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Antônio Luiz Vieira - ICHS/UFOP

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corpo, tão procurada nos Congressos de Eugenia e que, afinal, não deixou de ser uma<br />

“política pública”... 11<br />

Essa proliferação discursiva é ilustrativa da emergência de um novo Estado que<br />

rapidamente transformava o padrão das relações com a sociedade civil: criando instituições<br />

e agenciando saberes que se conjugavam numa rede de dispositivos, o Estado centralizou as<br />

estratégias que quebrou o modelo da família tradicional, reestruturando-a em um novo<br />

padrão sob a tutela do saber médico e psiquiátrico; engendrou mecanismos de controle da<br />

infância, da mulher, da sexualidade conjugal; reformulou o espaço urbano esquadrinhado-o<br />

pelo detalhamento normativo de novas posturas; sanitarizou os ambientes e higienizou os<br />

corpos com as práticas da limpeza, da disciplina e do comedimento das atitudes; excluiu do<br />

livre trânsito e privou da liberdade os inúteis, os loucos, ou os que significavam ameaça ou<br />

perigo, os delinqüentes, criminosos e vadios. Reforma do espaço, reestruturação da família<br />

sob nova tutela, disciplina dos corpos e exclusão dos indesejáveis e inúteis, consumavam o<br />

teatro da nova ordem.<br />

E, diante desse irradiação de dispositivos e estratégias institutivas de novos<br />

discursos e práticas sociais, se deslocarmos o olhar para o campo em que se produzem os<br />

discursos e as práticas sociais anarquistas, encontraremos o paradoxo de uma estranha<br />

oposição que se conjuga... É como se os anarquistas respondessem: Querem austeridade<br />

moral? Somos austeros; querem disciplina? Somos disciplinados; querem pudicícia? Somos<br />

pudicos; querem higiene? Somos higiênicos; querem o corpo saudável? Somos saudáveis;<br />

querem que sejamos produtivos? Somos produtivos; querem educação? (nós o somos,<br />

temos jornais, escolas, universidades, bibliotecas, centros de estudos, etc.). Com um<br />

detalhe, somos austeros, disciplinados, pudicos, higiêncos, saudáveis, educados e<br />

produtivos, muito mais do que querem! 12<br />

O racionalismo cientificista enquanto força estruturante do universo mental da<br />

intelectualidade orgânica do anarquismo, não é de difícil reconhecimento. O diálogo<br />

frequente, nem sempre amistoso, entre publicistas da Igreja Positivista do Brasil, e<br />

publicistas dos periódicos anarquistas, é indicativo dessa confluência epistêmica.<br />

A revista Kultur, em seu primeiro número, março de 1904, publica uma matéria de<br />

Kropotkin, intitulada “A filosofia positiva”, na qual, descontadas as críticas ponderadas<br />

feitas pelo autor, há toda uma identidade teórica com a visão da ciência do positivismo<br />

comteano. E, se conviermos que não era pequena a influência de Kropotkin sobre os<br />

anarquistas brasileiros, não é exagero estendermos a eles essa mesma identidade teórica.<br />

Um comentário bem circunstanciado da grande receptividade do conceito de ciência<br />

elaborado pelo positivismo, no movimento operário, anarquista e socialista, tanto<br />

internacionalmente quanto no Brasil, é feito por Jacy Alves de Seixas 13 .<br />

A autora lembra, entre outros fatos, que Neno Vasco, militante anarquista de origem<br />

portuguesa, fez traduções de vários textos de Kropotkin e Eliseu Réclus, autores estes cujos<br />

trabalhos gozaram de grande difusão nos círculos anarquistas brasileiros.<br />

11 MACIEL, Maria Eunice de S. A eugenia no Brasil, Anos 90. Porto Alegre, nº 11, julho/1999, pp.121-143,<br />

traça um quadro detalhado das propostas e práticas da política de eugenia no Brasil nas primeiras décadas do<br />

século XX.<br />

12 A reunião de artigos e ensaios organizada por Edgard LEUENROTH, Anarquismo – roteiro da libertação<br />

social. RJ: Ed. Mundo Livre, 19... , é ilustrativa dessa conjunção entre discurso anarquista e o discurso<br />

produzido pelas agências dos saberes-poderes do Estado.<br />

13 SEIXAS, J. A de. Op. cit., ver capítulo 3 – Le role du positivisme et du darwinisme social dans la penseé<br />

socialiste et anarchiste au Brésil, pp. 82-97.

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