12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

— É assim que se botam a per<strong>de</strong>r os negros, resmung<strong>ou</strong> Manuel João; mas<br />

eu hei <strong>de</strong> mostrar.<br />

<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> <strong>ou</strong>viu o resmungar do feitor e resolveu examinar com os<br />

próprios olhos a causa que motivava tanto azedume contra Balbina.<br />

O sol era ar<strong>de</strong>nte, o calor abrasava. Era a hora em que o canavial inclina as<br />

folhas como as penas <strong>de</strong> um cocar enorme; em que a cigarra chilra tanto quanto fala<br />

um energúmeno, sem pausa, sem termo; em que a araponga-branca, à semelhança<br />

<strong>de</strong> um soluço <strong>de</strong> espuma sobre o ver<strong>de</strong>-mar do oceano, tine entre a folhagem do ipê<br />

vestido <strong>de</strong> novo os seus cantos agudos e tristonhos.<br />

Voam as nuvens <strong>de</strong> tiés e guaxás piando, tontos <strong>de</strong> calor, e as tiribas<br />

gárrulas coçam as asas <strong>de</strong> esmeralda entre a sombra rarefeita das embaúbas.<br />

Sob a copa das gran<strong>de</strong>s árvores do <strong>de</strong>scampado, o chão acolchoado <strong>de</strong><br />

folhas assemelha-se a uma praia coberta <strong>de</strong> conchas <strong>de</strong> <strong>ou</strong>ro, mas conchas<br />

sonoras, como pequenas marimbas cujas cordas <strong>de</strong>dilhasse o tênue sopro da<br />

aragem. E a multidão dos canários que aí se abriga da cruelda<strong>de</strong> da canícula.<br />

No meio da floresta <strong>ou</strong>vem-se todos os sons conhecidos; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o uivo<br />

soturno da turubina em ativida<strong>de</strong>, imitado pela cachoeira que ao longe se <strong>de</strong>spenha<br />

na grota, até o tilintar do martelo na bigorna imitado pela araponga; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o som do<br />

cornetim tocado ao <strong>de</strong> leve, fingido pela alegria curiosa dos galos-da-serra, até o<br />

gemido profundo, soluçado pelas juritis.<br />

É a glorificação da sombra pelo mais harmonioso dos coros, e a mais<br />

ca<strong>de</strong>nciada das orquestras, regidos pela natureza.<br />

Os escravos <strong>de</strong> eito não se abrigavam, porém, senão sob a copa rendada<br />

das sambabaias, e as alas <strong>de</strong> cafezeiros.<br />

Manejando as enxadas polidas, como o sacristão maneja a campainha na<br />

hora da elevação da hóstia, ofereciam aos céus, entre os cantos monótonos, o maior<br />

<strong>de</strong> todos os sacrifícios, o gran<strong>de</strong> sacrifício do trabalho.<br />

O eito subia rápido e já estava em mais <strong>de</strong> meio. Lavada em suor Balbina<br />

encost<strong>ou</strong> a enxada a um cafezeiro e dirigiu-se ao feitor participando-lhe que ia beber<br />

água.<br />

Dentro <strong>de</strong> alguns minutos a cabinda estava <strong>de</strong> volta, para não dar pretexto à<br />

explosão da raiva <strong>de</strong> Manuel João.<br />

— Oh! Tia, brad<strong>ou</strong> ele, a água tinha espinhas?<br />

— Balbina não <strong>de</strong>mor<strong>ou</strong>, respon<strong>de</strong>u a preta; o eito ainda não and<strong>ou</strong> nem o<br />

cabo <strong>de</strong> uma enxada. A carreira <strong>de</strong> café que Balbina limpa, fic<strong>ou</strong> sem adjutório,<br />

porque ela pediu aos seus parceiros. Balbina há <strong>de</strong> chegar com eles ao fim do eito.<br />

— Vamos! Continue com o seu palavreado; eu est<strong>ou</strong> <strong>ou</strong>vindo.<br />

— Vosmecê pergunt<strong>ou</strong>, eu respondi.<br />

Manuel João incumbiu ao seu rebenque a contradita à lógica da escrava,<br />

mas ainda não tinha <strong>de</strong>scarregado a segunda lambada, quando foi sustado por um<br />

grito.<br />

<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> tinha acompanhado a distância a gente e, escondido, seguia<br />

todos os movimentos do feitor e da preta Balbina.<br />

Certo <strong>de</strong> que uma injustiça era a motora do castigo, o homem que só se<br />

inspirava na retidão e que só por ela era severo, indign<strong>ou</strong>-se e fulmin<strong>ou</strong> na mesma<br />

hora o culpado.<br />

77

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!