12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

A p<strong>ou</strong>co e p<strong>ou</strong>co, porém, as rugas da testa e a saliência exagerada das<br />

sobrancelhas, que lhe davam uma aparência <strong>de</strong> intatibilida<strong>de</strong> antipática, foram<br />

esvaindo-se e o semblante retom<strong>ou</strong> a simpática serieda<strong>de</strong> habitual.<br />

É que a paz da consciência asserenava-lhe os temores, e a ingênua<br />

confiança da honestida<strong>de</strong> espancava com os seus clarões os fantasmas evocados<br />

pelo receio.<br />

Via-se-lhe na fisionomia, misterioso livro on<strong>de</strong> a consciência nos escreve dia<br />

a dia, hora a hora, a história <strong>de</strong> nossos atos; lia-se-lhe na fisionomia uma série <strong>de</strong><br />

interrogações e respostas, no passar repentino da serenida<strong>de</strong> para a perturbação.<br />

Ninguém, salvo má vonta<strong>de</strong> extrema, po<strong>de</strong>ria encontrar nos seus atos para<br />

com a família do agregado uma nódoa sequer, tinha sabido repelir a princípio com<br />

brandura e <strong>de</strong>pois virtuosa ru<strong>de</strong>za, o coração que lhe oferecia, e se alguma culpa<br />

tinha na pertinácia do afeto <strong>de</strong> Antonica, <strong>de</strong>via ser lançada à conta da compaixão.<br />

— Não há um só coração bem formado que possa por um momento fazerme<br />

semelhante injustiça, disse convictamente o fazen<strong>de</strong>iro.<br />

Os olhos abaixaram-se-lhe <strong>de</strong> novo, sobre o papel, que parecia magnetizálo,<br />

e, tomando-o maquinalmente, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> continu<strong>ou</strong> a leitura.<br />

Agora encontrava ai um bálsamo para a ferida que daí mesmo tinha partido.<br />

As letras ameigavam-se combinando-se em palavras <strong>de</strong> amor e carícias;<br />

recordações sagradas das alegrias e sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus filhos e além <strong>de</strong>las<br />

gravavam o nome da esposa, o querido nome da companheira <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong><br />

venturas.<br />

Entretanto, como uma cascavel oculta sob flores, negrejava sob a assinatura<br />

o maldoso post scriptum: O embalsamento da ma<strong>de</strong>ira parece que não terá fim tão<br />

cedo.<br />

Apesar da aparente <strong>de</strong>spretensão da frase, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> surpreen<strong>de</strong>u a<br />

suspeita que nela <strong>de</strong>licadamente se envolvia.<br />

De feito, a moléstia <strong>de</strong> Antonica tinha ocasionado uma <strong>de</strong>mora no trabalho,<br />

por isso que era impossível exigir <strong>de</strong> Francisco Benedito que abandonasse a filha<br />

gravemente enferma e se consagrasse aos interesses do fazen<strong>de</strong>iro. Demais o<br />

próprio <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> não zel<strong>ou</strong> tais interesses, porque maior cuidado o absorvia.<br />

A crise moral reapareceu no espírito já abonançado do homem que se<br />

infelicitava pelo bem alheio.<br />

Havia p<strong>ou</strong>co <strong>de</strong>scansara na confiança <strong>de</strong> que ninguém <strong>de</strong> boa fé po<strong>de</strong>ria<br />

julgá-lo mal, e agora via diante <strong>de</strong> si, representando este juízo, a pessoa por quem<br />

<strong>de</strong>via ser mais conhecido, a sua consorte.<br />

Como explicar-lhe a <strong>de</strong>mora pela moléstia <strong>de</strong> Antonica? A explicação, que<br />

era bastante para justificar Francisco Benedito, era inteiramente <strong>de</strong>sarrazoada para<br />

si e serviria apenas para agravar as suspeitas.<br />

Assoberbado pela dificulda<strong>de</strong> da sua posição, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> per<strong>de</strong>u-se<br />

num pélago <strong>de</strong> soluções, as quais repelia logo por improce<strong>de</strong>ntes e<br />

comprometedoras.<br />

A noite veio encontrá-lo no mesmo lugar e longo tempo correu sobre ele,<br />

profanando com a indiferença da aragem e do luzir das estrelas aquele pa<strong>de</strong>cer<br />

injusto.<br />

Havia bem perto alguém que pa<strong>de</strong>cia igualmente, alguém que, pela<br />

presciência do amor, adivinhava que o fazen<strong>de</strong>iro sofria.<br />

90

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!