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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Também da sua memória varreu-se a lembrança <strong>de</strong> Manuel João, por isso<br />

que o seu ato apareceu-lhe então ante a memória revestido com as ru<strong>de</strong>s mas<br />

justificáveis asperezas <strong>de</strong> uma cena violenta <strong>de</strong> arrufos.<br />

Nasceu-lhe, porém, uma repugnância invencível para com a família do<br />

compadre, a quem por pieda<strong>de</strong> dias antes recomeçara a tratar brandamente.<br />

Um inci<strong>de</strong>nte veio ainda agravar esta aversão.<br />

Vizinho às terras do sítio morava Lúcio Ribeiro, alcunhado o capadócio. Era<br />

um mulatinho <strong>de</strong> vinte e dois anos, franzino, <strong>de</strong> modos bruscos e palavras atrevidas.<br />

Des<strong>de</strong> longa data entre a família <strong>de</strong> Lúcio e <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> reinava a mais<br />

irreconciliável <strong>de</strong>savença.<br />

Lúcio vivia <strong>de</strong> ser votante, uma profissão muito rendosa e uma posição muito<br />

respeitável na roça. Somente é preciso saber fazer o oficio <strong>de</strong> votante, que tem<br />

calos bem doloridos.<br />

O votante é o guarda-costas da autorida<strong>de</strong> e da influência do lugar; <strong>de</strong>ve<br />

expor por eles a própria vida, como os antigos germanos expunham a sua pelos<br />

seus chefes.<br />

Quando algum indivíduo incomoda <strong>de</strong> qualquer forma a influência <strong>ou</strong> a<br />

autorida<strong>de</strong>, estas esmeram-se em acobertar o seu ressentimento e impelem contra o<br />

indivíduo votante — espécie <strong>de</strong> cão <strong>de</strong> fila que dorme-lhes à porta.<br />

A diferença entre os dois animais é que — um ataca <strong>de</strong> frente,<br />

corajosamente, navalhando e dilacerando com os <strong>de</strong>ntes amolados; — o <strong>ou</strong>tro<br />

assalta traiçoeiramente e maneja a espingarda <strong>ou</strong> a faca, pelas costas da vítima.<br />

Lúcio, havia algum tempo, tinha servido para significar a <strong>Coqueiro</strong> o<br />

<strong>de</strong>sagrado em que tinha incorrido para com o sub<strong>de</strong>legado <strong>de</strong> Macabu, honrado<br />

conservador que dominava o lugar, e que, para avigorar-lhe a <strong>de</strong>dicação, ameaçava<br />

constantemente o fiel Lúcio com um espectro horrendo — a praça.<br />

O resultado obtido pelo rapaz foi ganhar uma inimiza<strong>de</strong>, e esta <strong>de</strong>monstravaa<br />

claramente o fazen<strong>de</strong>iro negando a Lúcio e a todos os seus parentes passagem<br />

pelo seu sítio.<br />

A proibição tinha sido respeitada por muito tempo, mas agora acontecia o<br />

contrário; Lúcio, a pretexto <strong>de</strong> visitar Francisco Benedito, fazia do sítio o seu<br />

caminho.<br />

Conhecida por <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> a quebra da pena que tinha imposto a Lúcio,<br />

e informado <strong>de</strong> suas relações com Francisco Benedito, o fazen<strong>de</strong>iro fez disso um<br />

motivo para renovar, mas já em tom <strong>de</strong> intimação, o pedido ao compadre para que<br />

fizesse a sua casa.<br />

— Ouça, compadre, disse ele a Francisco Benedito; você pensa que é por<br />

lhe querer mal que eu insisto em querer que você faça a sua casa; e no entanto<br />

quero apenas evitar questões. Ainda hoje disseram-me que o Lúcio faz caminho<br />

pelo sítio e <strong>de</strong>sculpa-se com visitas à sua família. Eu não posso proibir que você se<br />

dê com este <strong>ou</strong> aquele, mas não posso consentir que entre pela minha casa <strong>de</strong>ntro<br />

um indivíduo que insult<strong>ou</strong>-me gratuitamente. Em todo caso, quando voltar ao sítio,<br />

<strong>de</strong>sejo achá-lo mudado.<br />

Francisco Benedito nada objet<strong>ou</strong>.<br />

O silêncio <strong>de</strong> Francisco Benedito foi apreciado por <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> a boa<br />

parte, e o fazen<strong>de</strong>iro enten<strong>de</strong>u que estava resolvida a gran<strong>de</strong> questão da mudança.<br />

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