Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
Balbina e Carolina, cujos <strong>de</strong>poimentos serviram <strong>de</strong> base à con<strong>de</strong>nação do<br />
fazen<strong>de</strong>iro, foram libertas pela generosida<strong>de</strong> popular, que não podia consentir em<br />
que os dois instrumentos tão úteis ao serviço da justiça fossem traiçoeiramente<br />
quebrados pela vingança dos parentes do ex-senhor das duas pretas.<br />
Balbina podia sorrir tranqüilamente; queria apenas vingar-se e conseguiu<br />
também a liberda<strong>de</strong>.<br />
Sebastião Pereira, o Viana da venda, Licério, Lúcio Ribeiro e as <strong>de</strong>mais<br />
testemunhas e atores da dolorosa tragédia <strong>de</strong>sfiavam materialmente os anos na<br />
apatia <strong>de</strong> consciência que é a maior felicida<strong>de</strong> da vida.<br />
Só um homem dos que tinham entrado no entrecho e <strong>de</strong>senlace da tragédia<br />
havia <strong>de</strong>saparecido. Era Manuel João, a testemunha que talvez mais acus<strong>ou</strong> e<br />
caluni<strong>ou</strong> o <strong>de</strong>sgraçado fazen<strong>de</strong>iro.<br />
Ninguém sabia novas <strong>de</strong>le e também ninguém as procurava.<br />
Onze anos tinham passado indiferentemente sobre a cova dos justiçados e<br />
sobre as dores da família <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que herdara à pobreza <strong>de</strong>. envolta com<br />
a difamação do nome do seu chefe.<br />
Onze anos chorados continuamente, por uma esposa, que se con<strong>de</strong>nava<br />
como culpada da perda <strong>de</strong> seu marido; onze anos repassados <strong>de</strong> vergonha para os<br />
filhos, que se viram obrigados até à repudiação do apelido paterno, serviam apenas<br />
para agravar dia por dia a situação da mísera consorte e ainda mais a dos<br />
lastimáveis <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do fazen<strong>de</strong>iro.<br />
Corria, portanto, o ano <strong>de</strong> 1866, undécimo primeiro da <strong>de</strong>safronta <strong>de</strong> Macaé<br />
e Campos.<br />
Um caboclo <strong>de</strong> raça, homem <strong>de</strong> estatura heróica, <strong>de</strong> compleição robusta,<br />
apareceu na vila <strong>de</strong> Itabapoana, pequeno centro povoado das fronteiras da província<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Apesar das maneiras humil<strong>de</strong>s e submissas, o recém-chegado não atraiu<br />
nenhumas simpatias no lugar, antes para a antipatia geral concorriam<br />
po<strong>de</strong>rosamente as feições do caboclo.<br />
O seu rosto pentagonal, <strong>de</strong> pomas carnudas e salientes, os beiços grossos,<br />
o nariz chato, e sobretudo os seus olhos que não se atreviam nunca a encarar, e só<br />
obliquavam uns olhares furtivos e maus, esse conjunto fisionômico induzia a<br />
população a guardar certa reserva para o espontâneo imigrante.<br />
Para explicar a repulsão que instintivamente sentia, a população dizia<br />
dissimulando os seus sentimentos.<br />
— Nada <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s com caboclos; são muito <strong>de</strong>sconfiados; nunca se sabe<br />
quando estão pelos pés <strong>ou</strong> pelas mãos, e foi um dia... Tem-se visto muita c<strong>ou</strong>sa.<br />
Uma circunstância atenu<strong>ou</strong> em breve tempo a indisposição geral contra o<br />
recém-chegado; é que em sua companhia andava um rapaz, que além da<br />
submissão natural da sua índole, iluminava o semblante com as irradiações <strong>de</strong> uma<br />
consciência limpa.<br />
Herculano, o velho caboclo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito que tinha em seu filho Marcolino a<br />
apresentação, que o recomendava às povoações on<strong>de</strong> esta<strong>de</strong>ava, por isso mesmo o<br />
velho caboclo estremecia o moço trabalhador.<br />
Itabapoana foi o lugar escolhido por Herculano para dar estabilida<strong>de</strong> à sua<br />
vida até então nômada.<br />
Como ao caminheiro da legenda cristã, havia palavras, nomes, que faziam<br />
com que Herculano tratasse imediatamente <strong>de</strong> retirar-se do lugar em que eles<br />
202