Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
A inocência con<strong>de</strong>nada parecia pedir à dor as mais aguçadas puas para com<br />
elas bronquear asselvajadamente o organismo enfraquecido da cri<strong>ou</strong>la.<br />
Não havia abonançar-lhe o sofrimento: o dia inteiro pass<strong>ou</strong>-o ela <strong>de</strong>batendose<br />
em ânsias dolorosas bem semelhantes às da agonia <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira.<br />
Os remédios, como se fossem uma injeção cáustica, longe <strong>de</strong> acalmaremlhe,<br />
exacerbavam-lhe as dores.<br />
Era o cadáver da vingança galvanizado por pa<strong>de</strong>cimentos horríveis, <strong>ou</strong><br />
melhor, pela eletricida<strong>de</strong> da dor. Ora quedava inerte, quase álgida, com a respiração<br />
imperceptível, inundada em suor viscoso; ora levantava-se sobre os punhos, com a<br />
cabeça pen<strong>de</strong>nte, o corpo <strong>de</strong>screvendo sobre o leito um ângulo obtuso, e,<br />
arquejante, prorrompia em gemidos agudos, compungentes.<br />
Era o prenúncio do ataque assustador, medonho, com as contorções da<br />
serpente, e as unhadas do jaguar; com o ganido dos cães leprosos, e o ranger <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntes dos con<strong>de</strong>nados eternos.<br />
Qual fosse a moléstia ninguém estava habilitado a diagnosticar; inclinavamse<br />
todos a uma idéia — o feitiço.<br />
— Carolina amanheceu boa, diziam; alegre, como sempre and<strong>ou</strong>, febres não<br />
eram, porque não teve os calafrios das sezões, andaço na localida<strong>de</strong>; não tinha<br />
nenhuma chaga; não era pleuris porque não se queixava <strong>de</strong> dor no peito; logo era<br />
feitiço.<br />
Todos involuntariamente lembraram-se da tia Balbina, sem todavia atribuirlhe<br />
maus intentos para com a cri<strong>ou</strong>la, que nunca foi por ela maltratada; mas ao<br />
contrário sempre querida.<br />
— Talvez a Balbina conheça, dizia a dona da casa; o melhor é mandá-la vir,<br />
não é, <strong>Motta</strong>?<br />
Depois <strong>de</strong> relutar, não só quanto às gerais manifestações sobre a moléstia,<br />
mas ainda quanto à vinda da Balbina, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> ce<strong>de</strong>u afinal, e a feiticeira<br />
tranc<strong>ou</strong>-se sozinha no quarto com a doente.<br />
Sentada à borda do leito, esper<strong>ou</strong> tranqüilamente a ocasião oportuna para<br />
falar-lhe.<br />
Ninguém que a visse aí po<strong>de</strong>ria suspeitar que a feiticeira contemplava a sua<br />
obra sombria <strong>de</strong> vingança; estava serena, nada <strong>de</strong>nunciava sequer um traço <strong>de</strong><br />
remorso.<br />
Quando lhe pareceu chegado o momento <strong>de</strong> falar, começ<strong>ou</strong>:<br />
— Carolina vai sair daqui e vai contar a sua senhora porque é que a cri<strong>ou</strong>la<br />
está doente. Mas não diz que tom<strong>ou</strong> remédio da tia Balbina; conta <strong>ou</strong>tra c<strong>ou</strong>sa.<br />
A cri<strong>ou</strong>la fez com a cabeça um sinal afirmativo.<br />
— Carolina está sofrendo, mas o pai do seu filho há <strong>de</strong> sofrer também. Tia<br />
Balbina há <strong>de</strong> vingar a cri<strong>ou</strong>la.<br />
A feiticeira saiu e revel<strong>ou</strong> à senhora a moléstia <strong>de</strong> Carolina: era um aborto.<br />
Infelizmente este conhecimento nada aproveit<strong>ou</strong> à tranqüilida<strong>de</strong> da família;<br />
malograram-se todas as esperanças <strong>de</strong> melhoras, e alta noite creram todos que a<br />
doente não amanheceria.<br />
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