12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

miserável escalador conteve-se em meio do salto e atir<strong>ou</strong>-se para fora<br />

precipitadamente.<br />

Uma palavra, um grito podia perdê-lo aos olhos <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> e este, se<br />

sabia relevar com brandura, sabia também punir com severida<strong>de</strong>.<br />

Levantando-se <strong>de</strong> pronto, o feitor <strong>de</strong>it<strong>ou</strong> a correr como se fora perseguido.<br />

Entretanto só o perseguia a consciência da infâmia que tent<strong>ou</strong> levar a efeito.<br />

Meio acordadas pelo barulho, as moças apenas revolveram-se nos leitos,<br />

voltaram-se e continuaram a dormir.<br />

Na carreira que levava, o feitor coste<strong>ou</strong> sem tropeço o casarão e a casa<br />

gran<strong>de</strong>, mas, ao sair do vão entre esta e a casa em que residia, foi obrigado a <strong>de</strong>terse.<br />

A luz que saía <strong>de</strong> uma das senzalas, cuja porta estava aberta, <strong>de</strong>ixava ver<br />

um vulto <strong>de</strong> mulher.<br />

O cansaço embarg<strong>ou</strong> por algum tempo a voz do corredor; <strong>de</strong>mais, falar era<br />

no mesmo instante dar lugar a uma suspeita contra si, caso alguém da família <strong>de</strong><br />

Chico Benedito h<strong>ou</strong>vesse acordado ao barulho que fizera na escalada.<br />

Por <strong>ou</strong>tro lado a autorida<strong>de</strong> que exercia no sítio obrigava-o a falar, sob pena<br />

<strong>de</strong> ver perdida a sua força moral.<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar um p<strong>ou</strong>co, Manuel João caminh<strong>ou</strong> ainda arquejante<br />

até à porta da senzala, e dissimulando o espanto com uma admiração, fingidamente<br />

benévola, pergunt<strong>ou</strong>:<br />

Deus.<br />

— O que é que você faz aí, tia Balbina?<br />

— A negra per<strong>de</strong>u o sono, veio sentar na soleira da porta, para ver o céu <strong>de</strong><br />

— Mas por que é que você per<strong>de</strong>u o sono? Não trabalh<strong>ou</strong> hoje, não é?<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser dobrada a doze.<br />

— A negra veio cansada, sim, e foi para a sua cama dormir. Mas o canto da<br />

coruja veio com seu agoiro tirar o sono <strong>de</strong> Balbina. A lembrança <strong>de</strong> Carolina, que foi<br />

quase morta parar nas mãos do d<strong>ou</strong>tor, veio apertar o coração da negra. A pobre da<br />

cri<strong>ou</strong>la <strong>de</strong>via ter um filho bonito, e o filho vai morrer também. Balbina, que sabe, tem<br />

pena <strong>de</strong> mãe e <strong>de</strong> filho, e a negra chor<strong>ou</strong> e não pô<strong>de</strong> dormir.<br />

— Está bom, tia Balbina; veja se vai dormir.<br />

No timbre da voz <strong>de</strong> Manuel João traía-se uma profunda angústia; era um<br />

soluço do remorso articulado no tom da bonomia.<br />

Balbina, porém, não apied<strong>ou</strong>-se do sofrimento que percebeu e replic<strong>ou</strong>-lhe<br />

pela ferocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ironia cruel:<br />

— Vosmecê po<strong>de</strong> dormir, porque nada tem com a cri<strong>ou</strong>la, nem com o filho<br />

<strong>de</strong>la; Balbina, não; ela estima Carolina como se fosse sua mãe.<br />

Manuel João cal<strong>ou</strong>-se e seguiu para a sua morada. Quando a luz do<br />

can<strong>de</strong>eiro <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> verem-se-lhe as feições, havia nelas o cunho da extenuação e do<br />

sofrimento.<br />

Os sucessos da noite enchiam-no <strong>de</strong> um pânico supersticioso; vigiava-se<br />

como se julgasse seguido e não <strong>ou</strong>sava apagar o can<strong>de</strong>eiro.<br />

Num contínuo vaivém, o <strong>de</strong>sgraçado ora apertava a cabeça entre as mãos,<br />

ora segurava a larga faca polida, que lhe pendia da cintura, e brandia-a.<br />

Adivinhava-se que aquele espírito lutava entre o suicídio e o remorso.<br />

57

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!