Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Era Antonica. Postada no seu ponto <strong>de</strong> observação, ela via sempre <strong>Motta</strong><br />
<strong>Coqueiro</strong> retirar-se do terreiro logo ao cair da noite. Hoje, porém, o fazen<strong>de</strong>iro<br />
parecia nem sequer aperceber-se <strong>de</strong> que havia muito que a melancolia do<br />
crepúsculo tinha dado lugar ao mortiço tremeluzir das estrelas.<br />
Sem saber como nem por que, Antonica veio insensivelmente aproximandose<br />
do fazen<strong>de</strong>iro, e, quando já perto <strong>de</strong>le, teve a dolorosa certeza <strong>de</strong> que uma dor<br />
profunda o acabrunhava e absorvia.<br />
Com os braços cruzados sobre o peito e as pálpebras fechadas, a cabeça<br />
<strong>de</strong>scaída para trás, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> jazia em imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cadáver.<br />
É fácil <strong>de</strong>scobrir qual o fio dos pensamentos da amante diante do homem<br />
que fascin<strong>ou</strong>-a. O amor leva seu egoísmo a atribuir-se todas as felicida<strong>de</strong>s e<br />
<strong>de</strong>sventuras do ente amado; imagina que o riso <strong>ou</strong> a lágrima só ele tem força para<br />
provocá-los, só ele tem o condão <strong>de</strong> metamorfosear a existência em bulcões <strong>ou</strong><br />
luares, em abismos trevosos <strong>ou</strong> em firmamento constelado.<br />
Uma injustiça pungente sangrava ainda o coração <strong>de</strong> Antonica; ela, que se<br />
abandonava somente à correnteza <strong>de</strong> uma fascinação, ao <strong>de</strong>slumbramento <strong>de</strong> uma<br />
paixão, tinha sido acusada como instrumento ignóbil manejado por seu pai.<br />
Não seria o arrependimento <strong>de</strong> tão amarga injúria a causa do abatimento do<br />
homem que involuntariamente havia monopolizado a tranqüilida<strong>de</strong> do seu existir?<br />
Tal pensamento atravess<strong>ou</strong> talvez o cérebro da moça, e, como ainda mais<br />
do que as próprias, torturavam-lhe as dores do fazen<strong>de</strong>iro, Antonica aproxim<strong>ou</strong>-se<br />
para levar-lhe o perdão.<br />
Faltaram-lhe, porém, por muito tempo as forças; a voz sumia-se-lhe,<br />
enquanto que os lábios eram atraídos pela pali<strong>de</strong>z da fronte do pensativo.<br />
Afinal, <strong>de</strong>rramando uma ternura infinita, Antonica murmur<strong>ou</strong> timidamente<br />
Sofre muito, seu capitão? Quem lhe faz mal!<br />
A voz da moça repassava-se <strong>de</strong> um filtro irresistível <strong>de</strong> paixão; era o perdão<br />
dando-se espontâneo, sem ao menos uma súplica; era o consolo a implorar que o<br />
recebessem as mágoas sobranceiras que se fechavam no próprio travor, como se<br />
nisto se receassem.<br />
Também o fazen<strong>de</strong>iro, como se já esperasse a inopinada consolação,<br />
respon<strong>de</strong>u-lhe sem sobressalto.<br />
— Sim, pa<strong>de</strong>ço muito.<br />
A resposta foi recolhida na tepi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um suspiro, ao passo que a ansieda<strong>de</strong><br />
apressava-se em <strong>ou</strong>vir uma confissão lisonjeira.<br />
E s<strong>ou</strong> eu a causa! Eu que não tenho juízo! Meu Deus, para que me fez tão<br />
má!<br />
As exclamações <strong>de</strong> Antonica, se é possível dizê-lo, eram feitas <strong>de</strong> lágrimas<br />
volatilizadas; cunhavam-nas uma imploração suave e uma pieda<strong>de</strong> indizível. E como<br />
não ser <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tro modo se ela, que daria, para que o fazen<strong>de</strong>iro tivesse um sorriso<br />
bom, a sua mocida<strong>de</strong> brunida pela formosura, os seus sonhos que ainda não tinham<br />
voado ao limiar dos vinte anos; se ela, amante apaixonada, tinha-o ante os seus<br />
olhos... sofrendo.<br />
As palavras da moça não foram respondidas e <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> ensur<strong>de</strong>ciase<br />
na letargia da dor.<br />
E eu que, há tanto tempo, est<strong>ou</strong> a vê-lo dali, continu<strong>ou</strong> Antonica, e que não<br />
<strong>de</strong>scobri logo que sofria. Não estava como nos <strong>ou</strong>tros dias, e eu não vim. Pensei<br />
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