Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Só então <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> apareceu na janela, e admirando-se <strong>de</strong> não ver<br />
Manuel João, respon<strong>de</strong>ram-lhe que ainda não tinha chegado em casa.<br />
— Ele não esteve assistindo ao serviço? Pergunt<strong>ou</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />
— Já há muito, respon<strong>de</strong>u Fidélis, que quando o senhor vem embora, seu<br />
Manuel João acompanha o senhor.<br />
— Está bom; po<strong>de</strong>m ir.<br />
A <strong>de</strong>lação era grave e a censura foi-lhe proporcional, mas nem assim alter<strong>ou</strong><br />
o bom humor em que fic<strong>ou</strong> o feitor <strong>de</strong>pois da consulta ao astucioso violeiro.<br />
Sentado à soleira da porta, c<strong>ou</strong>sa que não fazia havia tempo, Manuel João<br />
pôs-se a tocar viola, cantarolando quadras amorosas, até que veio interrompê-lo o<br />
moleque Carlos, que lhe trazia a ceia.<br />
— Olé, exclam<strong>ou</strong> o moleque, seu Manuel João está adivinhando passarinho<br />
ver<strong>de</strong>.<br />
— Mais respeito, seu vadio, nós não somos da mesma igualha.<br />
— Já est<strong>ou</strong> na moita, meu branco, disse o moleque e já se fazia <strong>de</strong> volta,<br />
quando o feitor agarrando-o por um braço inquiriu-lhe sobre novida<strong>de</strong>s.<br />
— Tudo velho, respon<strong>de</strong>u Carlos, hoje é que eu hei <strong>de</strong> ver c<strong>ou</strong>sa nova.<br />
— Boa <strong>ou</strong> ruim?<br />
— Eu quero ver para acreditar; tia Balbina diz que viu lá na baixada, quando<br />
foi procurar uma erva para Carolina...<br />
Pelas palavras <strong>de</strong> Sebastião, ditas em segredo, e a última resposta do<br />
Viana, o feitor suspeit<strong>ou</strong> qual seria a visão da Balbina, e como não lhe conviesse<br />
que o segredo fosse aos <strong>ou</strong>vidos do amo, trat<strong>ou</strong> <strong>de</strong> dissuadir o moleque.<br />
— Balbina é uma tonta, disse ele, po<strong>de</strong> ser peta e você per<strong>de</strong> o tempo.<br />
— Qual peta, seu Manuel, ela diz que viu uma das filhas <strong>de</strong> seu Chico entrar.<br />
— É que ela estava passeando.<br />
— De noite? Sozinha? Al! Que seu Manuel João é o meco, atinei!...<br />
— Mau, mau! Faça ponto na graça, e já lhe digo que estas c<strong>ou</strong>sas não são<br />
da sua conta.<br />
— Mas foi vosmecê quem me mand<strong>ou</strong> que espiasse...<br />
— Mas é então o senhor? Interrompeu o feitor sobressaltado.<br />
— Qual senhor, nem meio senhor; pobre do velho.<br />
— Está bom, Carlos, você está se adiantando <strong>de</strong>mais; fica o dito por não dito.<br />
Carlos nada respon<strong>de</strong>u, mas ao sair pass<strong>ou</strong> a mão pela cara e <strong>de</strong>pois<br />
agit<strong>ou</strong>-a brandamente no ar, voltando-lhe a palma para a casa do feitor.<br />
É o sinal <strong>de</strong> que se servem os roceiros para dizer que vão tirar <strong>de</strong>sforço da<br />
ofensa que lhe foi feita.<br />
Simples mímica da vingança, ela é muitas vezes o começo <strong>de</strong> uma<br />
complicada trança <strong>de</strong> ardis, cada qual o mais temível, até chegar muitas vezes a um<br />
<strong>de</strong>senlace fatal.<br />
Manuel João fic<strong>ou</strong> visivelmente preocupado com as palavras do moleque;<br />
tinha certeza <strong>de</strong> que à comunicação <strong>de</strong>ste fato a <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que sabia da sua<br />
amiza<strong>de</strong> com a família do agregado e podia dar-lhe a autoria, seguiria como<br />
conseqüência a perda da feitoria, já iminente.<br />
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