Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Qual! Não é assim, não, tia Balbina; o senhor está contente com o serviço.<br />
— Tolo! O branco muda <strong>de</strong> pensar como a mangueira muda <strong>de</strong> folhas. O<br />
<strong>de</strong>mônio anda nos olhos das filhas do agregado como o canto da coruja que<br />
adivinha morte. Quem sabe se é na casa gran<strong>de</strong>, quem sabe se é na senzala do<br />
cativo. Fidélis é preto e o branco terá sempre má fé com ele. E preciso ganhar a<br />
amiza<strong>de</strong> e o respeito do seu senhor.<br />
Pon<strong>de</strong>rando que as moças não <strong>de</strong>viam afastar-se por muito tempo <strong>de</strong><br />
Antonica para conversarem com ela e ajudá-la a mover-se, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> quis que<br />
Balbina continuasse no casarão, e a preta foi incumbida da lavagem da r<strong>ou</strong>pa e dos<br />
trabalhos da cozinha.<br />
Francisco Benedito e seu filho voltaram ao trabalho do embalsamento, ao<br />
qual reuniu-se mais um novo empregado, Faustino Silva.<br />
Homem <strong>de</strong> má nota nos arredores, Faustino guardava entretanto o aprumo<br />
do respeito diante do capitão <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, a quem dava mostras da maior<br />
consi<strong>de</strong>ração.<br />
Filho do lugar, esteve por longos anos fora <strong>de</strong>le por ter sido con<strong>de</strong>nado a 20<br />
anos <strong>de</strong> galés, por um assassinato.<br />
Madrugava-lhe ainda a mocida<strong>de</strong> quando cometeu esse crime, e a<br />
convivência <strong>de</strong> celerados, combinada com a própria índole, converteu-lhe o coração<br />
numa pedra lascada e arestosa, cujo contato feria, <strong>ou</strong> ao menos escoriava.<br />
Robusto e varonil, com quarenta anos <strong>de</strong> semi-ociosida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> vida<br />
gargalhada na ignomínia da grilheta, e <strong>de</strong>pois nos requebros dos fados, Faustino era<br />
um <strong>de</strong>sses produtos comuns da ignorância, que tanto abundam pelos sertões.<br />
Lia-se-lhe no rosto trigueiro, cercado por uma grossa barba negra, nos olhos<br />
mal-encarados, a torpeza <strong>de</strong> sua alma, e todos que o conheciam terminavam as<br />
suas apreciações acerca do novo trabalhador, dizendo: aquilo sempre é homem que<br />
mata os <strong>ou</strong>tros por dinheiro.<br />
Tal era Faustino, segundo dizia o povo, que muitas vezes, que o maior<br />
número das vezes, exagera os <strong>de</strong>feitos do indivíduo.<br />
Um irmão <strong>de</strong> Faustino, o Bento Silva, contava a seu respeito uma passagem<br />
romanesca.<br />
Uma noite, à hora da revista, em uma das fortalezas do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
toc<strong>ou</strong>-se a rebate pela fuga <strong>de</strong> um dos con<strong>de</strong>nados.<br />
Pôs-se tudo em ativida<strong>de</strong> para efetuar-se a sua captura imediata, mas todo o<br />
esforço malogr<strong>ou</strong>-se.<br />
Os escaleres expedidos seguiram todos na direção da terra, da parte que<br />
ficava mais próxima à fortaleza, mas o preso mais atilado seguiu em direção oposta.<br />
Nad<strong>ou</strong> ao largo da baía.<br />
Só pela madrugada conseguiu pôr pé fora das ondas, mas estava salvo.<br />
Ninguém o perseguiu, e ele pô<strong>de</strong> embarcar como marinheiro a bordo <strong>de</strong> uma<br />
escuna, que partia para Macaé.<br />
Aí <strong>de</strong>spediu-se do navio, e intern<strong>ou</strong>-se para Macabu, seu torrão natal, on<strong>de</strong><br />
levava a vida <strong>de</strong> trabalhador.<br />
Entre Faustino e Francisco Benedito manteve-se a reserva que há sempre<br />
entre indivíduos, que reciprocamente se conhecem.<br />
Nenhum <strong>de</strong>les gozava <strong>de</strong> boa fama, porém cada um consi<strong>de</strong>rava-se melhor<br />
do que o <strong>ou</strong>tro, e tinha escrúpulos na familiarida<strong>de</strong>.<br />
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