CULTURA, IDENTIDADE E SENTIMENTO EM GABRIEL GARCIA ...
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Além de serem frios, anteriormente há menções no conto que sugerem serem os<br />
franceses um povo de higiene duvidosa, já que, raramente se encontrava sabonete e<br />
papel higiênico nos hotéis da França. Diante de tantas regras diferentes das suas, restava<br />
apenas a Billy, frente à ansiedade de ver a esposa que estava hospitalizada devido à<br />
incurável ferida em seu dedo, submeter-se ao império da razão (p.247) e aguardar o dia<br />
de visitas.<br />
Com efeito, torna-se bastante nítida a crítica do autor aos costumes franceses que<br />
tanto os orgulha como uma de suas principais marcas civilizacionais. Durante todo o<br />
conto, a polidez francesa beira a falta de humanidade. A partir dessa inversão, diante de<br />
todos os revezes que Billy Sánchez sofre em sua jornada de vários dias sem Nena<br />
Daconte, quem de fato é bárbaro? Os franceses, que se negam a ajudar um visitante<br />
incauto e só o fazem mediante o lucro, ou o colombiano, que se desespera e se vê<br />
impedido de visitar a mulher enferma? A questão talvez seja uma das mais<br />
fundamentais a se fazer após a leitura do conto. O que sabemos, de fato, é que o<br />
encontro entre o Velho e o Novo Mundo resultou em uma experiência de imenso<br />
estranhamento e desconfiança recíprocas.<br />
Tanto Billy Sánchez quanto Nena Daconte, descritos como filhos da elite<br />
colombiana, incorporavam o racismo de diversas maneiras. No conto há passagens em<br />
que os negros estão retratados nas falas das personagens, de forma depreciativa, quando,<br />
por exemplo, do tumultuado encontro entre os dois. Há um claro desprezo em relação<br />
aos negros na fala de Nena: “Portanto, pense bem no que você vai fazer, porque comigo<br />
vai ter de se comportar melhor que um negro” (p.228). Já o preconceito racial de Billy é<br />
exposto quando ele afirma que costumava, junto com seu bando, aterrorizar as mães de<br />
santo de Cartagena de Índias e quando se reportava ao medido que cuidou de sua<br />
esposa, tratando-o de forma pejorativa como um “negro careca” (p.240).<br />
Tais passagens ilustram de forma magistral a reprodução do preconceito entre as<br />
elites latino-americanas, que se julgam superiores pela cor e pela classe social,<br />
enxergando a si próprias como herdeiras da cultura do colonizador, tida como legítima,<br />
em oposição à cultura do colonizado, dos índios, negros e mestiços, sinônimo de<br />
barbárie. O curioso é que o autor, no início, chama atenção para a pele de Nena, descrita<br />
como possuindo a cor do melaço (p.223), denotando, assim, a sua mestiçagem. No<br />
entanto, o colombiano do interior, pertencente às elites, aparece assemelhando-se ao<br />
europeu.