Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
A última palavra <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> S<strong>ou</strong>sa era a que pairava em todos os lábios, e a<br />
idéia que motivava a satisfação do povo.<br />
Não se riam, não se alegravam por <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>; regozijavam-se crendo<br />
que se efetuava uma justa vingança.<br />
Luís <strong>de</strong> S<strong>ou</strong>sa era a imagem da indignação profunda e dos <strong>de</strong>sejos da<br />
multidão, a que acabava <strong>de</strong> reunir-se mais um espectador.<br />
Era Seberg que, sem saber por que, dirigira-se para o lugar on<strong>de</strong> lhe estava<br />
reservado um golpe tremendo.<br />
Numa das continuas viravoltas que dava, Luís <strong>de</strong> S<strong>ou</strong>sa esbarr<strong>ou</strong> com<br />
Seberg, e comunicava-lhe o ocorrido, quando uma circunstância pôs-lhe ponto à<br />
narração.<br />
Os ecos do clarim da força pública anunciavam o saimento do préstito.<br />
A tropa, que estava postada na frente da ca<strong>de</strong>ia, manobr<strong>ou</strong> e dividiu-se em<br />
dois pelotões, formando alas à porta da prisão; e alguns soldados <strong>de</strong> cavalaria,<br />
andando a passo lento, começaram a abrir um claro por entre os espectadores.<br />
 porta do malseguro e abarracado edifício, — que <strong>de</strong>sempenhava as<br />
funções <strong>de</strong> calab<strong>ou</strong>ço, com exalações insalubres <strong>de</strong> enxovias sórdidas e<br />
compartimentos abafados e sem luz, — um irmão da Misericórdia movia<br />
compassadamente uma enorme campa, cujas badaladas tristes como que<br />
acordavam a comiseração nas almas dos circunstantes.<br />
Semelhante a um bando <strong>de</strong> aves ag<strong>ou</strong>reiras, tendo pen<strong>de</strong>ntes dos ombros<br />
os seus balandraus negros, a irmanda<strong>de</strong> da Misericórdia assom<strong>ou</strong> na porta da<br />
ca<strong>de</strong>ia e distribuiu-se em paralelas às alas dos soldados.<br />
Alguns dos irmãos, segurando em uma das mãos uma vara <strong>de</strong> prata e na<br />
<strong>ou</strong>tra uma sacola negra, lá se foram pelo povo <strong>de</strong>ntro a esmolar para os sufrágios do<br />
que ia morrer.<br />
E aqueles mesmos homens, que ainda há p<strong>ou</strong>co indignavam-se com a só<br />
idéia da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um perdão, concorriam com o seu óbolo para que a religião<br />
se incumbisse <strong>de</strong> redimir na eternida<strong>de</strong> a alma daquele a quem atribuíam um crime,<br />
que justamente revoltava a todos os espíritos bem-formados.<br />
Sublime contradição entre o homem religioso e o cidadão: este consente que<br />
a cabeça <strong>de</strong> um irmão vá ter às mãos do carrasco, aquele dá sinceramente o seu<br />
óbolo para que da ignomínia social passe o supliciado às felicida<strong>de</strong>s sonhadas pela<br />
crença.<br />
Tanto é verda<strong>de</strong> que, em consciência, o povo não quer as penas irreparáveis!<br />
Após a confraria apareceu a ban<strong>de</strong>ira santa, <strong>ou</strong>trora símbolo <strong>de</strong> esperança,<br />
a que se dirigiam os olhares do con<strong>de</strong>nado, que ao vê-la, através da memória<br />
afogueada pelas sauda<strong>de</strong>s da família, dos amigos, do trabalho e da pátria,<br />
contrapunha à imagem horrorosa do cadafalso o sonho consolador do perdão.<br />
Mas a lei inexorável con<strong>de</strong>n<strong>ou</strong> <strong>de</strong>sapiedadamente esta esperança, <strong>de</strong><br />
maneira que é hoje um aparato vão o painel em que a pálida Maria, num abraço<br />
estreitado ao cadáver <strong>de</strong> Jesus, consorcia-se com o filho adorado para a conquista<br />
da re<strong>de</strong>nção humana.<br />
A religião no seu painel mostra que possui para as supremas <strong>de</strong>sgraças o<br />
supremo perdão; a socieda<strong>de</strong> com o seu carrasco, alimentado com a lama das<br />
enxovias, diz-nos que para as acusações formidáveis ela só conhece o castigo<br />
iníquo e irreparável.<br />
Seguia-se imediatamente ao painel um sacerdote tendo nas mãos uma<br />
gran<strong>de</strong> cruz, na qual abriam-se os braços e confrangia-se o corpo lívido <strong>de</strong> um<br />
Cristo ensangüentado, cuja face voltava-se para o lado do pa<strong>de</strong>cente.<br />
9