Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
voltasse; o irmão era o companheiro obrigado do velho; e a religiosa mãe <strong>de</strong><br />
Antonica, assentada a cochilar numa banquinha <strong>de</strong> costura, quitava-se com a<br />
Virgem, <strong>de</strong> quem era <strong>de</strong>vota, <strong>de</strong>sfiando em o seu l<strong>ou</strong>vor o rosário <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s contas<br />
negras.<br />
Para po<strong>de</strong>r dar curso às lágrimas, que não se continham, a moça sent<strong>ou</strong>-se<br />
a coser junto à velha mesa da sala.<br />
Seriam oito horas da noite quando Francisco Benedito, empurrando<br />
est<strong>ou</strong>vadamente a porta, entr<strong>ou</strong> em casa, gritando com voz arrastada:<br />
— Oh com seiscentos: já dormem por aqui, suas malandras?<br />
Antonica e Mariquinhas, <strong>de</strong>ixando os seus trabalhos, vieram beijar a mão ao<br />
pai, e a velha resmung<strong>ou</strong> lá no seu canto:<br />
— Ave Maria, que modos estes, seu Chico.<br />
— A água é que já estava lá <strong>de</strong>ntro ressonando <strong>de</strong> tanto ferver; ronca como<br />
peão dormindo, acrescent<strong>ou</strong> Mariquinhas.<br />
— Bico, sua poeta; não seja respondona; eu quando falo é porque sei; on<strong>de</strong><br />
está Chiquinha?<br />
— Está doente, papai.<br />
— Diga-lhe que o Sebastião esteve comigo na venda e quer os enxovais<br />
prontos para o Natal, senão vai tudo raso.<br />
As moças afastaram-se e Chico Benedito foi atirar-se sobre um mocho como<br />
um corpo inerte.<br />
O abuso das bebidas alcoólicas tinha-o posto no lastimoso estado <strong>de</strong> não<br />
po<strong>de</strong>r perfilar-se, e a língua trôpega mal podia prestar-se à fala, que era justamente<br />
o sestro do agregado, quando se embriagava.<br />
— Oh! Senhora, exclam<strong>ou</strong> ele para sua mulher, isto por aqui não me está<br />
cheirando bem. Ainda agora o Viana preg<strong>ou</strong>-me lá um sermão <strong>de</strong> quaresma por<br />
causa da Antonica, e disse-me que amanhã quer fechar o negócio; <strong>ou</strong> casa <strong>ou</strong> não<br />
casa!<br />
A velha nada respon<strong>de</strong>u; continuava pachorrentamente a rolar entre os<br />
<strong>de</strong>dos as contas do seu rosário.<br />
— Oh! Rapariga? Brad<strong>ou</strong> Francisco Benedito, <strong>de</strong>ixa lá esta costura e vem<br />
para o pé <strong>de</strong> mim.<br />
Antonica obe<strong>de</strong>ceu e coloc<strong>ou</strong>-se junto ao pai que, segurando-lhe das mãos,<br />
continu<strong>ou</strong>:<br />
— Olha bem para teu pai; amanhã há <strong>de</strong> vir cá o Viana, você não se ponha<br />
com piegas; trate-me bem ao rapaz, senão ponho-te pela porta fora, porque não<br />
est<strong>ou</strong> para <strong>de</strong>saforos. Fica entendido; ponho-te os quartos na rua. Po<strong>de</strong> ir...<br />
Estas últimas palavras foram acompanhadas por um safanão brutal e<br />
Antonica silenciosa volt<strong>ou</strong> para a sua costura.<br />
63