Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Po<strong>de</strong> ir, continu<strong>ou</strong> o <strong>de</strong>sapiedado; ele po<strong>de</strong> sentir falta e vir procurá-la, eu<br />
s<strong>ou</strong> quem já se vai.<br />
E foi se pendurando novamente na borda do escon<strong>de</strong>rijo, e <strong>de</strong>ixando-se<br />
escorregar pela grama.<br />
Como se fosse vítima <strong>de</strong> uma alucinação inopinada, a atemorizada<br />
Chiquinha <strong>de</strong>it<strong>ou</strong> a correr pela encosta em direção ao escon<strong>de</strong>rijo, e aí, soluçando,<br />
lanç<strong>ou</strong>-se nos braços do violeiro. Afluíam-lhe as <strong>de</strong>sculpas.<br />
— É mentira; é mentira; eu não. O moleque Carlos bem viu, nem seu capitão<br />
disse nada. Que falsida<strong>de</strong>, meu Deus!<br />
— Pois então, por que você me fez ficar zangado? Olha que eu s<strong>ou</strong> capaz<br />
<strong>de</strong> esfaquear um diabo por sua causa; seja seu pai, seja quem for. Que quer? Eu<br />
estimo tanto você; raios me partam se assim não é; parece feitiço.<br />
Entontecida pela revelação calorosa da paixão do seu amante, e ao mesmo<br />
tempo traspassada <strong>de</strong> susto, Chiquinha não <strong>de</strong>sviava a face dos lábios, nem tentava<br />
fugir dos braços <strong>de</strong> Sebastião.<br />
A sua voz fraca, como se tentasse não ser <strong>ou</strong>vida pela própria moça,<br />
murmurava maquinalmente <strong>de</strong>sculpas para acomodar o amante, enquanto este,<br />
dando asas à sedução, inundava-a <strong>de</strong> frases namoradas.<br />
A esta sobreexcitação, seguiu-se um profundo silêncio; <strong>de</strong>pois saíram<br />
silenciosos, e caminharam para o casarão, em cuja porta trocaram-se a<strong>de</strong>uses em<br />
voz sumida.<br />
CAPÍTULO III<br />
CADA UM EM SEU POSTO<br />
O suspeitoso Manuel João concebeu a respeito da <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> Chiquinha e<br />
do capitão na colheita das limas a mesma idéia, que atravess<strong>ou</strong> a lúbrica<br />
imaginação do violeiro e ocasion<strong>ou</strong> a entrevista na baixada.<br />
Era seu <strong>de</strong>ver tirar a limpo a verda<strong>de</strong>, impunha-lho o juramento que. havia<br />
p<strong>ou</strong>cas horas, empenhara num pacto <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> inquebrantável, e, tanto como<br />
o juramento, o próprio conceito que levedava-lhe a paixão no mais azedo ciúme.<br />
A <strong>de</strong>sconfiança, esse feio <strong>ou</strong>riço que se nos revolve interiormente,<br />
espetando-nos nas suas minadas <strong>de</strong> espinhos a alegria, a boa fé, a benevolência e<br />
a tranqüilida<strong>de</strong>, sangrava-o no mais íntimo, no mais sagrado do seu afeto.<br />
Na conspiração horripilante, mas sem eco, célere nos movimentos<br />
<strong>de</strong>vastadores, mas silenciosos, o hediondo monstro moral, com as secreções<br />
purulentas como o vômito do tísico, manchava quanto o amor podia fantasiar mais<br />
estreme, e a <strong>de</strong>dicação requintar mais esplêndido.<br />
On<strong>de</strong> estava um brocado superpunha um andrajo; on<strong>de</strong> clareava um fanal<br />
urdia uma emboscada; on<strong>de</strong> brilhava um raio <strong>de</strong> luar estendia um bulcão; e, em<br />
vendo vicejar uma flor, lembrava cavilosamente a das ninféias que se nutrem das<br />
águas pútridas dos brejos.<br />
Contrastado pela suspeita, o feitor via no lhano entregar-se <strong>de</strong> Mariquinhas,<br />
não uma prova da bonda<strong>de</strong> daquele coração ingênuo, mas a cilada in<strong>de</strong>corosa da<br />
mulher <strong>de</strong>caída, que planeja a reabilitação na profusão dos afagos.<br />
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