12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

perspicácia da vingança, Balbina era dotada <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> talismã fatídico que<br />

atraía para si todos os espíritos que se lhe acercavam.<br />

Dois fatos chamaram prontamente a atenção da cabinda, que andava<br />

sempre à cata <strong>de</strong> elementos para com eles; fortalecer a teia em que buscava<br />

enredar os seus senhores: foram a tristeza <strong>de</strong> Chiquinha e um visível apatetamento<br />

que obscurecia as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mariquinhas.<br />

Chiquinha cheg<strong>ou</strong>-se um dia à Balbina e queix<strong>ou</strong>-se-lhe <strong>de</strong> que passava os<br />

dias opressa por uma tristeza inextinguível ora povoada <strong>de</strong> sobressaltos, ora <strong>de</strong><br />

visões encantadoras e carinhosas.<br />

— Não sei o que tenho, tia Balbina, parece que est<strong>ou</strong> sempre sonhando...<br />

— Além disso, continu<strong>ou</strong> Chiquinha, tudo me aborrece e tudo me preocupa;<br />

não tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer e se alguma força faço sobre mim calo num enjôo, que<br />

só se acaba por vômitos. V<strong>ou</strong> emagrecendo a olhos vistos.<br />

Os sintomas dados por Chiquinha eram claros <strong>de</strong>mais para a arte da<br />

feiticeira e assim podia esta falar com toda a segurança.<br />

Mas o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Balbina era o mistério e a dubieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido das suas<br />

palavras, que lhe <strong>de</strong>ixava sempre aberta uma saída. Preferia o labirinto à linha reta.<br />

Segundo os seus hábitos Balbina respon<strong>de</strong>u à queixosa:<br />

— O coração da gente bate às vezes com força; os olhos não vêem, o corpo<br />

não foge. À hora da lua o mata-pasto <strong>de</strong> flor amarela fecha, como os cativos seus<br />

olhos cansados, as folhas que são o relógio do escravo. Mas o coração não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

bater, não quer se trancar <strong>de</strong>ntro do peito; quer voar como o vaga-lume.<br />

De manhã, quando o sol nasce, a folha é que se abre então, e o coração é<br />

que muitas vezes fica fechado. Balbina não po<strong>de</strong> proibir que o grilo ver<strong>de</strong> roa a folha<br />

que se abriu ao sol, nem que a tristeza more no coração que se abriu aos raios da<br />

lua.<br />

— Mas quem é que lhe disse que meu coração se abriu na hora da lua?<br />

Pergunt<strong>ou</strong>-lhe a moça admirada.<br />

— Carolina gemia; a alma <strong>de</strong> Balbina fic<strong>ou</strong> triste como o carneiro que vai<br />

morrer, e a cabinda saiu para pedir às ervas <strong>de</strong> Deus o sossego da cri<strong>ou</strong>la. Na<br />

baixada cresce a erva-<strong>de</strong>-são-joão com o seu cheiro bom e com a sua penugem <strong>de</strong><br />

pombo novo. A cabinda queria trazer a erva para remédio da doente. No meio da<br />

colheita Balbina se assust<strong>ou</strong>, porque viu um vulto branco como a boneca da paina...<br />

— E quem era este vulto? Interrog<strong>ou</strong> a voz trêmula <strong>de</strong> Chiquinha.<br />

— A negra não é quem po<strong>de</strong> dizer à filha dos brancos, respon<strong>de</strong>u Balbina<br />

lançando à moça um olhar, que a fez envermelhecer. A negra viu o vulto branco,<br />

mas não pô<strong>de</strong> saber quem era o <strong>ou</strong>tro, que tom<strong>ou</strong> pelo caminho da baixada.<br />

— Mas diga, tia Balbina, diga o que é que eu tenho; diga pelo amor <strong>de</strong> Deus.<br />

— Balbina só po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong>ntro do <strong>ou</strong>vido <strong>de</strong> sá Chiquinha; escute.<br />

A preta começ<strong>ou</strong> então a segredar, e à proporção que ela falava, Chiquinha<br />

empali<strong>de</strong>cia.<br />

Quando Balbina termin<strong>ou</strong>, as lágrimas corriam em borbotões pela face da<br />

moça, que só teve forças para exclamar.<br />

— Oh! Meu pai do céu, salvai-me por que eu est<strong>ou</strong> perdida.<br />

73

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!