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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

O ven<strong>de</strong>iro, vivamente impressionado com o que acabava <strong>de</strong> <strong>ou</strong>vir, fic<strong>ou</strong><br />

meditando por largo espaço. Tinham-se-lhe extinguido os bocejos, e as pálpebras<br />

como que se lhe paralisaram. Temia que fosse <strong>de</strong>scoberta a sua familiarida<strong>de</strong> com<br />

Manuel João <strong>de</strong> quem fora até certo ponto o instigador.<br />

Diversas vezes o ven<strong>de</strong>iro levant<strong>ou</strong> os olhos e crav<strong>ou</strong>-os no rosto do exfeitor,<br />

mas, encontrando as feições <strong>de</strong>compostas do amigo, <strong>de</strong>svi<strong>ou</strong> o olhar.<br />

Visivelmente o Viana temia emitir a sua opinião.<br />

— Quer dizer-me alguma c<strong>ou</strong>sa, seu Viana; fale porque eu tenho <strong>ou</strong>vidos.<br />

— Você não se zanga?<br />

— Po<strong>de</strong> dizer para ai.<br />

— Falando verda<strong>de</strong>, Manuel João, você foi um <strong>de</strong>sastrado, e a c<strong>ou</strong>sa po<strong>de</strong><br />

custar caro.<br />

— Pois sim; se não fosse por isso era por aquilo; o diabo andava-me com<br />

se<strong>de</strong>.<br />

— Mas se você não provocasse.<br />

— Deixe passar o tempo; você não há <strong>de</strong> falar mais <strong>de</strong>ste modo, po<strong>de</strong> ir<br />

pondo as barbas <strong>de</strong> molho. Lembra-se do dia em que sá Antonica ia-se afogando?<br />

— Tenho <strong>de</strong> cor.<br />

— Nesse dia foi que se <strong>de</strong>scobriu qual das três era a que ele estimava;<br />

beij<strong>ou</strong> sá Antonica à vista <strong>de</strong> todos.<br />

A testa do ven<strong>de</strong>iro enrug<strong>ou</strong>-se.<br />

— Depois, continu<strong>ou</strong> Manuel João, com estes olhos que a terra há <strong>de</strong> comer<br />

eu vi muitas vezes sá Antonica entrar na casa gran<strong>de</strong>, sozinha e <strong>de</strong> noite.<br />

— Ora ele é como pai <strong>de</strong>las; interrompeu o ven<strong>de</strong>iro profundamente<br />

<strong>de</strong>speitado; não estranho que ela o procure.<br />

— Mand<strong>ou</strong> uma negra fazer quartos a sá Antonica e, quando esta pior<strong>ou</strong>,<br />

mand<strong>ou</strong> para lá a Balbina, o estupor da feiticeira.<br />

— Tudo isso não prova nada.<br />

— É verda<strong>de</strong>; mas o que prova é que há muito tempo que você pediu sá<br />

Antonica, e o pai não ata nem <strong>de</strong>sata, e ela mesma não faz caso <strong>de</strong> você.<br />

Manuel João tinha tocado a chaga que sangrava o fingido ven<strong>de</strong>iro. Viana<br />

sentiu-se mordido pelas presas afiladas do <strong>de</strong>speito, quando Antonica maltrat<strong>ou</strong>-o<br />

positivamente, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ruminava no isolamento a <strong>de</strong>sforra ao <strong>de</strong>sabrimento<br />

da moça.<br />

Fechava-se com esta idéia e não queria vê-la transpirar ainda à custa da<br />

própria vida, pensava que ninguém tinha ainda percebido a frieza <strong>de</strong> Antonica para<br />

consigo e por isso contemporizava. Agora porém sabia <strong>de</strong> improviso que <strong>ou</strong>tros<br />

olhos, <strong>ou</strong>tra perspicácia <strong>de</strong>vassaram a causa das suas meditações <strong>de</strong> vingança.<br />

— E o que tem você com isso? Exclam<strong>ou</strong> o ven<strong>de</strong>iro. Cui<strong>de</strong> <strong>de</strong> si e olhe que<br />

não lhe sobra tempo.<br />

— Eu já sabia que havia <strong>de</strong> ficar sozinho, atalh<strong>ou</strong> Manuel João; mas não s<strong>ou</strong><br />

eu quem é o noivo <strong>de</strong> sá Antonica e portanto não s<strong>ou</strong> também eu quem mais raiva<br />

mete ao capitão. Não tome tento não e eu lhe mostro.<br />

Certo do efeito das suas palavras, Manuel João retir<strong>ou</strong>-se da taberna,<br />

<strong>de</strong>ixando Viana entregue às mais assustadoras conjeturas acerca do seu <strong>de</strong>stino.<br />

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