Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
— O pai do céu é bom; se a filha dos brancos disfarçar, se não ficar sempre<br />
triste, po<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r dos olhos <strong>de</strong> seu pai, até que possa aparecer com seu marido.<br />
Sá Chiquinha não há <strong>de</strong> ser infeliz como Carolina, que foi quase a morrer parar nas<br />
mãos do d<strong>ou</strong>tor, porque o pai <strong>de</strong>sprez<strong>ou</strong> o filho da cri<strong>ou</strong>la.<br />
Chiquinha começ<strong>ou</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esta hora a esperar o dia em que <strong>de</strong>via ter uma<br />
fatal certeza, e Balbina continu<strong>ou</strong> na sua tarefa gratuita <strong>de</strong> tudo observar.<br />
Antonica tinha entrado em convalescença e já passava horas inteiras a<br />
conversar com sua mãe e irmãs.<br />
Através do amuo inerente à enfermida<strong>de</strong> já escapavam-lhe do coração para<br />
os lábios uns fugitivos sorrisos.<br />
Ainda uma extrema fraqueza impedia-a <strong>de</strong> levantar-se sozinha, e todavia os<br />
serviços <strong>de</strong> Balbina foram dispensados pela família do agregado.<br />
Esta venceu por fim, <strong>de</strong>ixando aquele ansiar prostrado na liça.<br />
Interpretando como um acolhimento benévolo e digno o silêncio <strong>de</strong><br />
Mariquinhas, Manuel João continu<strong>ou</strong> ainda mais submissa e humil<strong>de</strong>mente:<br />
— O amor é assim mesmo, sá Mariquinhas; às vezes fica-se doido. Quem<br />
ama <strong>de</strong>ve perdoar.<br />
Ditas estas palavras, o feitor acheg<strong>ou</strong>-se vagarosamente <strong>de</strong> Mariquinhas e<br />
curv<strong>ou</strong>-se para profanar-lhe mais uma vez as faces morenas.<br />
Tudo quanto a dignida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> mais solene quando uma provocação<br />
iníqua vem sobrelevá-la, irrompeu da fraqueza <strong>de</strong> Mariquinhas.<br />
Pondo-se <strong>de</strong> pé, com os punhos cerrados, os lábios trêmulos e a voz<br />
repassada <strong>de</strong> ameaçadora amargura, recu<strong>ou</strong> para logo avançar corajosamente até o<br />
feitor.<br />
— Escute bem, seu covar<strong>de</strong>; exclam<strong>ou</strong> Mariquinhas; eu já lhe estimei muito,<br />
mas hoje tenho até nojo <strong>de</strong> você, seu malvado. Deixe-me passar.<br />
E adiant<strong>ou</strong>-se para passar. Foi, porém, tolhida pelo feitor, que segurara-lhe o<br />
braço, exclamando.<br />
— Perdoe, sá Mariquinhas; eu hei <strong>de</strong> me casar com você.<br />
— Nunca! Exclam<strong>ou</strong> a moça, que se pô<strong>de</strong> livrar; prefiro morrer; po<strong>de</strong> fazer o<br />
que me disse; mate-me.<br />
Manuel João fic<strong>ou</strong> <strong>de</strong> pé com o ar boçal <strong>de</strong> um larápio surpreendido<br />
enquanto Mariquinhas se afastava.<br />
Deliberava-se talvez a segui-la, mas no mesmo instante pass<strong>ou</strong> por junto<br />
<strong>de</strong>le a tia Balbina, sobraçando um feixe <strong>de</strong> gravetos.<br />
Balbina tinha <strong>ou</strong>vido quanto era bastante para compreen<strong>de</strong>r que um ato <strong>de</strong><br />
violência tinha sido cometido pelo feitor contra a moça, e Manuel João por sua vez<br />
convenceu-se <strong>de</strong> que a feiticeira estava <strong>de</strong> posse do seu segredo.<br />
Era <strong>de</strong> seus dias no sítio a <strong>de</strong>scoberta dos instrumentos <strong>de</strong> feitiçaria em<br />
po<strong>de</strong>r da escrava e portanto fácil lhe foi atinar com um meio que, no seu enten<strong>de</strong>r,<br />
frustraria toda a importância das acusações que ela, porventura, tencionasse fazer<br />
contra si.<br />
Confiado na solução razoável que engenh<strong>ou</strong> para a sua melindrosa<br />
situação, o feitor esper<strong>ou</strong> a oportunida<strong>de</strong> para pô-la em obra.<br />
74