Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
A última exclamação foi feita à porta do quarto, e era motivada pela posição<br />
<strong>de</strong> Antonica.<br />
Caprichoso no <strong>de</strong>sempenho do seu papel o ven<strong>de</strong>iro entr<strong>ou</strong><br />
precipitadamente emitindo frases em aluvião:<br />
— O que foi isto, sá Antonica? Que diacho <strong>de</strong> c<strong>ou</strong>sa! Quase que foi para a<br />
cova; vejam que brinca<strong>de</strong>ira.<br />
— Ora o que foi? Um banho, respon<strong>de</strong>u Antonica.<br />
Toda a família veio para o quarto a chamado <strong>de</strong> Francisco Benedito, que<br />
não podia conter-se <strong>de</strong> alegria.<br />
Choveram comentários do perigo e manifestações <strong>de</strong> regozijo.<br />
— Só você podia curá-la, seu Viana; abaixo <strong>de</strong> Deus, o compadre valeu-nos<br />
muito, mas não é o noivo.<br />
A vaida<strong>de</strong> lisonjeada do ven<strong>de</strong>iro oper<strong>ou</strong> alguns requintes do estilo da<br />
modéstia forçada, a divinda<strong>de</strong> universal que tem altares <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o sertão até os mais<br />
civilizados centros, e afinal caiu inanida do esforço no mais parvo mutismo.<br />
Tendo dado franqueza às expansões, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> assom<strong>ou</strong> à porta no<br />
momento em que Antonica, para <strong>de</strong>safiar os esconjuros <strong>de</strong> sua mãe, dizia:<br />
— Era bem bom que o banho fosse até o fim.<br />
— Já não há perigo, disse o fazen<strong>de</strong>iro; agora parto para o meu trabalho.<br />
Um coro <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimentos rompeu <strong>de</strong> toda a família; só Antonica fez<br />
exceção, e dirigindo-se ao fazen<strong>de</strong>iro, verteu todo o seu <strong>de</strong>speito numa pergunta:<br />
— O que seria melhor para uma pessoa, seu capitão, morrer <strong>ou</strong> querer<br />
morrer por alguém que não merece?<br />
— Conforme, respon<strong>de</strong>u ele; se a pessoa for moça, o melhor é casar-se com<br />
quem mereça.<br />
A conversa continu<strong>ou</strong> animada junto do leito <strong>de</strong> Antonica, mas já não<br />
colaborava nos ditos <strong>de</strong> alegria e espírito a voz da doente.<br />
Concentrando-se a p<strong>ou</strong>co e p<strong>ou</strong>co, e respon<strong>de</strong>ndo ao acaso, Antonica<br />
termin<strong>ou</strong> por dizer que se sentia pior, e pedir que falassem mais baixo.<br />
Alguns minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>it<strong>ou</strong>-se queixando-se <strong>de</strong> dores na cabeça e<br />
calafrios.<br />
— Parece que tenho febre, disse ela, e pediu às pessoas que estavam no<br />
quarto para que se retirassem.<br />
Fic<strong>ou</strong> apenas no aposento a velha mãe <strong>de</strong> Antonica, que para logo teve <strong>de</strong><br />
pedir auxilio, porque a moça começ<strong>ou</strong> a convulsionar, como se fora morrer.<br />
Esta recaída inopinada agrav<strong>ou</strong>-se assombrosamente e <strong>de</strong> novo a família<br />
julg<strong>ou</strong> perdida irremediavelmente a enferma.<br />
Ataques violentos obrigavam aos maiores cuidados e a quase contínuo<br />
excesso <strong>de</strong> força para impedir que durante eles a doente não se magoasse ainda<br />
mais, <strong>ou</strong> fosse vítima <strong>de</strong> algum dos seus bruscos movimentos.<br />
69