Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
E longo tempo persistiam os cantores rociando <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>ntes galanteios os<br />
corações agra<strong>de</strong>cidos das suas preferidas.<br />
Descuidos contristadores <strong>de</strong>ram, porém, ocasiões a separarem-se os pares<br />
prediletos. Pronta era, entretanto, a junção, porque à retirada dos cavalheiros<br />
seguia-se uma frieza visível nas damas; <strong>de</strong>sapareciam os a<strong>de</strong>manes graciosos, os<br />
requebros francos e as zumbaias lascivas e elegantes.<br />
Os intrometidos, <strong>de</strong>speitados pela súbita mudança, presto retiravam-se e se<br />
algum mais rusguento levava a imprudência até a fazer notar que percebera a má<br />
vonta<strong>de</strong> das moças, elas, acudindo à censura com o seu melhor sorriso, respondiam<br />
com aparente ingenuida<strong>de</strong>:<br />
— Credo! Que luxo; não quer que a gente fique cansada.<br />
Mas, em reaparecendo os dois, o cansaço extinguia-se milagrosamente; a<br />
frieza transformava-se em fogo, e a roda girava com tanto garbo, com tanta alegria<br />
que algumas das visitas, cobrando páreas à maledicência, resmungavam <strong>de</strong> mau<br />
humor:<br />
— São muito faiscas estas moças.<br />
Francisco Benedito havia-se aproximado do violeiro, e o alegre Sebastião,<br />
casando os ais da prima aos soluços do bordão, levant<strong>ou</strong> as <strong>de</strong>spedidas.<br />
Cess<strong>ou</strong> o rufar do adufe, o soar das palmas, e os pares separaram-se.<br />
Era a ceia que vinha sustar por algum tempo o folguedo, e dar azo a<br />
expansões que, mal contidas, ameaçaram irromper inconvenientemente durante as<br />
alegres danças.<br />
Todas as damas e cavalheiros retiraram-se, precedidos por Francisco<br />
Benedito, que não muito em linha reta, alumiava-os com um dos can<strong>de</strong>eiros que<br />
esclareciam a sala.<br />
Só a travessa Antonica ficara, talvez maliciosamente, assentada a uma das<br />
caixas a pretexto <strong>de</strong> que não queria cear, e sim <strong>de</strong>scansar.<br />
A solicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Viana não podia resignar-se a mastigar o leitão da<br />
brinca<strong>de</strong>ira, quando Antonica, bonita como o diabo, conforme ele dizia, ficara lá na<br />
sala sozinha e quem sabe se amuada consigo.<br />
Assim pois, resolveu vir ter com ela acompanhado <strong>de</strong> um prato com as<br />
iguarias da mesa e um copo, o único que havia, até meio <strong>de</strong> vinho.<br />
Apresent<strong>ou</strong>-lhe o prato e o copo; a moça não quis servir-se, e pediu-lhe que<br />
a <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong>scansar.<br />
— Oh! Sá Antonica, eu fiz-lhe algum mal? Interrog<strong>ou</strong> Viana, <strong>ou</strong> s<strong>ou</strong> algum<br />
bicho que lhe meta medo?<br />
— Não é, não; mas eu não quero <strong>ou</strong>vir a boca do povo.<br />
— Qual história, si Antonica, eles <strong>de</strong> mim não falam, porque todos eles têm a<br />
barriga lá em casa.<br />
— Já sei, já, seu Viana; mas eu quero ficar sozinha aqui, <strong>ou</strong> então v<strong>ou</strong>-me<br />
embora. Que aborrecimento, home!<br />
— Está bom, eu v<strong>ou</strong>, si Antonica. Mesmo po<strong>de</strong> estar aqui alguém que vá<br />
contar a ele, e <strong>de</strong>pois...<br />
— Contar a quem, seu Viana? Não se dá esta? Te arrenego!<br />
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