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Antônio Luiz Vieira - ICHS/UFOP

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Se não há grande embaraço em reconhecer no universo mental do movimento<br />

anarquista, a mesma matriz estruturante da episteme do pensamento das elites intelectuais,<br />

que estão à frente das estratégias que procuram consolidar a sociedade burguesa urbanoindustrial<br />

no Brasil na passagem do século XIX ao século XX, então, o embaraço não<br />

poderá ser maior ao procurarmos por correlações entre os discursos e as representações<br />

elaboradas nesses dois campos do imaginário social.<br />

Simplificando os recortes para evitar maiores dificuldades, correlacionaremos três<br />

campos onde as representações elaboradas pelas elites intelectuais, que gravitam nas<br />

agências do poder, e as representações elaboradas pelos intelectuais anarquistas, se<br />

competem, no surpreendente antagonismo em que se conjugam...<br />

Num primeiro plano, e para facilitar a passagem às demais imagens, vamos tomar a<br />

noção de progresso e de ciência e a enorme força com que essas noções são representadas<br />

no imaginário das elites intelectuais, irradiando-se por todo o imaginário social.<br />

O impacto de uma imagem como a locomotiva – uma máquina movimentando-se<br />

em velocidade – deve ter provocado tanto encanto quanto o aeroplano, que o poeta da<br />

epígrafe evoca para expressar a serena decisão de despedir-se do passado, com seus mitos,<br />

suas lendas, suas ilusões. A ciência e seus feitos inundou de certezas o pensamento das<br />

elites intelectuais emergentes e reformadoras, fosse qual fosse a identidade políticoideológica<br />

ou projeto da transformação social.<br />

Um comentário de E. Hobsbawn 14 , no desenvolvimento que ele dá à discussão da<br />

ideologia no sociedade burguesa do século XIX, é revelador desse magnetismo da ciência<br />

no imaginário da intelectualidade. Ele cita as palavras com que em 1861 Cournot, um<br />

economista e estatístico, expressara o fenômeno,<br />

“O fato de acreditar em verdades filosóficas saiu tanto de moda<br />

que nem o público nem nenhuma academia se dispõe a receber<br />

mais obras desse tipo, exceto como produtos de puro academicismo<br />

ou curiosidade histórica.” 15<br />

Em seguida, Hobsbawn complementa com o seguinte,<br />

“Ninguém duvidava do progresso, tanto material como intelectual,<br />

já que parecia tão óbvio para ser negado. Este era, sem dúvida, o<br />

conceito dominante da época.” 16<br />

Já não prenunciara Nietzsche, e com toda razão (se é que se pode falar de “razão”<br />

em seu nome...), quando diz n’ A Gaia Ciência que, após sacrificar, em seu altar, todos os<br />

deuses do passado, a ciência, ela própria, se convertia no último e mais astuto de todos os<br />

deuses?<br />

Sem exagerar, podemos dizer que os homens de ciência e as elites intelectuais<br />

laicas, de um modo geral, moviam-se por um verdadeiro “messianismo da razão” contra a<br />

metafísica, a religião, e todo o universo simbólico da cultura popular.<br />

O pensamento racional enche de vigor o intelecto, ao contrário do pensamento<br />

religioso, que além de ser uma ilusão, é “preguiçoso”, como o vadio que não quer trabalhar,<br />

para sintetizar o raciocínio de Benjamin Mota, um militante anarquista,<br />

14 HOBSBAWN, Eric Joan. A era do capital, 1848-1875. RJ: Paz e Terra, 1977, cap. XII – Ciência, Religião,<br />

Ideologia.<br />

15 Apud. HOBSBAWN, E. J. Op. cit., p. 261.<br />

16 Id. Ibid., p.262.

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