12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

O que pass<strong>ou</strong> no coração <strong>de</strong> Antonica é in<strong>de</strong>scritível, mas, a julgar pelo seu<br />

semblante, o golpe foi tremendo. Ela nada respon<strong>de</strong>u, mas o seu olhar fulmin<strong>ou</strong>,<br />

com a indignação e o <strong>de</strong>sprezo, o perturbado ven<strong>de</strong>iro.<br />

Convencido <strong>de</strong> que Antonica submeter-se-ia à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu pai, Viana<br />

esmerava-se em multiplicar obséquios ao agregado, todos os dias <strong>de</strong> manha vinha<br />

encontrar-se com ele no casara-o e daí acompanhava-o à casa nova, on<strong>de</strong> não se<br />

p<strong>ou</strong>pava no trabalho do embarreamento.<br />

Era chegado o dia em que se <strong>de</strong>via dar a última <strong>de</strong>mão à obra; faltava<br />

apenas embarrear algumas pare<strong>de</strong>s interiores e assentar as portas e janelas, que<br />

não eram muitas.<br />

Todos os amigos <strong>de</strong> Francisco Benedito apresentaram-se logo <strong>de</strong><br />

manhãzinha para, em companhia da família <strong>de</strong>ste, festejar o final da construção.<br />

Em rancho festivo partiram para a nova casa, acompanhados pelo agregado,<br />

sua mulher, o Juca e Mariquinhas. No casarão ficaram Antonica e Chiquinha, cujo<br />

estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> impedia-as <strong>de</strong> caminharem através do campo, das picadas dos<br />

capoeirões ainda orvalhados.<br />

P<strong>ou</strong>co tempo <strong>de</strong>pois da partida do rancho, cheg<strong>ou</strong> ao casarão, silencioso, o<br />

ven<strong>de</strong>iro que trazia as mãos carregadas <strong>de</strong> garrafas e o coração cheio <strong>de</strong> alegria.<br />

Antonica veio recebê-lo à porta e notici<strong>ou</strong>-lhe secamente a partida da<br />

família.<br />

Contrariado pela frieza da recepção, Viana apress<strong>ou</strong>-se em <strong>de</strong>spedir-se.<br />

Quando já se havia afastado alguns passos do casarão, Antonica fê-lo parar e<br />

aproxim<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong>le, dissimulando o ódio que lhe gerara a persistência do ven<strong>de</strong>iro no<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> recebê-la como esposa.<br />

— Oh! Seu Viana, exclam<strong>ou</strong> ela, vosmecê está se enganando por seu gosto,<br />

<strong>ou</strong>vindo o que papai lhe diz. Eu não quero esse casamento; e não se <strong>de</strong>ve obrigar<br />

ninguém para esse fim.<br />

Isto é criançada que há <strong>de</strong> acabar com o tempo, sá Antonica; respon<strong>de</strong>u<br />

Viana dando às suas palavras uma pungente entoação <strong>de</strong> mofa. — Quer saber, eu<br />

apanhei <strong>ou</strong>tro dia uma juriti no ninho; levei-a para casa, e prendi-a num viveiro. Que<br />

bonito pássaro é a juriti, não é? Pois esteve bravo e quase morreu, tanto bateu com<br />

a cabeça nas tábuas do viveiro. Hoje está mansinho como um cor<strong>de</strong>iro e macio<br />

como um veludo. As mulheres todas fazem como as juritis; amansam-se. Bom dia,<br />

sá Antonica.<br />

A dor <strong>de</strong> tamanho escárnio encheu <strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo a <strong>de</strong>bilitada Antonica. Às<br />

contínuas vigílias pranteadas, que eram o seu viver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>ou</strong>viu a seu pai a<br />

sentença que tanto lhe torturava o coração, a moça <strong>de</strong>batia-se em meio das mais<br />

atrozes angústias.<br />

De um lado flagelava-lhe o seu amor pru<strong>de</strong>ntemente rejeitado, <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tro a<br />

imposição cruel feita a toda a sua vida. Do meio <strong>de</strong>sse flagelo elevava-se o espírito<br />

para logo <strong>de</strong>smaiar em acerbas inconseqüências.<br />

Já não sabia resolver-se, bolava à mercê <strong>de</strong> esperanças, à feição <strong>de</strong> ilusões<br />

caducas. Imaginara muitas vezes que as suas lágrimas teriam forças para convencer<br />

o ven<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> que ele só conseguiria fazer a sua infelicida<strong>de</strong>, e então <strong>de</strong>leitava em<br />

sonhar a pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse homem comovendo-se diante da sua sincerida<strong>de</strong>, e<br />

salvando-a <strong>de</strong> um martírio sem fim.<br />

99

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!