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Antônio Luiz Vieira - ICHS/UFOP

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Não obstante o valor da proposta de uma educação laica e pedagogicamente<br />

inovadora, bem como a autonomia e a força do movimento operário, que cria em todas as<br />

regiões do país, em várias cidades, grande número de escolas fundamentadas nesta<br />

proposta, temos de levar em conta que além da ênfase na formação de um intelecto<br />

fortemente racional, encontra-se também todos os preceitos para a formação do corpo<br />

saudável, pela higiene, pela ginástica, pela disciplina e preparação para o trabalho<br />

produtivo, preceitos estes que se conjugam com toda uma produção de discursos elaborados<br />

sobretudo pela medicina social 21 , que num verdadeiro cerco à família, através de vários<br />

mecanismos operam à “captura” da infância para a tutela de um saber-poder que quer<br />

justamente tornar seus corpos higiênicos, saudáveis, robustos, disciplinados, e produtivos.<br />

A propósito dessa conjunção de projetos e representações, na curiosa situação em<br />

que as representações e as táticas que os círculos operários, e no caso, os anarquistas,<br />

elaboram e operam, acabam nas redes dos dispositivos e das estratégias do poder, um outro<br />

dado (colhido meio acidentalmente no percurso da investigação) também poderá ser<br />

ilustrativo. E, mais importante, talvez seja mesmo indicativo (ao menos como sinalização)<br />

de um momento de reformulação ou rearticulação de estratégias com que o poder opera<br />

sobre a cultura popular.<br />

Trata-se de uma argumentação de Maria Lacerda de Moura. A autora, que sempre<br />

procurava em suas publicações dar ênfase aos problemas da mulher, sua educação, a<br />

conquista de autonomia e liberdade, num processo que a “duras penas” estaria se<br />

desenvolvendo, em determinado momento se depara com algo que, rapidamente, parecia<br />

estar pondo a perder o pouco que fora conquistado: os novos meios de comunicação, as<br />

revistas e o cinema, magnetizaram a atenção das moças e adolescentes, arrastando-as das<br />

possibilidades educativas dentro de uma formação intelectual que realmente lhes permitiria<br />

conquistar mais autonomia e liberdade, para a pura frugalidade mundana das colunas<br />

sociais. Vejamos suas colocações:<br />

“(...) De sorte que a rotina, a religião apertou o cérebro feminino<br />

no círculo de ferro dos dogmas e do pecado, enfaixou a razão da<br />

mulher, conservou infantil o seu cérebro e, agora que o problema<br />

da educação vai sendo encarado seriamente pelos Binet,<br />

Claparède, Faurè, Montessori, Pizzoli, por antropologistas, e<br />

psiquiátras, higienistas e sociólogos; agora que estas investigações<br />

científicas nos indicam novo rumo, positivo, racional, fugindo dos<br />

contos de fadas, das tradições com que os povos primitivos<br />

embalam a imaginação ardente das crianças pequenas e grandes;<br />

agora nos aparece o cinematógrafo inventando outros contos de<br />

fadas ainda mais perigosos porque podem ser experimentados na<br />

tela da vida. E das leituras de Xavier de Montepin, a mulher passou<br />

à leitura de aventuras de artistas de cinema!” 22<br />

A passagem é um caleidoscópio. Primeiro, indica aqueles dispositivos que na<br />

sociedade burguesa emergente (mesmo não sendo excluídos) perderam eficácia estratégica<br />

sobre os corpos – a religião, as implicações morais do pecado. Segundo, enumera todas as<br />

21<br />

Conf. MACHADO, R. et. al. Op. cit., ver Escola, pp. 295-305. Também COSTA, Jurandir F. Op. cit., ver<br />

cap. 5 – Adultos e Crianças, pp. 153-206.<br />

22<br />

MOURA, Maria L. de. Renanscença, nº 3, São Paulo,03/04/1923. Apud. LEITE, Miriam L.M. Maria<br />

Lacerda de Moura e o anarquismo, in: PRADO, ª Arnoni (Org.) Libertários no Brasil. SP:Brasiliense,1986,<br />

p.92.

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