Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— O que foi? Pergunt<strong>ou</strong> lá <strong>de</strong>ntro a boa Mariquinhas ao seu irmão.<br />
— Ora o que havia <strong>de</strong> ser, histórias do casamento. Papai fal<strong>ou</strong> com o<br />
Sebastião e o Viana para ajudarem a fazer a casa e Sebastião disse que sim,<br />
contanto que pelo Natal ele havia <strong>de</strong> estar com Chiquinha em seu po<strong>de</strong>r, e o Viana<br />
fez uma cama <strong>de</strong> Antonica.<br />
— Veja só este papai; então Antonica é que há <strong>de</strong> ir ver seu Viana lá na<br />
venda.<br />
— Eu não sei, o que eu <strong>ou</strong>vi foi o Viana dizer que papai já <strong>de</strong>ve na venda<br />
vinte mil réis <strong>de</strong> mantimentos e que, se Antonica não tem <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>le, quer o seu<br />
dinheiro, porque não está para trabalhar para o bispo.<br />
— Esse <strong>de</strong>savergonhado; e tem uma carinha <strong>de</strong> santo; eu se fosse papai<br />
não queria mais que ele casasse com a mana.<br />
— Ainda você não sabe tudo; ele disse que, se Antonica não quiser casar<br />
com ele, haja o que h<strong>ou</strong>ver, ele há <strong>de</strong> mandar citar papai e fazer penhora nas<br />
benfeitorias; do céu venha o remédio.<br />
Mariquinhas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter servido a seu irmão, foi à sala levar o café a seu<br />
pai, que continuava a repreen<strong>de</strong>r severamente a mísera Antonica.<br />
Então pô<strong>de</strong> confirmar a exatidão das palavras <strong>de</strong> seu irmão, porque <strong>ou</strong>viu a<br />
Francisco Benedito esta frase expressiva:<br />
— E sabe o que mais, minha malandra, lá está uma conta <strong>de</strong> vinte mil réis,<br />
que vocês comeram; eu não tenho dinheiro agora; o que v<strong>ou</strong> receber do compadre é<br />
para a casa; senão quiser casar com o Viana, você tem um remédio, pague-lhe os<br />
vinte mil réis.<br />
— Vão para <strong>de</strong>ntro, meninas! Grit<strong>ou</strong> a velha mãe, ao passo que tomava a<br />
xícara das mãos <strong>de</strong> Mariquinhas. Você também lembre-se que tem <strong>de</strong> trabalhar<br />
amanhã, seu Chico, <strong>ou</strong> eu mando chamar o compadre.<br />
Depois <strong>de</strong> rogar inúmeras pragas, e romper nas mais torpes obscenida<strong>de</strong>s,<br />
Francisco Benedito caminh<strong>ou</strong> cambaleando para o seu quarto, e enfim a casa caiu<br />
em absoluto silêncio, à exceção do quarto em que dormiam as moças.<br />
Aí <strong>ou</strong>viam-se soluços abafados, mas perenes; era a <strong>de</strong>sditosa Antonica, que<br />
encostada ao braço da marquesa pranteava inconsolavelmente.<br />
De manhã, ao levantarem-se, suas irmãs encontraram-na no mesmo lugar;<br />
dormindo o sono da extenuação.<br />
Apesar do cuidado das moças para não acordarem-na, Antonica estava <strong>de</strong><br />
pé <strong>de</strong>ntro em p<strong>ou</strong>co.<br />
Cobria-lhe o rosto uma pali<strong>de</strong>z mortal, mas os seus olhos não tinham<br />
lágrimas, nem uma queixa sequer escapava-lhe dos lábios.<br />
Pelas <strong>de</strong>z horas da manhã só Antonica e sua mãe estavam em casa; o pai e<br />
os irmãos tinham saído todos para o porto; Chiquinha e Mariquinhas para lavar a<br />
r<strong>ou</strong>pa, Francisco Benedito e seu filho para a empreitada do embalsamento da<br />
ma<strong>de</strong>ira.<br />
Antonica, que <strong>de</strong> vez em quando ia espiar à janela, viu no campo o sisudo<br />
fazen<strong>de</strong>iro, que vinha a cavalo, em direção à casa. Após ele corria o moleque<br />
Carlos, e caminhavam a passo os escravos, tocando os bois aj<strong>ou</strong>jados.<br />
Depois <strong>de</strong> amarrar o cavalo, do qual o senhor tinha apeado no terreiro,<br />
Carlos correu até o casarão e comunic<strong>ou</strong> à Antonica que seu pai pedia para que lhe<br />
mandassem o almoço no porto.<br />
64