta dos Macabeus,<br />

as pessoas comuns haviam sido instruídas na fé e haviam<br />

aprendido a aplicar a religião à vida cotidiana na nova<br />

situação e condições que se formavam na Palestina. A<br />

Torah passou a ser o centro da atenção, ocupando um lugar<br />

cada vez mais significativo na vida devocional de muitos<br />

que, por causa das dificuldades daqueles tempos ou por<br />

causa da dispersão, longe de Jerusalém, não podiam<br />

oferecer sacrifícios no Templo Sagrado.<br />

Em algum momento, então, entre a conclusão da<br />

Torah em cerca da metade do século IV a.C. e a Revolta dos<br />

Macabeus em 167 a.C, ocorreu uma transferência sutil de<br />

ênfase, do Templo para a Torah, o que ainda seria de<br />

grande importância para a sobrevivência do judaísmo. Mas<br />

foi na era dos macabeus que essa mudança foi mais<br />

notável, porque nessa época a Torah havia se tornado o<br />

símbolo visível da fé judaica. O triunfo da Revolta dos<br />

Macabeus e o desenvolvimento das sinagogas e das<br />

escolas, tanto em Jerusalém como na Dispersão, aumentou<br />

ainda mais a reputação da Torah. A Torah da Sinagoga não<br />

estava, em nenhum sentido, em oposição ao ritual do<br />

Templo, mas nutriu uma religião pessoal profunda — algo<br />

que os ritos do Templo não eram capazes de fazer. E assim,<br />

chegou um momento em que o registro escrito pôde tomar


o lugar dos atos litúrgicos nos afetos do povo. Isso explica<br />

por que, apesar da destruição do Templo em 70 d.C, o<br />

Judaísmo conseguiu sobreviver. O ritual do Templo havia<br />

sido substituído pela reverência para com a Torah; o<br />

sacerdote havia sido substituído pelo rabino; o Templo fora<br />

suplementado pela sinagoga. Depois disso, o judaísmo<br />

passou a ser, essencialmente, a religião do livro.<br />

B. O Ponto de Levante da Revolta<br />

A centralidade da Torah para o movimento do<br />

nacionalismo judeu pode ser amplamente ilustrada, tanto<br />

no período dos Selêucidas como no dos romanos: em cada<br />

um ela tornou-se o ponto de levante da revolta. Por<br />

exemplo, quando Matadas, no tempo de Antíoco TV,<br />

desafiou o poder dos sírios em Modein, ele clamou em alta<br />

voz ao povo: "Quem for fiel à lei e permanecer firme na<br />

Aliança, saia e siga-me" (I Macabeus 2.27). Realmente é<br />

muito significativo que, apesar de o Templo ter sido<br />

profanado apenas pouco tempo antes (I Macabeus 1.54),<br />

não foi em defesa do Templo, mas da Torah, que as pessoas<br />

foram conclamadas. Um apelo ao Templo teria reunido<br />

uma parte do povo; mas um apelo à Torah tinha mais<br />

chance de reunir todo o povo; e, mesmo que nem todos<br />

respondessem, todos estavam envolvidos, porque toda a<br />

nação reverenciava a Torah como revelação e vontade<br />

declarada de Deus. "Do primeiro ao último", escreve o Dr<br />

Travers Herford, "a batalha era entre o helenismo de um<br />

lado e a Torah do outro; e o resultado final é que o<br />

helenismo foi derrotado e a Torah se manteve suprema,<br />

reconhecida por quase todos e jamais abertamente<br />

desafiada por alguém". 41<br />

Os inimigos dos judeus foram rápidos em<br />

reconhecer a confiança que devotavam à Torah e o<br />

entusiasmo com que se levantavam em sua defesa. E assim


a Torah escrita tornou-se o foco do ataque contra o<br />

judaísmo. Concernente à perseguição de Antíoco IV, lemos:<br />

"Rasgavam e queimavam todos os livros da lei que<br />

achavam; em toda a parte, a todo aquele, em poder do qual<br />

se achava um livro do Testamento, ou todo aquele que<br />

mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei." (I<br />

Macabeus 1.56, 57). Atacar a Torah significava atacar o<br />

próprio judaísmo; defender a Torah era defender a fé de<br />

seus pais.<br />

A Revolta dos Macabeus começou, continuou e<br />

terminou, então, em uma convocação para se levantar em<br />

defesa da Torah que era, para os judeus, a própria<br />

incorporação da religião deles. O desafio do helenismo não<br />

era simplesmente uma questão de política ou estética ou<br />

moral ou cultura; era um golpe desferido contra as<br />

próprias raízes da fé judaica, que era fundamentada na<br />

Torah sagrada, e a ele se deveria resistir com todas as<br />

forças.<br />

Mas, como já temos visto, a Revolta dos Macabeus,<br />

embora alcançasse uma grande vitória, não resolveu a<br />

questão "judaísmo versus helenismo" de uma vez por<br />

todas. A nação judaica ainda estava rodeada pela cultura<br />

helenística e devia, de alguma forma, estabelecer suas<br />

relações com seu ambiente. Durante o tempo dos<br />

Hasmoneus, em particular o desenvolvimento das<br />

sinagogas e das escolas, em ambas as quais o ensino era<br />

ministrado com base na Torah sagrada, ajudou<br />

grandemente a impedir a infiltração do helenismo na vida<br />

da nação.<br />

__________________<br />

41 Talmud and Apocrypha (Talmude e Apócrifos), 1933, p. 80.<br />

Mas com o advento de Roma, influências helenistas<br />

começaram a se firmar novamente de formas mais


declaradas e tiveram que ser rechaçadas. A batalha teve<br />

que ser enfrentada por toda parte novamente, e mais uma<br />

vez a Torah foi o ponto de encontro da revolta. Josefo, por<br />

exemplo, escrevendo sobre os judeus que se opunham à<br />

.política helenizante de Herodes, fala dessa "constância<br />

destemida que eles demonstravam na defesa de suas leis"<br />

(Ant., 15.8.4, seção 291). Essas palavras podem ser<br />

consideradas como uma verdadeira descrição da atitude<br />

dos judeus para com os romanos durante esse período e até<br />

a queda de Jerusalém em 70 d.C.<br />

Repetidas vezes Josefo declarou que eles não<br />

somente estavam dispostos a lutar e a matar pela Torah,<br />

mas também a sofrer e a morrer por sua causa.<br />

Tanto no caso dos Selêucidas como no caso dos<br />

romanos, os inimigos dos judeus foram rápidos em<br />

identificar o centro da lealdade deles, e então ataques e<br />

mais ataques eram lançados contra a Torah. E muito<br />

significativo que entre os troféus do Templo, que Tito<br />

levou consigo em uma procissão triunfal em Roma, havia<br />

uma cópia da Torah judaica, e que atrás da procissão eram<br />

carregadas imagens de Nikè, a deusa grega da vitória. A<br />

Torah é considerada aqui como o símbolo supremo do<br />

Judaísmo sobre a qual as forças do Helenismo üuminado,<br />

como se acreditava, havia prevalecido.<br />

C. A Santa Aliança<br />

Esse zelo que os judeus demonstravam pela Torah<br />

ao longo de todo o período helenístico era, contudo, não<br />

simplesmente zelo por um Livro, mas pela Aliança sobre a<br />

qual o Livro testemunhava, uma Aliança feita por Deus na<br />

qual ele havia separado a nação judaica para ser seu povo<br />

particular. Menosprezar a Torah era trair a Aliança que<br />

Deus havia feito com seus pais. Isso ajuda a explicar a


lealdade fanática que muitos judeus demonstravam para<br />

com os ritos de sua fé ao longo daqueles dias difíceis.<br />

A circuncisão, por exemplo, era um sinal visível de<br />

que um homem era um membro da Aliança (I Macabeus<br />

1.48, etc), e assim, sujeitar-se à "incircuncisão" era negar<br />

completamente a Aliança (I Macabeus 1.15). Comer carne<br />

de porco era fazer o que a Torah proibia, e assim a isso se<br />

devia resistir sob a penalidade de morte (cf. I Macabeus<br />

1.62,63; II Macabeus 6.18, 7.1 para ver histórias de bravo<br />

heroísmo). O Sábado sagrado era, igualmente, uma marca<br />

da Aliança que o Helenismo procurou profanar (ITMac<br />

6.6); os judeus observavam isso tão rigorosamente, que<br />

muitos deles preferiam a morte a levantar os braços,<br />

mesmo para se defender, no dia do Sábado (II Macabeus<br />

6.11; I Macabeus 2.29-38). A Torah era inflexível em sua<br />

proibição de idolatria de qualquer tipo ou forma; daí o ódio<br />

amargo dos judeus por qualquer coisa que lembrasse o<br />

culto ao Imperador; daí também sua violenta oposição<br />

àquelas construções em estilo grego, decoradas com<br />

figuras idólatras de arrimais e homens; até mesmo os<br />

troféus que adornavam os teatros eram olhados por muitos<br />

como imagens, e então, eram anátema para os judeus, que<br />

adoravam um "Deus ciumento" que não toleraria nenhum<br />

rival ao seu trono.<br />

O lugar que a Torah ocupava e ainda ocupa, na vida<br />

do Judaísmo, é bem resumido nestas palavras do Dr. H.<br />

Wheeler Robinson: "A Lei era a escritura do Judaísmo, a<br />

fonte verdadeira de sua força durante muitos séculos. As<br />

instituições que a lei prescrevia, em grande medida,<br />

acabaram em 70 d.C; mas a Lei mostrou seu poder pela<br />

criação de um novo judaísmo, capaz de resistir sem terra,<br />

cidade ou templo. Através da leitura da Lei, suplementada<br />

pelos escritos dos profetas, nas sinagogas espalhadas da<br />

Dispersão, o conhecimento de um Deus santo e de sua


Aliança com Israel foi mantido vivo nos corações de<br />

todos". 42<br />

2. A TORAH E AS SEITAS<br />

O Judaísmo do período de que estamos tratando, era<br />

um sistema mais complexo, contendo dentro de si mesmo<br />

muitos partidos, grupos e seitas diferentes, cujos nomes e<br />

crenças distintas nem sempre ficaram registrados na<br />

história. Josefo declara que "os judeus tiveram, por um<br />

grande período de tempo, três seitas de filosofia" (uma<br />

expressão mais enganosa) - os Fariseus, os Saduceus e os<br />

Essênios, aos quais ele acrescenta o partido fundado por<br />

Judas e Zadoque, mais tarde chamado de "Zelotes" (cf. Ant.<br />

18.1.1-6, seção 9-23). Indubitavelmente esses partidos<br />

foram muito influentes dentro do Judaísmo durante esse<br />

período, mas para manter a questão na devida proporção,<br />

temos que nos lembrar de que eles eram uma minoria<br />

muito pequena na Palestina. Calcula-se que Fariseus,<br />

Saduceus e Essênios juntos somariam apenas trinta mil -<br />

trinta e cinco mil de um total de quinhentos mil -seiscentos<br />

mil no tempo de Jesus. Os Fariseus somariam<br />

aproximadamente cinco por cento da população total e os<br />

Saduceus e os Essênios juntos, aproximadamente dois por<br />

cento. 43<br />

Alguns dos muitos grupos no Judaísmo tinham mais<br />

afinidades com essas três seitas principais do que com<br />

outras, mas é uma exagerada simplificação do caso supor<br />

que, quando essas seitas foram denominadas, as únicas<br />

restantes eram as assim chamadas "Am ha-aretz” ou "povo<br />

da terra".<br />

_______________<br />

42 Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento), 1913, p. 128.


A descoberta da literatura dos Pactuantes do<br />

Qumran, próximo da costa do Mar Morto, ajudou a<br />

esclarecer melhor essa situação. Têm sido feitas tentativas<br />

de identificar essa comunidade com uma ou outra das<br />

principais seitas e, o que é bem possível, a Seita de Qumran<br />

poderia muito bem representar um grupo influente dentro<br />

da nação em muitos aspectos diferentes daqueles partidos<br />

cujos nomes nos são familiares. Para citar as palavras de R.<br />

H. Pfeiffer: "O Judaísmo no período em que está sendo<br />

considerado era tão vivo, tão progressivo, tão agitado por<br />

controvérsias, que sob seu espaçoso telhado as visões mais<br />

contrastantes puderam ser mantidas". 44<br />

Contudo, todos esses grupos ou seitas,<br />

aparentemente, têm uma coisa em comum: todos eles<br />

prestavam submissão à Torah. E completamente errôneo<br />

destacar, digamos, os fariseus e denominá-los "o partido da<br />

Torah" ou atribuir a eles os escritos vagos desse período<br />

que exaltam "a Lei de Deus". A Torah era o grande<br />

fundamento do Judaísmo e o alicerce de sua nacionalidade.<br />

Porém, não se deve dizer que todos os partidos<br />

concordavam com o significado da Torah ou com sua<br />

interpretação. De fato, havia opiniões muito divergentes<br />

sobre esse assunto, de forma que, considerando que a<br />

lealdade deles à Torah era um laço de união, sua concepção<br />

dela era uma causa constante de divisão entre eles.<br />

A. Os Fariseus<br />

De acordo com Josefo {Ant., 13.5.9, seção 171-3), os<br />

fariseus já existiam no tempo de Jonatas (160-143 a.C), mas<br />

em outro lugar (Ant., 13.10.5-7, seção 288-99) ele afirma que<br />

eles são mencionados pela primeira vez na história em<br />

conflito com João Hircano 45 (134-104 a.C).<br />

_____________________________<br />

1Cf. T. W Manson, op. cit, p. 11<br />

2 Op. cit, p. 53.


Eles exerceram uma grande influência por um<br />

período de cerca de três séculos e fizeram mais do que<br />

qualquer outro partido para determinar a forma de<br />

Judaísmo nos anos seguintes. Sua ascendência espiritual<br />

pode ser traçada até os Hasidim que, ao apoiarem os<br />

Macabeus, haviam dado sanção religiosa à proposta de<br />

liberdade destes. Eles não constituíam um partido político,<br />

mas essencialmente uma seita religiosa, originados em<br />

grande parte da classe média da sociedade, que<br />

gradativamente passou a ocupar uma forte posição<br />

religiosa e social na comunidade.<br />

Várias explicações têm sido cogitadas para o nome<br />

fariseu, tais como, "expositor" (das escrituras, no interesse<br />

da lei oral) ou "separatista" (das coisas impuras ou no<br />

sentido de "expelido", isto é, do Sinédrio). O Dr. T. W<br />

Manson afirma 46 que a palavra significa "persa" e era<br />

aplicada a eles por seus oponentes que, nesse sentido,<br />

chamava-os de inovadores em teologia. Mais tarde, o nome<br />

passou a ser considerado como "uma construção<br />

etimológica" e era associado à raiz hebraica que significa<br />

"separar" sendo entendida como "separatista". É<br />

certamente verdade que, embora os fariseus fossem firmes<br />

defensores da "tradição", para eles ela não era coisa morta<br />

e, sem dúvida em algumas de suas doutrinas (como por<br />

exemplo, o reino messiânico, a vida eterna, a crença na<br />

multiplicidade de demônios e anjos, etc), eles foram<br />

influenciados pelo pensamento persa.<br />

Ao longo de todo esse período, porém, eles se<br />

levantaram como um bastião contra a invasão do<br />

helenismo, demonstrando serem os defensores valentes da<br />

religião da Torah. Mas era justamente a interpretação que<br />

_______________<br />

45 Ou Janaeus no Talmude.


eles faziam da Torah que os distinguiam da maioria<br />

de seus oponentes, os saduceus. Os fariseus criam que a lei<br />

oral devia ser considerada como de igual autoridade que a<br />

Torah escrita (cf. Ant, 13.10.6, seção 297), ao passo que os<br />

saduceus consideravam a autoridade sagrada da Torah<br />

escrita como completamente acima e separada das novas<br />

tradições e observâncias. 47<br />

Ao ensinar e interpretar a Torah, escrita e oraL e ao<br />

aplicá-la à vida do dia a dia, eles "democratizaram a<br />

religião", tornando-a pessoal e operativa na experiência das<br />

pessoas comuns. O principal instrumento para propagação<br />

da Torah era a sinagoga que se tornou uma instituição mais<br />

poderosa dentro de Judaísmo, não apenas em Jerusalém<br />

mas também por todas as regiões da Dispersão. A leitura<br />

da Torah acompanhada de uma tradução interpretativa no<br />

vernáculo tornou-se uma característica distintiva dos<br />

ofícios das sinagogas.<br />

Nestes, os escribas, muitos dos quais eram membros<br />

do partido dos fariseus, tinham um papel importante a<br />

desempenhar. Os Evangelhos oferecem alguma indicação<br />

da posição que as sinagogas passaram a ocupar como<br />

fortalezas da religião da Torah mesmo antes do tempo de<br />

Jesus.<br />

Mas está claro, pelos registros, que o farisaísmo era,<br />

no fundo, de caráter legalista, e que o legalismo pode<br />

facilmente conduzir ao formalismo, e o formalismo ao<br />

externalismo e à irrealidade, defeitos que se revelaram no<br />

decurso do tempo em pelo menos algumas fases do<br />

farisaísmo. 48 Mas, apesar disso, os fariseus criaram um<br />

espírito de verdadeira piedade e devoção que afetou<br />

profundamente as vidas das pessoas, e desenvolveram um<br />

________________<br />

46 Op. cit. pp 19 s.<br />

47 Ver capítulo 3.


individualismo religioso que deu uma nova relevância à<br />

Torah de Deus.<br />

B. Os Saduceus<br />

Se os fariseus, como um todo, pertenciam à classe<br />

média, os saduceus eram representados pela rica<br />

aristocracia e particularmente pelo poderoso sacerdócio em<br />

Jerusalém. Provavelmente a maioria dos saduceus era de<br />

sacerdotes, mas eles não devem ser identificados com todo<br />

o corpo do sacerdócio. Eles contavam em suas fileiras com<br />

comerciantes ricos, funcionários do governo e outros. Em<br />

sua origem, então, eles não eram um partido religioso,<br />

embora fosse nisso que eles pretendessem tornar-se; em<br />

vez disso eles eram um grupo de pessoas compartilhando<br />

uma posição social comum e unidos informalmente apenas<br />

por uma determinação comum de manter o regime<br />

existente. Na verdade, o Dr T. W Manson afirma que o<br />

nome se origina na palavra grega syndikoi, que na história<br />

ateniense significa aqueles que defendem as leis existentes<br />

contra a inovação. 49 Além disso, em assuntos religiosos eles<br />

adotaram a posição de um grupo distintamente<br />

conservador. O Sumo Sacerdote e seu círculo eram<br />

membros do partido dos saduceus quase até 70 d.C,<br />

embora alguns anos antes os fariseus, e mais tarde os<br />

zelotes, tivessem obtido controle do Templo. Sua influência<br />

havia sido determinada por sua posição no estado, e<br />

quando essa posição foi perdida, a influência deles cessou.<br />

Como os fariseus, eles acreditavam na supremacia<br />

da Torah, mas ao contrário daqueles, os saduceus se<br />

recusavam a reconhecer a autoridade vinculante da lei oral.<br />

Eles tinham, é verdade, tradições e costumes de seus<br />

_________________<br />

48Cf. Mateus 9.14; 15.10-20; 16.6; 23passim [N.T.: do latim aqui e<br />

acolá]; Marcos 12.38-40; Lucas 11.37-54; 16.14 ss; 18.10 ss; 20.46 s. etc.


próprios rituais e leis, mas como a origem desses não<br />

datava de Moisés, não eram considerados no mesmo nível<br />

que a Torah. Além disso, eles acreditavam que<br />

principalmente no Templo é que as palavras da Torah<br />

podiam ser obedecidas, e que as ordenanças provenientes<br />

dos sacerdotes, investidos em sua própria autoridade,<br />

eram um guia suficiente para as pessoas cumprirem. Com<br />

efeito, ainda apoiando a autoridade da Torah escrita contra<br />

a autoridade da tradição oraL os saduceus<br />

consideravam-na pouco mais que uma relíquia do passado.<br />

Se para os fariseus a Torah era o centro de sua fé,<br />

para os saduceus era a circunferência dentro da qual<br />

podiam ser nutridas convicções e práticas estranhas ao<br />

judaísmo. Daí a habilidade deles para inserir dentro de seu<br />

sistema muitas influências helenísticas que eram odiosas a<br />

seus companheiros judeus.<br />

C. OsEssênios<br />

O nome Essênio provavelmente deriva de uma palavra<br />

aramaica que significa "santo" ou "piedoso" e<br />

corresponde ao hebraico hasid. Relativamente pouco se<br />

sabe sobre os essênios, mas o historiador romano Plínio<br />

fala sobre um povo com esse nome que formava uma<br />

comunidade asceta firmemente unida, que vivia perto da<br />

costa ocidental do Mar Morto. Josefo e Philo oferecem<br />

informações adicionais de que havia cerca de quatro mil<br />

essênios que, em sua maior parte, vivia em aldeias, embora<br />

alguns deles vivessem em cidades. Esses últimos eram,<br />

sem dúvida, considerados por seus irmãos como membros<br />

associados da comunidade que vivia em regiões desérticas,<br />

sob uma disciplina mais rígida. O nome essênio<br />

_________________<br />

49 Op cit., pp. 15 s.


provavelmente abrange vários grupos cujas convicções e<br />

práticas, embora talvez não fossem idênticas, ainda eram<br />

semelhantes.<br />

O que é significante para o nosso propósito é o fato<br />

registrado de que os essênios dedicavam muito tempo ao<br />

estudo e interpretação da Torah e de outros livros<br />

sagrados, com os quais eles tomavam o maior cuidado<br />

possível. Josefo nos fala que eles estudavam<br />

intensivamente as Escrituras e indica que certo número<br />

deles era capaz de predizer o futuro através da leitura dos<br />

livros sagrados. Philo se refere ao método deles de estudo<br />

em grupo e afirma que um membro do grupo lia uma<br />

passagem em voz alta para os outros e um irmão mais<br />

experiente, então, ia explicando o significado. E óbvio que<br />

a Torah escrita e seu estudo formavam a base da vida<br />

comum deles e era a inspiração de seu movimento. Em sua<br />

perspectiva religiosa, eles tinham muito em comum com os<br />

fariseus, mas em alguns aspectos, pelo menos, pareciam ser<br />

bem mais rígidos do que aqueles na interpretação da<br />

Torah.<br />

D. Os Zelotes<br />

Já observamos anteriormente que Josefo traçou a<br />

origem dos zelotes até o ano 6 d.C; mas na realidade suas<br />

raízes vão muito além do período pré-romano, porque eles<br />

podem, justificavelmente, ser considerados como<br />

verdadeiros filhos espirituais dos macabeus. O Dr. R. H.<br />

Pfeiffer coloca a situação resumidamente nestas palavras:<br />

"Como os fariseus são os herdeiros dos Hasidim, assim os<br />

zelotes são os herdeiros dos Macabeus". 50<br />

Eles são descritos por Josefo como bandidos, ladrões<br />

e coisa semelhante, mas bem podem igualmente ser<br />

descritos como patriotas, de acordo com o ponto de vista<br />

do escritor; e Josefo era um tanto parcial! <strong>Entre</strong>tanto, é


errôneo considerá-los simplesmente como um grupo<br />

político radical dentro do estado, que provocava conflitos<br />

com os romanos. Sem dúvida, os zelotes atraíram para si<br />

muitos do populacho de seus dias com tendência a<br />

"gangsters", mas eles eram essencialmente uma companhia<br />

de patriotas judeus motivados por profundas convicções<br />

religiosas. E interessante notar que Josefo descreve os<br />

sucessivos líderes do movimento dos zelotes pela palavra<br />

"sofista", que bem pode indicar que dentro do partido<br />

havia um programa planejado de ensino que ia além do<br />

interesse meramente político que Josefo insinua.<br />

Na verdade, sabemos que a oposição dos essênios a<br />

Roma estava arraigada em seu zelo para com a Torah. Foi<br />

esse zelo e não simplesmente o "amor ao país" que gerou<br />

seu patriotismo e fanatismo, o que fez que passassem a ser<br />

temidos tanto pelos amigos como pelos inimigos. Josefo<br />

continua dizendo (Ant., 18.1.6, seção 23) que eles tinham<br />

"uma fixação inviolável pela liberdade"; eles se recusavam<br />

a chamar qualquer homem de "senhor" ou pagar tributo a<br />

qualquer rei, pois Deus era seu único Rei e Senhor;<br />

desprezavam a dor e davam pouca importância à morte;<br />

nem sequer o sofrimento de parentes e amigos os demovia<br />

de seu propósito. Por trás de tudo isso estava sua devoção<br />

apaixonada pela Torah, pela qual eles estavam dispostos<br />

não apenas a lutar, mas quando chamados, até mesmo a<br />

sacrificar suas vidas.<br />

________________<br />

50 Op. cit., pp. 36.<br />

E. Os Pactuantes de Qumran<br />

Já fizemos menção dos Hasidim que, no tempo de<br />

João Hircano (134-104 a.C), apareceram como partido dos<br />

fariseus. Porém, nem todo Hasidim se identificou com esse


partido. Parece haver razão para acreditar que, durante o<br />

curso do segundo século a.C, um grupo de pessoas da<br />

verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para o<br />

deserto da Judeia sob a liderança de quem eles chamavam<br />

o "Mestre da Justiça". Este formou seus seguidores em uma<br />

comunidade religiosa bem organizada, ensinou-lhes uma<br />

nova interpretação das Escrituras e uniu-os em uma "nova<br />

aliança" que os levou à obediência à lei de Deus até o<br />

surgimento da era messiânica. A descoberta em 1947 desse<br />

quartel general dos Pactuantes, em Qumran, perto da costa<br />

do Mar Morto, e de um vasto número de escritos de suas<br />

bibliotecas, muito acrescentou à nossa compreensão sobre<br />

o estado das coisas na Palestina durante o período<br />

interbíblico.<br />

Desde então, a opinião sobre a descoberta desses<br />

"rolos do Mar Morto" tem estado dividida como também<br />

em relação à identidade da comunidade de Qumran.<br />

Alguns estudiosos têm argumentado a favor de uma data<br />

pré-macabeus, e outros por uma identificação com os<br />

zelotes no primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais<br />

fortes, entretanto, possam ser apresentados ao associá-los,<br />

se não identificá-los, com um ramo dos essênios da época<br />

de Alexander Janaeus (102 a.C.)*ou um pouco antes. Nesse<br />

mesmo período há evidências de uma grande comunidade<br />

de essênios e uma comunidade igualmente grande de<br />

Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi Qumran (NT.:<br />

vádi: denominação árabe dos rios intermitentes do norte da<br />

África e do Oriente próximo; denominação do leito desses<br />

rios — Dicionário Webster.), e a indicação é de que eles<br />

provavelmente formavam uma única comunidade. Essa<br />

convicção é fortalecida por uma comparação dos costumes,<br />

ritos e crenças dessas duas seitas que indica que eles<br />

pertenciam ao mesmo tipo geral.


É um fato de particular interesse que ambas as seitas<br />

tenham dedicado muito tempo ao estudo e interpretação<br />

da Torah e de outros livros sagrados. <strong>Entre</strong> os Pactuantes,<br />

sempre que os membros efetivos do Conselho se reuniam<br />

em grupos de dez, como era costume, os assuntos eram<br />

ordenados de modo que algum membro do grupo sempre<br />

se ocupava do estudo ou exposição. Os membros<br />

ordinários da comunidade deviam dedicar a primeira terça<br />

parte de todas as noites à leitura do livro', estudando a lei e<br />

respondendo com as bênçãos apropriadas. Como os<br />

essênios, os pactuantes tinham muito em comum com os<br />

fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na<br />

interpretação da Torah, como, por exemplo, na observância<br />

do dia do Sábado. Eles acreditavam que sua fidelidade<br />

como remanescente representativo de Israel, causaria uma<br />

expiação vicária para sua nação e ajudaria a anunciar a<br />

nova era de que os profetas haviam falado. Essa fidelidade<br />

encontrou sua expressão no estudo meticuloso e na prática<br />

da lei, e foi com esse propósito que eles foram os primeiros<br />

a se retirarem para o deserto da Judéia.<br />

O líder dessa comunidade, o Mestre da Justiça,<br />

ensinou a seus seguidores uma nova interpretação das<br />

Escrituras que tornou clara a parte que eles deveriam<br />

desempenhar no cumprimento do propósito de Deus para<br />

sua geração. De particular significado eram os escritos dos<br />

profetas que, como se acreditava, não escreviam<br />

simplesmente sobre seus próprios dias, mas sobre os<br />

tempos do fim. Na profecia de Habacuque, os pactuantes<br />

viam uma predição dos dias que eles mesmos estavam<br />

então vivendo. O fim estava próximo. O "mistério"<br />

(hebraico: raz cf. Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por Deus<br />

a Habacuque, mas cujo significado foi dele escondido,<br />

recebeu sua interpretação (hebraico: pesher) pelo Mestre da<br />

Justiça, que demonstrou que a antiga profecia fora escrita


com referência, não ao passado, mas às pessoas e aos<br />

acontecimentos de seus próprios dias. O Dr. F. F. Bruce<br />

mostrou 51 que esse mesmo método de interpretação é, em<br />

muitos aspectos, semelhante ao adotado pelos cristãos<br />

primitivos e que várias passagens no <strong>Novo</strong> Testamento<br />

podem facilmente ser traduzidas para a língua-pescher em<br />

que a interpretação da profecia é dada em termos dos<br />

próprios dias do escritor ou em termos do fim dos<br />

tempos. 52<br />

<strong>Entre</strong> os escritos encontrados no Qumran há um<br />

chamado "A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das<br />

Trevas" onde são descritos planos para a execução de uma<br />

Guerra Santa que conduziria ao tempo do fim. Parece certo<br />

que, na ocasião da guerra com Roma (66 d.C), segundo o<br />

espírito desse livro, os Pactuantes foram prontamente<br />

favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas instalações<br />

em Qumran foram destruídas, como as evidências<br />

arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se, como parece<br />

provável, eles devem ser identificados como um ramo dos<br />

essênios, isso explicaria o relato de Josefo, segundo o qual<br />

naquela época muitos dos essênios foram cruelmente<br />

torturados.<br />

As seitas do judaísmo diferiam umas das outras em<br />

muitos aspectos; contudo, à exceção dos saduceus, elas eram<br />

unidas por uma única coisa em sua luta contra o inimigo<br />

comum; não era a devoção pelo partido nem mesmo pela<br />

pátria, mas pela Torah sagrada e pela santa Aliança do<br />

Senhor seu Deus.<br />

_________________<br />

51 New Testament Studies (Estudos do <strong>Novo</strong> Testamento), vol. 2, n°<br />

3, pp. 176 ss, artigo sobre 'Qumran and Early Christianity' ('Qumran e o<br />

Cristianismo Primitivo').<br />

52 Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss como<br />

interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17 e<br />

Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus 3.9<br />

s.


3<br />

Os Escritos Sagrados<br />

Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é<br />

enfado da carne" (Ec 12.12). Essas palavras, sem dúvida,<br />

têm uma qualidade atemporal, mas provavelmente o<br />

escritor tinha em mente os livros de origem grega escritos<br />

no início do segundo século a.C. ou um pouco mais tarde, e<br />

que refletiam a cultura helenística prevalecente naquela<br />

época. Esses escritos não estão diretamente ligados ao<br />

nosso contexto, mas sua citação nos ajuda a lembrar que na<br />

própria Palestina, do primeiro quarto do segundo século<br />

a.C. ao primeiro século d.C, havia também muitos escritos<br />

judaicos, de diversos tipos que tiveram uma influência<br />

duradoura, se não sobre o Judaísmo em si, então sobre o<br />

cristianismo, que reivindicava ser o "novo Israel" de Deus.<br />

Tem sido prática comum classificar a literatura dos<br />

judeus desse período como canónica, rabínica, apócrifa e<br />

pseu-depígrafa. Contudo, como G. F. Moore indicou, 53 tal<br />

classificação era bem desconhecida para os judeus daquela<br />

época e é, na verdade, muito enganosa. Melhor<br />

classificação, ele sugere, seria de livros canónicos,<br />

"normativos" e "irrelevantes" (ou "excluídos"). Por<br />

"canónico" entenda-se o conjunto das Sagradas Escrituras<br />

reconhecido como autorizado; "Normativo" significa a<br />

literatura, ou mais corretamente a tradição oral que<br />

posteriormente encontrou expressão na literatura do<br />

judaísmo rabínico; e "irrelevante" significa escritos<br />

não-canônicos, aos quais os rabinos davam o nome de<br />

"livros excluídos".<br />

_____________<br />

53 Op. dt., vol. I, pp. 125 ss.


I. As SAGRADAS ESCRITURAS<br />

A. O Canon Hebraico<br />

De acordo com os costumes judaicos, as Escrituras<br />

Hebraicas são divididas em três grupos conhecidos como<br />

Torah (Lei), Nebi'im (Profetas - Anteriores e Posteriores) e<br />

Kethubim (Hagiógrafo ou Escritos). Consistem em vinte e<br />

quatro livros que, por divisão diferente, aparecem na<br />

Versão Autorizada como trinta e nove. Desses livros,<br />

considerados inspirados e sagrados e que possuíam a<br />

autoridade "canónica", os judeus diziam que "tornam as<br />

mãos sujas" — frase cuja origem está perdida na<br />

obscuridade, mas que "pretendia provavelmente prevenir<br />

descuidos e manuseio irreverente dos livros sagrados,<br />

particularmente pelos sacerdotes". 54 Nem todos os livros<br />

das Escrituras Sagradas eram considerados de igual<br />

autoridade, como também, nem, de fato, constavam nas<br />

três seções em que as Escrituras estavam divididas. Eles<br />

eram classificados em três níveis, por assim dizer; o<br />

primeiro lugar representando a Torah, em seguida, os<br />

Profetas e o último, os Escritos.<br />

Desde o tempo de Esdras em diante, o judaísmo que<br />

gradualmente se desenvolveu atribuiu a maior importância<br />

possível à revelação da Thorah dada por Deus a Moisés no<br />

Sinai, e considerou a história subseqüente como de menor<br />

importância; dessa maneira a Thorah recebeu um lugar de<br />

suprema autoridade escriturística dentro da igreja judaica.<br />

Parece provável que em cerca de 400-350 a.C, a Torah ou o<br />

Pentateuco, como nós o temos agora, foi concluído; mas é<br />

mais difícil apurar a que ponto ele foi considerado como<br />

tendo obtido autoridade canónica.<br />

________________<br />

54 G. F. Moore, ibid., vol. III, p. 66.


O cerne da idéia talvez só possa ser encontrado em<br />

data mais remota, em 621 a.C, quando a leitura do Livro da<br />

Lei perante o rei Josias (provavelmente os trechos<br />

principais do livro de Deuteronômio), causou grande<br />

impressão no povo, e novamente em 397 a.C, quando o<br />

Livro da Lei de Esdras foi lido com efeito semelhante. Não<br />

resta dúvida de que em cerca de 350-300 a.C. o Pentateuco<br />

como uma unidade era venerado pelo povo. Mas foi<br />

provavelmente durante o período de 300-200 a.C, quando,<br />

como já temos visto, ocorreu uma troca gradual de ênfase<br />

do Templo para a Torah, que esse conjunto das Escrituras<br />

passou a ter cada vez mais o que nós chamamos de<br />

autoridade canónica. O livro de Tobias (cerca de 200 a.C.)<br />

mostra grande respeito para com a Torah, e Ben Sira<br />

(Eclesiástico) escrevendo em 180 a.C, fala sobre a Torah<br />

como o supremo dom de Deus e equipara-a à Sabedoria<br />

(24.23), indicando que nessa época, de alguma forma, ela<br />

era considerada por Ben Sira como verdadeiramente<br />

canónica. Assim, por volta do ano 200 a.C, ou algum tempo<br />

antes, a religião da Torah estava solidamente<br />

fundamentada. A luz desse fato podemos compreender<br />

bem a importância atribuída aos rolos do Templo, no<br />

Primeiro Livro de Macabeus, onde a implicação é que a<br />

Torah deve ser defendida, mesmo que o Templo seja<br />

destruído (cf. 1.56 s; 2.26 s,48).<br />

Mais adiante, valiosas informações são dadas por<br />

Ben Sira com respeito à formação da segunda divisão do<br />

Cânon, conhecida como "Profetas". Nos capítulos 44 e<br />

seguintes, ele apresenta uma lista de homens famosos<br />

mencionados nas Escrituras, cujos nomes são organizados<br />

de tal maneira e com tantos detalhes, que nos leva à<br />

conclusão de que a maior parte do <strong>Antigo</strong> Testamento,<br />

como nós o temos agora, era conhecida por ele naquele


tempo. Ele deixa claro que conhecia pelo menos "a Lei" e<br />

"os Profetas" e, de fato, se refere aos "Doze Profetas" como<br />

uma coleção definida. Um fator que pode ter facilitado a<br />

conclusão dessa divisão dos "Profetas", foi a crença então<br />

prevalecente de que desde o tempo de Esdras a atividade<br />

profética e a inspiração profética haviam cessado (cf. I<br />

Macabeus 4.46; 9.27; 14.41 e Salmos de Macabeus 74.9). Por<br />

volta de 250-200 a.C, então, nós podemos dizer que a<br />

divisão dos "Profetas" estava concluída. Isso explica por<br />

que um livro como<br />

Daniel não é encontrado entre os "Profetas" mas<br />

entre os "Escritos", pois Daniel não havia sido escrito até o<br />

ano 165 a.C.<br />

Um marco divisório claramente definido ao traçar a<br />

idéia do Cânon é fornecido no Prólogo a Ben Sira que foi<br />

composto pelo neto desse escritor aproximadamente em<br />

132 a.C. Ele fala sobre a lei e os profetas, e outros que<br />

seguiram depois deles, e da "própria lei, e das profecias, e<br />

do restante dos livros". Tais declarações mostram que<br />

nessa época outros livros eram considerados como de valor<br />

religioso especial e poderiam ser classificados à parte; elas<br />

indicam que a divisão tríplice das Escrituras já existia, mas<br />

que a terceira seção estava ainda fluida e não tinha ainda<br />

adquirido um nome distinto. Essa mesma conclusão é<br />

indicada pela evidência de Lucas 24.44, que se refere ao<br />

que está escrito "na Lei de Moisés, nos Profetas e nos<br />

Salmos", onde novamente a última seção é deixada indeterminada.<br />

O autor de II Esdras (cerca de 90 d.C.) indica<br />

que naquela época havia provavelmente vinte e quatro<br />

livros nas Escrituras hebraicas (cf. 14.44 ss) e essa é também<br />

uma conclusão justificável da evidência do <strong>Novo</strong><br />

Testamento e de Josephus que, provavelmente por um<br />

agrupamento diferente, dá o número como vinte e dois.<br />

Nenhuma dessas fontes, entretanto, dá o nome técnico para


a terceira seção das Escrituras. A primeira referência às três<br />

seções juntas por seus nomes hebraicos é dada pelo Rabino<br />

Gamaliel, o mesmo Gamaliel mencionado em Atos 5. Nós<br />

podemos chegar à conclusão de que antes dos tempos do<br />

<strong>Novo</strong> Testamento, pelo menos, o Cânon das Escrituras<br />

estava virtualmente concluído.<br />

Contudo, por muito tempo ainda a controvérsia a<br />

respeito do número de livros continuou. Em particular,'<br />

houve dissensão entre a famosa Escola de Hülel e Shammai<br />

sobre a posição do Cântico dos Cânticos de Eclesiastes. 55<br />

Uma decisão do Concilio de Jamnia (cerca de 90 d.C)<br />

aceitou o dois livros como canónicos, apoiando, assim, a<br />

Escola de Hillel. As Escrituras Hebraicas eram então<br />

limitadas aos vinte e quatro livros (cinco no Pentateuco,<br />

oito nos Profetas e onze nos Escritos) que correspondem<br />

aos trinta e nove livros da Versão Autorizada. Mas as<br />

opiniões continuaram divididas e a questão do Cânon era<br />

ainda um ponto de debate no segundo e terceiros séculos<br />

d.C. Não há, então, data definida, de quando foi concluída<br />

a coleção dos livros chamados "canónicos". Pelo contrário,<br />

por sua contribuição ao registro da revelação divina e por<br />

sua popularidade e uso nos cultos da sinagoga, eles foram<br />

estabelecendo gradualmente sua posição dentro do<br />

conjunto das Sagradas Escrituras.<br />

B. As Escrituras na Dispersão<br />

Sabemos que, por volta do ano 250 a.C, o Pentateuco<br />

já havia sido traduzido para o grego, para o uso dos judeus<br />

da Dispersão, e o prefácio para a versão grega de Ben Sira<br />

indica que, por volta daquela data (132 a.C.) os Profetas<br />

________________<br />

55 Esses dois livros juntamente com o livro de Ester, não são<br />

mencionados em nenhuma parte do <strong>Novo</strong> Testamento. Para a influência dos<br />

livros apócrifos no <strong>Novo</strong> Testamento e na história da Igreja Cristã veja pp.<br />

88ss.


Anteriores e Posteriores também haviam sido traduzidos<br />

para o grego. Não se pode ter certeza de quanto dos<br />

"Escritos" foi traduzido, digamos, no início da Era Cristã ou<br />

quanto foi considerado como canónicos em Alexandria.<br />

Não havia ainda um limite definido para os chamados<br />

"restante dos livros".<br />

A Bíblia grega que surgiu e que viria a ser,<br />

posteriormente, adotada pela Igreja Cristã, era muito<br />

menos restrita do que as Escrituras Hebraicas e organizada<br />

em uma ordem diferente de livros. Sabemos que os cristãos<br />

consideravam os assim chamados "livros excluídos" sob<br />

uma visão muito diferente da dos judeus da Palestina e<br />

continuaram a lê-los na tradução grega até bem depois que<br />

eles caíram em desgraça na Palestina. De fato, eles não<br />

apenas continuaram a copiá-los, mas até incluíram alguns<br />

deles no códice grego que continha seus escritos sagrados<br />

entremeados nos "Escritos" sem, contudo, levantar a<br />

questão sobre se eles deveriam ser considerados canónicos<br />

ou não. N.T.: Segundo o Dicionário Aurélio, códice do lat.<br />

Códice, é 1. forma característica do manuscrito em<br />

pergaminho, semelhante à do livro moderno, e assim<br />

denominada por oposição à forma do rolo; Cf. livro m rolo.<br />

2. Registro ou compilação de manuscritos, documentos<br />

históricos, ou leis; código antigo. 3. Obra antiga de autor<br />

clássico. Oficialmente, deveria haver apenas um Cânon, ou<br />

seja, o das Escrituras hebraicas, mas no uso popular, essa<br />

interpretação estrita nem sempre era obedecida,<br />

particularmente porque os próprios "Escritos", como já<br />

vimos, estavam em um estado ainda fluido. E justo supor<br />

que, embora eles fossem considerados sagrados, não eram<br />

considerados canónicos em nenhum sentido real e certamente<br />

estavam em um nível muito diferente de inspiração<br />

em relação à Lei ou aos Profetas. Referir-se a esse conjunto


maior das Escrituras como o "Cânon Alexandrino", como<br />

se ele pudesse ser contraposto ao Cânon Palestino, é<br />

realmente incorrer em petição de princípio. E significativo<br />

que Philo (morto por volta de 50 d.C), um típico judeu de<br />

Alexandria, não faz nenhuma menção desses livros<br />

não-canônicos, e no tempo de Josepho, a Bíblia grega que<br />

ele usava consistia substancialmente dos livros do Cânon<br />

hebraico como nós o conhecemos hoje.<br />

2. A TRADIÇÃO ORAL<br />

Durante o período interbíblico, como temos visto, a<br />

Torah tornou-se para os judeus a suprema autoridade<br />

religiosa e o judaísmo se estabeleceu como a religião do<br />

Livro. Mas como H. Wheeler Robinson nos faz lembrar<br />

"toda religião que se edifica com base em um livro é<br />

compelida a criar meios de reinterpretar esse livro de modo<br />

a adaptar seu significado original às mudanças necessárias<br />

de sucessivas gerações. Assim aconteceu que,<br />

paralelamente à Torah escrita, surgiu um conjunto de<br />

interpretação, natural ou artificial, que se constituiuna<br />

Torah não-escrita, 'a tradição dos anciãos' (Marcos 7.3)". 1<br />

A. Sua Origem e Desenvolvimento<br />

O início desse processo de interpretação deve ser<br />

encontrado no soferismo que procurou levar adiante os<br />

alvos de Esdras, o grande "fundador da Lei". Esdras é<br />

descrito como um "escriba versado na lei de Moisés"<br />

(Esdras 7.6) que havia "disposto o coração para buscar a lei<br />

do Senhor e para a cumprir" (Esdras 7.10). Ele não apenas<br />

lia "no Livro, na lei de Deus, claramente", como também<br />

dava "explicações, de maneira que se entendesse o que se<br />

lia" (Neemias 8.8). Isso é exatamente o que o soferismo<br />

também buscava fazer. Eles se propuseram à tarefa de não<br />

56A Companion to the Bibk (Um Associado à Bíblia), ed. By T. W Manson, 1939, p. 313.


apenas fazer da Torah uma possessão do povo, mas<br />

também de descobrir e interpretar seu significado de modo<br />

que os homens pudessem aplicá-la a sua vida cotidiana.<br />

Para eles, a Torah era muito mais que a sobrevivência de<br />

um passado glorioso com um valor apenas arcaico; era um<br />

oráculo vivo por meio do qual a palavra de Deus podia ser<br />

transmitida de geração a geração. Sua palavra não era<br />

estática mas dinâmica, capaz de novas interpretações para<br />

cada era subseqüente e capaz de aplicação renovada para<br />

cada aspecto da vida humana.<br />

O método que eles usavam em seus ensinamentos<br />

era o tipo de uma narração (uma descrição oral) das<br />

palavras das Escrituras. O costume ou prática ou preceito<br />

particular que eles buscavam elucidar era relacionado com<br />

um texto ou passagem das Escrituras que era então<br />

explanado e recebia sua interpretação 2. Esse método era<br />

conhecido como a forma<br />

Midrash (do hebraico darash, interpretar) e era uma<br />

característica do ensino das Escrituras.<br />

Em muitos lugares, o ensino da Torah, por preceito e<br />

julgamento, era perfeitamente claro, tanto em seu<br />

significado ético como legal; em tais exemplos, era dever<br />

dos soferins e seus sucessores imprimir esse ensino nas<br />

mentes das pessoas. Em outros lugares, contudo, a regra da<br />

Torah não era clara; então seu significado devia ser<br />

explicado e sua verdade aplicada. Às vezes, é verdade, as<br />

leis que surgem dos costumes prevalecentes podem se<br />

estabelecer, as quais talvez não encontrem justificação na<br />

Torah, mas adquiriam autoridade com base no fato de que<br />

elas formavam uma "cerca em redor da Torah" (Pirke<br />

Aboth 1.1). Essa "cerca" consistia em regras cautelares, tais<br />

57Um dos muito raros exemplos sobreviventes deste método pode ser encontrado no tratado de<br />

Mishnah, Sotah, viii. 1,2. Cf. a tradução de Herbert Danby do Mishnah, 1933, pp. 301 s, e R.<br />

Travers Herford, op. at., 1933, pp. 48 s, onde a passagem é determinada claramente.


como as que proíbem não apenas o uso, mas até mesmo o<br />

manuseio de ferramentas no dia do sábado. Assim, um<br />

homem seria detido antes que ele se encontrasse perto de<br />

uma brecha da lei de Deus. Desse modo, a Torah foi alçada<br />

cada vez mais ao centro da vida das pessoas.<br />

Essa tarefa, tão bem iniciada pelos soferins, foi<br />

continuada e desenvolvida pelos mestres, que depois se<br />

tornaram os rabinos, cujo trabalho fez muito mais do que<br />

moldar e determinar a forma do judaísmo dos anos que<br />

viriam. Registra-se que a tradição dos soferins foi<br />

transmitida por Simão, o Justo, a um certo Antígono de<br />

Socho, e que depois disso foi transmitida a uma série de<br />

mestres cujos nomes são citados em pares de José ben<br />

Joezer e José ben Joanan, que viveram em cerca de 160 a.C,<br />

seguindo a linha de sucessão até Hillel e Shammai, no<br />

tempo de Jesus (cf. Pirke Aboth 1.1-12). Como os soferins<br />

antes deles, esses mestres se propuseram a tarefa de<br />

interpretar a Torah para o povo e de regular suas vidas de<br />

acordo com essa orientação.<br />

Mas durante esse período, houve um<br />

desenvolvimento em conexão com o status de leis<br />

extra-escriturísticas, que passariam a ter efeitos de longo<br />

alcance. Como vimos, oscostumes e tradições,<br />

principalmente de natureza religiosa, que haviam surgido<br />

no decurso dos anos, passaram a ser aceitos como<br />

autoridade na prática do judaísmo, muito embora não<br />

houvesse nenhuma justificação para tal na Torah. No<br />

devido tempo, surgiu a pergunta concernente à relação<br />

entre a autoridade da tradição e a autoridade da Torah<br />

escrita. Estava claro que não poderia haver duas<br />

autoridades independentes. E assim surgiu a<br />

importantíssima crença de que a Torah era mais do que<br />

simplesmente a palavra escrita das Escrituras, mas incluía<br />

também a tradição que havia sido passada de geração a


geração. A Torah de Deus era dividida em duas partes,<br />

escrita e oraL e cada uma delas tinha igual autoridade. E<br />

não apenas isso; cada parte era de igual antigüidade,<br />

porque o próprio Moisés havia recebido a Torah, escrita e<br />

oraL no Sinal a partir de onde a lei tem sido transmitida<br />

através das sucessivas gerações de homens fiéis (Pirke<br />

Aboth 1.1). Foi, sem dúvida, a formulação dessa convicção<br />

que levou à cisão no Sinédrio no tempo de João Hircano<br />

(134-104 a.C.) e ao aparecimento dos dois partidos dos<br />

fariseus e saduceus. 3 Os fariseus eram firmes defensores<br />

da autoridade da tradição oral ao que os saduceus eram<br />

amargamente contrários. Estes, por sua vez, embora tivessem<br />

suas próprias ordenanças a respeito das questões dos<br />

sacrifícios e outros rituais, consideravam a Torah escrita<br />

como a única autoridade.<br />

Os perigos inerentes em tal desenvolvimento da<br />

Torah nào-escrita são óbvios, especialmente quando ela se<br />

dissociou do texto da Torah escrita e não mais requeria<br />

base justificativa nas Escrituras. Mas deve-se reconhecer<br />

que isso livrou o judaísmo daquele estado moribundo que<br />

deveria ter sido seu destino, se a nação tivesse seguido a<br />

orientação dos conservadores saduceus. Por meio da Torah<br />

nào-escrita, a religião e a vida, o trabalho e a adoração,<br />

foram integrados de um modoque seria antes impossível, e<br />

Deus e seus mandamentos foram apresentados como reais<br />

na vida comum das pessoas comuns.<br />

B. Sua Forma e Conteúdo<br />

As fontes rabínicas, nas quais a tradição oral estava<br />

baseada, mas que permaneceram orais ao longo de todo o<br />

período interbíblico, se dividem em duas classes, o<br />

Midrash e o Mishnah.<br />

58Ver pp. 32 2 49 s.


Os soferins e os mestres que os sucederam se<br />

dedicaram, como vimos, 4 à exposição e aplicação da Torah<br />

escrita e, à luz desses estudos, formaram novos<br />

regulamentos aplicáveis aos problemas, éticos e legais, que<br />

surgiam à medida que a vida se tornava cada vez mais<br />

complexa. Esse processo chamado de darash (ou<br />

"interpretação"), e Midrash (ou "exegese") é o processo de<br />

buscar, de investigar o texto escrito para descobrir suas<br />

implicações.<br />

Esse Midrash era dividido em duas seções. Primeiro,<br />

havia o Halakah (do hebraico halak, caminhar) que<br />

consistia de regulamentos relativos às questões da lei civil e<br />

religiosa. Ele mostrava o caminho pelo qual o homem<br />

deveria caminhar deixando claro como ele poderia sempre<br />

obedecer à Lei em cada detalhe. Era uma exegese das leis<br />

bíblicas, a partir da qual poderiam ser formulados<br />

regulamentos autorizados para a vida das pessoas. E este<br />

Halakah que forma a tradição oral ou a Torah não-escrita<br />

do Judaísmo.<br />

Segundo, havia o Haggadah (da raiz hebraica nagad,<br />

dizer) ou "repetir". E aquela parte da literatura rabínica que<br />

não é o Halakah, isto é, tudo que não se refere a qualquer<br />

ponto da lei. E um desenvolvimento, por assim dizer, das<br />

histórias bíblicas em vez da lei bíblica. Essa parte contém<br />

muitas lendas e miscelâneas do folclore israelita. Mas<br />

juntamente com esses relatos, há um considerável volume<br />

de material ético ereligioso. O Haggadah se refere<br />

freqüentemente ao discurso dos pregadores nas sinagogas<br />

e dos mestres nas escolas e muitas vezes os menciona pelo<br />

nome. Esse material era de grande valor, mas não tinha a<br />

mesma autoridade do Midrash Halakah no judaísmo.<br />

59Ver pp. 64 s


O Midrash era o interesse dos rabinos antes da<br />

destruição do segundo Templo, e depois dessa data<br />

tornou-se sua maior preocupação. A função, apresentação<br />

e ampliação da tradição oral eram as principais<br />

características de seus estudos. Sua tarefa então, como<br />

sempre, era de estudar a Torah escrita e sua tradição oral e<br />

transmiti-las aos outros. Esse processo de estudo, a<br />

repetição da Torah escrita e de sua tradição oraL era<br />

chamado shanah ou "repetição", e o resumo da repetição era<br />

conhecido como Mishnah. 5<br />

Essa palavra Mishnaò é o nome dado à segunda fonte<br />

rabínica. Ela tem sido descrita como "uma classificação<br />

sistemática (tópica) das discussões e decisões dos rabinos<br />

durante os séculos anteriores como a interpretação e<br />

expansão da Torah". 6 Trata-se de um código de lei que<br />

consiste em Halakah, com elementos ocasionais do<br />

Haggadah, cuja formação e codificação se deram desse<br />

modo. Após a destruição do Templo em 70 d.C, em vez de<br />

elaborar um versículo das Escrituras de cada vez, os<br />

rabinos começaram a organizar o halahot (plural de<br />

halakah), ou leis religiosas individuais de tipo prático, em<br />

uma ordem especiaL de acordo com o assunto e não de<br />

acordo com o texto bíblico. Uma orientação sobre esses<br />

assuntos foi dada por Joanan ben Zakkai e seus discípulos<br />

em Jamnia. No começo do segundo século, o Rabino Akiba<br />

(morto em 135 d.C.) ordenou o ha/akotem uma forma mais<br />

elaborada, emboraainda oralmente. Um de seus discípulos,<br />

o Rabino Meir (após 135 d.C.) elaborou-a novamente e<br />

esclareceu alguns pontos obscuros. Então, o Rabino Judá (o<br />

Patriarca), que morreu logo depois de 200 d.C, fez uma<br />

recensão final do Mishnah, embora não saibamos se ele<br />

60Em aramaico shanah torna-se t ena'. Os rabinos dos dois primeiros séculos d.C, que estavam<br />

comprometidos com esta repetição dos Mishnah, eram conhecidos, e ainda o são, como<br />

Tanna'im.<br />

61H. Wheeler Robinson, op. dl. pp. 313 s


ealmente o fez por escrito. Outras alterações foram feitas<br />

depois de seus dias, mas o principal é resultado de sua<br />

obra. Em sua forma escrita, o Mishnah é dividido em seis<br />

ordens conforme o assunto-matéria, cada uma contendo<br />

vários tratados (63 ao todo) e pode ser datado em cerca de<br />

200-230 d.C. Depois da Bíblia, o Mishnah é a base da<br />

literatura judaica até nossos dias e é o fundamento do<br />

Talmude. 7 Com os escritos do Mishnah, os judeus se<br />

estabeleceram como "o povo do Livro".<br />

3. Os LIVROS NÃO INCLUÍDOS<br />

A. A Literatura Não-Canõnica<br />

Já se mencionou o fato de que durante o período<br />

interbí-blico surgiram, principalmente na Palestina, mas<br />

também na Dispersão, uma literatura judaica bem extensa<br />

que é significativa não apenas para o judaísmo, porém<br />

muito mais para o cristianismo. 8 Por um lado, esses<br />

escritos oferecem uma interessante visão da história dos<br />

judeus e da religião do judaísmo formada nas escolas<br />

rabínicas, e por outro lado lança luz sobre as origens da fé<br />

cristã. E difícil dizer o quanto esses livros se difundiram,<br />

mas aparentemente havia uma quantidade considerável<br />

deles em circulação.<br />

O nome dado a esses livros na literatura rabínica é<br />

hisonim que significa "externo" ou "fora" e quer dizer que<br />

esses livros não pertenciam ao Cânon das Escrituras<br />

reconhecidas. Um indício de sua identidade é fornecido no<br />

tratado de Tosefta, Yadaim ii, 13, que diz: "Os livros [sic] de<br />

62 O Talmude (lit. "aprendizado") é uma compilação que consiste do Mishnah, ou o corpo da lei<br />

tradicional aceita, juntamente com as discussões ou tradições subseqüentes ( a Gemara, lit.<br />

"complementação"), que diz respeito ao que surgiu nas "escolas" judaicas. Há dois Talmudes, o<br />

palestino e o babilónico. Em referência de uso comum, o Talmude babilônio é mais completo que<br />

o palestino. Ele adquiriu substancialmente sua forma atual em cerca de 500 d.C.<br />

Ver p. 16.


Ben Sira e todos os livros que foram escritos desde então<br />

não mancham as mãos", isto é, não são canónicos. A<br />

literatura aqui referida é presumivelmente aquela de todo<br />

o grupo ao qual o próprio Ben Sira pertencia, ou seja, a<br />

literatura apócrifa e cognata (inclusive muitos escritos do<br />

tipo apocalíptico). No tratado de Mishnah, Sinédrio x, 1, é<br />

registrado pelo influente Rabino Akiba (cerca de 132 d.C.)<br />

que entre aqueles que não tinham "parte no mundo por vir"<br />

está "aquele que lê os livros excluídos". A primeira vista,<br />

isso pode ter passado a significar que a leitura de todos os<br />

livros nào-canônicos era proibida, mas na realidade a<br />

referência é presumivelmente à reátação pública deles tanto<br />

na liturgia dos cultos como na disciplina do estudo.<br />

Baseado em quais fundamentos essa literatura era<br />

considerada nào-canônica? W. D. Davies sugeriu 9 quatro<br />

critérios para determinar a aceitação ou a rejeição de<br />

qualquer livro:<br />

1. A visão de que as profecias cessaram em Israel<br />

após Daniel no período persa e que, portanto, todos os<br />

livros escritos após esse tempo não devem ser<br />

considerados.<br />

2. A congruência do conteúdo de qualquer livro com<br />

a Torah (cf. discussões sobre canonicidade de Ezequiel).<br />

3. Uma certa auto-consistência entre os livros<br />

referidos.<br />

4. O caráter hebraico original de qualquer livro.<br />

Esses fatores explicam a inclusão de Daniel no<br />

Cânon e a exclusão de livros tais como o Eclesiástico (ou<br />

Ben Sira), Judite, Salmos de Salomão e I e II Macabeus. Eles<br />

explicam também a exclusão dos escritos apocalípticos<br />

judaicos que durante algum tempo desfrutavam de uma<br />

64Expositary Times (Tempos expositivos), vol. LIX, no. 9, Junho 1948.


medida de popularidade entre os judeus da Palestina. Mas<br />

provavelmente há razões adicionais por que os escritos<br />

apocalípticos, em particular, não fossem aceitos no Cânon<br />

das Escrituras. Uma razão era a antipatia dos rabinos que<br />

relembravam o papel desempenhado por tais livros em<br />

inflamar as chamas da revolta que levaram à queda de<br />

Jerusalém em 70 d.C. Essa catástrofe e a subseqüente<br />

reorganização do Judaísmo, conduziria a uma<br />

concentração na Torah e em sua correspondente tradição<br />

oral. Juntamente com isso, havia o uso que os cristãos<br />

estavam começando a fazer desse tipo de literatura. Eles<br />

achavam o ensino desses livros, particularmente com<br />

respeito ao Messias, mais condizente com seus próprios<br />

interesses; os cristãos começaram a fazer interpolações<br />

cristãs em obras apocalípticas judaicas, e então começaram<br />

a surgir escritos apocalípticos cristãos independentes.<br />

Todos esses fatores reunidos militaram contra o estudo e a<br />

publicação contínua de tais livros por parte dos judeus.<br />

<strong>Entre</strong> os últimos dos "livros excluídos" de caráter apocalíptico<br />

a serem escritos, estava II Esdras (i.e. 4 Esdras) 3-14<br />

e o Apocalipse de Baruque em 90 d.C.<br />

A maioria desses livros foi escrita ou em hebraico (a<br />

língua dos instruídos daqueles dias) ou em aramaico (o<br />

vernáculo e a língua da literatura judaica em geral), mas,<br />

com exceção de Eclesiástico (ou Ben Sira), eles somente<br />

sobreviveram em traduções, primeiro em grego e<br />

posteriormente em outras línguas. Alguns estudiosos,<br />

como C. C. Torrey, têm argumentado que depois de 70 d.C,<br />

tomou-se a decisão de "destruir, sistemática e<br />

completamente, os originais semíticos de toda literatura<br />

extra-canônica... A literatura popular, que tinha tido uma<br />

existência tão próspera, era agora interrompida, pelo


menos no que diz respeito aos judeus da Pdestina". 10 E<br />

muito duvidoso, entretanto, se a evidência pode prestar-se<br />

a tal declaração absoluta, porque o divórcio entre o<br />

farisaísmo e as idéias veneradas nos apocalípticos não era<br />

assim tão completo como tal afirmação poderia nos fazer<br />

crer. Mas a antipatia em relação aos apocalípticos que, pelo<br />

menos muitos dos rabinos não podiam negar e, sob a<br />

influência deles, esses "livros excluídos" caíram em<br />

descrédito na Palestina.<br />

Antes disso, contudo, eles haviam sido traduzidos<br />

para o grego pelos judeus da Dispersão e haviam-se<br />

tornado bem populares entre as pessoas dessas regiões. De<br />

fato, quando esses livros chegaram em Alexandria, eles<br />

realmente conquistaram popularidade e passaram a ter<br />

circulação muito mais ampla do que tinham na Palestina.<br />

Quando, decorrido algum tempo, os judeus da Dispersão<br />

começaram a renunciar a seu controle sobre esses escritos,<br />

eles já tinham-se tornado possessão da Igreja Cristã através<br />

de sua adoção da Septuaginta, na qual certos "livros<br />

excluídos" haviam sido incorporados. E, embora em<br />

primeira instância eles fossem preservados pelos judeus de<br />

fala grega no Egito, a Igreja Cristã, finalmente, foi a<br />

responsável pela sobrevivência deles.<br />

Não é surpreendente que os "livros excluídos", e em<br />

particular os escritos apocalípticos, fossem, desde o<br />

princípio, populares entre os cristãos primitivos que<br />

haviam, por sua vez, sido instruídos na fé judaica; a<br />

relevância que esses livros davam ao ensino concernente à<br />

iminente volta de Cristo era óbvia. Como cada vez mais os<br />

gentios juntavam-se à Igreja, e como o aramaico dava lugar<br />

ao grego como língua da comunidade cristã, seu uso se<br />

tornaria ainda mais difundido. Com exceção do livro<br />

65The Apocryphal Literature (A Literatura Apócrifa), 1945, p.15.


canónico de Daniel, a tradição do apocalíptico é cristã e não<br />

judaica. As numerosas versões de II (4) Esdras indicam que<br />

esse conjunto de ensino continuou a ter influência<br />

profunda e ampla sobre o pensamento do povo cristão.<br />

Dentro do judaísmo a tradição apocalíptica, que havia<br />

influenciado profundamente pelo menos uma parte do<br />

povo, desde o tempo de Antíoco IV, em cada período de<br />

crise que ocorria, no devido tempo deixou de existir.<br />

B. O Meio Ambiente dos Apocalípticos<br />

Foi sugerido acima, que a divisão entre os<br />

apocalípticos e o judaísmo farisaico ortodoxo não era tão<br />

completa como alguns estudiosos pensavam que deveria<br />

ser. As diferenças entre eles não podem, é claro, ser<br />

negadas; mas o fato é que os apocalípticos compartilham<br />

certas crenças fundamentais com o judaísmo rabínico, que<br />

lhes conferiam certos pontos definidos de contato. Pelo<br />

menos em uma coisa ambos adotaram a mesma atitude, os<br />

escritos da Torah, que tanto um como o outro reverenciava<br />

como a revelação de Deus. A centralidade da Torah no<br />

pensamento dos apocalípticos, pode ser ilustrada em cada<br />

livro, de Jubileus e os <strong>Testamentos</strong> dos Doze Patriarcas, no<br />

segundo século a.C. até 2 Baruque e II Esdras no primeiro<br />

século d.C. E verdade que a forma do apocalíptico difere<br />

consideravelmente da forma da literatura rabínica do<br />

Halakah, 11 mas a evidência de um livro como, por<br />

exemplo, Jubileus, ilustra amplamente que essa diferença<br />

não era de modo algum absoluta em todos os casos. O<br />

autor de Jubileus certamente demonstra familiaridade com<br />

o método rabínico e produz evidência do halakot, antes<br />

mesmo que aquelas das próprias fontes rabínicas. Além do<br />

mais, o elemento apocalíptico nesses escritos é<br />

66Ver p. 67.


freqüentemente acompanhado por uma profunda<br />

preocupação ética que, em muitos aspectos, é a chave para<br />

o entendimento e a apreciação do Judaísmo rabínico.<br />

Também há a perspectiva escatológica desses dois grupos<br />

de escritos que, embora diesimi-lares em muitos aspectos,<br />

revela considerável grau de concordância. Isso é mais<br />

claramente visto em certas expectativas rabínicas tais como<br />

a ressurreição do corpo e o advento do Messias. Um caso<br />

ilustrativo é o do Rabino Akiba, que, como já vimos, no<br />

início do segundo século, elaborou e organizou o halahot;<br />

foi esse mesmo homem que esperou ansiosamente a vinda<br />

do Messias e deu apoio irrestrito às reivindicações de Bar<br />

Kochba em sua revolta em 132-135 d.C.<br />

Porém, esse tipo de literatura talvez interessasse<br />

muito mais aos Zelotes e àqueles que compartilhavam de<br />

seu ponto de vista político e religioso. Eles descobririam<br />

nesses escritos muitas coisas que receberam sua aprovação<br />

entusiástica, e incendiaram aquele zelo nacionalista, pelo<br />

qual procuravam cumprir, se necessário fosse, pelo poder<br />

da espada, a vontade revelada de Deus. Nosso<br />

conhecimento dos essênios é limitado e o que sabemos<br />

sobre eles indica que suas convicções nem sempre<br />

correspondem àquelas expressas nos escritos apocalípticos.<br />

Mas esse termo pode muito bem designar vários grupos<br />

diferentes, cujas crenças e práticas poderiam corresponder<br />

com maior precisão às da literatura apocalíptica. Se<br />

pudermos constatar que o argumento de que os pactuantes<br />

do Qumnran eram, de fato, um ramo dos essênios, então<br />

poderemos, talvez, dar muito mais crédito ao argumento a<br />

favor da possível influência dos essênios nesse tipo de<br />

literatura, pois o pensamento messiânico e apocalíptico dos<br />

rolos do Mar Morto têm muito em comum com os escritos<br />

apocalípticos nos "livros excluídos".


Para concluir, a existência dessa literatura<br />

não-canônica, apocalíptica ou não, confirma a observação<br />

feita anteriormente de que, durante o período interbíblico,<br />

o Judaísmo era um sistema complexo, que abrangia muitas<br />

seitas, partidos e classes, pois a própria literatura desvenda<br />

muitas visões diferentes, interesses e crenças que nem<br />

sempre podem ser identificadas com qualquer um dos<br />

partidos reconhecidos dentro do Judaísmo. Como R<br />

Travers Herford diz: "A existência de escritores tais como<br />

os dos livros apócrifos tendem mais à complexidade do<br />

que à simplicidade nas atividades literárias da época.<br />

Também, a presença de muitos elementos no Judaísmo<br />

contemporâneo,de modo algum implica que havia<br />

interação íntima e influência mútua entre eles". 12 Nós nos<br />

voltaremos agora para um exame mais detalhado dessa<br />

literatura "apócrifa".<br />

Op. Cit, p. 197.


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80<br />

A Literatura Apócrifa<br />

No jargão comum a palavra "apócrifo"<br />

freqüentemente traz um sentido de "falso" ou "espúrio",<br />

mas em sua origem e em seu uso eclesiástico o significado é<br />

completamente diferente. Ela tem o mesmo sentido da<br />

expressão hebraica "livros excluídos" e se refere àqueles<br />

livros que não foram inseridos no Cânon das Escrituras.<br />

Etimologicamente, a palavra "apocrypha" (plural do grego<br />

apocryphon) designa coisas ocultas aos olhos, escondidas ou<br />

secretas. Tem-se sugerido 13 que a razão por que os "livros<br />

excluídos" passaram a ser chamados de "(livros) ocultos"<br />

pode ser encontrada em certas referências de II Esdras.<br />

Nesse livro, Esdras recebeu a ordem de reescrever todos os<br />

livros sagrados de Israel que haviam sido destruídos. Vinte<br />

e quatro desses (os livros canónicos), ele teve que publicar,<br />

e setenta (os livros excluídos) ele teve que esconder (cf.<br />

14.6,45 ss). Esses livros "escondidos" ou "apócrifos", uma<br />

vez excluídos do Cânon, eram, contudo, de grande valor na<br />

tradição judaica representada por esse escritor.<br />

Em seu uso mais moderno, porém, a palavra tem<br />

uma referência muito mais restrita. <strong>Entre</strong> os protestantes,<br />

ela é usada geralmente para descrever os livros que<br />

constavam nas Bíblias cristas grega e latina (isto é, a<br />

Septuaginta e a Vulgata), mas que não eram incluídos na<br />

Bíblia hebraica; aqui a palavra "pseudo-grafia" é<br />

freqüentemente usada para se referir aos demais "livros<br />

excluídos", de número indeterminado, que ficaram fora das<br />

Escrituras canónicas e dos "Apócrifos" e que, por um<br />

68Cf. C. C. Torrey, op. aí., pp. 8 s.


tempo considerável, foram amplamente lidos na igreja<br />

cristã primitiva oriental e em outros ramos. No uso católico<br />

romano, a palavra "deuterocanônico" é atribuída aos livros<br />

descritos pelos protestantes como "apócrifos" e a palavra<br />

"apócrifo" é atribuída aos livros conhecidos como<br />

"pseudografias". Quando, por questão de conveniência,<br />

deve-se fazer uma distinção, adota-se a terminologia<br />

protestante.<br />

1. Os LIVROS COMUMENTE CHAMADOS DE "APÓCRIFOS"<br />

A Sua Identidade<br />

Os livros do <strong>Antigo</strong> Testamento apócrifo são mais<br />

conhecidos dos leitores modernos como aparecem na<br />

Versão Autorizada, onde são reunidos para formar um<br />

bloco de literatura entre o <strong>Antigo</strong> e o <strong>Novo</strong> Testamento.<br />

São doze livros ao todo e um deles (II Esdras) não é<br />

incluído na Septuaginta grega mas aparece na Vulgata.<br />

1. I Esdras<br />

2. II Esdras<br />

3. Tobias<br />

4. Judite<br />

5. O restante dos capítulos de Ester<br />

6. Sabedoria de Salomão<br />

7. Sabedoria de Jesus, filho de Siraque, 14 ou<br />

Eclesiástico<br />

8. Baruque (com a Epístola de Jeremias como<br />

capítulo 6). 15<br />

9. Acréscimos ao livro de Daniel<br />

(a) O Cântico dos Três Jovens Santos<br />

(b) A História de Susana<br />

69"Esta é a forma dos nomes em grego. A forma hebraica T3»n Sira' (filho de Sira) é usada em todo<br />

esse livro.<br />

70A versão Apócrifa RSV (Versão Revisada Standard) separa a Epístola de Jeremias do livro de<br />

Baruque. Em alguns códices gregos eles são separados por outro livro.


(c) Bel e o Dragão<br />

10. A Oração de Manasses<br />

11. I Macabeus<br />

12. II Macabeus<br />

Com exceção de I Esdras (antes de 200 a.C.) e II<br />

Esdras (cerca de 90 d.C.) esses livros foram compostos<br />

durante os últimos dois séculos antes de Cristo, a maior<br />

parte na Palestina. Apenas dois dos autores são conhecidos<br />

pelo nome, Jesus (em hebraico Joshua, em aramaico Jeshua)<br />

o filho de Siraque 71 (Eclesiástico 50.27) e Jason de Cirene,<br />

cujos cinco livros são resumidos em II Macabeus 3-15 (II<br />

Macabeus 2.23).<br />

Embora todos eles tenham-se tornado populares na<br />

língua grega, apenas um pequeno número foi escrito<br />

originalmente nessa língua. Estes são II Macabeus 2.19-15.39,<br />

Sabedoria de Salomão e os decretos de Assuero, em Ester<br />

13.1-7 e 16.1-24. Todo o resto foi composto em hebraico<br />

(Baruque, Ben Sira, I Macabeus, Judite, Oração de Manasses e<br />

provavelmente o Cântico dos Três Jovens Santos) ou em<br />

aramaico popular (TI Macabeus 1.1-2.18, a História dos Três<br />

Jovens em I Esdras 3.1-4.63, Tobias, o restante de Ester<br />

10.4-13; 11.2-12.6; 13.8-18; 14.1-19; 15.1-16, a História de<br />

Susana, Bel e o Dragão, a Epístola de Jeremias, II Esdras).<br />

NOTA SOBRE O LIVRO DE ESDRAS<br />

Os títulos e a ordem destes livros diferem nas várias<br />

versões:<br />

Versão inglesa (desde a<br />

Bíblia de Genebra 1560)<br />

Vulgata<br />

Septuaginta<br />

Esdras I Esdras Esdras B, cap 1-10<br />

Neemias II Esdras Esdras B, cap. 11-23<br />

I Esdras III Esdras Esdras A<br />

II Esdras IV Esdras não incluído em grego<br />

________________<br />

71 Ver p. 76, n. 1.


B. Seu Conteúdo e Gênero Literário<br />

A literatura representada nos "Apócrifos" é de um<br />

caráter que varia de história a poesia, de ficção a filosofia,<br />

de fábulas a sermões sobre a vida piedosa. Alguns foram<br />

escritos para edificar, alguns para admoestar, e alguns,<br />

talvez, simplesmente para entreter. Qualquer que seja seu<br />

propósito, é uma leitura válida em si mesma.<br />

A história é bem representada por I Macabeus que,<br />

escrito no modelo do Livro de Reis, este canónico, fornece<br />

uma narrativa fiel dos judeus na Palestina, desde os anos<br />

antes da Revolta dos Macabeus até a morte de Simão<br />

(175-134 a.C). O livro demonstra uma fé indómita nos<br />

propósitos de Deus para a comunidade de Israel e vê na<br />

Casa dos Macabeus o instrumento de sua salvação. II<br />

Macabeus, que cobre um período mais curto (176-161 a.C),<br />

é bem independente de I Macabeus e é menos fiel tendo<br />

uma proporção considerável de fábulas mescladas com<br />

história. Ele foi escrito em grego, em Alexandria, em<br />

aproximadamente 50 a.C. e demonstra um zelo pelo<br />

Templo e pela observância rígida da Lei de Moisés (cf. as<br />

comoventes histórias do martírio de Eleazar em 6.18-31 e os<br />

Sete Irmãos em 7.1-42).<br />

A fábula é ilustrada por II Mac 1.1-2.18 que parece ser<br />

o conteúdo de duas cartas enviadas, em 124 a.C. e 143 a.C,<br />

pelos judeus da Palestina para os judeus no Egito. A<br />

segunda delas narra como Jeremias ordenou aos<br />

sacerdotes, quando eles estavam para ser levados para o<br />

cativeiro, que escondessem o fogo sagrado do altar no<br />

fundo de um poço seco; no tempo de Neemias,<br />

empreendeu-se uma busca do fogo e em seu lugar foi<br />

encontrado um líquido escuro, que acendeu com o calor do<br />

sol e consumiu o sacrifício. As pessoas chamaram esse<br />

líquido de "naphtha". A mesma carta diz como Jeremias


entregou um exemplar da lei aos exilados e<br />

recomendou-lhes que a guardassem e como ele escondeu o<br />

tabernáculo, a arca e o altar do incenso em uma caverna no<br />

Monte Nebo.<br />

A ficção é bem representada nessa literatura e contém<br />

algumas histórias de origem gentílica. Somente um desses<br />

livros (Judite) foi escrito em hebraico; o restante foi escrito<br />

no vernáculo aramaico. O Livro de Judite (que significa<br />

"judia") é uma história emocionante, no estilo do Cântico<br />

de Débora (Juízes 5), de como uma certa Judite libertou seu<br />

povo das mãos de Holofernes que, sendo dado a vinho e<br />

mulheres, literalmente perdeu a cabeça por uma viúva<br />

encantadora!<br />

A História dos Três Jovens (provavelmente de<br />

origem persa) em I Esdras 3.1-5.3 é um dos melhores<br />

exemplos dessa literatura, do ponto de vista do estilo e da<br />

eloqüência literária. Ela conta a história de três jovens<br />

guardas no serviço de Dario, rei de Pérsia, que desafiaram<br />

um ao outro para uma competição. Eles tinham que<br />

escrever o que, em sua opinião, era a coisa mais forte do<br />

mundo e tinham que discutir o caso perante o rei. O<br />

primeiro escreveu: "O vinho é a coisa mais forte"; o<br />

segundo: "O rei é o mais forte"; e o terceiro: "As mulheres<br />

são as mais fortes, mas acima de todas as coisas, a verdade<br />

alcança a vitória". A sobrevivência da obra que chamamos<br />

de I Esdras deve-se, em grande parte, à popularidade que<br />

essa história desfrutava entre os cristãos que a herdaram<br />

dos judeus.<br />

O livro de Tobias deve ser classificado nos primeiros<br />

lugares entre os "best-sellers" de seus dias. Trata-se de um<br />

"conto" de primeira categoria com um excelente enredo<br />

muito bem executado. Foi escrito aproximadamente em<br />

200 a.C. provavelmente por um judeu egípcio ou babilônio,<br />

influenciado por certos escritos gentios, embora toda a sua


visão moral e espiritual seja moldada pelas escrituras do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento. A história conta sobre um certo judeu<br />

chamado Tobias, de Nínive, que enviou seu filho Tobias a<br />

uma peregrinação incerta pela Média, acompanhado por<br />

Azarias (o anjo Rafael disfarçado). Ali eles encontraram e<br />

ajudaram uma jovem chamada Sara, cujos sete maridos<br />

haviam sido mortos pelo demônio Asmodeu, todos eles na<br />

noite de núpcias. Tobias e Sara se casaram e viveram felizes<br />

desde então!<br />

A História de Susana e as Histórias de Bel e o Dragão<br />

seguem a verdadeira tradição de "história de romance<br />

policial". Susana, a bela esposa de um judeu babilônio,<br />

resistiu aos avanços de dois juízes anciãos, cujas intenções<br />

não eram nada honrosas, e então eles ameaçaram levantar<br />

uma acusação falsa contra ela alegando um "caso" com um<br />

jovem. Ela foi condenada à morte. Mas Daniel exigiu um<br />

novo julgamento, no qual os dois juízes fossem levados a<br />

dar provas de evidência contraditória. Susana foi absolvida<br />

e os juízes condenados à morte.<br />

A História de Bel é uma polêmica contra os deuses<br />

pagãos e a idolatria em geral. Daniel, diz a história,<br />

recusou-se a adorar Bel e afirmou que as provisões de<br />

comida e bebida que os sacerdotes ofereciam àquele deus,<br />

todos os dias, não eram comidas por ele. Ciro ordenou que<br />

os sacerdotes provassem sua crença. Confiantemente, eles<br />

colocaram a comida e a bebida em ordem e lacraram as<br />

portas, porém havia uma entrada secreta debaixo da mesa!<br />

Mas Daniel levou a melhor porque secretamente espalhara<br />

cinzas no chão do templo, antes que as portas fossem<br />

fechadas. Pela manhã, a comida e a bebida haviam<br />

desaparecido e os sacerdotes estavam jubilantes. Mas as<br />

pegadas dos homens, mulheres e crianças nas cinzas<br />

revelaram o segredo! Os sacerdotes e suas famílias foram<br />

mortos e o ídolo e seu templo, destruídos.


Salmos e Hinos, vários dos quais estão espalhados por<br />

esses livros, são ilustrados no Cântico do Três Jovens<br />

Santos que consiste em dois poemas separados por uma<br />

curta seção de prosa. O primeiro poema traz a oraçào de<br />

Azarias que, junto com seus dois companheiros, louvou a<br />

Deus do meio da fornalha ardente; o segundo é um cântico<br />

de louvor dos lábios dos "três jovens" ao Deus que os havia<br />

livrado da morte.<br />

A literatura de Sabedoria é representada por dois<br />

livros muito importantes, a Sabedoria de Salomão e a<br />

Sabedoria de Ben Sira. A Sabedoria de Salomão, escrito em<br />

estilo epigramatico, foi composto por um judeu (ou judeus)<br />

de Alexandria, talvez na primeira parte do primeiro século<br />

a.C, e é muito distinto dentre os escritos apócrifos, pelo<br />

modo como combina a religião judaica com a filosofia<br />

grega. 16 É impossível resumir seu conteúdo, mas ele indica<br />

dois objetivos: primeiro, ganhar de volta os judeus<br />

apóstatas e fortalecer os judeus piedosos em sua fé, e<br />

segundo, demonstrar aos pagãos, em uma linguagem e<br />

pensamento que eles pudessem entender, a verdade sobre<br />

o judaísmo e a insensatez do paganismo. O escritor exorta<br />

seus leitores a seguir a justiça, para assim encontrarem a<br />

sabedoria.<br />

A Sabedoria de Ben Sira é talvez o livro mais<br />

importante dentre os "apócrifos", porque lança luz sobre a<br />

religião e a vida dos judeus na Palestina por volta do ano<br />

180 a.C. quando ele foi escrito. E uma seleção de<br />

conferências que o autor ministrou em sua Escola em<br />

Jerusalém, na qual procurava compartilhar com seus<br />

alunos a sabedoria dos anciãos, que eles podiam viver "de<br />

acordo com a Lei". Nesse caso também, é impossível<br />

resumir em poucas palavras os tópicos tratados no livro.<br />

72Ver pp. 17, 23 s.


Eles são extraídos da sinagoga, do lar, da escola e do<br />

mundo do dia-a-dia. Seus conselhos vão desde lições de<br />

etiqueta até a vida de comunhão com Deus ordenada em<br />

sua santa Lei — comportamento à mesa, criação de filhos,<br />

domínio próprio, ajuda aos pobres, avareza, a adoração de<br />

mamon, a verdadeira piedade e muitos outros itens. Todos<br />

esses conselhos ele resume na palavra "sabedoria" que é a<br />

orientação de Deus para todas as áreas da vida.<br />

Apocalíptico é representado por II Esdras 3-13, ao<br />

qual o capítulo 14 foi acrescentado por outra mão. O livro é<br />

um relato de seis visões dadas por Deus a "Esdras". Essas<br />

visões têm sido descritas como "um drama apocalíptico em<br />

dois atos: o 'amarrar do nó', na era presente (visões 1-3); e o<br />

'desfecho' no mundo porvir" (visões 4-6). 17 Ele foi escrito<br />

provavelmente por volta do ano 90 d.C. e reflete a<br />

desilusão que se seguiu à destruição de Jerusalém vinte<br />

anos antes. A única esperança dos homens estava na nova<br />

era que ainda estava por vir. Uma abordagem mais<br />

completa sobre o significado desse livro será reservada<br />

para outro capítulo quando a literatura apocalíptica será<br />

considerada como um todo. 18<br />

C. Seu Valor Histórico e Religioso<br />

Já fizemos referência ao valor de I Macabeus como<br />

uma fonte indispensável da história do segundo século a.C.<br />

e conseqüentemente das crenças e práticas religiosas do<br />

período de que ele trata. Porém muitos outros livros além<br />

desse têm uma contribuição importante a fazer nessa<br />

mesma conexão e juntos apresentam um quadro<br />

inestimável da vida e da religião judaica nos anos que<br />

antecederam o nascimento do cristianismo.<br />

O respeito para com o Templo de Jerusalém é<br />

demonstrado não apenas pelas narrativas históricas (por<br />

73R. H. Pfeiffer em The Interpretoá Bibk (O Intérprete da Bíblia), voL 1,1952, p. 399.<br />

74Ver cap. 5.


exemplo I Mac 7.37), mas em outros textos, como no livro<br />

de Tobias, ele é tratado em alta estima e é aprovada a<br />

peregrinação a Jerusalém e o pagamento de dízimos no<br />

Templo (1.4-8; 5.13). Em Ben Sira, também, os ritos do<br />

Templo (cf. 35.4ss) e o sacerdócio aarônico (45.6ss) são<br />

honrados e, em particular, o Sumo Sacerdote Simeão é<br />

exaltado (50.1 ss).<br />

Complementar ao Templo era a Torah sagrada, cuja<br />

localização e prestígio iriam tornar-se cada vez maiores à<br />

medida que os anos passassem. Tobias, por exemplo,<br />

coloca ênfase na obediência à Lei de Moisés, enquanto que<br />

em Ben Sira, como nós já vimos, a Torah é descrita como a<br />

epítome da própria sabedoria (24.23). Já estava sendo<br />

lançada a fundação para o tempo em que os judeus<br />

estariam dispostos a morrer em defesa da bendita Torah<br />

(cf. I Macabeus 2.27).<br />

Em todos esses escritos, há ênfase sobre a<br />

importância das exigências legalísticas. Tobias, por exemplo,<br />

refere-se à purificação após o contato com cadáveres, ao<br />

lavar-se antes das refeições, à observância das festas, o<br />

pagamento dos dízimos aos sacerdotes e às contribuições<br />

para o sustento de órfãos, viúvas e estrangeiros. O ato de<br />

dar esmolas, em particular, é considerado como um dever<br />

sagrado a ser praticado igualmente por ricos e pobres. Em I<br />

Macabeus é dada ampla evidência da grande importância<br />

do rito da circuncisão (cf. 1.15,48; 2.46) e da observância do<br />

sábado (2.34, 41). Outra observância quase tão importante é<br />

a das leis relacionadas às comidas. Tobias diz que quando<br />

foi levado cativo para Nínive, ele se recusou a comer "o pão<br />

dos gentios" (1.10-11). Judite, também, recusou-se a receber<br />

a comida e o vinho que Holofernes lhe ofereceu (12.2). De<br />

fato, o sucesso de seu plano para libertar a nação,<br />

aparentemente, dependia de seu cumprimento da lei até<br />

nos menores detalhes da observância das dietas (8.4-6;


12.1-9; cf. também II Macabeus 6.18-7.1). A perspectiva<br />

religiosa dos judeus é resumida nas palavras de Baruque:<br />

"Este é o livro dos mandamentos de Deus e a lei que<br />

subsiste para todo o sempre. Todos aqueles que a<br />

cumprem fielmente são destinados para a vida, mas os que<br />

a abandonam, perecerão" (Baruque 4.1).<br />

Mas o legalismo não era a única coisa que a Torah<br />

religiosa nutriu. Ela encorajou em muitos uma profunda<br />

devoção pessoal que achou expressão nas boas obras e no<br />

serviço aos outros. Em todo o livro de Tobias, por exemplo,<br />

há um sentido de reverência e respeito demonstrado aos<br />

pais, que indica um verdadeiro espírito de piedade que<br />

prevalecia em muitos círculos familiares judaicos daquele<br />

tempo; em particular, as orações de Tobias e Sara pela<br />

libertação de seus problemas são, sem dúvida, típicas de<br />

muitas orações de seus dias. Ben Sira também exala o<br />

espírito de oração em várias passagens que muito se<br />

assemelham aos Salmos em sua atmosfera devocional (cf<br />

2.1-18; 17.24-18.14; 22.27-23.6). Sua perspectiva religiosa é<br />

bem resumida nestes palavras: "Riquezas e força animam o<br />

coração;<br />

E o temor do Senhor está acima de ambos:<br />

Não há carência de nada no temor do Senhor,<br />

E quanto a isso, não é necessário buscar ajuda"<br />

(40.26).<br />

Aquele que observa a Lei, faz muito mais aos olhos<br />

de Deus do que se oferecesse muitos sacrifícios: "Aquele<br />

que guarda a Lei multiplica as ofertas; Aquele que cumpre<br />

os mandamentos oferece uma oferta pacífica;<br />

Aquele que retribui uma boa ação oferece flor de<br />

farinha; E aquele que dá esmolas oferece um sacrifício de<br />

ação de graças." (35.1-2)<br />

Multiplicar ofertas não é suficiente:


"O Altíssimo não tem prazer nas ofertas dos ímpios;<br />

nem perdoa os pecados pela multidão de sacrifícios"<br />

(34.19).<br />

Toda essa passagem, de fato, exala o espírito de<br />

Amós, que requer misericórdia para os pobres e justiça<br />

para os oprimidos (cf. 4.1-6; 34.18-26).<br />

Durante todo esse período, houve um grande<br />

desenvolvimento na concepção dos judeus das últimas<br />

coisas e isto é bem ilustrado nesses escritos. Em Baruque,<br />

por exemplo, há uma promessa para o povo judeu de que<br />

eles verão seu triunfo sobre seus irárnigos e que Deus os<br />

restabelecerá em sua própria terra (2.30-35, etc). Tobias<br />

declara que o tempo virá quando Jerusalém será<br />

reconstruída e o Templo será restabelecido à sua glória<br />

anterior e até mesmo superior àquela; as tribos se reunirão<br />

mais uma vez em Jerusalém e os pagãos adorarão ao<br />

Senhor como seu Deus (13.1ss; 14.4-7). Em ambos esses<br />

livros há referência à escatologia da nação, mas não há<br />

nada sobre a escatologia do individual. E aos apocalípticos,<br />

representada nos apócrifos por II Esdras 3-13, que devemos<br />

uma síntese dessasduas escatologias por meio de sua<br />

crença na doutrina da ressurreição dos mortos. Por sua<br />

influência, o escritor de II Macabeus, por exemplo,<br />

expressa sua crença na ressurreição dos justos, que serão<br />

levantados dentre os mortos para herdar a vida eterna<br />

(7.9,11,14,23,29,36;12.3-45). Nisso ele difere de outro livro<br />

alexandrino, a Sabedoria de Salomão, que, sob influência<br />

do pensamento grego, ensina sobre a imortalidade da alma<br />

(2.23; 3.4;5.15;6.18;8.17;15.3). Esse ensino de Sabedoria,<br />

junto com sua crença na pré-existência da alma (8.19-20),<br />

que está aprisionada ao "corpo corruptível" (9.15), é<br />

estranha não apenas ao pensamento hebraico, mas também


às expectativas apocalípticas dos judeus. 19 Os<br />

apocalípticos estavam alinhados à tradição hebraica e, por<br />

seu discernimento espiritual, prepararam o caminho para o<br />

cristianismo, não apenas em sua doutrina da ressurreição,<br />

mas também em sua crença no Reino de Deus e do Messias<br />

que um dia viria para reinar.<br />

2. Os OUTROS LIVROS "APÓCRIFOS" (Ou<br />

PSEUDEPÍGRAFOS)<br />

A. Sua Identidade<br />

Não há consenso sobre a lista desses outros livros<br />

apócrifos que se encontram excluídos dos "Apócrifos" e aos<br />

quais se atribui, às vezes, o nome de "pseudepígrafos". Eles<br />

representam vários tipos de literatura, mas, sem dúvida o<br />

mais comum e mais importante é esse do apocalíptico.<br />

Alguns deles são apocalipses, propriamente ditos,<br />

enquanto outros, embora não predominantemente<br />

apocalípticos, possuem em si elementos apocalípticos bem<br />

consideráveis. De fato, há poucos, se houver algum, que<br />

não entram nessa categoria. Mais tarde trataremos de seu<br />

método e ensino. Aqui relacionamos uma lista de tais<br />

livros, geralmente aceitos como pertencentes a essa<br />

classificação, juntamente com sua data aproximada de<br />

composição.<br />

De origem palestina:<br />

I. 1 Enoque 6-36, 37-71, 83-90, 91-104 (c. 154 a.C.)<br />

2. O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.)<br />

3. Os <strong>Testamentos</strong> dos Doze Patriarcas (140-110 a.C.)<br />

4. Salmos de Salomão (c. 50 a.C.)<br />

5. O Testamento de Jó (primeiro século a.C.)<br />

6. A Assunção de Moisés (7-28 d.C.)<br />

75Ver pp. 24 s.


d.C.)<br />

7. As Vidas dos Profetas (primeiro século d.C.)<br />

8. O Martírio de Isaías (1-50 d.C.)<br />

9. O Testamento de Abraão (1-50 d.C.)<br />

10. O Apocalipse de Abraão 9-32 (70-100 d.C.)<br />

II. II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (50-100<br />

12. Vida de Adão e Eva ou Apocalipse de Moisés<br />

(80-100 dC.)<br />

De origem helenística:<br />

13. Os Oráculos Sibilinos: Livro Hl (150-120 a.C.)<br />

Livro IV (c. 80 d.C.)<br />

Livro V (antes de 130 d.C.)<br />

14. III Macabeus (próximo do fim do primeiro século<br />

a.C.)<br />

15. IV Macabeus (próximo do fim do primeiro século<br />

a.C. ou início do primeiro século d.C.)<br />

16. II Enoque ou livro dos Segredos de Enoque (1-50<br />

dC.)<br />

17. III Baruque (100-175 d.C.)<br />

B. Na Comunidade deQumran<br />

Esse número de livros foi aumentado consideravelmente<br />

pelas descobertas no Qumran, perto da costa do Mar<br />

Morto. <strong>Entre</strong> os milhares de fragmentos encontrados, há<br />

muitos de caráter apócrifo e, em particular, apocalíptico;<br />

alguns são escritos em hebraico e outros em Aramaico, e<br />

outros, segundo informações, em uma escrita secreta.<br />

Aparentemente esses escritos eram muito populares entre<br />

os membros da comunidade de Qumran e talvez alguns<br />

deles tenham sido, de fato, escritos lá.<br />

Muitos fragmentos de escritos apocalípticos<br />

relatados no Livro de Enoque têm vindo à luz, escritos em<br />

hebraico e aramaico. Um deles tem muito em comum com I<br />

Enoque 94-103, com sua narrativa das admoestações aos


justos e infortúnios aos pecadores, e faz referência, em<br />

várias ocasiões, ao "segredo futuro" 20 por meio do qual os<br />

mistérios da presente era, enfim, serão revelados. Essa é<br />

uma idéia bem comum entre os apocalípticos como, por<br />

exemplo, em II Esdras. Outra série de fragmentos contém<br />

uma narrativa do nascimento de Noé, conhecida<br />

previamente apenas em I Enoque 106. E possível que esses<br />

façam parte de escritos perdidos há muito tempo, o assim<br />

denominado "Livro de Noé", reconhecido por muitos como<br />

sendo uma das fontes do Livro de Enoque. 21 No entanto,<br />

encontrou-se outra coleção de fragmentos, escrita em<br />

aramaico, que descreve uma visão da Nova Jerusalém e<br />

demonstra um interesse particular no templo e em seu<br />

culto. 22 A indicação é que esse escrito deve ter sido muito<br />

popular entre os Pactuantes, porque os fragmentos<br />

apresentam várias cópias e foram descobertos em várias<br />

cavernas de Qumran. Também foram encontrados<br />

fragmentos do Livro de Jubileus, um Testamento de Levi<br />

em aramaico (considerado uma fonte dos <strong>Testamentos</strong> dos<br />

Doze Patriarcas) e um Testamento de Naftali em hebraico.<br />

Alguns escritos de caráter hagádico 23 têm, também,<br />

vindo à luz entre os rolos de Qumran. Foram encontradas<br />

partes de uma obra similar ao Livro de Jubileus, por<br />

exemplo, que podem ser uma fonte desse livro ou uma<br />

recensão posterior dele, ou talvez possam representar um<br />

escrito independente, pois esse parece defender um<br />

calendário diferente, de algumamaneira, daquele dos<br />

Jubileus. De considerável interesse são os quarenta e nove<br />

fragmentos de um escrito hebraico que parece seguir o<br />

estilo do Livro de Deuteronômio, um tanto como Jubileus<br />

76Ver pp. 56, 95 ss, 105.<br />

77Cf. I Enoque 6-11; 54.7-55.2; 60; 65.1-69.25; 106-107. Porções da 'literatura de Noé' também<br />

podem ter sido preservadas em Jubileus 7.20-39; 10.1-15.<br />

78Os editores deram a ela o título de "A Descrição da Nova Jerusalém".<br />

79Ver p. 67.


segue o Livro de Gênesis. Por isso ele é geralmente<br />

conhecido como "O Pequeno Deuteronômio" ou "As<br />

Palavras de Moisés". E bem possível que tenhamos aqui<br />

uma história apócrifa dos patriarcas ou mesmo um<br />

documento até então desconhecido, "As Guerras dos<br />

Patriarcas", que é uma das fontes de Jubileus (cf. 34.1-9) e<br />

os <strong>Testamentos</strong> do Doze Patriarcas (cf. Testamento de Judá<br />

3-7).<br />

Igualmente interessante também é a paráfrase<br />

aramaica de Gênesis 5-15 que adorna a narrativa bíblica<br />

com comentários hagádicos sobre o texto e tem muito em<br />

comum com nossa literatura apocalíptica. 24 Fragmentos de<br />

outros livros de narrativas hagádicas também têm muito<br />

em comum com os escritos atribuídos a Jeremias e<br />

Baruque, mas que não podem ser identificados com<br />

qualquer dos escritos já conhecidos por nós. De particular<br />

interesse é o escrito pseudo-histórico situado no período<br />

persa, que lembra os livros de Ester e Daniel.<br />

3. Os LIVROS APÓCRIFOS NO CRISTIANISMO<br />

A. No <strong>Novo</strong> Testamento<br />

Ao ler o <strong>Novo</strong> Testamento, torna-se bem óbvio que<br />

seus escritores e leitores dos primeiros dias estavam<br />

familiarizados com, pelo menos, alguns dos livros<br />

apócrifos, não apenas aqueles que eles herdaram dos<br />

judeus na Septua-ginta, mas também com uma coleção<br />

mais ampla de escritos. A referência mais clara pode ser<br />

encontrada em Judas, versículos 14-16, onde o autor faz<br />

uma citação, sem dúvida de memória, de Enoque 1.9,<br />

lembrando a profecia de "Enoque, a sétima geração depois<br />

de Adão". A exceção dessa citação mais ou menos direta,<br />

80Este escrito foi, à primeira vista, considerado uma cópia do Livro de Lameque, ao qual se faz<br />

referência em algumas listas antigas.


muitas alusões à literatura apócrifa. As palavras,<br />

"Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos.<br />

Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate",<br />

registradas em Hebreus 11.35, nos faz lembrar o martírio<br />

de Eleazar e dos Sete Irmãos em II Macabeus 6 e 7, e<br />

"foram... serrados pelo meio" de Hebreus 11.37 é, sem<br />

dúvida, uma alusão ao Martírio de Isaías, enquanto as<br />

frases "o resplendor da glória" e "a expressão exata de seu<br />

Ser" em Hebreus 1.3 nos lembra forçosamente o Livro de<br />

Sabedoria 7.26. Ecos do Livro de Sabedoria provavelmente<br />

podem ser ouvidos também nas palavras dos principais<br />

sacerdotes em relação a Jesus, em sua agonia, em Mateus<br />

27.43: "Pois venha livrá-lo agora, se de fato lhe quer bem;<br />

porque disse: Sou Filho de Deus" (cf. Sabedoria 2.18); assim<br />

também nas cartas de Paulo, tais como Romanos 1.20-32<br />

(Sabedoria 14.22-31), Romanos 9.21 (Sabedoria 15.7), II<br />

Coríntios 5.4 (Sabedoria 9.15) e Efésios 6.13-17 (Sabedoria<br />

5.18-20). Além disso, certos sentimentos e frases familiares<br />

ao leitor cristão nos Evangelhos têm seu paralelo direto no<br />

<strong>Testamentos</strong> dos Doze Patriarcas, expressões como<br />

perdoar o próximo (Mateus 18.21, cf. Testamento de Gade<br />

6.3,7), amar de todo o coração (Mateus 22.37-39, cf.<br />

Testamento de Dã 5.3), e retribuir o mal com o bem (Lucas<br />

6.27s, cf. Testamento de José 8.2). Isso demonstra como o<br />

conteúdo dos ensinamentos morais de Jesus estava<br />

próximo do ideal moral do judaísmo.<br />

A disputa entre Miguel e o diabo, pelo corpo de<br />

Moisés em Judas 9, deriva de A Assunção de Moisés, e a<br />

doutrina dos espíritos aprisionados em I Pedro 3.19 é<br />

baseada em Enoque 14-15. A Epístola de Tiago tem muito<br />

em comum com os livros apócrifos; o escritor certamente<br />

estava familiarizado com Ben Sira, de cujo pensamento e<br />

experiência ele compartilhava (cf. por exemplo, Tiago 1.19<br />

e Ben Sira 5.11). O <strong>Novo</strong> Testamento faz referências a


escritos desconhecidos (cf. I Coríntios 2.9; Efésios 5.14; I<br />

Timóteo 3.16) e faz citações de fontes desconhecidas<br />

(Mateus 23.34,35; cf. Lucas 11.49-51), enquanto em uma<br />

passagem (II Timóteo 3.8) faz alusão a Janes e Jambres,<br />

cujos nomes foram usados para o título de um livro<br />

apócrifo, do que temos conhecimento a partir de escritos<br />

que surgiram posteriormente.<br />

Sem dúvida, os cristãos primitivos consideravam<br />

esses livros religiosamente edificantes, não apenas em suas<br />

devoções pessoais, mas também no ensino dos<br />

catecúmenos. A questão da canonicidade não era sequer<br />

cogitada a essa altura. Esse problema ainda seria suscitado<br />

e resolvido pela Igreja em expansão.<br />

B. Na História da Igreja<br />

<strong>Entre</strong> os primeiros Pais da Igreja, os livros<br />

"Apócrifos" geralmente eram considerados como parte das<br />

sagradas Escrituras, mas essa opinião não deixou de ser<br />

contestada por vários dos mais influentes dentre eles.<br />

Orígenes (185-254), por exemplo, como membro do clero,<br />

aceitava os "Apócrifos" mas como erudito limitava as<br />

Escrituras do <strong>Antigo</strong> Testamento ao Cânon hebraico. Cirilo<br />

de Jerusalém (morto em 386) ensinava seus catecúmenos<br />

com base no Cânon hebraico, mas aceitava o uso comum<br />

de outros escritos. Jerônimo (morto em 420) formulou sua<br />

opinião de que apenas os livros do Cânon hebraico<br />

deveriam ser considerados autorizados e, portanto,<br />

canónicos. Ele fazia distinção entre o que chamava de abri<br />

canoniá e libri eccksiastiá. Estes últimos, que não eram<br />

incluídos no Cânon hebraico, deveriam ser considerados<br />

"inter-apócrifos" entre os escritos apócrifos, uma expressão<br />

que já havia sido empregada (aparentemente pela primeira<br />

vez) por Cirilo de Jerusalém. Na prática, porém, Jerônimo<br />

incluiu os livros "Apócrifos" na tradução latina, que veio a


ser conhecida como Vulgata, a versão católica romana<br />

oficial da Bíblia. Com base na Vulgata, a igreja católica<br />

romana declarou os Apócrifos como canónicos no<br />

Concílio de Trento em 1546 e no Concílio Vaticano<br />

em 1870.<br />

A atitude dos reformadores em relação aos<br />

Apócrifos foi amplamente determinada pelo uso que a<br />

Igreja Católica Romana havia feito, desde muito tempo,<br />

desses escritos, para defender doutrinas tais como salvação<br />

pelas obras, mérito dos santos, purgatório e intercessão<br />

pelos mortos. Isso, juntamente com um renovado interesse<br />

pela língua hebraica, estabeleceram os livros do Cânon<br />

hebraico como uma classe à parte. Martinho Lutero (1534)<br />

separou os Apócrifos (a exceção de I e II Esdras) do Cânon<br />

hebraico e colocou-os em um apêndice do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, descrevendo-os como "livros que não podem<br />

ser considerados como livros canónicos, porém são úteis e<br />

bons para leitura". Coverdale (1535) também apensou os<br />

Apócrifos ao <strong>Antigo</strong> Testamento, omitindo a Oração de<br />

Manasses (incluída posteriormente na "Grande Bíblia",<br />

1539) e acrescentando I e II Esdras. Os Apócrifos, seja no<br />

corpo do <strong>Antigo</strong> Testamento, seja como apêndice, portanto,<br />

apareciam na "Bíblia de Mateus" (1537), na Grande Bíblia<br />

(1539), na Bíblia de Genebra (1560), na Bíblia do Bispo<br />

(1568) e na Versão Autorizada de Tiago I (1611). Mas a<br />

velha controvérsia permaneceu e já em 1629 os "Apócrifos"<br />

foram omitidos de algumas edições da Bíblia Inglesa e,<br />

desde 1827, das edições da Sociedade Bíblica Britânica e<br />

Estrangeira, com exceção de algumas Bíblias de púlpito.<br />

Hoje, aos olhos dos protestantes, o valor dos "Apócrifos"<br />

vai desde "edificante" a "sem valor religioso".


Parte Dois<br />

Os APOCALÍPTICOS<br />

5<br />

A Mensagem e o Método dos Apocalípticos<br />

Falando em termos gerais, a literatura apocalíptica<br />

judaica surge entre a literatura do <strong>Antigo</strong> Testamento e a<br />

do <strong>Novo</strong> Testamento e está intimamente associada com<br />

ambos. Por um lado, é uma continuação do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, visto que em muitas de suas características é<br />

um desenvolvimento da profecia hebraica. Por outro lado,<br />

é uma antecipação do <strong>Novo</strong> Testamento, porque marca um<br />

importante período de transição, no qual as crenças que<br />

surgem destes escritos, foram adotadas e desenvolvidas<br />

dentro do arcabouço do cristianismo; de fato, as<br />

importantes mudanças no pensamento religioso que<br />

ocorreram no período entre os <strong>Testamentos</strong>, seriam, até<br />

certo ponto, inexplicadas e inexplicáveis, não fosse o fato<br />

de que possuímos esse conjunto de literatura judaica. Isso<br />

se aplica particularmente à idéia do Messias em sua relação<br />

com o Filho de Homem e à crença na vida após a morte.<br />

Esses dois conceitos serão tratados nos dois últimos<br />

capítulos deste livro e vão indicar a significativa<br />

contribuição dada pelos apocalípticos para o<br />

desenvolvimento de convicções religiosas durante o<br />

período interbíblico.<br />

Durante algum tempo, esses escritos apocalípticos<br />

continuaram a ser populares entre os cristãos. O padrão do


apocalíptico judeu é evidente no Cânon do <strong>Novo</strong><br />

Testamento, particularmente no Apocalipse de João e no<br />

assim chamado Pequeno Apocalipse de Marcos 13; mas<br />

além desses, muitos outros apocalipses foram escritos em<br />

imitação aos antigos livros judaicos. Isso não é realmente<br />

surpreendente, porque a mensagem dos escritores judeus<br />

apocalípticos era bem alinhada com as esperanças e<br />

expectativas dos cristãos. Ela dirigia os homens deste<br />

mundo mau e atribulado para o grande desdobramento do<br />

propósito do Deus Todo-Poderoso que sustentava a<br />

história e o destino do mundo na palma de sua mão. O dia<br />

em que ele interviria com poder para estabelecer seu reino<br />

de justiça e paz estava se aproximando rapidamente; a<br />

Idade Messiânica, prestes a se manifestar, traria consigo as<br />

bênçãos do Paraíso; o Grande Dia do Julgamento iria<br />

testemunhar a ruína dos ímpios e a vindicação dos justos; a<br />

Nova Era estava na iminência de surgir, o Reino de Deus<br />

estava às portas! Não é absolutamente surpreendente,<br />

então, que tais ensinos tenham sido muito bem reputados<br />

na igreja cristã, porque essa era seguramente uma<br />

antevisão do triunfo daquele mesmo reino no qual os<br />

próprios cristãos acreditavam. Apenas quando arrefeceu a<br />

expectativa dos cristãos na vinda de Cristo em seus dias,<br />

esses livros e seus similares cristãos perderam o prestígio,<br />

embora vez por outra, no curso da história, a igreja<br />

tenha-se voltado para a mensagem que os apocalípticos<br />

proclamaram, a fim de renovar sua inspiração e<br />

encorajamento.<br />

É possível traçar padrões e esquemas nos<br />

pensamentos desses escritores, mas o leitor não deve<br />

esperar encontrar rigorosa consistência ou apresentação<br />

lógica nas idéias e crenças, expressas nessa literatura.<br />

Como o Dr. F. C. Burkitt observa: "O principal perigo agora<br />

é requerer um padrão muito rígido de consistência e


acionalidade dos escritores, para os quais consistência e<br />

racionalidade eram considerações totalmente secundárias.<br />

Consistência e racionalidade pertencem ao passado e ao<br />

curso dos eventos neste mundo: a parte dos apocalípticos é<br />

estimular seus companheiros por meio de esboços do<br />

futuro. E um futuro em que tudo é coerente... o coração do<br />

homem ainda não concebeu". 25<br />

1. A TRADIÇÃO APOCALÍPTICA<br />

A literatura apocalíptica judaica que floresceu de 165<br />

a.C. a 90 d.C, deve muito à preparação dos profetas do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento e à influência de idéias estrangeiras,<br />

especialmente as relacionadas à escatologia do<br />

Zoroastrismo do Império Persa. Mas é verdadeiro dizer<br />

que ela tomou raízes no tempo da perseguição sob Antíoco<br />

IV (Epifânio) e prosperou na atmosfera da opressão,<br />

tortura e ameaça de morte que prevalecia na Palestina ao<br />

longo de todo o reinado desse monarca. A semente já havia<br />

sido lançada, por assim dizer, em passagens tais como<br />

Ezequiel 38-39, Zacarias 9-14, certas partes de Joel e Isaías<br />

24-27, que, de forma muito interessante, estão elas próprias<br />

embutidas na profecia; mas nos eventos que conduziram à<br />

Revolta dos Macabeus, essa semente chegou ao pleno<br />

florescimento. O primeiro, e indubitavelmente o maior dos<br />

escritos apocalípticos, é o Livro de Daniel, escrito sobre um<br />

fundo de perseguição, terror e morte. Desde o início ele<br />

deve ter conquistado um lugar de honra entre aqueles para<br />

quem foi escrito e deve ter causado uma profunda<br />

impressão no povo judeu como um todo; apenas o Livro de<br />

Daniel, dentre todos aqueles que se seguiram, conquistou<br />

para si um lugar no Cânon hebraico das Escrituras.<br />

81]ewish e Christian Apocalipses (Apocalipses Judaicos e Cristãos), 1914, p. 48


A, O Segredo Oculto<br />

Praticamente em toda essa literatura, um padrão<br />

definido pode ser traçado que, embora os detalhes<br />

possamvariar, quase sempre é o mesmo em linhas gerais.<br />

Os vários escritos reivindicam ser revelações dos segredos<br />

divinos, os quais Deus tornou conhecidos a certos<br />

indivíduos eleitos (de Adão a Esdras) que pretendem ser os<br />

escritores dos livros. Esses homens, por meio de visões e<br />

coisas semelhantes, haviam sido iniciados em uma<br />

compreensão dos segredos dos céus e subseqüentemente<br />

os registraram em seus livros "ocultos", como instrução<br />

para os justos. A natureza dessa iniciação varia em<br />

diferentes partes da literatura. Freqüentemente ela assume<br />

a forma de uma translado, seja no espírito, 26 seja no<br />

corpo, 27 ao próprio céu. Lá o vidente antigo é iniciado nos<br />

segredos eternos do propósito divino ou mesmo na própria<br />

presença de Deus. 28 Vários dos escritos apocalípticos fazem<br />

referência às "tábuas celestes", nas quais estão registrados<br />

os segredos dos séculos. Em I Enoque, elas registram<br />

"todas as ações dos seres humanos... desde as mais remotas<br />

gerações" (81.2, cf. 93.2) e prediz a injustiça que surgirá na<br />

face da terra (106.19; 107.1). Em outro lugar elas são<br />

chamados de "os livros dos santos"; nelas, os anjos sabem<br />

do futuro e assim estão aptos a preparar a recompensa dos<br />

justos e dos ímpios (cf. 103.2; 106.19; 108.7).<br />

82Cf. I Enoque 71.1. As palavras "subi para aqui", em Ap 11.12, ditas ajoão na ilha de Patmos,<br />

provavelmente se refere a um translado do espírito. Cf. também Ap 17.3; 21.10.<br />

83Cf. I Enoque 39.3,4; II Enoque 3.1; 36.1,2; 38.1; Testamento de Abraão 7B, 8B; Apocalipse de<br />

Baruque 6.3; II Esdras 14.9. Isso nos lembra das palavras de Paulo em II Co 12.2-4, onde ele relata<br />

como foi arrebatado para o terceiro céu, "se no corpo ou fora do corpo, não sei".<br />

84Cf. I Enoque 14.9-17; 71.7-9; II Enoque 20.3; 22.1, etc. Há muitas histórias lendárias,<br />

especialmente na literatura grega, da alma do homem viajando pelo Hades ou pelo céu, seja após a<br />

morte, seja em um estado de transe. Os apocalípticos, contudo, podem ter sido mais<br />

profundamente'influenciados pela idéia do <strong>Antigo</strong> Testamento de um Conselho Celestial presidido<br />

por Deus e assistido por anjos e às vezes por homens. Cf. I Reis 22.19 ss; Jó 1.6 ss; Is 6.6 ss; SI 89.7;<br />

Jr 23.18 ss. Essa mesma idéia é desenvolvida a um grau extravagante no Judaísmo mais recente (cf.<br />

Sanhedrin (Sinédrio) xxxviii. 6).


Essa mesma idéia está presente no Livro de Jubileus<br />

(cf. 1.29; 5.13; 23.30-32; 30.21-22, etc.) e nos <strong>Testamentos</strong> dos<br />

Doze Patriarcas, nos quais acredita-se que as tábuas<br />

celestes prevêem os eventos futuros (cf. Testamento de<br />

Aser 7.5) e coloca-se ênfase sobre o determinismo dos<br />

eventos futuros 29 (cf. Testamento de Aser 2.10; Testamento<br />

de Levi 5.4).<br />

Tais segredos, embora não se relacionem particularmente<br />

às "últimas coisas", relatam todo o propósito de<br />

Deus para o universo desde a criação até o final dos<br />

tempos. A compreensão de tais segredos ajuda os justos a<br />

discernir os sinais da aproximação do fim e os estabelece<br />

em sua santa fé. 86 Muito freqüentemente a revelação<br />

concedida ao eleitos antigos consiste em um relato da<br />

história do mundo, culminando no Reino do Messias e a<br />

Era Vindoura. Falando em termos gerais, o relato dado é<br />

muito claro, sob os aspectos simbólicos, bem ajustado à<br />

época na qual o próprio autor estava vivendo; e então,<br />

inevitavelmente, o relato se torna obscuro, porque embora<br />

o relato todo pareça ser uma predição em nome dos<br />

videntes antigos, a predição, propriamente dita, começa, de<br />

fato, a partir dos dias do próprio autor. Desse ponto em<br />

diante, o tempo dos eventos é rapidamente precipitado,<br />

porque o fim está próximo. A natureza do fim e os detalhes<br />

de sua vinda demonstram uma grande diversidade de<br />

pensamento, mas normalmente o escritor retrata a ruína<br />

dos ímpios e o triunfo dos justos, seja neste mundo ou na<br />

vida vindoura, seja num reino terreno ou num celestial, em<br />

corpo físico ou em corpo "espiritual" renovado; o Reino<br />

Messiânico, temporal ou eterno, é anunciado e proclama<br />

ou inaugura a Era Vindoura, quando os propósitos de<br />

Deus vão triunfar e Ele vai viver com seu povo para<br />

85Para citações de determinismo na interpretação da história pelos apocalípticos,


sempre. 87 Esse padrão de revelação tendia a se<br />

tornarestereotipado e formai, mas em sua origem, de<br />

qualquer modo, como no Livro de Daniel, seu propósito<br />

era muito prático — inspirar a nação com uma nova<br />

coragem e com renovada esperança na vitória final do bem<br />

sobre o mal, e no triunfo de Deus e seu Reino sobre todos<br />

os poderes das trevas.<br />

B. A Linguagem do Simbolismo<br />

Toda essa literatura é abundante em imaginação de<br />

gênero fantástico e estranho, a tal ponto que o simbolismo<br />

pode ser considerado como a linguagem apocalíptica. Parte<br />

desse simbolismo é originado diretamente do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, cujas figuras e metáforas são adaptadas e<br />

usadas como material para representação figurativa.<br />

Porém, grande parte dela tem origem na mitologia antiga.<br />

Essa influência pode ser traçada mesmo no próprio <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, mas nos apocalípticos é muito mais<br />

plenamente desenvolvida. Alguns desses quadros e<br />

alusões, sem dúvida, surgiram juntamente com os próprios<br />

escritores apocalípticos sob a influência de idéias<br />

estrangeiras e tornaram-se parte de seu repertório comum.<br />

De particular interesse é o antigo mito babilónico de<br />

um combate entre o divino Criador e um grande monstro<br />

marinho. Esse mito encontra eco em diversas passagens do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento, nas quais o monstro é muitas vezes<br />

descrito como Dragão, Leviatã, Raabe ou Serpente. 30 Em<br />

forma babilónica e hebraica igualmente simboliza o abismo<br />

caótico ou oceano cósmico (do hebraico Tehôm; do<br />

babilónico Tiâmatf que é considerado como um lugar de<br />

88Dragão (Jó 7.12; SI 74.13; Is 51.9; Ez 29.3; 32.2), Leviatã Qó 41.1; SI 74.14; 104.26; Is 27.1), Raabe<br />

Qó 9.13; 26.12; SI 89.10; Is 30.7; 51.9), Serpente (Jó 26.13; Is 27.1; Amós 9.3).<br />

89Cf. Jó 7.12; 26.12; 38.8; SI 74.13; Is 51.10; Hc 3.8; Amós 7.4. Para o poder de Deus sobre o<br />

abismo, ver também SI 33.7 s; 93.1 ss; 107.23-32; Jonas 2.5-9, etc. Em Gn 1.2, 6 ss, Deus o Criador<br />

salva o mundo do poder do caos em forma de oceano antigo.


mistério e mal. Em outro lugar eleé identificado com o<br />

Egito (cf. Salmos 87.4), que em vários lugares é descrito sob<br />

a figura de um grande monstro marinho (cf. Salmos<br />

74.13ss; Ezequiel 29.3; 32.2).<br />

Esse mesmo monstro reaparece nos apocalípticos em<br />

vários escritos de diversas datas. No Testamento de Aser,<br />

por exemplo, o escritor fala sobre a vinda do Altíssimo à<br />

terra e que ele "rompeu a cabeça do dragão na água" (7.3;<br />

cf. Salmos 74.13). Há uma tradição de que esse dragão,<br />

descrito como Behemoth e Leviatã, será devorado no<br />

Banquete do Messias por aqueles que permanecerem na<br />

Era Messiânica (II Esdras 6.52; II Baruque 29.4) 31 Nos<br />

Fragmentos de Zadoque, a mesma figura é usada para<br />

descrever "os reis dos gentios" (9.19-20), enquanto que em<br />

Salmos de Salomão a referência é ao general romano<br />

Pompeu (2.29), sem dúvida, sob a influência de Jeremias<br />

51.34, onde se faz referência a Nabucodonosor, rei de<br />

Babilônia, em termos semelhantes.<br />

Toda a literatura apocalíptica emprega extensamente<br />

figuras de animais de todas as espécies para simbolizar<br />

homens e nações. A figura do touro, por exemplo, já<br />

familiar no <strong>Antigo</strong> Testamento como símbolo da presença e<br />

do poder de Deus, 32 aparece particularmente em I Enoque<br />

85-86 como símbolo dos patriarcas de Adão a Isaque. Em<br />

uma passagem, ele representa o Messias humano e os<br />

membros de seu reino que se tornam touros brancos, assim<br />

como Adão (I Enoque 90.37-38). Os justos que seguem os<br />

patriarcas são descritos sob a figura de ovelhas ou<br />

cordeiros, sem dúvida sob a influência de Ezequiel 34.3,6,8,<br />

90No livro do Apocalipse o dragão aparece como Satanás e é inimigo do Messias<br />

e de seus santos (cf. 12.9,20.2). Na literatura rabínica é feita uma referência ao banquete messiânico;<br />

na literatura de Qumran a "Norma da Congregação" descreve alguns preparativos para um<br />

banquete que será presumivelmente preparado na nova era (ver p.129). MCf. Ex 32.4 ss; I Reis<br />

12.26 ss; Oséias 10.5, etc.


onde o mesmo simbolismo é usado. 33 Moisése Aarão, e<br />

muitos outros depois deles, são descritos desse modo (I<br />

Enoque 89.16, é). Davi e Salomão, por exemplo, são<br />

retratados como ovelhas até que assumem o trono, quando<br />

então se tornam carneiros (I Enoque 89.45, 48). O Messias,<br />

como já vimos, é um touro branco mas, ao entrar em seu<br />

reino, ele se torna um cordeiro (I Enoque 90.38) Judas<br />

Macabeus é descrito como um carneiro (90.14) e em outro<br />

lugar como um grande chifre (90.9). O carneiro é,<br />

naturalmente, um símbolo bem conhecido de poder e<br />

dominação (cf. Ezequiel 34.17; 39.18) e é encontrado<br />

também em outros escritos apocalípticos (cf. Daniel 8.3s,<br />

etc).<br />

Os apocalípticos fazem uso freqüente de bestas<br />

selvagens e aves de rapina para simbolizar as nações dos<br />

gentios. Sem dúvida, eles foram influenciados por<br />

passagens tais como Ezequiel 39.17 ss e talvez também pelo<br />

Livro de Jó e o Livro de Provérbios, os quais demonstram<br />

grande interesse pela natureza e fazem referência<br />

freqüente a figuras de animais de muitas espécies. A lista<br />

mais extensa se encontra em I Enoque 89.10 ss onde as<br />

várias nações gentílicas são descritas sob a figura de leões,<br />

tigres, lobos, cachorros, hienas, javalis selvagens, raposas,<br />

esquilos, porcos, falcões, urubus, milhanos, águias e<br />

corvos. No Testamento de José 19.8, porém, o leão é usado<br />

para representar Judá, e em U Esdras 11.37 ele simboliza o<br />

Messias. 34 Neste último caso, o leão, falando com uma voz<br />

de homem, repreende e então destrói a "águia" (11.37 ss)<br />

que, como diz o autor (12.11), representa o quarto reino na<br />

visão de Daniel (Daniel 7.23), identificado aqui com Roma.<br />

Na visão de Daniel, saem do mar quatro grandes bestas<br />

92Cf. também SI 74.1; 79.13; 100.3; Jr 23.1, nos quais Israel é citado como ovelha das pastagens de<br />

Deus.<br />

93Cf. Ap 5.5 onde o Messias é chamado "o Leão da tribo de Judá".


que não-pertencem a nenhuma espécie conhecida. A<br />

primeira é como um leão com asas de águias (7.4); a<br />

segunda é como um urso, tendo três costelas em sua boca<br />

(v. 5); o terceiro é como umleopardo com quatro asas (v. 6);<br />

o quarto é uma besta com dez chifres e grandes dentes de<br />

ferro (v. 7). Por meio desse estranho simbolismo, cujas<br />

raízes remontam à antiga mitologia, o autor descreve os<br />

quatro grandes Impérios da Babilônia, Média, Pérsia e<br />

Grécia.<br />

Assim como homens e nações são simbolizados por<br />

animais, assim também os anjos bons são simbolizados por<br />

homens 35 e os anjos caídos por estrelas. 36 Este último é<br />

encontrado particularmente em I Enoque 85-90, onde<br />

Enoque, em visão, vê uma estrela, representando Azazel, o<br />

príncipe dos anjos caídos, caindo do céu, seguido por<br />

muitas outras estrelas, representando todas as suas hostes<br />

(85.1 ss). Outra versão dessa história conta como os anjos<br />

caídos coabitaram com as filhas dos homens que geraram<br />

uma raça monstruosa de gigantes (I Enoque 7.1 ss; 15.1 ss;<br />

86.1 ss). 37 Esses gigantes foram destruídos pelo Dilúvio,<br />

mas seus espíritos foram deixados soltos como demônios<br />

para corromper todo o gênero humano (15.8 ss). Os anjos<br />

caídos, chamados de "Vigilantes" (o nome é usado para o<br />

primeiro grupo em Daniel 4.13,17, 23), serão punidos antes<br />

mesmo do Juízo Final, mas a punição dos demônios será<br />

reservada até aquele Grande Dia (cf. I Enoque 10.6; 16.1;<br />

19.1). 38<br />

Outra forma de simbolismo que pode ser encontrada<br />

nos escritos apocalípticos é o dos números, especialmente<br />

94Cf. I Enoque 87.2 ss; 89.59; 90.21; Testamento de Levi 8.2; II Enoque 1.4, etc. Para um uso um<br />

pouco similar no <strong>Antigo</strong> Testamento, ver Gn 18.2 ss; Ezequiel 9.2, etc.<br />

95Cf. Ap 1.20 em que essa linguagem é usada para descrever "os anjos das sete<br />

igrejas".<br />

96Cf. Gn 6.1 ss para um relato bíblico sobre esse velho mito em que o mal é relacionado aos anjos<br />

caídos.


os números 3, 4, 7, 10 e 12 ou seus múltiplos. 39 Cada um<br />

delestem um significado religioso peculiar no <strong>Antigo</strong><br />

Testamento e pelo menos alguns deles aparecem muito<br />

freqüentemente nas fontes babilónica e persa. Uma<br />

importância especial é atribuída ao número 7, denotando<br />

compleição ou perfeição, que aparece nos escritos<br />

apocalípticos de todo o período interbíblico em passagens<br />

numerosas demais para mencionar."<br />

C. A. Eenda de Esdras<br />

Um bom esclarecimento é dado sobre a tradição<br />

dessa literatura apocalíptica pela suposta lenda de Esdras,<br />

contida no capítulo 14 de II Esdras, mas sem dúvida,<br />

extraída de uma fonte independente. Ela nos diz como, ao<br />

sentar-se debaixo de um carvalho, Esdras ouviu uma voz<br />

chamando-o de um arbusto, convidando-o a guardar em<br />

seu coração os sinais que Deus lhe mostraria, da mesma<br />

maneira como se havia feito a Moisés no passado; a ordem<br />

mundial presente eslava chegando rapidamente a um fim e<br />

ele em breve deveria ascender para estar com o Messias.<br />

Por isso, foi-lhe ordenado separar quarenta dias nos quais,<br />

sob inspiração «divina, ele deveria ditar a cinco<br />

companheiros escolhidos "tudo o que aconteceu no mundo<br />

desde o início, mesmo as coisas que estavam escritas na tua<br />

lei". Esdras fez como lhe foi ordenado e em quarenta dias<br />

ditou aos cinco homens noventa e quatro livros. 40 O<br />

Todo-poderoso, então, deu-lhe esta injunção: "Os vinte e<br />

quatro livros que tu escreveste proclamam o que o digno e<br />

o indigno podem ler (nesse lugar); mas os setenta restantes<br />

97Essa crença é expressa também em Jubileus 10.5-11 e é sugerida em Mt 8.29: "Vieste aqui<br />

atormentar-nos antes do tempo". '«Ver também pp. 106 ss, 137.<br />

98Cf. II Enoque 23.3 s, onde Enoque escreve 366 livros ditados pelo arcanjo Vretil, e A Assunção<br />

de Moisés 1.16; 10.11; 11.1, onde Moisés recebe a ordem de preservar os livros celestiais que Deus<br />

havia entregado a ele.


tu deves guardar, entregá-los aos sábios entre o povo"<br />

(14.45-46).<br />

Essa narrativa é uma reaplicação da tradição familiar<br />

de que Esdras foi o restaurador da Lei de Moisés<br />

que, segundo se acreditava, havia sido queimada (14.21)<br />

quando Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. No<br />

Monte Sinai, Moisés havia recebido uma revelação divina<br />

em que Deus "disse a ele muitas coisas assombrosas,<br />

mostrou-lhe os segredos dos tempos, declarou a ele o fim<br />

das estações" (14.5). As palavras da Lei ele deveria<br />

anunciar abertamente, mas a tradição secreta concernente<br />

às crises da história do mundo, ele deveria guardar para si<br />

(14.6). Parece óbvio que o escritor tinha em mente aqui a<br />

tradição apocalíptica que se acreditava ter sido recebida de<br />

Moisés junto com a sagrada Lei e agora restaurada por<br />

Esdras, sob a inspiração de Deus. Os vinte e quatro livros<br />

que deveriam ser anunciados abertamente eram os livros<br />

da Escritura canónica, e os setenta que seriam mantidos em<br />

segredo e entregues apenas aos sábios, eram os escritos<br />

apocalípticos esotéricos. O número setenta é, sem dúvida,<br />

usado simbolicamente para significar uma figura<br />

compreensiva e provavelmente com o objetivo de incluir<br />

não apenas esses livros apocalípticos, conhecidos e<br />

desconhecidos, que aparecem sob o nome de Moisés, mas<br />

também uma coleção mais ampla de escritos apocalípticos,<br />

incluindo o próprio livro, em que esses eventos são<br />

registrados.<br />

Essa lenda de Esdras, então, reivindica, na prática,<br />

para a tradição apocalíptica, um lugar de valor e<br />

autoridade no Judaísmo. Indubitavelmente, ela reflete a<br />

crença conscienciosa em certos círculos apocalípticos<br />

______________<br />

99 A popularidade do número 7 é óbvia no Livro de Apocalipse, onde<br />

ele ocorre 54 vezes.


daquele tempo, de que esse tipo de literatura, como a<br />

própria Tradição Oral (cf. Pirke Aboth 1.1), poderia<br />

remontar sua origem à revelação dada por Deus a Moisés,<br />

no Monte Sinai. Tem-se sugerido que "Em Esdras e seus<br />

cinco companheiros pode haver uma alusão oculta ao<br />

grande rabino Joana ben Zakkai - o reformador do<br />

judaísmo depois de cerca de 66-70 d.C. - e seus cinco<br />

famosos discípulos". 41 Nesse caso, fortalece ainda mais o<br />

argumento deque o autor está aqui reivindicando para a<br />

tradição apocalíptica um lugar essencial na vida do<br />

Judaísmo reformado.<br />

2. O APOCALÍPTICO E A PROFECIA<br />

Os escritores apocalípticos acreditavam que se<br />

mantinham na verdadeira tradição profética das Escrituras<br />

do <strong>Antigo</strong> Testamento e estavam convencidos de que,<br />

como aqueles profetas, eles também tinham uma<br />

mensagem de Deus. 42 Em particular, preocuparam-se com<br />

o elemento prognóstico que encontravam na profecia e que<br />

havia sido grandemente negligenciado nos métodos<br />

rabínicos de seus dias. Seu método era examinar as<br />

predições feitas no passado, que não haviam sido<br />

cumpridas no sentido literal das respectivas passagens, e<br />

ver nelas significados ocultos e simbólicos que eles<br />

passavam a reorganizar e reinterpretar. Assim ao<br />

reinterpretar e reaplicar a mensagem de uma profecia às<br />

sucessivas gerações, eles mostraram que ela era não apenas<br />

uma "previsão" mas uma "predição" da palavra de Deus.<br />

Por essa razão, o apocalíptico tem, às vezes, sido descrito<br />

como profecia "não cumprida", o que até certo ponto é<br />

101G. H. Box, The Ezra-Apocalypse (O Apocalipse de Esdras), 1912, p. 314.<br />

102Os rabinos também fazem essa reivindicação para si. No Talmude as seguintes palavras são<br />

colocadas na boca de um rabino do terceiro século d.C: "A profecia era tirada dos profetas e era<br />

dada aos sábios, e ela não tem sido tirada deles" (Baba Bathra 12 a).


verdade. Um exemplo disso pode ser encontrado na<br />

predição de Jeremias sobre os setentas anos de cativeiro<br />

antes da restauração final (Jeremias 25.11, 29.10), que é<br />

interpretada pelo escritor de Daniel como as setenta<br />

semanas de anos (9.24) e pelo escritor de I Enoque como os<br />

setenta reinos dos setenta "pastores" ou anjos<br />

comissionados por Deus para pastorear seu povo de Israel<br />

(89.59 ss). Outro exemplo é a profecia registrada em Daniel<br />

7.23. Nesse relato, a quarta besta obviamente representa a<br />

Grécia, 43 mas em II Esdras12.11 ela recebe uma<br />

interpretação inteiramente nova e agora representa<br />

Roma. 44<br />

A forma que a mensagem dos apocalípticos assumiu<br />

era, em muitos aspectos, diferente da dos profetas; não<br />

obstante, ela era a verdadeira continuação e o<br />

desenvolvimento da mensagem profética e, em vários<br />

aspectos, conduzia a sua conclusão lógica. Isso pode ser<br />

ilustrado pela referência a três aspectos de sua mensagem -<br />

a concepção da unidade da história, as idéias escatológicas<br />

e a crença a respeito da forma de inspiração divina.<br />

A. A Unidade da História<br />

O Dr. R H. Charles afirma que foram os<br />

"apocalípticos e não a profecia que primeiro apreendeu o<br />

importante conceito de que toda a história, humana,<br />

cosmológica e espiritual, constitui uma unidade", que<br />

"Daniel foi o primeiro a ensinar a unidade de toda a<br />

história humana, e que toda nova fase dessa história era<br />

um estágio a mais no desenvolvimento do propósito de<br />

Deus". 45 Mas, ao escrever assim, o Dr. Charles, em seu zelo<br />

pelos apocalípticos, não faz muita justiça aos profetas. A<br />

103Ver p. 100.<br />

104Uma interpretação similar é dada para Dn 7.23 no Talmude Babilónico "AbodaZara" \ b.<br />

105'Commentary on Daniel (Comentário sobre Daniel), 1929, pp. xxv, cxiv-cxv.


crença no monoteísmo e no propósito universal de Deus<br />

são correlativas e podem ser encontradas implicitamente<br />

em Amós e explicitamente em Deutero-Isaías. O olhar<br />

desses profetas percorre, iniscriminadamente, todo o<br />

passado, presente e futuro, unindo toda a história em um<br />

único plano, concebido e controlado por Deus. Talvez seja<br />

verdade, como diz o Dr. Charles, que "visto que a profecia<br />

incidentalmente tratou do passado e devotou-se ao<br />

presente e ao futuro como originado organicamente do<br />

passado, os apocalípticos, embora seu interesse esteja<br />

principalmente no futuro, como contendo a solução<br />

dosproblemas do passado e do presente, consideram, em<br />

seu campo de visão, as coisas do passado, do presentes e<br />

do futuro". 46 Isso, porém, não implica necessariamente que<br />

os profetas não compreenderam, do mesmo modo, o<br />

conceito da unidade da história; de fato, a evidência de<br />

seus escritos implica que eles compreenderam tal conceito.<br />

Mas se os profetas foram os primeiros a apreender esse<br />

conceito, ficou para os apocalípticos completarem sua<br />

lógica.<br />

Seguindo a orientação dos profetas, os apocalípticos<br />

começaram a relacionar os dados da história uns com os<br />

outros e traçaram uma conexão entre eles no propósito<br />

divino da história subjacente. Eles viam e interpretavam os<br />

eventos da história sub specie aeter nitatis, observando em<br />

sua aparente confusão uma ordem e um alvo. "Os<br />

apocalípticos criam em Deus e criam que Ele tinha alguns<br />

propósitos para o mundo que havia criado, e que Seu<br />

poder era totalmente suficiente para realizá-los. De fato, a<br />

fé dos apocalípticos vai além da fé no controle divino da<br />

história. E uma fé na iniciativa divina na história para a<br />

realização de seu alvo final". 47<br />

106Eschatology (Escatologia) 1913, p.183.<br />

107H. H. Rowiey, The Relevance of Apocalyptic (A Relevância do Apocalíptico) 1944, p. 142.


O avanço dos apocalípticos sobre os profetas, a esse<br />

respeito, pode ser visto em duas direções: eles começaram<br />

a elaborar a história em vastos períodos não apenas<br />

sistematicamente, mas deterministicamente. Era conhecida<br />

entre eles uma tradição secreta concernente às crises da<br />

história mundial, associadas com o nome de Moisés, que<br />

assume diferentes formas em diferente escritos. Em A<br />

Assunção de Moisés 10.12, o escritor descreve Moisés<br />

dizendo: "Desde minha morte até o advento dele haverá<br />

CCL tempos", isto é, 250 semanas de • anos ou 1.750 anos<br />

que, quando somados aos 2.500 anos que já haviam<br />

decorrido antes da morte de Moisés, totalizam aduração da<br />

história do mundo em 85 jubileus ou 4.250 anos. Esse<br />

esquema de história é sistematizado ainda mais no Apocalipse<br />

das Semanas (I Enoque 93.1-10; 91.12-17) onde é<br />

dividido em dez "semanas" de duração desigual, 48 cada<br />

uma delas marcada por um grande evento. Do ponto de<br />

vista do escritor, as primeiras sete semanas estão no<br />

passado e as últimas três semanas, no futuro, sendo o<br />

Reino Messiânico estabelecido na oitava semana e<br />

continuando até o final da décima semana, quando ocorre<br />

o Juízo Final. Em outros escritos, a divisão é feitas em sete<br />

partes (Testamento de Abraão 17, 19) ou em doze partes<br />

(Apocalipse de Abraão 20, 28; II Esdras 14.11; II Baruque<br />

53.6; 56.3). Essas divisões de tempo sistematicamente<br />

arranjadas formam uma unidade de história através da<br />

qual pode ser traçado o infalível propósito de Deus. A<br />

presente era chegará ao fim no Juízo final ou no<br />

estabelecimento do Reino Messiânico.<br />

Os apocalípticos não apenas dividiram a história em<br />

diferentes períodos de tempo; a história, assim concebida,<br />

havia sido determinada de antemão pela vontade de Deus<br />

108Cf. Os Oráculos Sibilinos, Livro IV, linhas 47 ss, onde a história mundial é também dividida em<br />

dez "gerações".


e revelada a seus servos. Deus havia estabelecido nas<br />

tábuas celestes 49 a ordem fixa de eventos, da qual não<br />

poderia haver nenhum desvio. 'Torque aquilo que está<br />

determinado será feito" (Daniel 11.36). Ele determinou de<br />

antemão os destinos de Israel e das nações (A Assunção de<br />

Moisés 12.4 s) e registrou todos os fatos da humanidade<br />

(Jubileus 1.29); ele trará o fim a esta era presente quando o<br />

tempo pré-deterrninado estiver cumprido (II Esdras 4.36;<br />

11.44). Os homens não podem alterar o que foi<br />

predeterminado por Deus, mas podem, pelo menos,<br />

investigar o esquema da história e tentar descobrir em que<br />

ponto eles mesmos se encontram pela identificação dos<br />

eventos históricos passados com eventos específicos no<br />

esquema. O cálculo dos tempos, portanto, torna-se uma<br />

parte muito importante do trabalho dos apocalípticos e os<br />

leva quase sempre à conclusão de que eles estão nos<br />

últimos dias. Por trás de tudo isso, desde o início até o fim,<br />

está o propósito predeterminado de Deus unindo a história<br />

como um todo.<br />

Dois fatores ajudaram os apocalípticos a alargar e<br />

desenvolver sua concepção de unidade da história. Um foi<br />

a influência externa do Zoroastrismo; 50 o outro foi a<br />

influência interna das crenças e condições do Judaísmo e<br />

do Estado judeu.<br />

Uma característica do ensino do Zoroastrismo era a<br />

idéia de que o mundo duraria por um período de doze mil<br />

anos, consistindo de quatro eras de três mil anos cada uma.<br />

Durante a primeira era, tudo é invisível; 51 durante a<br />

segunda, o grande deus Ahura-Mazda cria o mundo<br />

material e o homem; durante a terceira era, Angra-Mainyu,<br />

o grande espírito mau, assume o poder sobre os homens;<br />

109Ver pp. 96 s.<br />

110Ver pp. 21 ss.<br />

111Cf. II Enoque 24.4: "Pois antes todas as coisas eram visíveis, somente eu me ocupava das coisas<br />

invisíveis".


durante a quarta, os homens gradativamente se<br />

aproximam do estado de perfeição por meio da obra de<br />

Shaoshyant, o salvador. Os escritores iranianos, dividem a<br />

história em duas grandes épocas mundiais e formulam<br />

esquemas complexos e sistemas de medida bem semelhantes<br />

aos apocalípticos judeus. Não resta dúvida de que esses<br />

apocalípticos foram muito influenciados pelo pensamento<br />

iraniano nesse aspecto particular. Não deixa de ter<br />

significado, por exemplo, que o número 12, que representa<br />

um símbolo tão importante no Zoroastrismo, aparece tão<br />

freqüentemente nas divisões da história feitas pelos judeus.<br />

Os escritores apocalípticos judeus, então, adotaram essa<br />

concepção iraniana das • grande épocas do mundo. Eles a<br />

empregaram para tornar mais vívida e mais abrangente a<br />

idéia que receberam dos profetas,de uma unidade da<br />

história conduzida pelo infalível propósito do Deus<br />

Todo-Poderoso.<br />

O segundo fator que influenciou esses escritores foi a<br />

natureza das crenças prevalecentes e as condições da<br />

Palestina. Desde os tempos da Revolta dos Macabeus em<br />

167 a.C, até a destruição do Templo em 70 d.C, o povo<br />

judeu existiu como nação, em muitos aspectos bem<br />

semelhantes a outras pequenas nações da Palestina. Mas<br />

eles eram muito mais conscientes das diferenças entre eles<br />

mesmos e os outros do que de quaisquer semelhanças. A<br />

nação judaica não podia ser comparada em poder material<br />

com os grandes impérios dos Selêucidas e dos Ptolomeus;<br />

apesar disso, eles criam que tinham um papel imperial a<br />

desempenhar na história da civilização. Essa é a impressão<br />

que o livro de Daniel transmite, por exemplo, ao<br />

contemplar o pleno cumprimento do propósito de Deus<br />

através de seu povo, os judeus. Aqui "os grandes reinos<br />

dos gentios, como a supremacia grega dos Selêucidas e dos<br />

Ptolomeus, que parecia tão soberana e terrível, são


mostrados como fases de um processo mundial, cujo fim é<br />

o Reino de Deus". 52 Nas visões registradas nos capítulos 2,<br />

7 e 8 o escritor vê a queda dos grandes impérios da<br />

Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Os pronunciamentos de<br />

julgamento divino não são mais, como em Jeremias e<br />

Ezequiel, feitos em partes; aqui em Daniel nós temos, nas<br />

palavras do Dr. E C. Burkitt, "uma filosofia da história<br />

universal". 53 A nação judaica, embora pequena, vê a si<br />

mesma contra o pano de fundo de forças poderosas; essa<br />

perspectiva havia se tornado realmente cosmopolita. Ela<br />

não é inferior às grandes nações; pelo contrário, é superior,<br />

porque elas podem perecer, mas Israel herdará o reino<br />

preparado por Deus. Esse panorama dos eventos<br />

mundiais, nos quais a nação deveria desempenhar um<br />

papel tão vital, possibilitou aosapocalípticos uma visão<br />

mais ampla da unidade da história do que havia sido<br />

possível aos profetas antes deles.<br />

O propósito divino que percorreu toda a história não<br />

iria, contudo, cessar com o clímax da história, porque "o<br />

Altíssimo não planejou uma Era, mas duas" (II Esdras<br />

7.[50]). O cosmos não pode ser reduzido a um todo<br />

harmonioso; há um contraste marcante entre esta era<br />

presente de impiedade e a era futura de justiça. 54 Contudo,<br />

há uma ligação entre as ordens temporal e eterna que não<br />

pode ser rompida; é o propósito de Deus que une as duas<br />

ordens e elas afinal serão vindicadas na vindicação de seu<br />

povo. E assim o estudo apocalíptico da história passa pela<br />

escatologia; o propósito de Deus, que encontra sua<br />

realização na história, deve buscar sua justificação além da<br />

história.<br />

112E. Bevan, ap. cit., p.86.<br />

113Op. cit., pp. 6-7.<br />

114Cf. Apocalipse de Abraão 29,31,32. Esse dualismo provavelmente deve muito à influência do<br />

Zoroastrismo. Ver p. 21. *


B. As Últimas Coisas<br />

O Dr R. H. Charles acertadamente salienta que as<br />

profecias e os apocalípticos, cada um tem sua própria<br />

doutrina das "últimas coisas", e enfatiza a diferença entre<br />

elas; 55 mas deve também ser lembrado que as linhas gerais<br />

da escatologia profética foram assumidas pelos<br />

apocalípticos e permaneceram como parte essencial de seu<br />

ensino, apesar das modificações e desenvolvimentos que se<br />

deram por meio desse ensino. Como veremos mais adiante<br />

no próximo capítulo, 56 prevaleceu em certos círculos<br />

apocalípticos, a idéia de um reino pertencente a este<br />

mundo, no qual os judeus triunfariam e os gentios seriam<br />

destruídos. Essa esperança na restauração de Israel estava<br />

em harmonia com muitos ensinos proféticos do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento. 57 Em outros lugares, entretanto, a influência<br />

do pensamento persa *foi profundamente percebida com<br />

sua visão dualística do mundo e sua visão transcendente<br />

do Messias. 58 Porém mesmo então, os apocalípticos eram<br />

conscientes de seu lugar na tradição profética, porque eles<br />

continuavam a ler os profetas antigos à luz da futura<br />

esperança e a interpretar suas profecias em termos das<br />

novas expectativas escatológicas.<br />

A crença dos apocalípticos na vida após a morte ia<br />

além de qualquer coisa que pudesse ser encontrada nos<br />

profetas e foi, sem dúvida, também nesse caso, novamente<br />

influenciada pelo pensamento persa. Porém mesmo assim<br />

essa crença era fundamentada na esperança profética da<br />

restauração — não apenas da nação, em um reino terreno,<br />

mas também do indivíduo, em um reino celestial. 59<br />

1150p. Cit., pp. 177 ss.<br />

116Ver capítulo 6.<br />

117Cf. Sf 3.8-13; Naum 1-3; Is 13.1 ss; 52.3 ss; Ml 3.2 ss; Joel 3.1 ss, 12 ss; Zc 14.1 ss, etc<br />

118Verpp. 21 sel30ss.<br />

119Para uma abordagem mais completo desse assunto, ver capítulo 7.


De particular interesse nesse contexto é a concepção<br />

apocalíptica do Dia do Juízo Final que pode ser descrita<br />

como uma especialização do profético Dia do Senhor. H.<br />

Wheeler Robinson vê neste "Dia" profético quatro<br />

características - julgamento, universalidade, intervenção<br />

sobrenatural e proximidade. Além disso, ele observa<br />

quatro aspectos contidos nesse dia — ele enfoca a<br />

manifestação do propósito de Deus na história; é um dia no<br />

qual Deus age e não simplesmente fala; é um dia em que<br />

Deus vai se revelar vitorioso na ordem do mundo presente<br />

e estar em cena na história humana; é um dia que<br />

introduzirá uma nova era na terra. 60<br />

E interessante observar que todas essas<br />

características e aspectos podem ser identificados no Dia<br />

do Juízo Final dos apocalípticos. Há diferenças, é verdade,<br />

algumas das quais podem ter sido causadas por influências<br />

estrangeiras; mas na grande maioria dos casos, essas<br />

diferenças aparecem comodesenvolvimentos da idéia<br />

profética. Por exemplo, a ênfase passa gradativamente a ser<br />

colocada, não tanto no juízo de Deus restrito no tempo e no<br />

plano da história, como no julgamento de Deus além do<br />

tempo e acima da história; a idéia de julgamento não estava<br />

mais confinada aos vivos, mas se estendia para incluir<br />

também os mortos; em vez de tomar a forma de uma<br />

grande crise ou crises na história, determinando o destino<br />

das nações, o Juízo Final tendia a assumir um caráter<br />

definitivamente forense, em que os homens seriam<br />

julgados individualmente. 61 Então, embora fossem<br />

influenciados por idéias estranhas à tradição hebraica, os<br />

apocalípticos não perderam a visão do ensino profético<br />

concernente à esperança futura, mas a expandiram e a<br />

120Cf. Inspiration and Revelation in the Old Testament (Inspiração e Revelação no<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento), 1946, pp. 137 ss.<br />

121Ver pp. 153 ss.


enriqueceram a partir de seu próprio discernimento e<br />

experiência religiosos.<br />

C. A Forma de Inspiração<br />

Tem-se sugerido, às vezes, que o apocalíptico é<br />

simplesmente uma imitação da profecia, uma tentativa de<br />

cumprir a palavra das Escrituras, por um meio que não tem<br />

relação com o presente, porque se origina da reflexão<br />

literária. Certamente é difícil determinar até que ponto eles<br />

tiveram uma experiência genuína de inspiração e até que<br />

ponto foi uma inspiração convencional do tipo literário.<br />

Mas os apocalípticos não eram meros plagiários, copiando<br />

e reproduzindo em estilo formal o que os profetas haviam<br />

falado. Eles eram homens profundamente religiosos que<br />

acreditavam que, como os profetas antes deles, sua<br />

mensagem era de Deus e que escreviam por compulsão<br />

divina.<br />

Como os profetas, os apocalípticos também<br />

compartilhavam da crença popular de que o Espírito de<br />

Deus tem pleno ' acesso à natureza do homem, e<br />

desenvolveram essa crença para incluir os espíritos do mal,<br />

que como o Espírito de Deus, são invasivos, isto é, podem<br />

tomar posse de um homem e exercer controle sobre ele.<br />

Segundo todas as probabilidades, as descrições de<br />

inspiração na qual um homem se tornou "possuído"<br />

passaram a ser, em grande parte, uma convenção estereotipada<br />

nesse tipo de literatura; mas é possível que nos<br />

livros apocalípticos essa descrição reflita uma experiência<br />

pessoal do próprio escritor. Em II Esdras 14, há uma<br />

tentativa de racionalizar idéias prévias de inspiração, que<br />

representavam a natureza do homem como aberta à<br />

incursões ou "possessões" do Espírito de Deus. Nessa<br />

passagem, o espírito é considerado (como nos tempos<br />

pré-exílicos) de maneira muito material. O profeta recebe a


ordem de beber uma taça "cheia de líquido como água, mas<br />

sua cor era como a do fogo" (14.39). Essa é a taça da<br />

inspiração, cheia do espírito santo, por meio da qual ele<br />

pôde ditar os vinte e quatro livros das Escrituras e os<br />

setenta escritos apocalípticos. Ao contrário dos profetas do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento, que entravam em êxtase, Esdras<br />

descobre que suas faculdades são fortalecidas e não<br />

enfraquecidas, e em particular, sua mente é esclarecida, de<br />

maneira que ele pode se lembrar perfeitamente dos escritos<br />

sagrados.<br />

Essa literatura faz muitas referências à possessão de<br />

demônios - ocasião em que, a demonologia, de fato, passa a<br />

ser reconhecida - e considera os espíritos malignos como<br />

seres enviados para invadir a vida dos homens (cf.<br />

Testamento de Dã 1.7; Testamento de Zebulom 2.1; 3.2; O<br />

Martírio de Isaías 3.11; etc.) Essa personalização de poderes<br />

malignos, sem dúvida, encorajada pela influência persa,<br />

reflete as crenças desses escritores e afirma sua própria<br />

consciência sobre a realidade dos poderes invasivos, tanto<br />

do bem quanto do mal.<br />

Esses escritos fazem freqüentes menções a<br />

instrumentos tais como sonhos, visões, transes e audições,<br />

por meio dos quais Deus transmite sua revelação aos<br />

anciãos justos, em nome de quem o autor escreve. Na<br />

grande maioria dos casos, é quase impossível dizer quando<br />

a experiência anormal retratada é algo mais que um mero<br />

dispositivo literário ou convenção. O que o Dr. Charles diz<br />

é, sem dúvida, verdadeiro. "Assim como, às vezes, o<br />

profeta usa as palavras: Assim diz o Senhor',<br />

mesmoquando não havia experiência física real em que ele<br />

ouviu uma voz, mas quando ele desejava relatar a vontade<br />

de Deus que havia alcançado através de outros meios,<br />

assim também o termo Visão' passou a ter um uso<br />

convencional semelhante em ambos, tanto na profecia


como no apocalíptico". 62 Ao mesmo tempo, entretanto, não<br />

deve ser esquecido que a inspiração pode influenciar o<br />

convencional e o clichê. Não há garantia de que a<br />

mensagem inspirada será transmitida em sua forma<br />

original. O fato de os profetas, por exemplo, fazerem uso<br />

de uma forma convencional comum, isto é, versificação<br />

rítmica, de modo algum afeta a inspiração final; e dizer que<br />

os apocalípticos, em suas elocuções, fazem uso de alguma<br />

forma de convenção literária, não necessariamente implica<br />

que eles eram menos inspirados por fazerem isso. Muitas<br />

dessas convenções literárias bem podem ter experiências<br />

psicológicas por trás.<br />

Na verdade, muitas das experiências registradas<br />

aqui, concernentes ao suposto escritor do livro, são tão<br />

verdadeiras psicologicamente que é difícil ver nelas algo<br />

mais que a expressão da convenção literária. Ao receber a<br />

divina revelação, ele se deitava no chão como um morto (II<br />

Esdras 10.30; cf. Daniel 8.17 s; etc), ele ficava tão dominado<br />

que mal conseguia descrevê-la adequadamente (II Esdras<br />

10.32, 55 s; cf. II Co 12.4), ele está não apenas alarmado em<br />

seus pensamentos (Dn 7.28), mas está até mesmo<br />

fisicamente doente (Dn 8.27) e perde completamente a<br />

consciência (Dn 8.18); às vezes ele é até mesmo insensível a<br />

todo sofrimento físico, como também vê seu próprio corpo<br />

à distância (O Martírio de Isaías 5.7). Nesses exemplos e em<br />

muitos mais, somos tentados a ver uma projeção da<br />

própria experiência física do apocalíptico. É assim que o<br />

escritor pensava que se recebia a inspiração, e então há pelo<br />

menos um argumento a prioripara a possibilidade de ele<br />

tarnbém compartilhar tal experiência. Ele atribui tais<br />

experiências a alguém, em nome de quem ele escreve,<br />

como também esperava ter ao receber uma mensagem para<br />

122Op cit., p. 176.


si mesmo, e algumas dessas experiências talvez tenham<br />

sido, de fato, genuínas, nas quais ele acreditava estar<br />

divinamente inspirado.<br />

Talvez seja uma avaliação verdadeira dizer que na<br />

inspiração apocalíptica temos um elo entre a inspiração<br />

original dos profetas e a inspiração mais moderna de<br />

gênero literário. Muitas e muitas vezes os apocalípticos<br />

mostram que acreditavam que eles mesmos estavam<br />

escrevendo sob a influência direta do Espírito de Deus, de<br />

uma maneira semelhante àquela dos profetas, e mesmo<br />

quando aceitavam a estrutura literária convencional, como<br />

freqüentemente faziam, eles ainda acreditavam que<br />

estavam divinamente inspirados.<br />

3. PSEUDONÍMIA<br />

Em um aspecto importante os apocalípticos diferiam<br />

dos profetas na tradição que seguiam. Os profetas falaram<br />

do ponto de vista de seus próprios dias e, segundo a<br />

orientação de Deus, proclamavam seus oráculos em seu<br />

próprio nome; os apocalípticos escreveram do ponto de<br />

vista de uma era anterior e, ainda segundo a orientação de<br />

Deus, escreveram seus oráculos em nome de outro.<br />

Falando de forma geral, é verdadeira a afirmação de que os<br />

apocalípticos são pseudonímicos. Os autores escreveram<br />

em nome de algum homem notável do passado a quem foi<br />

dada uma revelação das coisas vindouras; ele era<br />

incumbido de selar essa revelação e mantê-la em segredo<br />

até o tempo designado. De acordo com o livro, chegaria a<br />

hora em que o segredo seria revelado, porque o fim estava<br />

às portas. Esse fenômeno de pseudonímia já era conhecido<br />

há muito tempo pelos egípcios e também era popular entre<br />

os gregos. Mas a forma particular que ela assumiu na<br />

Palestina parece indicar um desenvolvimento inato e uma<br />

expressão do pensamento nativo hebraico.


A. Recurso de Literatura<br />

Uma explanação bem conhecida sobre a origem da<br />

pseudonímia judaica é sugerida pelo Dr. R. H. Charles, ao<br />

afirmar que, desde o tempo de Esdras em diante, a Lei<br />

reivindicava uma auto-suficiência que não deixava espaço<br />

para novas revelações da verdade além dela mesma. A<br />

inspiração estava morta; a voz da profecia estava<br />

emudecida. Porém, os apocalípticos acreditavam que eles<br />

eram os portadores de novas revelações de Deus. "Para o<br />

recebimento de nova fé e nova verdade, a Lei era um<br />

obstáculo, a menos que os livros que as contivessem,<br />

fossem apresentados sob a égide de certos grandes nomes<br />

do passado. Em relação à reivindicação e autoridade de tais<br />

nomes, os representantes oficiais da Lei foram, em parte,<br />

reduzidos ao silêncio". 63 Em apoio a esse ponto de vista,<br />

ele afirma que em cerca de 200 a.C, o Cânon profético foi<br />

definido e assim nenhum livro de caráter profético pôde<br />

ser incluído depois. Além disso, à medida que a<br />

Hagiografia (a terceira seção do Cânon) crescia e se<br />

cristalizava, um teste para qualquer livro ser admitido era<br />

que ele fosse pelo menos do tempo de Esdras, quando a<br />

inspiração foi considerada encerrada. Se, então, os<br />

apocalípticos desejavam obter aceitação, era necessário que<br />

publicassem seus livros em nome de alguma pessoa pelo<br />

menos contemporânea de Esdras.<br />

Porém, mais que o fato de a Lei não exercer a<br />

"autocracia incontestada" que o Dr. Charles atribui a ela,<br />

essa explanação acusa os apocalípticos não apenas de<br />

engano, mas também de credulidade por acreditarem que<br />

esse engano seria aceito por seus leitores com esse valor<br />

aparente. De fato, há fortes razões para acreditar que os<br />

123Op cit., p.203.


judeus não estavam particularmente interessados em<br />

autoria como essa; nem há evidência de que seus livros não<br />

teriam sido lidos, tivessem eles sido redigidos simplesmente<br />

como anônimos ou em seus próprios nomes.<br />

Outra explicação foi proposta pelo Dr. H. H. Rowley<br />

ao dizer que "a pseudonímia do Livro de Daniel foi<br />

provenientede sua gênese, e que não foi pretendida<br />

conscientemente desde o início, mas que sucessivos<br />

escritores servilmente copiaram essa característica, como se<br />

fosse parte de uma técnica apocalíptica". 64 A sugestão é<br />

que as histórias da primeira parte de Daniel foram<br />

redigidas como mensagens para a época, a maioria delas<br />

centradas na figura de Daniel. O autor dessas histórias,<br />

cuja identidade não foi revelada, depois registrou um<br />

relato de suas visões, e "escreveu-as à guisa de Daniel, não<br />

para enganar seus leitores, mas para revelar sua identidade<br />

com o autor das histórias de Daniel. A pseudonímia nasceu<br />

então de um processo vivo, cujo propósito era justamente o<br />

oposto de enganar. Isso apenas se tornou artificial quando<br />

foi grosseiramente copiado por imitadores".<br />

B. Extensão de Personalidade<br />

E perfeitamente possível que a adoção de um<br />

pseudônimo por parte de alguns desses escritores era de<br />

fato um recurso literário, que foi subseqüentemente<br />

copiado por outros, e que a gênese da pseudonímia possa<br />

ser traçada até os escritos do Livro de Daniel, do modo<br />

como H. H. Rowley descreve. Mas no caso de certos deles,<br />

de algum modo, talvez haja razão para acreditar que seu<br />

uso não indica simplesmente uma convenção literária, mas<br />

uma genuína experiência de inspiração.<br />

1240p cit., p.36.


Isso pode ser melhor explicado pela referência à<br />

concepção hebraica de "personalidade incorporada" e em<br />

particular à idéia de "extensão de personalidade" que não<br />

têm paralelo no pensamento moderno. De acordo com os<br />

hebreus, a personalidade de um homem pode ser expresso<br />

em coisas tais como "a palavra falada e, sem dúvida, a<br />

escrita, nome e propriedade de outro e... a descendência de<br />

outro". 65 Além disso, o grupo ao qual ele pertencia e ao<br />

qual sua vida estava ligada não era limitado simplesmente<br />

aos seus membros presentes, mas era estendido para<br />

incluir os membros do passado e do futuro, todo o grupo<br />

formando uma unidade. Todo esse grupo podia "funcionar<br />

como um único indivíduo por meio de qualquer um desses<br />

membros, concebidos como representantes dele". 66<br />

Ora, os apocalípticos não pertenciam a um grupo<br />

corporativo, mas formavam uma tradição apocalíptica<br />

distinta, cuja ascendência podia ser traçada até Moisés,<br />

como muitos acreditavam (cf. II Esdras 14.3 ss). Essa<br />

tradição era representada não apenas por Moisés, mas por<br />

homens como Enoque, Esdras e Daniel, que figuravam<br />

todos na mesma linha de sucessão. Os apocalípticos criam<br />

que eles eram a continuação dessa tradição e seus<br />

representantes e, portanto, de seus renomados predecessores,<br />

em nome dos quais eles escreveram. Assim como<br />

uma porção do espírito de Elias pôde ser derramada sobre<br />

Eliseu (II Reis 2.9) e o espírito que estava sobre Moisés<br />

pôde ser transferido para os setenta anciãos (Números<br />

11.16 s), assim o espírito de Moisés ou de Enoque ou de<br />

Esdras ou de Daniel poderia falar por meio de seus<br />

125 A. R. Johnson, The Vitality of the Individual in the Thought of Ancient Israel, (A<br />

Vitalidade do Individual no Pensamento do Israel <strong>Antigo</strong>), 1949, p.89.<br />

126H. W Robinson, The Hebrew Conception of Corporate Personality (A Concepção Hebraica<br />

da Personalidade Incorporada) em Werden und Wesen des Alten Testaments (BZAW, no. 66),<br />

1936, p. 49.


epresentantes posteriores. 67 Neste caso, então os<br />

apocalípticos, ao atribuírem seus escritos a Moisés e aos<br />

demais, não estavam tentando enganar seus leitores, mas<br />

estavam, de boa fé, buscando interpretar aquilo em que<br />

eles criam, ser a mente e a mensagem de alguém em cujo<br />

nome e por cuja inspiração eles escreveram.<br />

C. O Significado do "Nome"<br />

E possível encontrar fundamento para essa idéia nos<br />

próprios pseudônimos que os apocalípticos escolheram<br />

para si mesmos e na importância que o pensamento<br />

hebraico associava ao nome da pessoa. Conhecer o nome<br />

de um homem era o mesmo que conhecer a própria<br />

substância de seu ser; seu caráter estava relacionado a seu<br />

nome, e a alteração deste poderia requerer mudança<br />

daquele. O nome era essencialmente um conceito social.<br />

Ele podia ser herdado e sua substância dependia em<br />

grande parte do conteúdo já conferido por aqueles que o<br />

haviam dado; normalmente essa hereditariedade era<br />

restrita às próprias relações familiares da pessoa, mas isso<br />

era possível mesmo fora desses limites. Em poucas<br />

palavras, o nome representava a extensão da<br />

personalidade de um homem, particularmente nos<br />

relacionamentos do grupo ao qual ele pertencia.<br />

Se é possível aplicar esse raciocínio ao problema da<br />

pseudonímia, então os apocalípticos, ao se apropriarem do<br />

nome de um vidente antigo, estavam fazendo muito mais<br />

do que meramente assumir um título; eles estavam, de fato,<br />

associando a si mesmos com tal vidente como uma<br />

"extensão de sua personalidade" dentro da tradição<br />

apocalíptica. Mas que evidência há para tal proposição? Há<br />

indicações em vários escritos apocalípticos de uma conexão<br />

127Cf. H. W Robinson, Congregational Quarterly (Publicação Congregacional Trimestral), vol.<br />

xxii, no. 4, pp. 369 s.


entre os problemas que ocupavam a mente do escritor e o<br />

pseudônimo por ele escolhido; o assunto a ser tratado e a<br />

abordagem do escritor podem perfeitamente ter sugerido o<br />

nome com o qual ele deveria revelar o segredo divino.<br />

O escritor do Livro de Jubileus, por exemplo, estava<br />

preocupado acima de tudo com a glorificação do<br />

sacerdócio e a supremacia da Lei. Então não é<br />

surpreendente que o pseudônimo sob o qual ele escreveu<br />

tenha sido o de Moisés, a quem as Escrituras descrevem<br />

não apenas como o doador da lei, mas como um sacerdote<br />

de Deus (cf. Ex 24.6; 33.7ss; SI 99.6). Além disso, o ponto de<br />

vista dos escritores de I Enoque é amplamente<br />

cosmopolita; nesse livro, a história da humanidade é<br />

descrita na forma de uma visão; os corpos celestiais<br />

brilham tanto sobre judeus como gentios; a história é sobre<br />

as condutas de Deus com toda a raça humana.<br />

Quepseudônimo melhor poderia haver do que o de<br />

Enoque? Ele foi o trisavô de Sem, mas ele também foi<br />

trisavô de Cão e também de Jafé. De que nacionalidade era<br />

Enoque? Ele poderia corretamente responder: Homo sum'. 68<br />

N.T.: do latim "Sou homem". P.e.: na frase humanista:<br />

Homo sum, hurnani nihil a me alienum puto (Sou homem,<br />

nada do que humano me será estranho), verso de Terêncio,<br />

escravo liberto e poeta latino cerca de 190-159 a.C.) Bem<br />

diferente dessa visão cosmopolita é a visão estritamente<br />

nacionalista de II Esdras, na qual o interesse do escritor<br />

está centrado na parte que cabe a Israel no Reino<br />

Messiânico e na absoluta destruição dos gentios, (cf. 13.38).<br />

O pseudônimo de, digamos, Enoque, teria sido muito<br />

inadequado em um livro dessa natureza; nesse caso, é<br />

apropriado que o autor escreva em nome de Esdras, cuja<br />

128F. C. Burkitt, op cit., p.19.


visão era estritamente nacionalista e para quem os gentios<br />

eram uma contaminação.<br />

A adoção da pseudonímia era sem dúvida essencialmente<br />

um recurso literário, mas essa evidência, não sendo<br />

conclusiva, pode perfeitamente indicar que, por trás desse<br />

fenômeno encontra-se a consciência de uma inspiração de<br />

gênero caracteristicamente hebraico, compreensível em<br />

termos de "extensão de personalidade" dentro da tradição<br />

apocalíptica. Se essa sugestão está correta, então ela lança<br />

luz sobre a razão da natureza esotérica desses escritos e<br />

absolve os apocalípticos de qualquer acusação de engano.


129<br />

O Messias e o Filho do Homem<br />

1. O PANO DE FUNDO DO ANTIGO<br />

TESTAMENTO<br />

Tanto no <strong>Antigo</strong> Testamento quanto na literatura do<br />

período interbíblico há muitas referências à vinda de uma<br />

Era Dourada, um "Reino Messiânico", no qual a sorte de<br />

Israel (ou um remanescente de Israel) seria restaurada, as<br />

nações ao redor seriam julgadas e uma era de justiça e paz<br />

se instalaria. Mas a expressão "Reino Messiânico" pode ser<br />

muito enganosa, pois em ambos os escritos, proféticos e<br />

apocalípticos, embora o reino e o Messias estejam sempre<br />

relacionados, a figura do Messias muitas vezes está<br />

ausente. O Messias e o conceito messiânico não são sempre<br />

ou necessariamente encontrados juntos. E verdade que<br />

essas passagens no <strong>Antigo</strong> Testamento que se referem à<br />

vinda do reino, na maioria das vezes também se referem a<br />

um líder ideal à frente do reino, contudo, à exceção de<br />

algumas referências nos Salmos, cujo significado é<br />

questionado, as passagens não usam o termo "Messias"<br />

para descrevê-lo. Ao contrário, nas passagens em que o<br />

termo "Messias" é usado, ou na grande maioria delas, de<br />

alguma forma, a referência não é a uma figura ideaL<br />

absolutamente, mas a uma pessoa histórica real,<br />

geralmente o ungido rei de Israel.<br />

Esse fato nos lembra que no <strong>Antigo</strong> Testamento a<br />

palavra "Messias" não é uma expressão técnica que<br />

significa o nome ou o título de um líder ideal do reino<br />

futuro. E simplesmente um adjetivo, significando "ungido"


que descreve uma pessoa separada por Deus para um<br />

propósito especial.<br />

Em duas passagens (I Reis 19.16; SI 105.15) a<br />

referência é aos profetas, mas o uso normal da palavra está<br />

associada aos reis. 69 Quando um homem se tornava rei, ele<br />

não era coroado, mas ungido com óleo; ele era, então,<br />

separado como um homem "santo", para um reinado<br />

dotado de funções sagradas e sacerdotais. Em tempos<br />

pós-exílicos, quando a monarquia deixou de existir, o<br />

Sumo Sacerdote era ungido e virtualmente tomava o lugar<br />

de um rei. 70 Os Reis e os Sumos Sacerdotes, então, eram<br />

considerados "O Ungido do Senhor" ou "Ungido".<br />

Em várias passagens "messiânicas" que se referem à<br />

vinda do futuro Reino, nenhuma menção é feita<br />

absolutamente a um líder ou então é bem incidental; O que<br />

realmente importa é o governo real de Deus. Em outro<br />

lugar é explicado que esse governo real de Deus será<br />

realizado no governo de um rei divinamente escolhido e<br />

divinamente dotado. Havia uma forte tradição, originada,<br />

sem dúvida, nas promessas de Deus a Davi, registradas em<br />

II Samuel 7 e adotada pelos profetas do sul, de que esse<br />

governante do Reino vindouro seria da Casa de Davi (cf.<br />

Mq 5.2 ss; Is 11.1 ss; Jr 23.5 ss, etc); a ele não é dado o nome<br />

"Messias", mas "Davi" ou "rebento de Davi", sendo alusão a<br />

um reino histórico real, uma restauração da linha davídica.<br />

A maioria das passagens "messiânicas", entretanto, é<br />

pós-exílica, porém mesmo aqui o pensamento é ainda esse<br />

do "rebento da Casa de Davi" ungido e separado para<br />

cumprir um propósito especial do próprio Deus. E nesse<br />

sentido que devemos compreender, por exemplo, a alusão<br />

a Zorobabel como "o Renovo" (Zc 3.8; 6.12); e, sem dúvida,<br />

seu nome simbólico ("um rebento da Babilônia") facilitou<br />

129Por exemplo, Saul em I Samuel 10.1, Davi em I Samuel 16.13, etc<br />

130Isto é refletido em passagens pós-exílicas tais como Ex 29.7; Lv 8.12.


sua associação com as esperanças "messiânicas" da<br />

restauração da linhagem de Davi.<br />

A visão característica da esperança futura durante o<br />

período pós-exílico continuou a ser a de um reino que seria<br />

deste mundo, nacional e político, por meio do qual Israel<br />

seria liberto de seus inimigos—os babilônicos, os persas, os<br />

selêucidas, os romanos. E verdade que em Deutero-Isaías,<br />

por exemplo, essa esperança futura torna-se cada vez mais<br />

"do outro mundo" e transcendente, e a libertação é vista<br />

como algo resultante das operações miraculosas de Deus,<br />

mas a esperança política e nacional permaneceram firmes<br />

na visão popular das massas, durante todo o período<br />

interbíblico.<br />

Uma tensão, contudo, já se havia instalado entre, de<br />

um lado, os elementos nacionais e políticos "deste mundo"<br />

e, do outro, os elementos universais e transcendentes do<br />

"outro mundo", o que não seria fácil resolver. Essa tensão<br />

aumentou grandemente por causa da influência de idéias<br />

persas sobre o pensamento hebraico, e em particular a<br />

visão dualística do mundo em que a "era presente" era<br />

contrastada com "a era futura". Sob essa influência<br />

prosperou no Judaísmo, particularmente nos círculos<br />

apocalípticos, uma escatologia com novas ênfases, ao<br />

mesmo tempo "dualística, cósmica, universalista,<br />

transcendental e individualista". 71<br />

É em conexão com essas duas "escatologias" que o<br />

nome "Messias", afinal, aparece como um termo técnico,<br />

significando a figura escatológica escolhida por Deus para<br />

desempenhar a parte principal na vinda do reino. Em cada<br />

caso surge um líder, cuja natureza e função corresponde a<br />

essa futura esperança a que ele está associado. A posição é<br />

resumida pelo Dr. S. Mowinckel nestas palavras: "Os<br />

131S. Mowinckel, He That Cometh (Aquele que Vem) (traduzido por G. W Anderson), 1956, p.<br />

271.


conceitos Messiânicos de certos círculos produziram o<br />

quadro de um Messias que é predominantemente "deste<br />

mundo", nacional e político, considerando que as visões de<br />

outros círculos produziram o quadrode um Messias<br />

predominantemente transcendental, eterno e universal...<br />

Esses dois conjuntos de idéias são, em parte, representados<br />

por diferentes nomes: "Messias" e "Filho do Homem". 72 Em<br />

alguns escritos esses dois conceitos são claramente<br />

distintos; em outros, se confundem; contudo, em nenhuma<br />

parte estão completamente fundidos. Juntos formam parte<br />

daquele complexo escatológico que é o pano de fundo da<br />

literatura interbíblica e também da fé do <strong>Novo</strong> Testamento.<br />

2. O MESSIAS TRADICIONAL OU NACIONAL<br />

A. O Messias não Indispensável<br />

A tradicional esperança do <strong>Antigo</strong> Testamento da<br />

vinda de um príncipe "messiânico" como líder do Reino<br />

Messiânico persiste nessa literatura, mas uma vez mais<br />

devemos observar que o Messias não é necessariamente<br />

considerado uma figura indispensável. Na verdade, em um<br />

número razoavelmente considerável de escritos desse<br />

período (apocalíptico e outros), em que a esperança<br />

messiânica está sempre em primeiro plano, o Messias<br />

ainda não é mencionado. No Livro de Daniel, por exemplo,<br />

a figura do Messias não aparece, embora o termo "ungido"<br />

ocorra duas vezes em dois versículos sucessivos. Em<br />

Daniel 9.25,26 lemos de "um Ungido, um Príncipe" e de<br />

"um outro (que) será morto", sendo, presumivelmente,<br />

referências aos Sumo Sacerdotes Josué e Onias III<br />

respectivamente. Semelhantemente, a figura do Messias<br />

não é citada em I e II Maca-beus, Tobias, Sabedoria de<br />

132 Ibid, p. 467.


Salomão, Judite, Ben Sira, Jubileus, I Enoque 1-36, 91-104, a<br />

Assunção de Moisés, I Baruque e II Enoque. O fato é que<br />

durante o período persa, a esperança de um Messias<br />

Davídico havia retrocedido ao pano de fundo e a ênfase<br />

passou a ser colocada cada vez mais sobre o governoreal de<br />

Deus no reino futuro, e sobre a necessidade primordial de<br />

manter sua santa Lei. Além disso, a sucessão dos Sumos<br />

Sacerdotes, que assumiam o papel de príncipe, não era do<br />

tipo que inspirava os homens a esperarem uma liderança<br />

da mesma fonte que o reino vindouro.<br />

B. O Messias Levítico<br />

Mas tal esperança comovia profundamente muitos<br />

corações durante o período dos Macabeus e Hasmoneus,<br />

descendentes da Casa de Levi, quando parecia que<br />

finalmente a era messiânica estava para ser realizada. Em<br />

particular, as esperanças do povo passaram a centrar-se em<br />

Simão, sucessor de Judas Macabeus. Em 141 a.C, Simão foi<br />

reconhecido pelo povo como "rei e sumo sacerdote para<br />

sempre", o primeiro Macabeu a ser reconhecido dessa<br />

maneira. 73 Alguns estudiosos encontraram no Salmo<br />

110.1-4 um acróstico em seu nome, indicando a<br />

consideração com que ele era tido, mas isso é improvável.<br />

A bênção sobre seu reinado é descrita em termos<br />

caracteristicamente messiânicos em I Macabeus 14.8 ss.<br />

Mas nem aqui ou em qualquer outro lugar se faz referência<br />

a ele como o Messias. As glórias da Casa de Levi foram<br />

continuadas no reinado de seu filho, João Hircano, sobre<br />

quem alguns estudiosos vêem referência no Testamento de<br />

Levi 8.14: "Um rei surgirá em Judá e estabelecerá um novo<br />

sacerdócio". Outros estudiosos, entretanto, vêem nessas<br />

palavras, uma referência não à Casa de Levi, mas à Casa de<br />

133Vet p. 31.


Zadoque que, como veremos, manteve um lugar de honra<br />

entre os Pactuantes do Qumran. Se isso é verdade ou não,<br />

não há referência aqui a Hircano como Messias.<br />

Mas os <strong>Testamentos</strong> dos Doze Patriarcas, escritos<br />

durante esse período, indicam que em alguns círculos, pelo<br />

menos, a esperança era expressa na vinda de um Messias<br />

procedenteda Casa de Levi. Isso está explícito em duas<br />

passagens, o Testamento de Ruben 6.5-12 e o Testamento<br />

de Levi 18.2 ss. A segunda dessas passagens diz o seguinte:<br />

"Então o Senhor levantará um novo sacerdote. E a ele<br />

todas as palavras do Senhor serão reveladas; E ele vai<br />

executar o reto julgamento sobre a terra por uma multidão<br />

de dias.<br />

E sua estrela vai surgir no céu como a de um rei.<br />

Brilhando a luz do conhecimento como o sol do dia,<br />

E ele será magnificado no mundo.<br />

E ele brilhará como o sol na terra",<br />

E removerá toda a escuridão debaixo do céu,<br />

E haverá paz em toda a terra" (18.2-4).<br />

Parece pouco provável que o escritor tenha em<br />

mente alguma identificação com uma pessoa histórica<br />

como Hircano; na verdade, não é certo se ele tinha em<br />

mente sequer um futuro Messias Hasmoneu, porque, nas<br />

palavras de H. H. Rowley "as funções atribuídas ao<br />

Messias de Levi vão além das conquistas dos Hasmoneus,<br />

mas é possível que o autor tenha idealizado uma<br />

concepção baseada no que tinha sido feito pelos Hasmoneus<br />

e pensado sobre um sacerdote futuro que subverteria<br />

todas as forças do mal". Qualquer que seja a identidade do<br />

Messias, parece certo que a glória da Casa dos Macabeus e<br />

dos Hasmoneus, havia inspirado pelo menos alguns dentre<br />

o povo que tinham a esperança de um Messias da tribo de<br />

Levi, em quem eles viam muitos daquelas traços há muito<br />

associados com o Messias da tribo de Judá. Mas, afinal,


veio a desilusão, à medida que as pessoas testemunhavam<br />

a crescente secularização do Sumo Sacerdócio; e a antiga<br />

esperança de um Messias<br />

Davídico começou a ser reafirmada.<br />

C. O Messias Davídico<br />

A esperança em um Messias Davídico é vista mais<br />

claramente em dois escritos desse período, os <strong>Testamentos</strong><br />

dos Doze Patriarcas e os Salmos de Salomão. Os<br />

<strong>Testamentos</strong> suscitam sérios problemas de natureza crítica<br />

que é impossível aqui abordar. Mas em pelo menos três<br />

passagens que tem sido arguidas, 74 a crença no Messias<br />

Davídico pode ser atestada. Esses são os <strong>Testamentos</strong> de<br />

Judá 17.5-6; 22.2-3; 24.1 ss. Na última dessas passagens,<br />

lemos com referência a Judá:<br />

"Então o cetro do meu reino brilhará;<br />

E de sua raiz nascerá um ramo;<br />

E dela crescerá uma vara de justiça para os gentios;<br />

Para julgar e salvar todos os que clamam ao Senhor".<br />

A evidência dos <strong>Testamentos</strong>, então, parece indicar<br />

que o autor desse livro acreditava no surgimento não de<br />

um Messias, mas de dois, um Messias Davídico, que<br />

governaria como rei no reino futuro, e um Messias<br />

Levítico, que atuaria como sacerdote. 75 Tão exaltada é a<br />

visão do autor a respeito do sacerdócio, que o Messias de<br />

Levi aqui assume precedência sobre o Messias de Davi.<br />

Observamos que no Livro de Jubileus, embora o Messias<br />

de Levi não seja mencionado, senão apenas como uma<br />

vaga esperança na vinda de um príncipe davídico, a<br />

135Cf. G. R. Beasley-Murray, Journal de Theological Studies (Jornal de Estudos Teológicos),<br />

xlviii, 1957, pp. 1'ss.<br />

136Para referência aos dois Messias nos Rolos do Mar Morto, ver p. 127 ss.


grandeza atribuída a Levi corresponde precisamente à dos<br />

<strong>Testamentos</strong> (cf. Jubileus 31.13-20).<br />

Mas a principal fonte do ensino relativo a um<br />

Messias davídico são os Salmos de Salomão, que<br />

pertencem a meados do primeiro século a.C. O salmo 18<br />

fala de um Messias, embora não faça nenhuma<br />

identificação com a linha de Davi. Contudo, o salmo 17 faz<br />

essa referência de modo muito específico. A figura do<br />

Messias davídico é apresentada nestas palavras: ''Veja, ó<br />

Senhor, e eleve sobre eles o seu rei, o Filho de Davi" (17.23).<br />

Tendo despedaçado os reis iníquos e expurgado Jerusalém<br />

de seus inimigos, ele irá reunir todas as tribos e<br />

distribuí-las por toda a terra como nos tempos antigos. As<br />

nações pagãs serão submetidas à servidão sobre seu jugo, e<br />

ele reinará sobre seu próprio povo com justiça e sabedoria;<br />

nas assembléias nacionais, sua palavra será a palavra de<br />

um anjo. Ele não permitirá que nenhuma injustiça<br />

permaneça no meio do povo; seus súditos serão todos<br />

santos e filhos de Deus.<br />

"E ele mesmo (será) purificado do pecado, de modo<br />

que reine sobre um grande povo. Ele repreenderá os reis, e<br />

removerá os pecadores pelo poder de sua palavra;<br />

E (confiando) em seu Deus, por todos os seus dias,<br />

ele não tropeçará;<br />

Porque Deus o fará poderoso por meio de (seu) santo<br />

espírito" (17.41-42).<br />

Várias coisas ficam claras a partir desse quadro do<br />

Messias davídico exercendo seu reinado. A primeira, é que<br />

ele é um personagem completamente humano que está<br />

acima de todos os governantes e é um rei que luta pelas<br />

causas de Israel, seu povo. No salmo 17.36 o nome<br />

"Messias" é usado pela primeira vez nessa literatura como


título do rei vindouro; isso indica que, afinal, a expressão<br />

"Messias", em seu sentido técnico, está relacionada ao<br />

conceito messiânico. Além disso, o aspecto religioso e<br />

moral de seu caráter é fortemente acentuado. Ele não<br />

apenas é justo e puro de pecado, como sua confiança está<br />

apoiada em seu Deus e sua esperança está no Senhor. O<br />

reino que ele estabelece e que não terá fim é visto em linhas<br />

familiares, porque esse é o reino terreno tendo Jerusalém<br />

como seu centro.<br />

Ao longo do restante desse século, e no início do primeiro<br />

século da era cristã, a figura do rei messiânico estava<br />

viva nos corações de muitas pessoas, como o próprio <strong>Novo</strong><br />

Testamento deixa muito claro. Mas não mais se pensava<br />

que ele viesse depois que Deus estabelecesse o seu reino;<br />

pelo contrário, ele era instrumento de Deus para o<br />

estabelecimento do reino, e sua principal tarefa era a<br />

destruição dos irúmigos de Deus na face da terra.<br />

Durante esse período surgiu, particularmente em<br />

certos círculos apocalípticos, a crença em um reino<br />

messiânico interino ao fim do qual o Messias morreria e o<br />

próprio Deus iria reinar supremo (cf. II Esdras 7.29 s; 12.31<br />

s; II Baruque 30.1 ss). Mas na imaginação popular,<br />

colocava-se uma crescente ênfase nos aspectos nacionais e<br />

políticos de sua obra, e a esperança futura era vista,<br />

particularmente em tempos de perseguição e perturbação<br />

nacional, em termos de libertação do poder estrangeiro de<br />

Roma (cf. Mateus 21.9). O Messias era considerado por<br />

muitos como um libertador militar do tipo zelote que iria<br />

livrar o país de seus odiosos inimigos. E assim surgiu uma<br />

série de "falsos Messias" que incitaram o povo contra o<br />

inimigo comum —Ezequias o "salteador" que Herodes<br />

executou, seu filho Judas, o Galileu, e seu irmão Menaém, o<br />

profeta Teudas, no tempo do procurador Cuspius Fadus<br />

(cf. Atos 5.36), o judeu egípcio que foi condenado à morte


pelo procurador Felix (cf. Atos 21.38), outro judeu que<br />

levou seus seguidores para o deserto no tempo de Festo, e<br />

Simão bar Kochba, cuja revolta foi sufocada em 135 d.C.<br />

D. O Messias e os Rolos do Mar Morto<br />

Já temos visto evidências para crer que o escritor de<br />

Os <strong>Testamentos</strong> dos Doze Patriarcas esperava<br />

ansiosamente a vinda de dois Messias, um sacerdote e um<br />

rei. Essa crença, aparentemente, era compartilhada pelos<br />

Pactuantes de Qumran onde, incidentalmente, fragmentos<br />

de uma forma anterior do<br />

Testamento de Levi, escrito em aramaico, foram<br />

encontrados. Nos Fragmentos de Zadoque, 76 que, sem<br />

dúvida, pertencem ao mesmo ambiente, embora<br />

descobertos em data muito tempo antes, faz-se referência à<br />

vinda de um Messias [sic] de Aarão e Israel, aparentemente<br />

quarenta anos após a reunião do Mestre da Justiça. A<br />

evidência dos Rolos do Mar Morto sugere fortemente que a<br />

palavra singular aqui era originalmente lida como um<br />

plural e que a expectativa do escritor era por um Messias<br />

de Aarão (isto é, um Messias sacerdote) e um Messias de<br />

Israel (isto é, um Messias rei, presumivelmente davídico).<br />

Essa é, pelo menos, a crença expressada nos próprios rolos,<br />

os quais declaram que os membros da comunidade devem<br />

continuar a viver de acordo com a disciplina original "até<br />

que venha um profeta e os Messias de Aarão e Israel"<br />

(Manual de Disciplina, col. ix, linha ii). Alguns estudiosos<br />

sugerem, neste caso, a tradução "o ungido" para "os<br />

Messias" e fazem que essa frase se retira simplesmente à<br />

restauração da verdadeira linhagem dos sacerdotes<br />

aarônicos e dos reis davídicos. Mas as indicações são de<br />

que dois Messias são esperados, cuja vinda marcaria a<br />

137Esta obra é também conhecida como Documento de Damasco.


nova era que os Pactuantes aguardaram e pela qual<br />

oravam. O Mestre da Justiça, aparentemente, deveria ser<br />

um precursor do Messias; após sua morte, seguiriam<br />

quarenta anos de intenso conflito entre "os filhos da luz e<br />

os filhos das trevas", ao fim dos quais seria revelada a era<br />

messiânica.<br />

A crença dos Pactuantes em um Messias rei e militar<br />

estava em conformidade com a esperança tradicional da<br />

nação e fundamentava-se em muitas profecias do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento. Mas, ao contrário do escritor dos <strong>Testamentos</strong>,<br />

é possível que a crença deles em um Messias sacerdote não<br />

tenha surgido da a


Alguns estudiosos têm visto nesses rolos evidência<br />

da ressurreição do Mestre da Justiça após os quarenta anos<br />

de sofrimento e à véspera da era messiânica. Neste caso, é<br />

possível que os Pactuantes pensassem sobre ele do mesmo<br />

modo que a tradição popular pensava a respeito de Elias,<br />

como um precursor do Messias, embora não houvesse<br />

nenhuma indicação de que ele estivesse, de alguma forma,<br />

identificado com aquele profeta.<br />

E. Jesus e o Messias<br />

No início da era cristã a vasta maioria dos judeus<br />

compartilhava a crença na vinda de um poderoso Messias<br />

guerreiro da linhagem de Davi. Os Pactuantes de Qumran<br />

esperavam ansiosamente o tempo quando o tal Messias os<br />

lideraria à grande batalha final entre os "filhos das trevas" e<br />

os "filhos da luz". Os zelotes também estavam prontos<br />

para, a qualquer momento, se reunirem sob sua bandeira e<br />

lutarem ao seu lado com aespada desembainhada.<br />

Não é surpreendente que Jesus, desde o tempo de<br />

sua tentação, tenha não apenas se recusado a proclamar a si<br />

mesmo como o Messias, como também desencorajado<br />

outros de usarem esse título em relação a ele. Jesus sabia<br />

que era o Messias, e depois seus discípulos também<br />

souberam (cf. Marcos 8.29), mas não até perto do fim da<br />

vida de seu Mestre, quando ele se levantou diante do Sumo<br />

Sacerdote e reconheceu abertamente sua messianidade<br />

(Marcos 14.61 s). 77 Fazê-lo antes teria levado a um<br />

completo mal-entendido não apenas por parte do povo,<br />

mas até mesmo por parte de seus próprios discípulos. A<br />

interpretação de Jesus em relação ao Messias era<br />

completamente diferente da interpretação do povo de seu<br />

tempo. O Messias não tinha o papel de poderoso guerreiro,<br />

m De acordo com o Quarto Evangelho, porém, a messianidade de Jesus é reconhecida desde o início<br />

de seu ministério público (João 1.41, 49).


estabelecendo seu reino por meio de derramamento de<br />

sangue e de guerra. Seu reino não veio para tomar a vida,<br />

mas dar a vida. Em Cesaréia de Filipos, em resposta às<br />

palavras de Pedro "Tu és o [Messias] Cristo", ele explicou<br />

claramente que sua messianidade somente seria<br />

plenamente cumprida em termos do Servo Sofredor que<br />

daria "a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10.45). 78<br />

A correlação de tais idéias era algo novo no Judaísmo. Na<br />

verdade, o "Servo Sofredor" e o "Messias Rei" podem ter<br />

tido raízes comuns nos ritos majestosos do templo, como<br />

refletido, por exemplo, no Saltério, como alguns estudiosos<br />

têm sugerido; mas como H. H. Rowley observa: "Não há<br />

evidência séria da associação dos conceitos de Servo<br />

Sofredor e Messias Davídico antes da era cristã... os dois<br />

conceitos foram associados no pensamento e no ensino de<br />

Jesus". 79 Aqui havia um imperativo divino do qual ele não<br />

poderia se esquivar. "Jesus não cria que ele próprio fosse o<br />

Messias, embora tivesse que sofrer. Ele cria ser ele próprio o<br />

Messias, porque Ele tinha que sofrer". 80Essa mensagem de<br />

um Messias crucificado era para os judeus pedra de<br />

tropeço e para os gentios loucura, mas para "os que foram<br />

chamados" é o poder e a sabedoria de Deus (cf. I Coríntios<br />

1.23 s).<br />

3. O MESSIAS TRANSCENDENTE E O FILHO DO HOMEM<br />

Antes do ano 200 a.C, como já vimos, propagava-se<br />

entre os judeus uma escatologia, em muitos aspectos,<br />

diferente da concepção nacional e política do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, caracterizada principalmente por uma visão<br />

139Para uma afirmação mais completa concernente à relação do Servo Sofredor com o Filho do<br />

Homem e o Messias, ver pp. 138 ss.<br />

140Ensaio sobre "O Servo Sofredor e o Messias Davídico" in The Servant of the Lord (O Servo do<br />

Senhor), 1952, p. 85.<br />

141Goguel, Life of Jesus (Vida de Jesus), E.T. 1933, p. 392, citado por A. M. Hunter, Introducing<br />

Nem Testament Theology (Introdução à Teologia do <strong>Novo</strong> Testamento), 1957, p. 44.


dualística do universo, uma crença na ressurreição e uma<br />

visão transcendental de uma Era Dourada. Essas novas<br />

idéias continuaram a permear o pensamento dos judeus e<br />

eram bem familiares e populares algum tempo antes do<br />

início da era cristã. Sua influência na compreensão que as<br />

pessoas tinham do Messias começou a ser percebida em<br />

uma fase anterior, mesmo nos escritos em que as antigas<br />

idéias nacionais e políticas eram dominantes. As<br />

características transcendentes tendiam a prender-se à<br />

pessoa do Messias; ele não era apenas o herói militar que<br />

restabeleceria o Estado judeu e estabeleceria o reino na<br />

terra, mas também era o rei da paz, sob cujo governo o<br />

paraíso seria restabelecido na terra (Testamento de Levi<br />

18.10 s; cf. Oráculos Sibilinos, livro V, II Esdras, II<br />

Baruque). Em certos círculos apocalípticos, contudo, a<br />

influência dessas idéias foi além, porque então o Messias<br />

aparece como um rei genuinamente transcendente. De<br />

especial importância é o aparecimento de um<br />

personagemmisterioso chamado "o Homem" ou o "Filho do<br />

Homem" que, embora diferente em origem e em<br />

características do Messias judeu tradicional passou a ter<br />

uma profunda influência nas esperanças messiânicas<br />

populares.<br />

A. O Filho do Homem Apocalíptico<br />

A figura do Filho de Homem aparece, pela primeira<br />

vez na literatura apocalíptica, em Daniel 7.13 ss que fala de<br />

"um como o Filho do Homem" vindo com as nuvens do céu<br />

para ser apresentado diante do "Ancião de dias". Pela<br />

leitura dessa passagem, fica claro que a figura aqui<br />

mencionada não é o Messias e, realmente, que ele não é um<br />

indivíduo absolutamente, mas, em vez disso, um símbolo<br />

do Israel glorificado no reino escatológico vindouro. Em<br />

7.18, o Filho do Homem é identificado com "os santos do


Altíssimo", e isso é confirmado pelo simbolismo da<br />

passagem; nesse trecho, o domínio dos quatro reinos,<br />

simbolizados por quatro bestas que emergem das<br />

profundezas do mar, dá lugar ao reino dos santos ou ao<br />

povo ideal de Deus, simbolizado por um ser divino em<br />

forma humana, diferenciando-o, assim, dos outros reinos.<br />

Esse é um domínio eterno e um reino que jamais será<br />

destruído.<br />

Alguns estudiosos têm observado que a visão de<br />

Daniel 7 tem características que lembram o Livro de<br />

Ezequiel (cf. capítulo 1) onde a frase "filho do homem"<br />

aparece mais de cem vezes significando "homem", tanto em<br />

relação à sua fraqueza humana como em seu lugar glorioso<br />

na criação de Deus (cf. Salmos 8.4,5). Outros estudiosos<br />

têm encontrado conexão entre o Filho do Homem de<br />

Daniel e o Servo Sofredor de Deutero-Isaías onde, em<br />

ambos os casos, o povo de Deus é "o sábio" que tornará<br />

justos a "muitos". 81 Outros ainda têm relacionado a idéia<br />

de Filho do Homem a fontes mitológicas do pensamento<br />

corrente oriental, e desse modo tentam explicarcertas<br />

características que não poderiam ser de outro modo<br />

compreendidas. 82<br />

A próxima fase no desenvolvimento dessa idéia<br />

pode ser encontrada em Similitudes de Enoque (I Enoque<br />

37-71) que é provavelmente datado da época dos<br />

Macabeus. Tem havido muita controvérsia sobre a questão<br />

das interpolações cristãs sugeridas, mas parece haver boas<br />

razões para acreditar que o livro é uma unidade literária e<br />

que as supostas interpolações são, na realidade, parte do<br />

texto. O Filho do Homem é apresentado aqui como um ser<br />

celestial sem nenhuma existência terrena anterior; mas ele é<br />

pré-existente (48.3), tendo sido criado por Deus antes da<br />

142Ver também pp. 138 s.<br />

143Verpp. 134 s.


fundação do mundo e oculto por ele desde o princípio<br />

(48.6; 62.7); ele é uma criatura divina cuja face é "cheia de<br />

graça, como um dos santos anjos" (46.1), a quem Deus<br />

concedeu sua própria glória divina (61.8). Mas, embora seja<br />

divino, ele ainda pode ser concebido como um homem<br />

típico ou ideal que, como o "Eleito", se põe à frente dos<br />

"eleitos" no reino celestial. Seu caráter é marcado pela<br />

sabedoria, compreensão e retidão, e os justos serão um dia<br />

exaltados para estarem com ele. Nele estão ocultos todos os<br />

segredos do universo (52.1 ss). Porém o maior segredo é o<br />

próprio Filho do Homem que permanece oculto, mas um<br />

dia será revelado. Na verdade, esse segredo já tem sido<br />

revelado aos eleitos (48.7). O tempo virá quando "o Justo<br />

aparecerá diante dos olhos dos justos" (38.2) em todo o seu<br />

esplendor e se assentará no trono da glória de Deus (61.8).<br />

Ele estará diante de Deus como juiz do céu e da terra, de<br />

anjos como também de homens, dos mortos como também<br />

dos vivos (61.8). Sua vinda trará a libertação dos piedosos<br />

(48.4 ss) e eles vão participar do reino do Filho do Homem<br />

(61.5).<br />

Tem-se afirmado que essa figura do Filho do<br />

Homem é um desenvolvimento imaginativo daquela já<br />

mencionada em<br />

Daniel 7. Essa visão é apoiada pelo fato de que a<br />

descrição do trono de Deus em I Enoque 71.7 ss (cf.<br />

também 14.18 s) é, em grande parte, derivada de Ezequiel 1<br />

e Daniel 7 e que as passagens sobre o Filho do Homem<br />

podem ser lidas como um Midrash ou comentário sobre<br />

Daniel 7. O Dr. T. W Manson interpreta o Filho do Homem<br />

aqui como um símbolo coletivo, como em Daniel 7, e<br />

acredita que a mesma interpretação se aplica a outros<br />

nomes pelos quais ele é chamado, "Justo", "Eleito" e


"Ungido". 83 Em outro artigo, 84 o mesmo autor vê nesse<br />

conceito uma referência tanto coletiva como individual. A<br />

idéia coletiva acha expressão no Remanescente; a idéia<br />

individual em dois personagens — o próprio Enoque (cf. I<br />

Enoque 71.14), que é considerado como o núcleo do grupo<br />

dos eleitos, e o Messias que, no final de todas as coisas,<br />

vindicará os santos. O Dr. H. H. Rowley nega qualquer<br />

referência aqui ao Messias e reconhece nessa figura "a<br />

personificação do conceito de Daniel a respeito do Filho do<br />

Homem em uma pessoa supraterrena que seria<br />

representativa e líder do reino simbolizado por esse<br />

conceito, e que viria para habitar com os homens". 85<br />

Outros, como o Dr. S. Mowinckel, afirmam que por trás do<br />

Filho do Homem, como em Daniel 7, está a figura do<br />

Homem Celestial ou do Homem Primordial a ser<br />

encontrada na mitologia oriental, e que em I Enoque os<br />

efeitos dessa influência são muito mais óbvios do que no<br />

caso de Daniel 7.<br />

A figura do Filho do Homem aparece novamente nos<br />

escritos apocalípticos pós-cristãos, II Esdras e os Oráculos<br />

Sibi-linos, livro V, ambos os quais são influenciados pela<br />

visão e pela linguagem de Daniel 7.13 ss. Aqui a figura do<br />

Filho do Homem está, em muitos aspectos, em harmonia<br />

com a que é apresentada em Similitudes de Enoque. Ele é<br />

apresentado, contudo, como o Messias; mas essa não é a<br />

figura humana da linhagem de Davi; ele é uma figura<br />

pré-existente, transcendente que um dia vai aparecer<br />

diante dos justos em toda a sua glória. Como em<br />

Similitudes de Enoque, também aqui, tudo que pertence ao<br />

144cf. The Teaching of Jesus (O Ensino de Jesus), T edição, 19,35, pp. 228 s.<br />

145Cf. Bulletin of the John Rylands Library (Boletim da Biblioteca John Rylands), xxxii. 1949-50,<br />

pp. 178 ss.<br />

146The Relevance of the Apocalyptic (A Relevância dos Apocalípticos), 1944, p. 57. Ver também<br />

The Suffering Servant and the <strong>David</strong>ic Messiah (O Servo Sofredor e o Messias Davídico) in<br />

The Servant of the Lord (O Servo do Senhor),! 952, p. 76.


"Homem", como ele é chamado, é um segredo divino,<br />

porque "assim como ninguém pode sondar ou conhecer o<br />

que está no fundo do mar, assim também ninguém sobre a<br />

terra pode ver meu Filho, a não ser no tempo de seus dias"<br />

(II Esdras 13.52). Naquele dia, ele virá voando com as<br />

nuvens do céu (13.3 s) ou emergirá das profundezas do<br />

mar (13.51 s). Nele os mistérios do propósito de Deus estão<br />

ocultos, mas quando ele se sentar no trono da glória de<br />

Deus o que está escondido será, afinal, revelado.<br />

A popularidade dessa figura transcendente era, sem<br />

dúvida, muito mais restrita do que a nova escatologia da<br />

qual ela constituía uma parte, mas sua influência seria<br />

percebida além do restrito círculo apocalíptico ao qual<br />

pertencia. Até que ponto, contudo, essa influência foi<br />

percebida, é impossível dizer. No curso do tempo da era<br />

cristã, ela foi considerada com crescente desfavor nos<br />

círculos judeus ortodoxos, certamente em parte por causa<br />

de seu uso entre os cristãos, e praticamente não encontrou<br />

nenhum espaço na teologia judaica subseqüente.<br />

B. O Pano de Fundo no Oriente<br />

A exceção dos pressupostos teológicos cristãos, há<br />

muito pouco neste corpo literário para lembrar o leitor da<br />

escatologia judaica tradicional com sua crença em um<br />

Messias nacional, histórico e político. De fato, o Filho do<br />

Homem apocalíptico é tão estranho à antiga escatologia<br />

como é natural à nova escatologia transcendental aqui<br />

apresentada. Tem-se discutido que, uma vez que esse novo<br />

ensino concernente às últimas coisas pode ter penetrado no<br />

Judaísmo através da influência persa, essas idéias relativas<br />

ao Filho do Homem também podem ter vindo<br />

originalmente daquela mesma fonte.<br />

Por todo o mundo oriental e helenístico, havia a<br />

crença amplamente difundida em um Homem Primordial,


cujas qualidades e propriedades eram, em alguns aspectos,<br />

notavelmente semelhantes àquelas do Filho do Homem do<br />

apocalíptico judaico. Essa crença assumiu muitas formas<br />

diferentes por todo o mundo oriental, mas há boas razões<br />

para crer que elas remontam a idéias correspondentes no<br />

sistema persa ou iraniano, no qual a figura do Homem<br />

Primordial desempenha um papel importante no<br />

desdobramento das "últimas coisas". O Dr. S. Mowinckel,<br />

de fato, afirma que "pesquisas recentes têm esclarecido<br />

cada vez melhor que a concepção judaica do 'Homem' ou<br />

do Filho do Homem' é uma variante judaica do mito<br />

oriental, cosmológico, escatológico de Anthropos". 86 Essas<br />

características do Filho do Homem apocalíptico que não<br />

podem encontrar explicação nos termos das idéias do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento, diz ele, encontram plena explicação no<br />

que é conhecido sobre o Homem Primordial, tal como seu<br />

surgimento do mar, seu papel como rei do Paraíso, e sua<br />

conexão com a criação.<br />

Mas embora haja notáveis semelhanças entre os dois<br />

conceitos, há diferenças importantes que mostram que, se<br />

os apocalípticos assumiram a idéia, eles ao mesmo tempo<br />

fizeram mudanças significativas em harmonia com sua<br />

própria herança religiosa. Em Daniel 7, por exemplo, muito<br />

do conteúdo mitológico foi afastado, e a mitologia que<br />

resta é apenas incidental para o simbolismo que retrata o<br />

propósito de Deus por meio de seus santos. Em Similitudes<br />

de Enoque, a presença de elementos mitológicos é mais<br />

óbvia, mas aqui também a mitologia tem sido, em medida<br />

considerável, assimilada às idéias do <strong>Antigo</strong> Testamento.<br />

Seja qual for a influência que essa idéia do Homem<br />

Primordial possa ter tido sobre o pensamento judeu,<br />

certamente não foi assumida em um determinado período<br />

1470p. cit, p. 425.


ou de apenas uma fonte, mas veio de muitos períodos e de<br />

diferentes formas e foi absorvida, por assim dizer, no curso<br />

da esperança apocalíptica. De fato, é improvável que<br />

houvesse qualquer empréstimo consciente da idéia ou<br />

qualquer percepção de sua origem na mitologia oriental,<br />

especialmente quando no devido tempo ela passou a ser<br />

associada com a idéia judaica do Messias.<br />

C. O Filho do Homem como Messias<br />

E mais provável que as idéias do Filho do Homem e<br />

do Messias tenham origens diferentes e representem duas<br />

concepções bem distintas da inauguração do reino<br />

vindouro, e que, para a vasta maioria do povo judeu, elas<br />

tivessem pouca ou nenhuma conexão uma com a outra.<br />

Elas indicam dois tios distintos de expectativa que, no<br />

curso dos anos, tornaram-se entrelaçados no pensamento<br />

de um grupo relativamente pequeno de escritores<br />

apocalípticos, de forma "que emergisse uma figura<br />

messiânica tanto eterna como transcendental, como<br />

também histórica e humana, em uma escatologia ao mesmo<br />

tempo histórica e também supra-histórica e absoluta". 87<br />

Este desenvolvimento fica evidente na comparação<br />

de Daniel 7 (c. 165 A.C.) e II Esdras 13 (c. A.D. 90). Na<br />

primeira passagem, como já foi indicado, não há nenhuma<br />

menção do Messias como libertador de seu povo, e<br />

certamente o Filho do Homem que aparece ali não assume<br />

esse papel. Em II Esdras, o grande libertador da era<br />

vindoura é conhecido como o Filho do Homem e tem<br />

muitas características conhecidas como pertencentes<br />

àquela figura transcendental (cf. 13.3 ss), mas ao mesmo<br />

tempo ele é chamado "meu Messias" ou "meu filho o<br />

Messias" (7.28-29) que "surgirá da semente de Davi" (12.32).<br />

148S. Mowinckel, op. cit., p. 436.


Ele recebe o título messiânico de "meu servo", 88<br />

(7.28; 13.32, etc.) e revela inúmeras características que<br />

pertencem à esperança nacional associada a esse nome. 89<br />

A tensão que se desenvolveu entre os elementos<br />

"deste mundo" e do "outro mundo", representado pelos<br />

nomes "Messias" e "Filho do Homem", foi minimizada em<br />

alguns escritos pela apresentação de um reino interino, um<br />

"Milênio" no qual, após um julgamento preliminar, o<br />

Messias reinaria sobre a terra durante mil anos (cf. II<br />

Enoque 32.2-33.2; Apocalipse 20.4-7). Às vezes a duração é<br />

de quatrocentos anos (cf. II Esdras 7.28); outras vezes o<br />

reino dura por um período indefinido (cf. II Baruque 40.3).<br />

Esse reino interino marca o encerramento da presente era e<br />

é seguido pelo julgamento final, a destruição do mundo, a<br />

nova criação, a ressurreição 90 e o início da nova era de<br />

bem-aventurança. 91. A introdução da idéia de um Milênio é<br />

em si mesma uma indicação dessa conciliação que os<br />

escritores apocalípticos adotaram entre esses dois fios de<br />

expectativa e mostra como a idéia do Messias, embora em<br />

forma supra terrena, não apenas sobreviveu, mas triunfou<br />

sobre a poderosa influência do conceito de Filho do<br />

Homem.<br />

Não há pouca discordância entre os estudiosos a respeito<br />

do Filho do Homem e do Messias em Similitudes de<br />

Enoque. O Dr. H. H. Rowley, por exemplo, afirma que "não<br />

há nenhuma evidência de que o Filho do Homem tenha<br />

sido identificado com o Messias até o tempo de Jesus". 92<br />

149A frase em latim filius meus reflete, sem dúvida, a palavra grega pais que pede significar "filho"<br />

ou "servo". O segundo significado é mais comum em seu<br />

uso posterior e provavelmente representa a aplicação correta do texto original;<br />

cf. Atos 3.13 (RV marginal). •<br />

150Cf. 13.33 ss; também II Baruque 29.3; 30.1; 39.7; 40.1; 70.9; 72.2.<br />

151Apocalipse 20.4 menciona também uma primeira ressurreição no início do reino milenar de<br />

Cristo.<br />

152Ver também pp. 150 s.<br />

1530p. cit., p. 29.


Ele defende que, ao admitir isso, Jesus não aplicou o termo<br />

"Messias" a si mesmo durante seu ministério e de fato<br />

proibiu seus discípulos de contarem a qualquer homem<br />

quem ele era, não obstante ele usasse abertamente a<br />

expressão "Filho do Homem" em relação a si mesmo. Em<br />

Similitudes de Enoque, ele afirma, o Filho do Homem não é<br />

equiparado ao Messias, porque aqui nós não temos um<br />

libertador humano que pode, de alguma forma, ser<br />

associado com a esperança do <strong>Antigo</strong> Testamento, mas<br />

uma figura puramente transcendental. Outros, como W F.<br />

Albright, argumentam que mesmo antes do tempo de Jesus<br />

havia uma certa fusão entre as duas figuras. E interessante<br />

notar que o escritor de I Enoque associa ao Filho do<br />

Homem transcendental certas características que já eram<br />

familiares à tradição do Messias; ele é justo e sábio, ele é o<br />

escolhido de Deus, ele recebe a homenagem de reis, ele é a<br />

luz para os gentios e é realmente chamado de "Ungido" de<br />

Deus (48.10; 52.4). Essas referências não necessariamente o<br />

identificam com o Messias davídico terreno, e de fato todo<br />

o quadro exclui isso, mas elas podem indicar que desde<br />

bem cedo o título "Filho do Homem" adquiriu um sentido<br />

messiânico. Porém, mesmo que seja assim, essa relação<br />

entre Filho do Homem e o Messias seria estritamente<br />

confinada ao pequeno círculo de apocalípticos<br />

representado pelo escritor desse livro.<br />

D. Sofrimento e Morte<br />

Alguns estudiosos afirmam que as visões de Daniel<br />

eram originalmente dependentes das passagens do Servo<br />

em Deutero-Isaías e que o Filho do Homem citado em um é<br />

representativo do Servo Sofredor referido no outro. Em<br />

cada caso se faz referência ao "sábio" (Isaías 52.13; Daniel<br />

12.3) que justificará a "muitos" (Isaías 53.11; Daniel 12.3) e<br />

que sofre em obediência à vontade de Deus (Isaías 53.3 ss;


Daniel 11.33). O Dr. F. F. Bruce argumenta 93 que os<br />

Pactuantes de Qumran, por exemplo, interpretavam sua<br />

missão em termos de "exegese unitiva" de Deutero-Isaías e<br />

Daniel. Eles descreviam a si mesmos como "o sábio" (do<br />

hebraico, maskilim) e "os santos do Altíssimo" (cf. Daniel<br />

7.18) que, por submissão e resistência, efetuariam a<br />

expiação pelo pecado do povo à maneira do Servo Sofredor<br />

do Senhor. Mas em sua interpretação, o "Filho do Homem"<br />

e o "Servo do Senhor" continuavam sendo figuras coletivas,<br />

porque a obra da expiação que eles ambuíam a si mesmos<br />

não era obra de um membro, nem do Messias em seu meio,<br />

mas de toda a comunidade. Além disso, há evidência de<br />

que a interpretação messiânica do Servo pode ser<br />

intencional na versão singular do texto de Isaías 52.14 no<br />

rolo de São Marcos (A): "Eu tenho ungido (do hebraico<br />

mashachtí) a face dele mais do que de qualquer homem".<br />

Nesse caso, o contexto indica que a referência<br />

provavelmente é ao Messias sacerdote e não ao Messias rei.<br />

E verdade que em I Enoque as expressões dos<br />

Poemas do Servo de Deutero-Isaías são usadas para<br />

descrever a glória do Filho do Homem, como em 48.4 onde<br />

está escrito que "ele será luz para os gentios" (Isaías 42,6;<br />

49.6; cf. Lucas 2.32). Mas essa influência não vai além do<br />

uso das frases; o conteúdo de Cânticos do Servo, em<br />

nenhum lugar diz respeito ao caráter e obra do Filho do<br />

Homem. O quadro do Servo que está por trás do Filho do<br />

Homem na literatura apocalíptica é um conceito totalmente<br />

diferente daquele encontrado em Deutero-Isaías, onde o<br />

Servo, por meio de seu sofrimento vicário e morte, justifica<br />

a muitos e toma sobre si as iniquidades deles (Isaías 53.11).<br />

A esta altura pode-se mencionar a interpretação do<br />

Servo no Targum de Isaías 52.13-53.12. Nesse escrito o<br />

154New Testament Studies (Estudos do <strong>Novo</strong> Testamento), voL 2, n° 3, pp. 176 ss.


Servo é identificado com o Messias, mas toda a passagem é<br />

reinterpretada de tal maneira que é impossível reconhecer<br />

a figura do texto do <strong>Antigo</strong> Testamento. Seus sofrimentos,<br />

dor e morte são transferidos para os inimigos de Israel, e o<br />

Messias-Servo aparece como o poderoso conquistador que<br />

triunfa sobre todos os seus inimigos!<br />

Em II Esdras 7.29, lemos sobre a morte do Messias no<br />

final do reino interino; isto é natural, porque o Messias,<br />

como todos os demais seres criados, deve morrer. Mas não<br />

se faz nenhuma referência aqui ou em outro trecho do<br />

livro, a uma morte vicária ou expiatória. A libertação que o<br />

Filho do Homem traz não é salvação do poder do pecado,<br />

mas libertação da opressão de seus inimigos. Ele é o<br />

terrível juiz dos pecadores, não o Salvador das almas dos<br />

homens.<br />

E. Jesus e o Filho do Homem<br />

Os Evangelhos Sinóticos indicam que Jesus não<br />

apenas usou a expressão "Filho do Homem" referente a si<br />

mesmo, como também preferiu seu uso a qualquer outro<br />

título messiânico. Foi em termos de Filho do Homem que<br />

ele buscou compreender e interpretar sua messianidade<br />

por todo o seu ministério público. Mas sua interpretação<br />

era muito diferente de qualquer outro do passado.<br />

Talvez haja pouca dúvida de que, ao escolher esse<br />

título, Jesus foi profundamente influenciado por Daniel<br />

7.13 ss que diz: "Vinha com as nuvens do céu um como o<br />

Filho do Homem... Foi-lhe dado domínio e glória e o reino,<br />

para que os povos, nações e homens de todas as línguas o<br />

servissem". Adotando essa expressão, ele a aplicou como<br />

título a si mesmo, em cuja pessoa e ministério o reino seria<br />

expressado. Assim fazendo, ele afirmou que pertencer a ele<br />

era pertencer ao reino, porque onde ele estava, o reino<br />

estava presente entre os homens. Ele não simplesmente


anunciou sua vinda, ele o incorporou a sua própria pessoa,<br />

e a seu ministério público de pregar, curar e expulsar<br />

demônios; ele demonstrou que o reino estava presente e<br />

ativo entre os homens. "Se, porém, eu expulso demônios<br />

pelo dedo de Deus, certamente é chegado o reino de Deus<br />

sobre vós" (Lucas 11.20).<br />

Mas o reino, como Aquele que o incorporou, permanecia<br />

oculto e em mistério (Marcos 4.11) até que seu<br />

segredo fosse revelado. Esse mistério era, de fato, parte do<br />

"Segredo Messiânico" envolvido na concepção que Jesus<br />

tinha de si mesmo como o Filho do Homem. Seu reino não<br />

era deste mundo e assim, como temos visto, ele evitou usar<br />

o termo "Messias" e desencorajou outros de usá-lo em<br />

relação a ele. Mas estava para chegar o tempo em que o<br />

mistério do reino seria revelado. Com a ressurreição do<br />

Filho do Homem e a vinda do Espírito, o mistério, enfim,<br />

passaria a ser um segredo aberto e o reino viria "com<br />

poder" (Marcos 9.1; cf. Romanos 1.4). O Filho do Homem<br />

seria exaltado e seria visto "vindo com as nuvens do céu"<br />

(Marcos 14.62); o reino seria consumado em sua segunda<br />

vinda para reinar.<br />

Então, por isso é que a morte de Jesus era necessária<br />

para o cumprimento do propósito de Deus nele, porque<br />

"entre a vinda do reino como um 'mistério' e sua vinda<br />

'com poder' está a Cruz... A Cruz era inevitável para que o<br />

'mistério' se tornasse um segredo aberto. Jesus morreu para<br />

que o Reino pudesse vir 'com poder'". 94 Aqui chegamos ao<br />

próprio cerne da compreensão de Jesus a respeito de sua<br />

messianidade — "Era necessário que o Filho do Homem<br />

sofresse... fosse morto e que depois de três dias<br />

ressuscitasse" (Marcos 8.31). A Cruz não foi um erro ou um<br />

acidente; ela era parte do plano predeterminado de Deus.<br />

155A. M. Hunter, Introducing New Testament Theology (Introdução à Teologia do <strong>Novo</strong><br />

Testamento), 1957. p. 45.


O soberano Filho do Homem era o Servo Sofredor do<br />

Senhor.<br />

É extremamente especulativo tentar avaliar o quanto<br />

o pensamento de Jesus nesse contexto foi influenciado pelo<br />

ensino dos escritos apocalípticos referidos acima; mas é<br />

bem claro que a associação que Jesus fazia do Servo<br />

Sofredor com o Filho do Homem não era originada nesses<br />

círculos esotéricos.<br />

Se formos pesquisar qualquer fonte que não sua<br />

própria consciência da missão, então, talvez devamos<br />

voltar novamente ao Livro de Daniel. Em Marcos 1.14 s<br />

lemos: "...foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de<br />

Deus, dizendo: O tempo está cumprido e o reino de Deus<br />

está próximo (cf. Daniel 2.44): arrependei-vos e crede no<br />

evangelho" (cf. Isaías 61.1 ss). Ao falar assim, Jesus<br />

demonstrou um discernimento perspicaz da relação entre<br />

Daniel e Deutero-Isaías e, por implicação, entre o Filho do<br />

Homem e o Servo Sofredor. Como os Pactuantes de<br />

Qumran, ele interpretou sua missão em termos de uma<br />

"exegese unitiva" desses dois livros, mas ao contrário<br />

daqueles, ele viu o cumprimento dessas palavras proféticas<br />

em si mesmo - em sua vida e morte e ressurreição, na vinda<br />

do Espírito, na vida da Igreja e em sua segunda vinda para<br />

reinar. 95 O Messias-Filho do Homem era o Servo Sofredor<br />

do Senhor por meio de cujo sacrifício o reino viria e a<br />

vontade de Deus seria cumprida, assim na terra como no<br />

céu.<br />

156Comparar, porém, o argumento de T. W Manson que afirma que, mesmo nos lábios de Jesus, a<br />

expressão "Filho do Homem" deve ser compreendida em um sentido coletivo e significa uma<br />

figura ideal que se levanta para "a manifestação do Reino de Deus sobre a terra no povo<br />

completamente devotado ao seu Rei celestial" (The Teaching of Jesus [O Ensino de Jesus], p.<br />

227). Mas durante o curso de seu ministério essa figura passou a ser individualizada de modo que o<br />

título se tornou uma designação para ele mesmo.


155<br />

A Ressurreição e a Vida Após a Morte<br />

A literatura apocalíptica serve, em muitos sentidos,<br />

como uma ponte entre o <strong>Antigo</strong> e o <strong>Novo</strong> Testamento, e<br />

isso talvez não possa ser mais claramente demonstrado do<br />

que na crença concernente à vida após a morte. Muito do<br />

ensino do <strong>Novo</strong> Testamento a esse respeito não pode ser<br />

explicado simplesmente em termos do pano de fundo do<br />

<strong>Antigo</strong> Testamento, mas pode ser visto em sua verdadeira<br />

luz no cenário do pensamento apocalíptico. E<br />

particularmente significante o ensino dos apocalípticos<br />

concernente à ressurreição dos mortos.<br />

De acordo com a antiga "psicologia" hebraica, a<br />

natureza do homem é produto de dois fatores, o<br />

"fôlego-alma (do hebraico nephesh) que é o princípio da<br />

vida, e o complexo de órgãos físicos que este anima.<br />

Separe-os e o homem deixa de ser, em qualquer sentido<br />

real de personalidade". 96 Quer dizer, o homem não é<br />

constituído de três "partes" chamadas corpo, mente e<br />

espírito ou corpo, alma e espírito; nem é constituído<br />

simplesmente de duas "partes", corpo e alma. Ele é uma<br />

unidade de personalidade cuja dissolução significa o fim<br />

da vida em todo o sentido real da palavra. Durante algum<br />

tempo, um homem, é verdade, pode concebivelmente viver<br />

dos elementos de seu corpo que possuem propriedades<br />

psíquicas e não meramente físicas. Mas com a retirada de<br />

157. Wheeler Robinson, Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento), 1913, p. 83.


seu nephesh a vida do homem desaparece e ele deixa de<br />

viver como "pessoa". O que sobrevive à morte não é a alma<br />

ou o espírito do homem, mas sua sombra ou espectro, um<br />

tipo de "sósia" do homem outrora vivo, conservando uma<br />

imagem espectral de sua réplica outrora vivente, mas<br />

desprovido de sua existência pessoal que uma vez<br />

caracterizara o homem.<br />

Por longos séculos prevaleceu a crença de que ao<br />

morrer, a sombra ou o espectro do homem ia para o Sheol,<br />

situado abaixo da terra ou abaixo do grande oceano<br />

cósmico sobre o qual a terra está fundamentada, uma terra<br />

de esquecimento, escuridão e desespero, não tendo<br />

nenhuma conexão com a vida sobre a terra (cf. Jó 10.21 s).<br />

Em uma fase posterior do pensamento hebraico,<br />

manifestou-se a crença de que o poder e a influência de<br />

Deus podiam ser sentidos mesmo no Sheol (SI 139.8), mas<br />

para a maioria a visão aceita era de que o Sheol ia além de<br />

sua jurisdição (SI 30.9 s; 115.17, etc). Em algumas<br />

passagens, à sombra do morto, especialmente se ele era um<br />

homem de renome como Samuel, eram atribuídos poderes<br />

sobre-humanos e acreditava-se que ela possuía<br />

conhecimento tanto do passado quanto do futuro (I Sm<br />

28.8 ss), mas para a maioria dos homens, essa era uma terra<br />

sem retorno (cf. II Sm 12.23; Jó 7.9) onde "os mortos não<br />

sabem cousa nenhuma, nem tão pouco terão eles<br />

recompensa... porque no além para onde tu vais, não há<br />

obras, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria<br />

alguma" (Ec 9.5,10). Todas as distinções morais deixam de<br />

existir, pois no Sheol "o mesmo sucede a todos, ao justo e<br />

ao perverso" (Ec 9.2).<br />

Os estudiosos diferem amplamente em suas<br />

interpretações de passagens como Jó 14.13-15 e 19.25-27,<br />

em que a fé do escritor alcança a esperança de justificação<br />

além dos limites da carne humana, e Salmos 16,49,73 e 78,


em que o problema da prosperidade dos ímpios e o<br />

sofrimento dos justos volta os pensamentos do salmista<br />

para esse relacionamento contínuo com Deus, em cuja mão<br />

direita há "prazeres para sempre".<br />

Por certo, não há aqui nenhuma doutrina claramente<br />

definida de uma vida além da morte, mas na melhor das<br />

hipóteses, apenas um vislumbre de esperança. Essa<br />

esperança, porém, era tal que poderia alcançar sua<br />

conclusão lógica somente na crença de uma vida futura, e é<br />

isso que deve ser creditado aos apocalípticos, uma vez que<br />

eles foram os primeiros a chegar a essa conclusão sobre a<br />

doutrina da ressurreição dos mortos.<br />

1. A RESSURREIÇÃO, SUA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO<br />

A. A Preparação do <strong>Antigo</strong> Testamento<br />

De acordo com os profetas do <strong>Antigo</strong> Testamento, a<br />

esperança do futuro é colocada na nação e no reino<br />

vindouro que Deus vai estabelecer sobre a terra; suas<br />

glórias seriam compartilhadas pelos israelitas justos que<br />

estavam vivendo naquele tempo e também, pensavam<br />

alguns, pelos gentios que viriam a reconhecer Israel como o<br />

povo escolhido de Deus. Esse reino era um reino eterno,<br />

cujos membros compartilhariam as bênçãos de uma farta<br />

velhice, como os patriarcas da antigüidade.<br />

Mas os devotos em Israel não podiam ficar satisfeitos<br />

com tal crença. Já havia uma convicção crescente de que o<br />

senso de comunhão que eles desfrutavam com Deus nesta<br />

vida seguramente não poderia chegar ao fim com a morte,<br />

mas que até no Sheol os homens poderiam louvá-lo. Com<br />

isso era crescente em Israel uma nova concepção de<br />

individualismo religioso, associado particularmente a<br />

Jeremias, um homem de profunda experiência religiosa.<br />

Essa ênfase foi desenvolvida por Ezequiel, que acrescentou


a ela uma doutrina de retribuição individual, que<br />

declarava que os homens são punidos na proporção de<br />

seus pecados e recompensados na proporção de sua<br />

retidão, durante seu tempo de vida aqui na terra. Os<br />

problemas surgiram pela contradição entre tal crença e os<br />

eventos reais da vida expressos em alguns dos Salmos e no<br />

Livro de Provérbios e encontram sua expressão clássica no<br />

Livro de Jó.<br />

Finalmente, chegou-se a uma solução que teve um<br />

efeito revolucionário sobre ambas as religiões, o Judaísmo e<br />

o Cristianismo. Não apenas a nação justa compartilharia da<br />

vinda do Reino Messiânico; o indivíduo justo<br />

compartilharia dela também, pois os justos que estivessem<br />

mortos, ressurgiriam na ressurreição e receberiam a devida<br />

recompensa da mão de Deus. Essa síntese das escatologias<br />

da nação e do indivíduo foi realizada pelos apocalípticos,<br />

cuja crença em uma ressurreição do corpo tornou tal fusão<br />

possível.<br />

B. Sua Origem História<br />

Talvez o ponto particular em questão, que ajudou<br />

final mente a estabelecer essa crença, tenha sido o fato do<br />

martírio de muitos justos em Israel. Aqueles que sofreram<br />

martírio, devem ainda, de alguma maneira, compartilhar<br />

do último triunfo do povo de Deus quando ele, afinal,<br />

estabelecer seu reino na terra. É como se houvesse uma<br />

lacuna, a menos que Deus trouxesse de volta, ressuscitasse,<br />

aqueles que haviam demonstrado ser merecedores de<br />

tomar parte no Reino de Deus. Por essa razão tais pessoas<br />

devem possuir corpos; a terra deve dá-los à luz novamente.<br />

Duas passagens do <strong>Antigo</strong> Testamento são de<br />

particular significado nesse contexto - Isaías 24-27 e Daniel<br />

12 - ambas confirmam que a origem histórica da<br />

ressurreição no <strong>Antigo</strong> Testamento é uma seleção, primeiro


dos muito bons (cf. Is 26.19) e depois dos muito bons e<br />

muito maus (cf. Dn 12.2-3). Isaías 24-27, que revela certas<br />

características apocalípticas, é considerado como um<br />

acréscimo posterior ao Livro de Isaías, . datado<br />

possivelmente do terceiro ou quarto século a.C. Nesse<br />

trecho lemos: "Os vossos mortos e também'o meu cadáver<br />

viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais<br />

no pó, porque o teu orvallho, ó Deus, será como o orvalho<br />

de vida, e a terra dará à luz os seus mortos" (Is 26.19).<br />

Alguns estudiosos tomam isso, assim como a visão de<br />

Ezequiel do vale de ossos secos, como referência a uma<br />

ressurreição nacional; mas se isso de fato se refere à<br />

ressurreição real dos corpos dos homens, então essa é a<br />

primeira ocorrência de tal crença no <strong>Antigo</strong> Testamento. E<br />

significativo que nessa passagem somente os justos<br />

preeminentes ressuscitarão para participar do Reino<br />

Messiânico que será estabelecido na terra. Tem-se sugerido<br />

a hipótese desse versículo se referir ao tempo de Ana-xenes<br />

III (358-338 a.C), quando muitos judeus foram<br />

martirizados. Se esse for o caso, podemos ter aqui o próprio<br />

evento histórico que levou à formulação da crença em uma<br />

ressurreição tísica dos mortos.<br />

Em Daniel 12 temos uma base histórica mais fundamentada,<br />

pois esse livro foi compilado em 165 a.C, no<br />

tempo de Antíoco IV (Epifânio). Sem dúvida, a crença na<br />

ressurreição aqui expressa, surgiu da perseguição que<br />

precedeu a Revolta dos Macabeus, em que muitos judeus<br />

foram martirizados. Diz o texto: "Muitos dos que dormem<br />

no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, outros<br />

para vergonha e horror eterno" (Dn 12.2). O dia da<br />

libertação de Deus estava bem próximo, quando seu reino<br />

seria estabelecido sobre a terra. Porém muitos em Israel<br />

haviam sacrificado suas vidas em fidelidade a Deus;<br />

certamente nem mesmo a morte poderia roubá-los de sua


porção. Deus ressuscitaria esses mártires a fim de que,<br />

juntos com os vivos, eles pudessem compartilhar das<br />

bênçãos de seu reino (cf. também II Mac. 7.9,14, 23, 36).<br />

Porém outros entre os inimigos de Israel haviam morrido<br />

sem receber a recompensa devida por sua maldade. Eles<br />

também ressuscitariam para receber a punição que lhes era<br />

devida. Mais uma vez é aplicado o princípio da seleção, e<br />

agora não somente os muito bons iriam ressuscitar para<br />

receber a recompensa, mas os muito maus ressuscitariam<br />

para o julgamento. Os espectros de todos os outros homens<br />

permaneceriam como antes, nas profundezas da escuridão<br />

do Sheol.'<br />

C. Desenvolvimentos Subseqüentes<br />

Ambas as concepções bíblicas de ressurreição são<br />

encontradas também nos livros apocalípticos extrabíblicos;<br />

mas no desenvolvimento subseqüente ocorrem muitas<br />

variações, nem todas estão claras para o leitor, ou talvez<br />

nem mesmo para os próprios escritores.<br />

O pensamento de Isaías 24-27 é seguido em grande<br />

parte em I Enoque 6-36 (cf. também 37-71, 83-90, etc), onde<br />

somente os justos, presumivelmente os Israelitas,<br />

ressuscitarão para tomar parte no Reino Messiânico (25.4<br />

ss). A vida ressurreta é um desenvolvimento orgânico da<br />

presente vida de justiça (90.33). Aqui os perversos que<br />

receberam punição em sua vida, permanecerão no Sheol<br />

eternamente (22.13), mas os perversos que não receberam<br />

sua devida punição na terra serão transferidos como<br />

espíritos desincorporados do Sheol para Gehena, 97 o lugar<br />

de tormento.<br />

Uma variação sobre o tema de Daniel 12.2 pode ser<br />

encontrada nos Fragmentos Noélicos em I Enoque, em que<br />

158Verp. 153, n° 1.


está, pelo menos implicado, que o justo ressuscitará para<br />

compartilhar as bênçãos dos justos vivos no Reino<br />

Messiânico (10.7, 20), e que os perversos, ou alguns deles<br />

(67.8), ressuscitarão para o julgamento e sofrerão nas<br />

chamas de Gehena em corpo e em espírito (67.8-9). No<br />

Testamento de Benjamim, os patriarcas ressuscitam<br />

primeiro para compartilhar do reino terrestre (10.6) e então<br />

os doze filhos de Jacó, cada um à frente de sua própria tribo<br />

(10.7). "Então também todos os homens se levantarão, uns<br />

para glória e outros para vergonha" (10.8). Essa concepção<br />

é ainda mais desenvolvida em II Esdras que declara . que<br />

haverá uma ressurreição geral seguida por um julgamento<br />

que será universal e final. As almas dos justos' e dos<br />

ímpios, agora unidas com o corpo, serão julgadas; "e a<br />

recompensa seguirá e o galardão será manifesto" (7.35).<br />

Já temos destacado 98 que em certos livros apócrifos,<br />

particularmente em Sabedoria de Salomão, os escritores<br />

expressam uma crença na imortalidade da alma e não na<br />

ressurreição do corpo. <strong>Entre</strong> os escritos apocalípticos, o<br />

Livro de Jubileus é de grande importância a esse respeito,<br />

como por exemplo em 23.31: "E seus ossos ficarão sobre a<br />

terra, e seus espíritos terão muita alegria". Jubileus, neste<br />

sentido, então, marca o ponto de partida de uma firme<br />

convicção da tradição apocalíptica.<br />

D. A Ressurreição e o Reino Messiânico<br />

As duas fontes bíblicas para a crença na ressurreição,<br />

Isaías 24-27 e Daniel 12, deixam claro que a cena do Reino<br />

Messiânico é para ser sobre a terra e que os justos que<br />

morreram serão ressuscitados para participar dele. Nisso,<br />

eles são seguidos por vários outros escritos apocalípticos.<br />

Por exemplo, I Enoque 6-36 declara que os inimigos de<br />

159Ver pp. 24, 84.


Israel serão destruídos, os desprezados de Israel serão<br />

reunidos, e a cidade e o Templo serão reconstruídos; então<br />

seguir-se-á a ressurreição dos justos para participar da vida<br />

de bênçãos na terra. Eles "viverão até que gerem milhares<br />

de filhos, e todos os dias de sua mocidade e sua velhice eles<br />

completarão em paz" (10.17).<br />

Mas havia alguns que já não podiam considerar este<br />

mundo presente, com toda a sua impiedade e sofrimento e<br />

tristeza, como um lugar próprio e adequado para o eterno<br />

Reino Messiânico. E assim, na Similitudes de Enoque (I<br />

Enoque 37-71), por exemplo, é introduzida a idéia de um<br />

reino sobrenatural em um novo céu e uma nova terra,<br />

estranhamente unidos em um. "Eu transformarei o céu e o<br />

farei uma bênção e uma luz eternas e transformarei a terra<br />

e farei dela uma bênção" (45.4-5). Os justos se levantarão da<br />

terra na ressurreição para compartilhar das<br />

bem-aventuranças desse reino que é eterno (62.13-16).<br />

Um desenvolvimento adicional é encontrado nos<br />

Segredos de Enoque (i.e. II Enoque), onde os justos que<br />

estão mortos ressuscitam possuindo corpos celestiais ou<br />

"espirituais" para herdarem um reino celestial. O paraíso, 99<br />

a habitação final dos justos, é uma curiosa combinação do<br />

terreno e do celestial "entre o corruptível e o incorruptível"<br />

(8.5), no qual "todas as coisas corruptíveis passarão"<br />

(65.10). Aqui a idéia anterior de um reino na terra em que<br />

os justos ressuscitarão em seus corpos carnais está<br />

completamente ausente. Em contraste com o presente<br />

mundo material está a glória do novo mundo e a Era por<br />

Vir.<br />

O escritor de II Baruque apresenta ainda um<br />

diferente quadro que é um meio-termo entre os reinos<br />

terreno e celestial. O que ele visualiza é um reino<br />

160Verp. 153, n°l.


temporário sobre a terra a ser seguido por uma eternidade<br />

no céu. Sobre o Messias é registrado: "Seu principado será<br />

para sempre, até o mundo de corrupção chegar ao fim"<br />

(40.3). Então virá a "consumação do que é corruptível e o<br />

início do que não é corruptível" (74.2). E difícil determinar<br />

qual parte, se houver, os justos que morreram têm no Reino<br />

messiânico. Em 30.1-2 está escrito: "Quando o tempo do<br />

Messias estiver cumprido, ele retornará em glória. Então<br />

todos que tiverem adormecido em esperança do Messias,<br />

ressuscitarão novamente". Alguns estudiosos tomam isso<br />

como referência ao retorno do Messias no final do reino<br />

temporário, na hipótese de que a ressurreição é para as<br />

bem-aventuranças celestiais, em que os justos serão<br />

transformados em semelhança de anjos (51.10). Outros<br />

tomam isso como referência à vinda do Messias para a<br />

terra, na hipótese de que a ressurreição será compartilhada<br />

em seu reino terreno.<br />

O escritor de II Esdras aponta para a vinda de um<br />

reino temporário aqui nesta terra, para ser seguido pela<br />

eternidade, se em uma terra renovada ou no próprio céu, é<br />

difícil dizer. O Messias aparecerá com aqueles que não<br />

provaram a morte e viverá quatrocentos anos na terra, ao<br />

final dos quais ele e todosos homens morrerão; pelos<br />

próximos "sete dias" o mundo se transformará em um<br />

silêncio primitivo; então ocorrerá a ressurreição de todos os<br />

homens a serem apresentados para serem julgados no<br />

Grande Julgamento (cf. 7.29 ss).<br />

Além desse padrão quase sempre confuso, surge a<br />

esperança certa e segura de uma ressurreição para a vida<br />

eterna, seja ela no Reino Messiânico terreno ou no glorioso<br />

céu por vir. Sob a estranha e fantástica imagem em que o<br />

quadro é freqüentemente descrito, existe uma profunda<br />

convicção religiosa de que o homem é feito para a<br />

comunhão eterna com o Deus vivo.


2. A NATUREZA DA SOBREVIDA<br />

A. Sheol, a Morada das Almas<br />

O quadro do sheol, no <strong>Antigo</strong> Testamento, como o<br />

reino escuro dos mortos, prevalece nos dois apocalipses<br />

bíblicos, 100 mas como já foi indicado, algumas mudanças<br />

muito significativas ficam evidentes mesmo nesse estágio<br />

anterior. O Sheol não é mais a morada eterna de todos que<br />

passaram pela morte; para alguns é apenas um estado<br />

intermediário do qual eles, afinal, serão removidos na<br />

ressurreição para compartilhar das glórias do Reino<br />

Messiânico ou para receber a devida punição por seus<br />

pecados. Em ambas as passagens, como no <strong>Antigo</strong><br />

Testamento em geral, os mortos são descritos como<br />

sombras ou espectros; mas nos escritos apocalípticos<br />

extrabíblicos, mesmo em alguns dos mais recentes deles,<br />

faz-se referência a eles como "almas" (cf. Similitudes de<br />

Enoque, Salmos de Salomão, II Enoque, O Testamento de<br />

Abraão, II Esdras, II Baruque, etc.) ou "espíritos" (cf.<br />

Fragmentos Noélicos de Enoque, I Enoque 108, A<br />

Assunção de Moisés, II Esdras, III Baruque, etc), que são<br />

aparentemente usados como termos sinônimos para<br />

descrever a forma de sobrevivida dos homens depois da<br />

morte.<br />

Esse desenvolvimento é de extrema significação,<br />

pois agora a dissolução da unidade pessoal de corpo e alma<br />

(ou espírito) na morte, não mais significava para o homem<br />

o fim da real existência pessoal como era anteriormente à<br />

hipótese. Agora passamos da concepção de personalidade<br />

totalmente dependente do corpo (como tem sido o<br />

argumento do pensamento hebraico), para a concepção em<br />

161Isto é, Isaías 24-27 e Daniel 12.


termos de alma ou espírito que, qualquer que seja o grau<br />

de fisicidade que ela contenha, 101 é diferente. O grau no<br />

qual a alma desencarnada ou espírito pode expressar<br />

personalidade é um assunto que será considerado<br />

posteriormente; aqui observamos que, com o<br />

desenvolvimento da crença na ressurreição, impôs-se aos<br />

apocalípticos a convicção de uma continuidade desta vida<br />

sobre a terra com a vida no Sheol, em que os mortos, como<br />

seres conscientes, não estavam absolutamente suprimidos<br />

do relacionamento com Deus, cuja jurisdição era suprema,<br />

até mesmo no próprio Sheol. 102<br />

As almas ou espíritos dos mortos não apenas experimentam<br />

a consciência, eles são capazes de reações<br />

emocionais. Choram e fazem lamentações, sendo<br />

conhecedores das transgressões dos homens na terra (I<br />

Enoque 9.10). Mais particularmente são capazes de sentir<br />

dor ou prazer na forma de punição ou recompensa. A<br />

passagem mais significativa nessa relação é II Esdras 7. [80]<br />

ss, na qual o escritor diz como os ímpios vão vagar nos<br />

"sete caminhos'' ou graus de tormento (7. [80]), enquanto os<br />

justos vão descansar dentro nas "sete ordens" ou<br />

dispensações de paz (7. [ 91]). A sorte deles será o tormento<br />

ou o repouso, o remorso ou a gratidão, o medo ou a certeza<br />

de paz. No que diz respeito a suas emoções ou processos<br />

162Mesmo quando os apocalípticos pensavam no espírito e na alma dos mortos, ainda tinham que<br />

pensar em termos de corpo, porque acreditavam que esse espírito ou alma desencarnados possuíam<br />

forma ou aparência. E muito diferente, contudo, dizer que ele tem um corpo no sentido do que se<br />

pode dizer dos espíritos ou almas que tomaram parte na ressurreição.<br />

102É bem possível que os apocalípticos fossem influenciados, no uso que faziam da palavra "alma"<br />

para descrever os mortos, por idéias gregas da pré-existência e imortalidade, particularmente em II<br />

Enoque, onde a influência Alexandrina é evidente. Mas é fácil exagerar essa influência na literatura<br />

como um todo. De acordo com a psicologia hebraica, a consciência é uma função não apenas do<br />

corpo mas também do nephesh que os apocalípticos assimilaram em termos de "alma". Deve-se<br />

notar que, embora os escritores gregos façam uso freqüente da palavra psuchai ("almas") para<br />

descrever seres desencarnados, o uso de pneumata ("espíritos") nesse contexto não é<br />

absolutamente típico do pensamento grego (cf. E. Bevan, Symbolism andBetief (Simbolismo e<br />

Crença), 1938. pp. 180 ss). Em certos escritos apocalípticos, contudo, os dois termos são usados<br />

indiscriminadamente com esse significado.


mentais, aparentemente há muito pouca diferença entre<br />

suas capacidades na vida após a morte e as que eles<br />

possuíam durante sua vida na terra.<br />

Mas tomando a literatura como um todo, o leitor fica<br />

com a impressão de que a vida vivida pelas almas dos<br />

mortos na morada intermediária do Sheol (ou do Paraíso,<br />

uma extensão e especialização da mesma idéia) não é tão<br />

plena e completa como a que viveram na terra. Isso pode<br />

ser visto especialmente na natureza limitada do<br />

relacionamento das almas com Deus, que pode se tornar<br />

completo apenas após a ressurreição. Ela é ainda, até certo<br />

ponto, uma "vida espectral", vivida nessa fase<br />

intermediária. As almas dos mortos, desprovidas de seus<br />

corpos, devem esperar pela ressurreição para sua total<br />

expressão e realização.<br />

B. Distinções Morais no Sheol<br />

Uma das características mais significantes do ensino<br />

de Daniel 12, marcando um avanço sobre a perspectiva<br />

típica do <strong>Antigo</strong> Testamento, é o fato de que nesse texto,<br />

pela primeira vez no pensamento hebraico, aparecem<br />

distinções morais entre os justos e os ímpios na vida após a<br />

morte. Na ressurreição, os notavelmente bons e os<br />

notavelmente maus são ressuscitados para receber sua<br />

recompensa ou punição. Essas mesmas distinções são<br />

encontradas também nos livros apocalípticos subseqüentes,<br />

mas em praticamente todos eles, elas aparecem<br />

não simplesmente no tempo da ressurreição, mas naquele<br />

estado intermediário imediatamente após a morte. A<br />

bênção dos justos e a punição dos ímpios, baseadas nos<br />

julgamentos morais, são plenamente realizadas no<br />

momento do Juízo Final, porém mesmo anteriormente, no<br />

Sheol, há uma distribuição preliminar de recompensas e<br />

punições.


Esse fato das distinções morais que resultam em<br />

recompensas e punições levou rapidamente à criação de<br />

dois compartimentos ou divisões distintos no SheoL, uma<br />

para os justos e outra para os ímpios. E isso sucessivamente<br />

levou a uma distinção mais pronunciada e mais variada,<br />

alterando ainda mais a topografia da vida além, de forma<br />

que, por fim, surgiu a concepção de Paraíso, Céu, Inferno e<br />

Gehena, além do próprio SheoL 64<br />

Em Enoque 22, por exemplo, três compartimentos<br />

são visualizados no Sheol, classificados de acordo com os<br />

julgamentos morais já evidentes nas almas dos mortos. Em<br />

I Enoque 91-104, o escritor argumenta fortemente contra a<br />

visão dos saduceus de que na vida após a morte não há<br />

diferença entre a sorte dos ímpios e a sorte dos justos. Ao<br />

contrário, os ímpios "serão afligidos em grande tribulação,<br />

e em trevas e grilhões e um fogo ardente, onde há um<br />

julgamento de sofrimento, seu espíritos entrarão" (103.7-8);<br />

os justos, pelo contrário, "viverão e se regozijarão, seus<br />

espíritos jamais perecerão" (103.4). O escritor do<br />

Testamento de Abraão expressa a mesma crença em seu<br />

quadro das duas portas, através da qual as almas dos<br />

homens devem passar: "Essa porta estreita é a dos justos,<br />

que conduz à vida, e aqueles que entram por ela alcançam<br />

o Paraíso. A porta larga é a dos pecadores, que conduz à<br />

destruição e ao castigo<br />

__________________________________<br />

l64O termo "Paraíso" é de origem persa e significa um jardim ou pomar. O<br />

equivalente grego era usado pela Septuaginta para traduzir o "jardim" do Eden. Na<br />

literatura apocalíptica ele significa a morada dos espíritos dos justos. Ele ocorre três<br />

vezes no <strong>Novo</strong> Testamento (Lucas 23.43; II Coríntios 12.4; Apocalipse 2.7).<br />

A idéia de inferno como um lugar de tormento aparece pela primeira vez em<br />

I Enoque 22.9-13. Intimamente associado com ela, está o termo 'Gehena' que deriva do<br />

hebraico Ge Hinnom, que quer dizer "o vale de Hinnom". Nesse lugar é que as<br />

crianças eram "passadas pelo fogo" como sacrifício ao deus Moloque (cf. II Reis 16.3;<br />

Jeremias 7.31, etc). Na literatura apocalíptica o termo é usado para descrever o lugar<br />

de tormento ardente reservado para os ímpios após a morte (cf. também Mateus 5.22;<br />

13.42).


eterno" 103 (capítulo 11). II Baruque registra que o<br />

Juízo Final apenas intensificará aquilo que as almas dos<br />

ímpios já têm experimentado no Sheol (30.4-5). Sobre isso<br />

está escrito: "E agora reclina em angústia e permanece em<br />

tormento até vosso último momento chegar, em que vós<br />

vireis novamente e sereis atormentados ainda mais". (36.<br />

11)<br />

E porque essas distinções morais podem sem feitas,<br />

que o Juízo Final é possível. Cada homem será julgado de<br />

acordo com o que fez de justiça ou impiedade, e os valores<br />

morais são os critérios do julgamento. Em II Enoque é<br />

declarado que nesse grande dia todas as ações dos homens<br />

serão pesadas em balanças: "No dia do grande julgamento<br />

cada peso, cada medida, e cada contrapeso será como em<br />

um mercado... e cada um ficará sabendo sua própria<br />

medida, e de acordo com sua medida, receberá sua<br />

recompensa". (44.5)<br />

C. Mudança Moral na Vida Além<br />

Alguns desses escritores expressam uma crença na<br />

possibilidade de uma mudança moral progressiva para as<br />

almas dos mortos. No Apocalipse de Moisés, por exemplo,<br />

os anjos oram pelo Adão morto (35.2) e o sol e a lua<br />

intercedem por ele (36.1). O que é interessante nessa<br />

relação é o relato dado sobre a purificação da alma de Adão<br />

(sem dúvida, escrito sob a influência de idéias gregas):<br />

"Então veio um dos Serafins com seis asas e arrebatou<br />

Adão e levou-o para o lago de Acherusian e lavou-o três<br />

vezes, na presença de Deus" (37.3). Mais interessante ainda<br />

é o relato no Testamento de Abraão, que descreve como as<br />

almas dos mortos passam por dois testes, um pelo<br />

julgamento do fogo, e outro pelo julgamento da balança,<br />

165Cf. Mateus 7.13; Lucas 13.24.


em que as boas ações dos homens são pesadas em<br />

comparação com as más ações. Nesse escrito é mostrada<br />

para o vidente uma classe intermediária de almas, cujos<br />

méritos e pecados estão equilibrados na balança. A oração<br />

dos justos em favor de tais almas pode significar para elas<br />

uma entrada na salvação (cap. 14).<br />

A maioria desses escritos, entretanto, favorece o<br />

ponto de vista de que nenhuma mudança é possível, uma<br />

vez que um homem partiu desta vida; seu destino é<br />

determinado, tanto no Sheol como no Julgamento Final de<br />

acordo com a vida que ele viveu na terra. Não é possível<br />

nenhum progresso para as almas dos mortos, seja para<br />

cima ou para baixo (cf. I Enoque 22). Nas palavras do Dr.<br />

Charles, o Sheol "torna-se um lugar de moralidades<br />

petrificadas e graças suspensas". 104 O escritor de II<br />

Baruque deixa a posição bem clara: "Ali não haverá mais...<br />

mudança de caminhos, nem lugar para oração, não se<br />

fazem petições, não se recebe conhecimento, não se dá<br />

amor, nem há lugar para arrependimento da alma, nem<br />

súplicas pelos pecados, nem intercessão dos pais, nem<br />

oração dos profetas, nem auxílio para os justos" (85.12). O<br />

arrependimento será impossível e as orações pelos mortos<br />

de nada valerão.<br />

D. A Alma Individual e o Juízo Final<br />

No Dia do Julgamento Final apocalíptico, assim<br />

como no Dia do Senhor no <strong>Antigo</strong> Testamento, o<br />

julgamento de Deus, às vezes, toma a forma de um<br />

julgamento das nações em uma grande crise na história;<br />

mas na grande maioria dos casos, ele assume um caráter<br />

definitivamente forense e toma aforma de um Grande<br />

Tribunal Em outros lugares, os tipos de julgamentos<br />

1660p. cit.,p. 218.


catastróficos e forenses são confusos, ou então eles são<br />

mantidos lado a lado, um representando uma preliminar e<br />

o outro o Juízo FinaL Além disso, na maioria dos casos, os<br />

apocalípticos concordam com os escritores do <strong>Antigo</strong><br />

Testamento, considerando o julgamento como precedendo<br />

o Reino Messiânico; mas em alguns casos eles distinguem o<br />

reino da Era Final, de forma que o Juízo Final segue o<br />

Reino Messiânico. 105 Mas talvez mais significante ainda<br />

seja o fato de que aqui a tendência em direção à<br />

individualização é muito mais fortemente pronunciada. As<br />

almas individuais se apresentarão para o julgamento.<br />

Talvez a declaração mais clara do completo individualismo<br />

seja encontrada em II Esdras. Ali é questionado se os justos<br />

poderão interceder pelos iníquos no Dia do Juízo, "pais<br />

pelos filhos, filhos pelos pais, irmãos pelos irmãos, parentes<br />

por seus próximos, amigos por seus queridos" (7.[ 103]).<br />

Em resposta Deus diz: "O Dia do Juízo é decisivo... porque<br />

então todos devem prestar contas de sua justiça ou<br />

injustiça" (7.[104]-[105]). Naquele tempo a intercessão será<br />

infrutífera, pois cada um deve ser julgado por seus<br />

próprios méritos. O indivíduo é responsável diante de<br />

Deus, e é responsável apenas por si mesmo.<br />

3. A CRENÇA DA RESSURREIÇÃO E A NATUREZA DO<br />

CORPO DE RESSURREIÇÃO<br />

A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevida da<br />

Personalidade<br />

Temos visto que, de acordo com os apocalípticos, as<br />

almas (ou espíritos) dos homens no Sheol podem viver<br />

uma vida consciente individual separada de seus corpos, e<br />

que, em alguma medida, pelo menos, eles podem expressar<br />

a personalidade que tinham antes de partirem desta vida.<br />

167Ver pp. 147 ss.


Mastal crença deve ser julgada por seus resultados<br />

definitivos e isso aponta, em quase todos os casos, para a<br />

sobrevivência na forma da ressurreição corpórea. As almas<br />

dos mortos, desprovidas de seus corpos, eram, na melhor<br />

das hipóteses, somente "personalidades truncadas" que<br />

devem esperar pela ressurreição para sua plena expressão.<br />

Como escritores da tradição hebraica, os apocalípticos<br />

acreditavam que a personalidade não podia ser expressa,<br />

em última análise, em termos de alma (ou espírito) separada<br />

do corpo. A doutrina grega da imortalidade, embora tenha<br />

influenciado o pensamento dos apocalípticos em relação à<br />

vida após a morte, não pôde, enfim, ser aceita. Era<br />

totalmente estranha à mentalidade hebraica deles, por<br />

exemplo, considerar as almas dos homens como<br />

"encerradas no corpo como se em um elemento hostil<br />

estranho, na qual sobrevive a associação com o corpo...<br />

personalidades completas distintas e indivisíveis... uma<br />

substância independente que entra do espaço e do tempo<br />

além, para o mundo material e perceptível, e em conjunção<br />

externa com o corpo, não em união orgânica com ele". 106<br />

Não a imortalidade da alma, mas somente a união da alma<br />

e do corpo na ressurreição poderia expressar, por fim, a<br />

sobrevivência da personalidade do homem na vida após a<br />

morte.<br />

A alma deve estar unida ao corpo, então, na<br />

ressurreição, porque somente dessa maneira a<br />

personalidade poderia ser expressa plenamente. Mas, além<br />

disso, como já observamos, somente assim a participação<br />

no reino vindouro seria possível. Na realidade, essa era a<br />

raison d'être [N.T.: do francês - "razão de ser".] da<br />

ressurreição dos mortos, que os justos poderiam<br />

compartilhar no reino. Alguns escritores apocalípticos são<br />

168E. Rhode, Psyché, (Psico) 1925, pp. 468-9, Edição inglesa.


firmes nesse ponto e afirmam que não haveria nenhuma<br />

ressurreição para os ímpios; todos estes não poderiam,<br />

então, compartilhar do relacionamento com Deus na vida<br />

após a morte nem participar do Reino Messiânico. Eles<br />

apareciam "simplesmente como almas desencarnadas —<br />

'despidas' — em um ambiente espiritual sem um corpo,<br />

sem capacidade de comunicação ou meios de expressão<br />

nesse ambiente", 107 isto é, eles apareciam como seres cujas<br />

"personalidades" eram totalmente inadequadas para<br />

responder à experiência da participação do reino ou de<br />

comunhão com Deus.<br />

Outros escritores, contudo, falam dos ímpios como<br />

também dos justos sendo ressuscitados. II Baruque declara<br />

que o propósito disso era poder, desse modo, reconhecer os<br />

mortos após a morte (50.3-4). Mas há uma razão muito<br />

mais convincente do que essa: é que eles poderiam ser<br />

apresentados diante de Deus para julgamento. Se os<br />

homens deviam ser adequadamente punidos pelos<br />

pecados que haviam cometido no corpo, então era no corpo<br />

que essa punição deveria ser suportada, isto é, eles devem<br />

ser punidos como homens, possuindo um grau pleno de<br />

personalidade, e não como personalidades truncadas na<br />

forma de almas desencarnadas. Conseqüentemente,<br />

pode-se dizer a respeito dos ímpios: "Seus espíritos são tão<br />

cheios de concupiscência, que eles podem ser punidos em<br />

seus corpos... e à medida que o ardor em seus corpos se<br />

torna mais intenso, uma mudança correspondente ocorrerá<br />

em seus espíritos para sempre e eternamente" (I Enoque<br />

67.8-9).<br />

B. O Corpo da Ressurreição e Sua Re/ação com o Ambiente<br />

169R. H. Charles, Revelation (Revelação) (International Criticai Commentary), (Comentário<br />

Crítico Internacional)1920, vol. 2, pp. 193-4.


Falando em termos gerais, de acordo com os<br />

pensamentos desses escritores a respeito do reino sobre<br />

esta terra ou em um estado supraterremo, assim também<br />

eles pensavam no corpo da ressurreição como de caráter<br />

físico ou espiritual. Naqueles escritos em que o reino deve<br />

ser estabelecido sobre a terra, comparativamente pouco é<br />

dito em relação à natureza real do corpo da ressurreição,<br />

mas em cada caso está claramente implicado que um corpo<br />

físico como este do homem na vida presente está<br />

prometido (cf. Isaías 26, Dn 12,1 Enoque 10.17, etc.) Essa<br />

idéia é mais freqüentemente encontrada nos escritos mais<br />

antigos, mas não está limitada a eles. Nos Oráculos<br />

Sibi-linos lemos: "Então o próprio Deus fará novamente os<br />

ossos e as cinzas dos homens e os levantará como mortais<br />

mais uma vez, como eles eram antes" (Livro IV, linhas<br />

181-182). Essa crença em uma ressurreição física pode<br />

talvez ser melhor ilustrada pela referência a um escrito que<br />

não é classificado entre os livros apocalípticos, mas que a<br />

esse respeito reflete a mesma crença expressa naqueles. Em<br />

II Macabeus 14.46 lemos sobre um certo Razis que, "e já<br />

exangue, arrancou com suas próprias mãos as entranhas,<br />

que saíam, lançando-as por sobre os inimigos. Foi assim<br />

seu fim, pedindo ao Senhor da vida e do sopro que lhe<br />

restituísse a vida". Em outra passagem, o mesmo escritor<br />

diz como o terceiro dos sete irmãos martirizados estendeu<br />

as mãos e disse: "Do céu recebi estes membros, mas eu os<br />

desprezo por amor às leis de Deus, e dele espero recebê-los<br />

um dia de novo" (7.11).<br />

A transferência da vida após a morte, da terra para o<br />

céu, contudo, levou inevitavelmente à crença em um corpo<br />

"espiritual" que corresponde ao seu ambiente celestial. Em<br />

Similitudes de Enoque, em que há uma curiosa união entre<br />

a terra e o céu, onde os homens e os anjos vivem juntos<br />

(39.4-5) "os justos e os eleitos... terão sido vestidos com


vestes de glória. E serão vestes de vida do Senhor dos<br />

Espíritos" (62.15-16). As "vestes de glória" como nós<br />

veremos, são os corpos ressurretos espirituais dos justos.<br />

No final do Reino Messiânico, registrado em II Baruque, os<br />

justos serão ressuscitados'para morar no céu (51.10).<br />

Embora sejam ressuscitados do pó da terra (42.8), em seus<br />

corpos físicos sem nenhuma mudança em sua aparência<br />

(50.2), ocorre, após o julgamento, uma transformação<br />

gradual até que os corpos físicos sejam transformados em<br />

corpos "espirituais" (cap. 51; cf. também II Enoque 22.8-9).<br />

C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o Corpo Físico<br />

E comum que o corpo da ressurreição "espiritual"<br />

seja descrito em vários desses livros sob a figura de "vestes"<br />

de luz ou glória. Em II Enoque 22.8, por exemplo, é<br />

ordenando a Miguel: "Vá e tire de Enoque suas vestes<br />

terrenas... e vista-o com as vestes de minha glória", isto é, o<br />

corpo terreno de Enoque deve ser substituído por um<br />

corpo celestial, preparado de antemão, como os dos anjos<br />

de Deus.(22.9 s).<br />

Embora sejam diferentes, ainda há uma curiosa<br />

conexão entre o corpo físico e o corpo "espiritual" que<br />

desafia a explicação. No Apocalipse de Moisés o corpo de<br />

Adão é enterrado no Paraíso terreno (38.5), e Deus ainda<br />

diz aos arcanjos: 'Vão ao Paraíso no terceiro céu, estendam<br />

vestes de linho e cubram o corpo de Adão, e tragam do<br />

'óleo da fragrância' e derramem sobre ele" (40.2). E assim<br />

"eles o prepararam para o sepultamento" (40.2). A conexão<br />

entre o corpo nesta terra e corpo no Paraíso celestial não<br />

fica clara, mas aparentemente o último é correlativo do<br />

primeiro e é esse corpo celestial que aguarda a ressurreição.<br />

Ele não apenas é um correlativo do corpo físico, mas<br />

é coexistente com este até o dia da ressurreição (II Enoque<br />

22.8).


Em outro lugar, o corpo "espiritual" é um corpo<br />

físico transformado (cf. I Enoque 108.11); o corpo que é<br />

sepultado na terra será ressuscitado em "corpo glorioso" no<br />

dia da ressurreição. 108 O escritor de II Baruque pergunta a<br />

respeito daqueles que serão ressuscitados: "Eles irão, então,<br />

reassumir essa forma do presente, e se revestirão desses<br />

membros sem limitações... ou tu irás porventura<br />

transformar essas coisas que havia no mundo, como<br />

também o mundo?" 109 (49.3). A ele é explicado que,<br />

naressurreição, os corpos tanto dos ímpios como dos justos<br />

ressurgirão sem nenhuma alteração em sua forma ou<br />

aparência (50.2), sendo possível o reconhecimento daqueles<br />

que já morreram 110 (50.3-4). Após o julgamento, os corpos<br />

dos homens serão gradualmente transformados, por meio<br />

de uma série de mudanças, em corpos "espirituais".<br />

O corpo "espiritual" de Enoque, está escrito, não<br />

precisava de comida nem de qualquer coisa terrena para<br />

sua satisfação (II Enoque 56.2) e, como tal, é semelhante aos<br />

dos anjos; e mesmo quando ele voltar à terra por um<br />

espaço de trinta dias, presumivelmente em seu corpo<br />

celestial (embora sua face tivesse que ser "congelada" para<br />

que os homens pudessem olhar para ele; cf. 37.2), ele não<br />

somente será reconhecido por seus amigos, como ele até<br />

permitirá que toda a assembléia se aproxime e o beije 111<br />

(64.2-3).<br />

O corpo "espiritual", então, não é meramente um<br />

corpo simbólico no sentido de ser representativo<br />

(simplesmente representando o corpo terreno) mas sendo<br />

algo bem diferente deste, em identidade, não tendo relação<br />

170Cf. I Coríntios 15.42 ss: "Semeia-se [o corpo] em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em<br />

fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual".<br />

171Cf. I Coríntios 15.35: "Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm?" O relato da<br />

transformação do corpo na ressurreição em II Baruque 49-51 encontra um notável paralelo em I<br />

Coríntios 15.<br />

172Cf Marcos 9.43 ss que se refere à sobrevivência das deformidades físicas na vida após a morte.<br />

173Cf. João 20.27 para as propriedades físicas do corpo de ressurreição de Jesus.


orgânica com ele; pelo contrário, ele pode ser descrito como<br />

constitutivo, porque é constituído pelo corpo como as<br />

pessoas entendem o termo e tem a mesma subestrutura;<br />

todavia muito do conceito é espiritualizado. O corpo<br />

"espiritual" é o corpo físico transformado de modo a<br />

corresponder a este ambiente que é natural à natureza e ao<br />

ser do próprio Deus.<br />

A aparente contradição entre o corpo "espiritual"<br />

como corpo físico transformado e seu correlativo celestial,<br />

coexistente com ele até o dia da ressurreição, é<br />

parcialmente resolvida pela crença de que o corpo<br />

"espiritual" se desenvolve pari passu [N.T.: do latim "ao<br />

mesmo tempo, simultaneamente"] com ocorpo físico e que<br />

os atos do homem justo, praticados no corpo da carne,<br />

condicionam a formação do corpo no céu. Essa crença é<br />

apresentada explicitamente nos escritos apocalípticos cristãos,<br />

112 e implicitamente nos judaicos. "Este corpo<br />

espiritual", escreve o Dr. Charles, 113 "é resultado conjunto<br />

da graça de Deus e da fidelidade do homem. Ele é, de um<br />

lado, um dom divino... e de outro, o corpo espiritual é, em<br />

certo sentido, a possessão do fiel, e pode, portanto, apenas<br />

ser possuído por meio da fidelidade." O homem é criado<br />

"de natureza invisível e visível; de ambas são sua morte e<br />

sua vida" (II Enoque 30.10). E ambos são criação de Deus.<br />

174Cf. Apocalipse 3.4: "Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram as<br />

suas vestiduras, e andarão de branco comigo, pois são dignas". Cf. também 16.15.<br />

Que o corpo espiritual já é um com a pessoa para quem é preparado é esclarecido no "Hino da<br />

Alma", em siríaco, que diz: "Eu vi as vestes como se fossem uma comigo, como se ela estivesse em<br />

um espelho. E eu contemplei nela a mim mesmo, e soube e vi a mim mesmo através daquelas<br />

vestes, que nós fomos divididos em partes, sendo um, e novamente feitos um em uma só figura."<br />

(cf. M. R. James, The Apocryphai'New Testament [O <strong>Novo</strong> Testamento Apócrifo] 1924, p.<br />

414).<br />

175 Op. át., volume 1, pp. 187-188.


Bibliografia Selecionada<br />

HISTÓRIA E RELIGIÃO<br />

E. R. Bevan, Jerusalém under the High Priests<br />

(Jerusalém sob o governo dos Sumo Sacerdotes) (Arnold,<br />

1904).<br />

F. F. Bruce, Second Thoughts on the Dead Sea (Segundo<br />

Pensamentos sobre o Mar Morto) (Paternoster, 1956).<br />

F. C. Burkitt, Jewish and Christian Apocalypses<br />

(Apocalipses Judaicos e Cristãos) (Oxford, 1914).<br />

Milla Burrows, The Dead Sea Scrolls (Os Rolos do Mar<br />

Morto) (Seeker and Warburg, 1956).<br />

R H. Charles, Religious Development between the Old<br />

and the New Testament (Desenvolvimento Religioso entre o<br />

Velho e o <strong>Novo</strong> testamento) (Home University Library,<br />

1914).<br />

Clarendon Bible: G. H. Box, Judaism in the Greek<br />

Period (O Judaísmo no Período Grego) (Oxford, 1932).<br />

W. R Farmer, Maccabees, Zealots and Josephus<br />

(Macabeus, Zelotes e Flávio Josefo) (Columbia, 1956).<br />

G. F. Moore, Judaism in the First Centuries of the<br />

Christian Era (O Judaísmo nos Primeiros Séculos da Era<br />

Cristã), 3 volumes. (Cambridge, Mass., 1927-30).<br />

R. H. Pfeiffer, History of the New Testament Times, with<br />

an Introduction to the Apocrypha (A História dos Tempos do<br />

<strong>Novo</strong> Testamento com uma Introdução aos Apócrifos)<br />

(New York, Harper, 1949; atual A.&C. Black).<br />

H. W. Robinson, The History of Israel (A História de<br />

Israel) (Duckworth, 1938).


N. H. Snaith, The Jews from Cyrus to Herod (Os Judeus<br />

de Ciro a Herodes) (The Religious Education Press, Ltd,<br />

1949).<br />

Literatura Apócrifa<br />

R H. Charles, The Apocrypha and Pseudepigrapha of the<br />

Old Testament (Os Apócrifos e os Pseudepigrafos do Velho<br />

Testamento), 2 volumes. (Oxford, 1913).<br />

R T. Herfod, Talmud and Apocrypha (O Talmude e os<br />

Apócrifos) (Soncino Press, 1933).<br />

Bruce M. Metzger, An Introduction to the Apocrypha<br />

(Uma Introdução aos Apócrifos) (Oxford, 1957).<br />

H. H. Rowley, The Relevance of Apocalyptic (A<br />

Relevância dos Apocalípticos) (Lutterworth Press, 1944).<br />

H. H. Rowley, Jewish Apocalyptic and the Dead Sea<br />

Scrolls (Os Apocalípticos Judaicos e os Rolos do Mar<br />

Morto) (The Athlone, 1957).<br />

R H. Pfeiffer - como acima. Ver também uma boa<br />

introdução em The Apocrypha according to the Authorised<br />

Version, with an introduction by Robert H. Pfeiffer (Os<br />

Apócrifos de Acordo com a Versão Autorizada, com uma<br />

introdução de Robert H. Pfeiffer) (New York, Harper,<br />

1953), e em The Interpreter's Bible (A Bíblia do Intérprete),<br />

vol. 1 (New York, Abingdon-Cokesbury Press; atual,<br />

Thomas Nelson and Sons).<br />

Muitas outras referências poderão ser encontradas<br />

em notas de rodapé deste livro.<br />

Governantes e Principais Acontecimentos<br />

PTOLOMEUS E SELÊUCEDAS NA PALESTINA<br />

Os Ptolomeus no controle da Palestina 312-198 a.C.


Ptolomeu I (Soter 1) 312-283 a.C.<br />

Ptolomeu II (Filadelfos) 285-247 a.C.<br />

Ptolomeu III (Euergetes I) 247-221 a.C.<br />

Ptolomeu IV (Filopator) 221-203 a.C.<br />

Ptolomeu V (Epifânio) 203-181 a.C.<br />

(O governo ptolemaico perdurou até 30 a.C. quando<br />

o Egito se tornou uma província de Roma.)<br />

Os Selêucidas no controle da Palestina 198-143 a.C.<br />

Antíoco III (O Grande) 223-187 a.C.<br />

Seleuco IV (Filopator) 187-175 a.C.<br />

Antíoco IV (Epifanes) 175-163 a.C.<br />

Antíoco V (Eupator) 163-162 a.C.<br />

Demétrio I (Soter) 162-150 a.C.<br />

Alexander Balas 150-145 a.C.<br />

Demétrio II (Nicator) 145-138 e 129-125 a.C.<br />

(O governo dos Selêucidas perdurou até 64 a.C.<br />

quando foi conquistado por Pompeu.)<br />

MACABEUS E HASMONEUS<br />

Judas Macabeus 166-160 a.C.<br />

Jonatas (Sumo Sacertode) 160-143 a.C.<br />

Simão (Sumo Sacerdote) 142-134 a.C.<br />

João Hircano (Sumo Sacerdote) 134-104 a.C.<br />

Aristóbulo (Sumo Sacerdote e Rei) 103-102 a.C.<br />

Alexander Janeus (Sumo Sacerdote e Rei) 102-76 a.C.<br />

Alexandra Salomé 75-67 a.C. Hircano II (Sumo<br />

Sacerdote) 75-66 e 63-40 a.C.<br />

Aristóbulo II (Sumo Sacerdote e Rei) 66-63 a.C.<br />

Antígono (Sumo Sacerdote e Rei) 40-37 a.C.<br />

Herodes, o Grande 37-4 a.C.


GOVERNANTES DA JUDEIA DESDE A MORTE DE HERODES<br />

ATÉ A GUERRA DOS JUDEUS<br />

Arquelau 4 a.C. - 6 dG<br />

Procuradores romanos 6-41 d.G<br />

Herodes Agripa I 41-44 d.C<br />

Procuradores romanos 44-66 d.G<br />

EVENTOS IMPORTANTE<br />

Profanação do Templo por Antíoco Epifânio 168 a.C.<br />

Revolta dos Macabeus 167 a.G<br />

Rededicação do Templo 165 a.G<br />

Indicação de Jonatas como Sumo Sacerdote 152 a.G<br />

Conquista da Independência 142 a.C. Indicação de<br />

Simão como sumo Sacerdote hereditário e Etnarca 141 a.C.<br />

Ascensão de João Hircano I e o surgimento dos Fariseus e<br />

Saduceus 134-104 a.C. Perda da Independência:<br />

Pompeu toma Jerusalém 63 a.C.<br />

Ascensão de Herodes 37 a.C.<br />

Morte de Herodes 4 a.C.<br />

Guerra dos Judeus 66-70 a.C.<br />

Destruição de Jerusalém por Tito 70 aG.<br />

Parabéns!<br />

Você terminou a leitura de mais um bom livro.<br />

Esperamos que você esteja se sentindo encorajado,<br />

fortalecido e melhor informado. Gostaríamos de saber sua<br />

opinião sobre este livro, para que possamos aprimorar a<br />

qualidade do nosso trabalho. Nossa missão é publicar<br />

livros que contribuam para sua felicidade. Qo 10.10) Por<br />

isso, gostaríamos de recomendar a você mais alguns<br />

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