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Antônio Luiz Vieira - ICHS/UFOP

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agências dos novos dispositivos estratégicos que operam o controle dos corpos (e, no caso<br />

específico, a tutela do corpo feminino) – a educação, os médicos, psiquiatras, higienistas,<br />

“antropologistas”, sociólogos. Terceiro, antevê, com perplexidade (e resistência estética, a<br />

exemplo do cinema) toda a mudança nas táticas do poder na operação do domínio sobre as<br />

classes populares e trabalhadoras, com a difusão progressiva dos meios de comunicação de<br />

massa, que irão configurar a “indústria cultural”. Mas, poucas dúvidas podem nos restar<br />

quanto ao fato de que as representações elaboradas pela militante libertária, no campo das<br />

táticas para a mulher conquistar maior autonomia, se encontram presas na mesma rede dos<br />

dispositivos irradiados pelo poder e institutivos dos novos habitus na sociedade burguesa.<br />

Um último termo para relativizar esse jogo de representações entre imaginários<br />

sociais que se conflitam, mas que ao mesmo tempo se reduzem a um mesmo universo<br />

epistêmico. Tomaremos por referência as noções de energia / calor / trabalho, elaboradas<br />

pela termodinâmica.<br />

Durante o século XVIII, e sobretudo durante o século XIX, o desenvolvimento da<br />

termodinâmica, as teorias sobre o calor e a combustão, promoveu a representação do corpo<br />

segundo a imagem de uma “máquina energética”. O próprio Lavoisier analisara a<br />

respiração em termos de combustão. Para Lavoisier, analogamente a processos comoa<br />

combustão do carvão, o que ocorre no corpo através da absorção de oxigênio e da<br />

eliminação de gás carbônico pela respiração, não seria outra coisa senão a queima do<br />

material fornecido pelo sangue, produzindo “calor vital”. O corpo passa a ser visto, antes de<br />

tudo, como produtor de energia.<br />

Esse modelo de representação do corpo, “corpo energético”, promoverá profundas<br />

mudanças nos habitus corporais no século XIX e inícios do século XX. Haverá, mesmo,<br />

uma estreita analogia entre as representações da cidade pelo saber técnico e científico dos<br />

urbanistas e as representações do corpo pela medicina social e sanitária: ambos são<br />

concebidos como uma “máquina energética”. Nela, otimiza-se o trabalho, a respiração deve<br />

ser pura e oxigenante, os fluxos devem ser desobstruídos, as insalubridades removidas, todo<br />

desperdício evitado, tudo deve ser saudável e os resultados capitalizam-se em energias<br />

acumuladas disponíveis. Para a cidade, canais de drenagem, arejamento e alargamento dos<br />

espaços, remoção dos acúmulos inúteis e insalubres, racionalização dos fluxos e do tempo;<br />

para o corpo, águas medicinais, banhos, fortificantes, depurativos, ginástica, esporte,<br />

respiração. Em suma, limpar, desobstruir, remover, economizar, e produzir energias 23<br />

Nos deparamos com esse modelo de representação corporal de forma<br />

paradigmática, em pelo menos dois textos anarquistas. Nas duas matérias, ambas bastante<br />

longas, publicadas por partes em vários números da revista A Vida, em 1914. Um, de José<br />

Oiticica, intitulado O Desperdício das Energias Femininas, que em 1919 voltou a ser<br />

publicado no periódico O Germinal, outro, composto, com toda certeza, pelo grupo de<br />

editores d’A Vida, intitulado Catecismo Anarquista. Nos dois textos, os autores vão longe<br />

nas teorizações do modelo, inclusive com grande vivacidade conceitual.<br />

José Oiticica aborda a questão da mulher na sociedade capitalista, o casamento, a<br />

maternidade, a desvalorização do trabalho doméstico, o domínio masculino, relacionando à<br />

23 Essa correlação entre as representações da cidade e do corpo como “máquina energética”, nesse contexto da<br />

expansão urbana e industrial do Brasil é bem apresentada por SAN’TANNA, Denise B. O receio dos<br />

trabalhos perdidos: corpo e cidade, Projeto História, SP,(13), Jun., 1996, pp. 121-128. Indicações<br />

importantes também podem ser colhidas em VIGARELLO, Georges. O trabalho dos corpos e do espaço,<br />

Projeto História, SP, (13), Jun. 1996, pp. 07-20.

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