Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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Neste honroso empenho, durante dois dias e duas noites, vel<strong>ou</strong> a família <strong>de</strong><br />
Francisco Benedito à cabeceira da Antonica, mas o cansaço diminuiu por fim a boa<br />
vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong>dicação.<br />
Estavam todos extenuados.<br />
Dois oferecimentos espontâneos apressaram-se em pedir à família o<br />
encargo dos quartos à enferma, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> mand<strong>ou</strong> uma <strong>de</strong> suas escravas, e<br />
Manuel João ofereceu-se para velar com ela.<br />
Por hora adiantada da noite um acesso violento obrig<strong>ou</strong> os bons serviços <strong>de</strong><br />
Manuel João e da escrava, e além <strong>de</strong>les apareceu no quarto a bondosa<br />
Mariquinhas.<br />
Apesar do baralho, que foi feito pelas vascas da doente, ninguém mais<br />
acord<strong>ou</strong>, o que provava quão pesado era o sono dormido pela família.<br />
Passado o acesso, a escrava foi sentar-se a um canto do quarto,<br />
Mariquinhas sent<strong>ou</strong>-se para os pés do leito e Manuel João à cabeceira.<br />
A escrava não vel<strong>ou</strong> por muito tempo; em breve <strong>ou</strong>viu-se o seu franco<br />
ressonar.<br />
Estavam, pois, sós Mariquinhas e o feitor.<br />
Os seus olhares embebiam-se reciprocamente na mais expressiva ternura,<br />
trocando as frases que o respeito à enferma impediam <strong>de</strong> pronunciar-se.<br />
Pelos lábios <strong>de</strong> Mariquinhas serpeavam esses sorrisos in<strong>de</strong>finíveis da<br />
mulher que se crê amada, quando vê-se contemplada pelo seu amante; sorriso feito<br />
<strong>de</strong> um tom <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong> sobre esplêndido colorido <strong>de</strong> gratidão e que é o melhor<br />
coroamento do amor.<br />
Para se <strong>de</strong>ixar fitar mais à vonta<strong>de</strong>, em toda a franqueza e sedução dos<br />
seus encantos, a moça coloc<strong>ou</strong> o braço no da marquesa e na concha da mão<br />
pequenina <strong>de</strong>it<strong>ou</strong> a face morena.<br />
Contrastando com a imobilida<strong>de</strong> do busto, Mariquinhas balançava<br />
distraidamente uma das pernas, com um movimento compassado e lânguido.<br />
Talvez para mais encantar o contemplativo feitor, a moça <strong>de</strong> quando em<br />
quando cerrava as pálpebras nacaradas, para suspendê-las <strong>de</strong>pois no raio úmido e<br />
amplo do seu olhar aveludado.<br />
— Por que não vai dormir, sá Mariquinhas; eu e a rapariga bastamos para<br />
qualquer c<strong>ou</strong>sa.<br />
— Est<strong>ou</strong> bem aqui, respon<strong>de</strong>u Mariquinhas.<br />
Fizeram ambos silêncio em seguida, porque a doente revolvera-se no leito.<br />
Foi este um pretexto para que Manuel João se levantasse e logo inclinado sobre a<br />
face <strong>de</strong> Mariquinhas, com os lábios quase a roçarem-lhe o <strong>de</strong>licado pavilhão das<br />
orelhas, lhe segredasse:<br />
— Vá dormir, sim? Olha que me está fazendo mal.<br />
Quanta felicida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>rramado nalma ingênua da amante <strong>de</strong><br />
quinze anos esta solicitu<strong>de</strong> respeitosa e acariciante.<br />
— Está bom, respon<strong>de</strong>u Mariquinhas; eu v<strong>ou</strong> aqui para a sala, se precisar<br />
<strong>de</strong> alguma c<strong>ou</strong>sa, chame.<br />
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