12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

No dia seguinte pela manha, o violeiro, enganchado sobre a ossada do —<br />

Suspiro, ao qual o micuim convertera o c<strong>ou</strong>ro em um arquipélago, marchava para a<br />

casa <strong>de</strong> Lúcio Ribeiro.<br />

Depois dos cumprimentos ao capadócio, o recém-chegado, arranjando uma<br />

entoação <strong>de</strong> gracejo, pergunt<strong>ou</strong>-lhe <strong>de</strong> súbito:<br />

— Então como vai <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com o tutu cá da terra, o gran<strong>de</strong> capitão?<br />

— Mu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> conversa, respon<strong>de</strong>u Lúcio; aquilo é biscazinha que nunca<br />

me pass<strong>ou</strong> da garganta.<br />

— Isto é fumaça, seu Lúcio; se o homem ficar com o governo, você há <strong>de</strong><br />

mudar.<br />

— Veremos; mas ali fica a serra dos Olhos d'Água e a minha espingarda não<br />

nega fogo.<br />

— E se alguém mostrasse um meio <strong>de</strong> livrá-lo do bicho, você tinha<br />

coragem?<br />

— Experimente, respon<strong>de</strong>u resolutamente o capadócio.<br />

— Se tens coragem, meu velho, põe os arreios ao teu punga e vamos ao<br />

Licério. Tu és também da autorida<strong>de</strong> e o Licério é unha e carne do sub<strong>de</strong>legado.<br />

Dentro em alguns momentos os dois trigueiros pernósticos marchavam em<br />

direção à casa do amigo do sub<strong>de</strong>legado.<br />

Joaquim Licério, conhecido pela alcunha cigano, tinha gran<strong>de</strong> influência na<br />

localida<strong>de</strong>, pela sua dupla posição <strong>de</strong> negociante e chicaneiro.<br />

Os moradores do sertão confiavam-lhe todas as suas causas e embora as<br />

per<strong>de</strong>ssem, diziam convictos a seu respeito:<br />

— Aquilo é que é um homem para pendências.<br />

Branco, ele não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhava sentar-se à mesa com os genuínos da raça<br />

africana, nem com os filhos do seu cruzamento; fazia este sacrifício a bem <strong>de</strong> seu<br />

negócio. Também era ele quem apresentava no mercado campista o melhor peixe<br />

salpreso da Lagoa Feia, e a melhor garapoca das matas <strong>de</strong> Macabu. Trabalhavamlhe<br />

a rasto <strong>de</strong> barato.<br />

Ativo, diligente, intrigante, tudo a bem do negócio, estava sempre<br />

trabalhando, porque dizia ele — a família vai crescendo, é preciso agüentá-la.<br />

Devotado <strong>de</strong> alma ao sub<strong>de</strong>legado, a quem chamava — o meu homem —<br />

só havia uma afeição que lhe era mais cara — qualquer transação comercial por<br />

menor que fosse; a esta consagrava-se em alma e corpo.<br />

Quem fosse a Licério e lhe acenasse com uma nota do tes<strong>ou</strong>ro <strong>ou</strong> do banco,<br />

podia <strong>de</strong>scansar, que, se ela chegasse para o preço, estava servido.<br />

Tal modo <strong>de</strong> pensar congraçava em torno do negociante rábula uma<br />

clientela imensa e <strong>de</strong>votada.<br />

A sua casa <strong>de</strong> negócio, sortida <strong>de</strong> todos os gêneros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o medicamento<br />

até a carne <strong>de</strong> charque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ferragem até as finas cassas, adaptava-se ao verso<br />

e reverso da vida humana: era para a saú<strong>de</strong> e para a enfermida<strong>de</strong>.<br />

Ali reunia-se a guapa rapazio do lugar, os galhardos dançadores do fado,<br />

amantes do murro, das brigas <strong>de</strong> galo e apostas <strong>de</strong> natação, e o empório, graças a<br />

este ajuntamento diário, assemelhava-se a uma oficina <strong>de</strong> toques e cantilenas.<br />

Licério animava a freguesia, e <strong>de</strong>morava com anedotas e intrigas aqueles<br />

que se queriam afastar; a causa era o borrador, o seu caro borrador.<br />

96

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!