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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Todos olharam para a feiticeira. Balbina, p<strong>ou</strong>sado o queixo na mão e<br />

apoiado o cotovelo no joelho, olhava distraída para o céu. A sua ração estava intacta<br />

diante <strong>de</strong> si.<br />

Sabiam todos que semelhante posição correspondia sempre às gran<strong>de</strong>s<br />

dores <strong>ou</strong> preocupações da cabinda, e por isso perguntaram em coro:<br />

— O que é que tem, tia Balbina?<br />

— Não é nada, crianças. Est<strong>ou</strong> imaginando na minha vida.<br />

— Qual; vosmecê tem alguma c<strong>ou</strong>sa.<br />

— Para não falar mentira, estava imaginando <strong>ou</strong>tra c<strong>ou</strong>sa. Carolina está<br />

muito doente ...<br />

— É verda<strong>de</strong>, parece c<strong>ou</strong>sa posta; que moléstia tão ruim! Disse Fidélis.<br />

— É verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>u o coro.<br />

— Carolina está para morrer porque está com um filho <strong>de</strong> Manuel João, que<br />

anda agora às voltas com a filha do agregado. A cri<strong>ou</strong>la tem sangue <strong>de</strong> cobra, fic<strong>ou</strong><br />

tinindo quando s<strong>ou</strong>be. Depois lembr<strong>ou</strong> que o filho há <strong>de</strong> ser escravo; nasce para o<br />

chicote e para o eito. Não quer mais que o filho abra os olhos, coitada! Ela po<strong>de</strong> ir-se<br />

embora também, se Balbina não for salvar a cri<strong>ou</strong>la <strong>de</strong> seu senhor.<br />

— Antes morra, se há <strong>de</strong> ficar boa para sofrer.<br />

— Que tem que ela sofra? Nós vamos sofrer, e ela é nossa parceira. O<br />

agregado vai ser feitor; senhor disse, Fidélis <strong>ou</strong>viu. Homem mau, seu Chico, homem<br />

mau aquele! Enche a boca <strong>de</strong> negro cativo; hoje ele não é ainda feitor, mas diz: —<br />

v<strong>ou</strong> falar com o meu compadre para mandar meter o chicote no negro. A feitoria vai<br />

para seu Chico, <strong>ou</strong> Manuel João fica mais bravo para nós. De hoje em diante<br />

nenhum me passa daqui (a preta assinalava com o <strong>de</strong>do o pescoço); tão bom como<br />

tão bom. Fidélis podia bem livrar a gente; senhor fala com ele. Era dizer: Manuel<br />

João não está mais na roça uma hora inteira; Chico Benedito furta as roças <strong>de</strong><br />

senhor. O macota bufava, e a gente estava livre.<br />

— Isto é que é falar certo, exclam<strong>ou</strong> Peregrino, um dos pretos do grupo.<br />

— É verda<strong>de</strong>.<br />

— Eu sei lá; vocês <strong>de</strong>pois dizem a senhor que Fidélis é que não gosta dos<br />

dois.<br />

— Nós? ...<br />

— Quem é que vai dizer aí? Interveio tia Balbina; céu está vendo nós; on<strong>de</strong><br />

vai quem disser? O gaio quando canta é vida para o que faz bem e morte para o que<br />

faz mal; tia Balbina enten<strong>de</strong> o canto do galo. On<strong>de</strong> vai Fidélis? Vai salvar os<br />

escravos do macota; é bem para todos. On<strong>de</strong> vai quem falar contra Fidélis? Vai<br />

per<strong>de</strong>r seus parceiros; é mal para todos.<br />

Balbina adivinha; o céu vê; Zambi castiga. E está muito direito.<br />

— Pois, diabos me levem! No primeiro jeito eu arrumo a cama para os dois.<br />

Teve toda a razão a dissimulada Balbina quando consi<strong>de</strong>r<strong>ou</strong> gravíssima a<br />

enfermida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carolina.<br />

Atentando contra a vida do filho, conforme o expediente aconselhado pela<br />

feiticeira, pôs em risco a própria vida.<br />

Dir-se-ia a revolta da natureza indignada contra a <strong>de</strong>generação dos<br />

sentimentos da mulher, que <strong>de</strong>u <strong>de</strong> mão aos sonhos maternais, mundos róseos e<br />

brilhantes, on<strong>de</strong> branqueiam asas <strong>de</strong> arcanjos através <strong>de</strong> irradiações <strong>de</strong> amor.<br />

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