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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Pois olhe, ele que se divirta, aquele velho sem-vergonha; racho-o <strong>de</strong> meio<br />

a meio, faço-o voar na boca <strong>de</strong> um bacamarte, o traste. Quem o vê; se ela tem juízo,<br />

<strong>ou</strong> não, que lhe importa? Não é filha <strong>de</strong>le...<br />

— Mas não é por mal, seu Manuel João, é porque as <strong>ou</strong>tras são faíscas.<br />

— E ela é a mais tola e por isso ele vai-se chegando para ela, mas Deus o<br />

livre, eu não s<strong>ou</strong> <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira...<br />

— Po<strong>de</strong> ser! ...<br />

— Você me espie o sujeito, Carlos; qualquer c<strong>ou</strong>sa que veja, venha ter<br />

comigo; <strong>de</strong>ixe estar que não per<strong>de</strong> o tempo.<br />

— Deixe por minha conta!<br />

O moleque dirigiu-se à porta, abriu-a e saiu; Manuel João sent<strong>ou</strong>-se à mesa<br />

e começ<strong>ou</strong> a tomar café.<br />

Carlos havia <strong>de</strong> estar chegando à casa gran<strong>de</strong>, quando um <strong>ou</strong>tro interlocutor<br />

veio substituí-lo junto ao feitor.<br />

Era uma cri<strong>ou</strong>la <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis para <strong>de</strong>zessete anos, exalando sensualida<strong>de</strong><br />

dos olhares maliciosos e através do crivo da camisa branca.<br />

Des<strong>de</strong> que Manuel João empregara-se como feitor no sítio <strong>de</strong> <strong>Motta</strong><br />

<strong>Coqueiro</strong>, íntimas relações foram travadas entre eles. Separados durante o dia em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas posições, ela — escrava do eito e ele — feitor, reuniam-se à noite na<br />

igualda<strong>de</strong> do amor, e ceavam juntos entre risos e carícias.<br />

Ninguém suspeitava sequer esta aliança: a cri<strong>ou</strong>la morava na primeira<br />

senzala, e para entrar na casa do feitor bastava dar alguns passos.<br />

O moleque que trazia a ceia para Manuel João, com o seu grito à porta do<br />

feitor, advertia a cri<strong>ou</strong>la <strong>de</strong> que eram horas <strong>de</strong> reunir-se ao seu amante. Ficava<br />

então à espreita e logo que este se retirava, fazia ela a sua entrada.<br />

Quando o senhor não estava no sítio ainda mais fácil tornava-se a reunião. A<br />

parceira incumbida <strong>de</strong> aprontar a comida mandava pela amante o tabuleirinho da<br />

ceia do feitor.<br />

Na noite em que nos achamos a rapariga pôs-se à espreita do moleque,<br />

segundo o hábito, e surpreendida da <strong>de</strong>mora, veio pé ante pé encostar o <strong>ou</strong>vido à<br />

porta para <strong>ou</strong>vir, e <strong>de</strong> vez em quando espiava pela fechadura para ver o que se<br />

passava.<br />

A principio foi-lhe impossível formar um sentido com as p<strong>ou</strong>cas palavras<br />

soltas, que excediam o diapasão do diálogo à meia voz; mas persistindo na<br />

sentinela, pô<strong>de</strong> para o fim saber ao certo do que se tratava.<br />

Contendo o primeiro ímpeto, a cri<strong>ou</strong>la manteve-se no seu posto até que o<br />

moleque saiu. De um pulo, coloc<strong>ou</strong>-se no vão entre a sua senzala e a casa do feitor,<br />

para logo voltar à entrevista <strong>de</strong> todas as noites.<br />

Ao entrar fech<strong>ou</strong> a porta sobre si, e foi como <strong>de</strong> costume assentar-se no<br />

mesmo banco ao lado do feitor. Este, porém, recebeu-a friamente, sem levar-lhe à<br />

boca a xícara para dividir com ela o café que tomava.<br />

— Que é isso, o que é que lhe fez a sua Carolina? Pergunt<strong>ou</strong> ternamente a<br />

dissimulada cri<strong>ou</strong>la.<br />

— Est<strong>ou</strong> doente hoje, respon<strong>de</strong>u secamente o feitor.<br />

— Se é quebranto, eu sei rezar. Eu curo-o hoje e <strong>de</strong> hoje em diante<br />

vosmecê traga no pescoço uma figuinha para livrar <strong>de</strong> mau-olhado.<br />

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