Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
Era a hora serena do crepúsculo, hora em que as sombras inva<strong>de</strong>m o céu e<br />
as consciências, em que surgem as estrelas e os salteadores dos seus escon<strong>de</strong>rijos;<br />
em que o firmamento começa a inundar-se <strong>de</strong> luar; e os viajantes a mergulharem-se<br />
no temor das emboscadas; em que a poesia <strong>de</strong>sdobra-se em quimeras e o crime<br />
espraia-se em torpezas.<br />
Manuel João entrara pela pequena canoa que estava no porto, e Viana já a<br />
havia <strong>de</strong>samarrado <strong>de</strong> uma estaca, quando <strong>ou</strong>viram o prolongado oh! Com que os<br />
canoeiros anunciam a sua aproximação <strong>de</strong> alguma casa conhecida.<br />
— Ouve; é ele, disseram os dois ao mesmo tempo.<br />
Passado algum tempo, toda a confusão que porventura pu<strong>de</strong>sse haver<br />
<strong>de</strong>sapareceu. A voz sonora e agradável do violeiro, repassada da suave melancolia<br />
das músicas sertanejas, ergueu estas estrofes prediletas:<br />
Quando chega a primavera<br />
Abre-se a árvore em flores;<br />
Quando chega a mocida<strong>de</strong><br />
Veste-se o peito <strong>de</strong> amores.<br />
Pois que amar é sorte nossa<br />
Quero pagar meu quinhão;<br />
Não d<strong>ou</strong> <strong>ou</strong>ro à minha bela<br />
Mas lhe entrego um coração.<br />
A proa da canoa, bordada pelas ondas espumantes que abria e levantava no<br />
rio, apareceu na curva da corrente, e <strong>ou</strong>viu-se o estalo forte da pá do remo batendo<br />
em cheio na superfície das águas.<br />
— Olé, brad<strong>ou</strong> o violeiro; o fra<strong>de</strong> saiu hoje do seu convento, vem dar notícia<br />
do batizado.<br />
— Qual, respon<strong>de</strong>u o ven<strong>de</strong>iro; está bravo como um cão danado.<br />
Manuel João nada disse.<br />
O canoeiro <strong>de</strong>sembarc<strong>ou</strong>, assoviando, e foi reunir-se aos dois.<br />
— Então que novida<strong>de</strong>s há no beco, seu Manuel João; melhor cara tenha o<br />
dia <strong>de</strong> amanhã.<br />
— Sabe que mais, Sebastião; você veja o que faz, respon<strong>de</strong>u o feitor; eu já<br />
não posso mais; eu est<strong>ou</strong>ro; certo?<br />
— Credo, isto agora é que não é do trato. Ó seu Viana; este bicho está<br />
certo?<br />
— Não é graça, não; aqui anda c<strong>ou</strong>sa; vamos ao caso, Manuel João.<br />
O ven<strong>de</strong>iro via talvez pelos ares a sua vendola e queria o mais brevemente<br />
possível saber o que <strong>de</strong>via fazer.<br />
Foi prontamente satisfeito, porque o feitor começ<strong>ou</strong> a narrar a conversa que<br />
<strong>ou</strong>vira aos dois compadres, e concluiu dizendo:<br />
— Olhe, seu Sebastião, eu saio dali, mas v<strong>ou</strong> para a ca<strong>de</strong>ia, porque eu tiro a<br />
vida ao patife do capitão.<br />
52