Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Então vai fugida, pergunt<strong>ou</strong> ele; parece um pé-<strong>de</strong>-vento.<br />
— Vim falar com a Isabel.<br />
— Então não perca tempo; faz-se noite e por aí andam lobisomens.<br />
— Que me importa, respon<strong>de</strong>u a moça; é c<strong>ou</strong>sa <strong>de</strong> que eu não tenho medo.<br />
Antonica pass<strong>ou</strong> pelo fazen<strong>de</strong>iro e entr<strong>ou</strong> pela primeira porta. Depois <strong>de</strong><br />
algum tempo, quando talvez <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> já não pensasse nela, a moça apareceu<br />
na porta do corredor; e disse com voz suavemente modulada:<br />
faça.<br />
— Isabel foi buscar uma camisa para servir <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> à que ela quer que eu<br />
<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que estremecera ao <strong>ou</strong>vir as palavras <strong>de</strong> Antonica, volt<strong>ou</strong>se<br />
entretanto, disfarçando a comoção, exclam<strong>ou</strong> com intimida<strong>de</strong>:<br />
— Ah! Você faz camisas para ven<strong>de</strong>r; eu hei <strong>de</strong> lhe mandar pano para você<br />
fazer-me também uma <strong>de</strong> peito bordado.<br />
— Ora, seu capitão tem muito quem faça, não precisa <strong>de</strong> uma matuta feia.<br />
— Não pregue mentiras que é o que é feio.<br />
— Então eu não s<strong>ou</strong> feia? E como é que ninguém gosta <strong>de</strong> mim?<br />
— Ai! Que você é uma gran<strong>de</strong> mentirosa, Sra. Antonica. O seu pai já disseme<br />
as cavalarias altas que lá vão por casa com o... o... Para que está ficando<br />
vermelha; levante os olhos, <strong>de</strong>ixe o lenço sossegado... Ah! Sonsinha.<br />
Antonica experiment<strong>ou</strong>, <strong>de</strong> feito, uma sensível mudança quando <strong>Motta</strong><br />
<strong>Coqueiro</strong> revel<strong>ou</strong>-lhe que sabia <strong>de</strong> seus esponsais com o ven<strong>de</strong>iro.<br />
Com os olhos baixos, as faces em brasas, e as mãos a enrolarem as pontas<br />
do lenço, que lhe cingia o pescoço, a moça estremecia como se fora presa <strong>de</strong><br />
renitentes calafrios.<br />
Não querendo aumentar a perturbação <strong>de</strong> Antonica, o fazen<strong>de</strong>iro cal<strong>ou</strong>-se.<br />
Entre eles esten<strong>de</strong>u-se o silêncio elétrico que prece<strong>de</strong> as gran<strong>de</strong>s explosões do<br />
coração, como o relâmpago prece<strong>de</strong> o fulminar do raio.<br />
Juntava-se a este silêncio a solidão e melancolia do crepúsculo a cercarem<br />
esse encontro inesperado.<br />
Como se copiasse o palpitar contido daqueles corações, um velho relógio <strong>de</strong><br />
pare<strong>de</strong> movia a pêndula, batendo compassadamente.<br />
Antonica foi a primeira a romper o silêncio, e, dando à voz a brandura da<br />
pelúcia, pon<strong>de</strong>r<strong>ou</strong>:<br />
— Mas se o seu capitão quiser eu não me caso.<br />
— Eu, filha? Eu nada tenho com isto.<br />
— Nada?! Pergunt<strong>ou</strong> ela admirada.<br />
Mas a compreensão <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> não ilumin<strong>ou</strong>-se apesar <strong>de</strong> <strong>ou</strong>vir esta<br />
dolorosa interrogação, em que a moça parecia haver encarnado a alma inteira.<br />
Nesta simplíssima palavra encerrava-se toda uma história <strong>de</strong> pa<strong>de</strong>cimentos<br />
in<strong>de</strong>scritíveis, e expandia-se a confissão queixosa <strong>de</strong> um segredo, que ninguém<br />
jamais percebera, guardado pela mais refletida precaução, calculado hora a hora<br />
para coroar-se com a vitória.<br />
60