12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Por esse lado creu estar <strong>de</strong>scansado e continu<strong>ou</strong> a cuidar nos seus<br />

trabalhos para terminá-los o mais prontamente possível e <strong>de</strong>ixar o sitio que tanto<br />

incomodava-o agora.<br />

Pensava em Antonica maldizendo a fatalida<strong>de</strong> que arraigara tão intensa<br />

paixão para a qual nem por um fugitivo pensamento ele quisera contribuir, e no<br />

entanto colaborara com a esperança.<br />

A moça vingava-se do <strong>de</strong>sabrimento com que foi tratada na última vez que<br />

tinham falado, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong>lir a sua formosura por uma consumpção rápida e fatal.<br />

Como a nuvem negra que, embora carregada <strong>de</strong> aguaceiro, <strong>de</strong>sliza sem<br />

ruído pela face do céu, Antonica, embora avergada ao sofrimento, vivia sem um ai<br />

ao lado do eleito dos seus sonhos.<br />

Procurava evitá-lo sem afetação, sem uma só aspereza <strong>de</strong> <strong>de</strong>speito, mas, às<br />

vezes vencida pelas necessida<strong>de</strong>s do coração e ao mesmo tempo contida pelo<br />

orgulho do amor <strong>de</strong>sprezado, guardava um meio-termo que aliciava-lhe os olhos e<br />

sopitava-lhe o tormento.<br />

Quando à tardinha o fazen<strong>de</strong>iro se sentava no terreiro da casa gran<strong>de</strong> ora a<br />

ler, ora a fumar distraidamente, ela colocava-se junto da moita que ficava ao lado do<br />

casarão e, pelas malhas do trançado dos arbustos, contemplava-o extática. Só a<br />

noite tirava-a do seu observatório.<br />

Uma tar<strong>de</strong> esta contemplação foi percebida por <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que se<br />

apied<strong>ou</strong> do <strong>de</strong>sditoso afeto a que ele, por sua honra, não podia bafejar.<br />

Teve sinceramente pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antonica e duas vezes agit<strong>ou</strong> o lenço<br />

chamando-a para junto <strong>de</strong> si.<br />

Uma recordação proibitiva interpôs-se-lhe, porém, aos sentimentos<br />

compassivos, lembr<strong>ou</strong>-se da carta <strong>de</strong> sua esposa, e uma força invencível impeliu-o a<br />

relê-la.<br />

O só contato do papel fê-lo estremecer; parecia ter entre mãos uma<br />

sentença cruel. O pressentimento torn<strong>ou</strong>-lhe maior a avi<strong>de</strong>z da leitura, que antemão<br />

assim abalava-o.<br />

Os primeiros períodos <strong>de</strong>sfizeram quase totalmente o estado moral que o<br />

abatia, e <strong>Motta</strong> pô<strong>de</strong> sorrir às veladas insinuações da sua esposa. Para o fim da<br />

carta a impressão foi bem diversa e o fazen<strong>de</strong>iro cheg<strong>ou</strong> a repetir alto os dois<br />

períodos.<br />

"Avalie quanto estes fatos <strong>de</strong>vem ter me incomodado. Eu sempre tive<br />

escrúpulos das relações com a família do compadre, e agora impressiona-me<br />

extraordinariamente a lembrança das suas familiarida<strong>de</strong>s com essa gente.<br />

Há por força um fundo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> na confissão <strong>de</strong> Carolina e péssima vista<br />

fará a sua convivência em uma casa, que dá guarida aos caprichos dos feitores."<br />

A odiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que vivia cercado em Macabu, as provocações <strong>de</strong> que era<br />

alvo para que <strong>de</strong>sorientassem-no dos caminhos da prudência e per<strong>de</strong>ssem-no numa<br />

precipitação; as calúnias que arrebentavam do anônimo, à semelhança <strong>de</strong> uma<br />

nuvem <strong>de</strong> mosquitos <strong>de</strong> um pântano, assediavam-no entre zunidos importunos e<br />

mordi<strong>de</strong>las incômodas; as ciladas que a todo o momento enredavam-lhe os passos;<br />

o seu viver <strong>de</strong> isolamento que, averbado <strong>de</strong> misantropia, abria largo e atraente<br />

campo às intrigas as mais abstrusas, tudo isso borbulh<strong>ou</strong> da memória do fazen<strong>de</strong>iro<br />

e, escoando-se pelos raciocínios exaltados, alag<strong>ou</strong>-lhe o coração <strong>de</strong> uma inundação<br />

<strong>de</strong> fel.<br />

A carta caiu-lhe com as mãos sobre os joelhos, ao passo que o olhar se<br />

fixava no céu.<br />

89

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!