Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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As lágrimas <strong>de</strong>nunciaram-lhe o sofrimento que por muito tempo se refolhara<br />
na esperança, à semelhança <strong>de</strong> um bes<strong>ou</strong>ro negro no cálice <strong>de</strong> uma açucena.<br />
Aquelas grossas e tardas lágrimas eram a série <strong>de</strong>ssorada das ar<strong>de</strong>ntes<br />
ilusões <strong>de</strong> <strong>ou</strong>trora, hoje frios cadáveres; corriam estriadas pelo sangue <strong>de</strong> um<br />
coração ulcerado; impunham respeito, e testemunhavam a sincerida<strong>de</strong> da dor <strong>de</strong><br />
quem as chorava.<br />
Sebastião foi compassivo ao encontro da tortura que tanto alquebrava a<br />
moça.<br />
Concheg<strong>ou</strong> amorosamente ao seu o tronco emagrecido <strong>de</strong> Chiquinha, e<br />
<strong>de</strong>it<strong>ou</strong>-lhe a cabeça sobre o seu ombro.<br />
— Vejam só isto, disse ele ternamente; está aflita assim e não me disse nada.<br />
Diga quem é a causa <strong>de</strong> seu choro? Eu fiz-lhe alguma c<strong>ou</strong>sa? Alguém lhe ofen<strong>de</strong>u?<br />
Prorrompendo em soluços angustiosos, que entrecortavam-lhe as palavras,<br />
Chiquinha arranc<strong>ou</strong> do íntimo <strong>de</strong> sua alma este grito <strong>de</strong>solado, que lhe maltratava o<br />
coração, como se fosse uma bala encravada.<br />
— Não é isto; é uma <strong>de</strong>sgraça; há já dois meses talvez que eu s<strong>ou</strong> mãe.<br />
A dor <strong>de</strong> Chiquinha repercutiu intensa no coração do violeiro; era a erupção<br />
vulcânica que, ao passo que esbraseia a cratera, cobre o espaço <strong>de</strong> filmo, clarões e<br />
vômitos vermelhos e faz estremecer todo o solo em <strong>de</strong>rredor.<br />
Depois <strong>de</strong> uma longa pausa, que pes<strong>ou</strong> como uma barra <strong>de</strong> ferro sobre o<br />
coração da moça, Sebastião com os olhos baixos e a voz afinada na entoação da<br />
angústia.<br />
— Só há um remédio, murmur<strong>ou</strong>; fugirmos.<br />
— Fugir, mas meu pai, meu irmão hão <strong>de</strong> perseguir-nos; mas você prometeu<br />
casar-se comigo. Não quero fugir, não <strong>de</strong>vo.<br />
O violeiro estava <strong>de</strong> feito comovido, e não era com o fim <strong>de</strong> furtar-se à<br />
responsabilida<strong>de</strong> que propusera o alvitre à Chiquinha; era o meio mais expedito para<br />
subtrai-la às iras da família.<br />
— Você disse muito bem, sá Chiquinha, é uma <strong>de</strong>sgraça, soluç<strong>ou</strong> o violeiro.<br />
O que não vai ser <strong>de</strong> nós; esse maldito capitão, seu pai; é uma <strong>de</strong>sgraça, e o único<br />
remédio é este, fugir. Mais tar<strong>de</strong> eu remediarei o mal, juro. Prometa-me que sairá<br />
<strong>de</strong>sta casa.<br />
— É o que quiser, respon<strong>de</strong>u Chiquinha; eu já não sei o que faço.<br />
Des<strong>de</strong> então os amantes esperavam somente a oportunida<strong>de</strong> para levar a<br />
efeito o expediente <strong>de</strong>sesperado.<br />
O violeiro, certo da gravida<strong>de</strong> do passo que ia dar, julg<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo<br />
irremediavelmente perdido aos olhos <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> e ateve-se resignando-se<br />
ao seu infortúnio.<br />
Neste estado <strong>de</strong> espírito foram encontrá-lo no dia em que Manuel João tinha<br />
sido forçado pelas circunstâncias a <strong>de</strong>ixar o sítio.<br />
Sebastião era a cabeça que dirigia todos os planos astuciosos do triunvirato.<br />
De improviso ele achava os meios para obviarem-se dificulda<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas<br />
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