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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Andava para lá e para cá; aqui estendia um sinapismo, ali pisava no<br />

almofariz umas sementes. Gritava por uma escrava para que tr<strong>ou</strong>xesse a água<br />

quente para o escalda-pés, e a <strong>ou</strong>tra que fechasse a janela para não entrar o ar. Era<br />

uma dobad<strong>ou</strong>ra.<br />

No meio da inopinada tarefa, a boa da senhora não per<strong>de</strong>ra o tino<br />

administrativo <strong>de</strong> que era dotada; harmoniz<strong>ou</strong> logo os cuidados à enferma com os<br />

cuidados diários da casa.<br />

Disse a Manuel João que não voltasse para o serviço antes <strong>de</strong> almoçar,<br />

porque assim p<strong>ou</strong>pava-se o trabalho <strong>de</strong> arrumar o seu almoço entre o dos pretos.<br />

A um dos escravos que vieram, o preto Domingos, or<strong>de</strong>n<strong>ou</strong> que esperasse<br />

um p<strong>ou</strong>co para levar o cesto do almoço da gente e <strong>de</strong>spach<strong>ou</strong> os <strong>ou</strong>tros para a roça.<br />

Graças a tanta habilida<strong>de</strong> e sangue frio, os trabalhos domésticos retomaram<br />

todos a sua marcha habitual, e logo foi aviado o preto Domingos.<br />

Ágil e expedito, e ainda mais acossado pelo apetite, o africano cheg<strong>ou</strong><br />

prontamente à roça e cham<strong>ou</strong> os seus companheiros para a refeição.<br />

Era um caráter nobre o do preto Domingos. A resignação tomava-lhe<br />

simpático o rosto chato e feio. Amadureceram-lhe os anos e até certo ponto a<br />

própria severida<strong>de</strong> do seu senhor o instinto da obediência. Tinha a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do cão,<br />

e a passivida<strong>de</strong> da besta <strong>de</strong> sela. Investia contra os que atacavam a casa gran<strong>de</strong> e<br />

os brancos, e resfolegava e recuava diante do abismo <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong> dos seus<br />

parceiros, que muitas vezes tinha-se-lhe aberto diante, atraindo-o com sugestões<br />

iníquas.<br />

Depois <strong>de</strong> tirado o eito, os escravos com as enxadas ao ombro dirigiram-se<br />

para o aceiro, on<strong>de</strong> sentaram-se, <strong>de</strong>pondo os instrumentos <strong>de</strong> trabalho.<br />

Domingos distribuiu por eles as diversas cuias, on<strong>de</strong> uns pequenos quinhões<br />

<strong>de</strong> carne-seca assada sobressaíam da alvura do pirão <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong> mandioca.<br />

Feito isto, o preto, honesto e discreto, afast<strong>ou</strong>-se do grupo e foi sentar-se<br />

distante sobre um largo toco à sombra <strong>de</strong> uma laranjeira.<br />

O acaso fez com que no centro do grupo ficasse a tia Balbina, que<br />

modificara os trajes em que vimo-la na sua senzala apenas em trazer hoje uma saia<br />

<strong>de</strong> zuarte.<br />

Acompanhando com os olhos o preto que se retirava, a feiticeira provoc<strong>ou</strong> a<br />

hilarida<strong>de</strong> dos parceiros dizendo:<br />

— Bem faz Domingos, foge dos maus escravos para não per<strong>de</strong>r a carta <strong>de</strong><br />

forraria.<br />

— O nome <strong>de</strong>le está sempre na boca da senhora; exclam<strong>ou</strong> Fidélis,<br />

chasqueando.<br />

Todos começaram a comer com o sadio apetite <strong>de</strong> homens <strong>de</strong> trabalho.<br />

Alguns juntavam à refeição da casa as iguarias que prepararam <strong>de</strong> véspera, e as<br />

ofereciam fraternalmente aos <strong>ou</strong>tros.<br />

— Quer um pedaço <strong>de</strong>ste gambá ensopado, tia Balbina?<br />

Peregrino, o parceiro que fez a pergunta, acompanh<strong>ou</strong> com os olhos a<br />

interrogação, e exclam<strong>ou</strong> em seguimento a esta:<br />

— Ué, o que é que tia Balbina tem, gente?<br />

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