Antônio Luiz Vieira - ICHS/UFOP
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Mas o quê tornava aqueles personagens tão atrativos e inspiradores a todo ativista<br />
revolucionário?<br />
Alain Besançon 1 , em seu estudo sobre a intelligentsia russa, procura responder à<br />
pergunta fazendo um reconhecimento psicanalítico tanto de Tchernichevski quanto da<br />
constelação de seus personagens. Em sua exposição ele deixa claro o quê tornava o homem<br />
novo, o personagem-emblema, em atraente modelo à militância revolucionária de então:<br />
O auto-controle e a auto-disciplina são a marca do herói tchernichevskiano.<br />
A idéia subjacente àqueles romances de propaganda revolucionária seria oferecer o<br />
exemplo de uma conduta metódica, através da qual alcançar-se-ia o perfeito domínio de si<br />
mesmo, demonstrando o triunfo completo de uma consciência racional sobre os sentidos e<br />
os desejos. O homem-novo, consciente das exigências de uma auto-preparação para as<br />
tarefas revolucionárias, submete-se a uma reeducação total de suas faculdades: disciplina<br />
física, disciplina intelectual, disciplina afetiva, disciplina sexual. Como máquinas<br />
pensantes, sem sofrimento nem conflitos interiores, tornam-se a vanguarda na preparação e<br />
conquista da sociedade futura.<br />
No ensaio Le Principe Anthropologique em Philosophie, Tchernichevski<br />
fundamenta, com forte positivismo teórico, os pressupostos filosóficos para a formação<br />
dessa personalidade maquínica e sem vida interior, que constitui o homem novo: “primeiro,<br />
a filosofia vê o homem o que vêem a medicina, a fisiologia e a química; segundo, as<br />
ciências naturais adquiriram já um tal progresso que fornecem abundantes materiais para<br />
uma solução correta dos problemas morais” 2 .<br />
Contudo, diante da arrogância megalomaníaca das convicções que animam o<br />
homem novo, em sua busca penitencial de verdades cartesianas e claras, a voz de<br />
Dostoievski, insidiosamente, lança as dúvidas. Através de personagens como Raskolnikov,<br />
Kirsanov, ele também frequentava a alma do homem novo, mas nele procurando sempre o<br />
que se encontra oculto...<br />
O caráter metafísico da dúvida dostoievskiana é bem sintetizado no seguinte<br />
comentário,<br />
“... se se consegue descobrir a fórmula de todos os nossos desejos, e de<br />
todos os nossos caprichos, quer dizer, donde provém, em que leis se baseia<br />
seu desenvolvimento, como se reproduzem, para que objetivos tendem em<br />
tais e tais casos etc., é provável então que o homem se reduzirá<br />
imediatamente à classe de uma simples engrenagem, pois um homem<br />
despojado de desejo, de vontade, é apenas um parafuso, uma simples<br />
transmissão!” 3 .<br />
A arrogante auto-afirmação da personalidade do homem novo, o típico niilista russo<br />
do século XIX, já havia sido bem caracterizada, antes dos romances de propaganda de<br />
Tchernichevski, por I. Turguéniev em seu romance Pais e Filhos. No desenrolar de toda a<br />
trama, Basarov, o personagem niilista, move incansavelmente a metralhadora giratória de<br />
seu intelecto atlético vivamente interessado pelos progressos da ciência. Em uma conversa<br />
alusiva aos alemães, diante do comentário (provocativo) de um certo interlocutor, que<br />
1 BESANÇON, Alain. O inconsciente – o episódio da prostituta em Que fazer? e em O subsolo, in: LE<br />
GOFF, J. e NORA, P. (Orgs.). História – novos objetos, RJ: Francisco Alves, 1976, pp.33-51.<br />
2 Citado em BESANÇON, A. Op. cit., p. 47.<br />
3 Id. Ibid., p. 39.