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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E que se lhes afigurava verem na região da paz infinita o Mártir Deus abrir<br />

os braços, e santificar com o seu olhar a execução do mártir das intrigas dê uns<br />

bandidos, da cólera <strong>de</strong> um selvagem, e da cegueira <strong>de</strong> uma população.<br />

A socieda<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>safrontada!<br />

Para as consciências dos magistrados e do povo era verda<strong>de</strong> inconcussa,<br />

ponto <strong>de</strong> dogma a culpabilida<strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> e dos seus companheiros <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stino.<br />

Quem <strong>ou</strong>sasse negar semelhante axioma correria o risco <strong>de</strong> ver-se<br />

apedrejado e apupado por uma chusma <strong>de</strong> retóricos, que zelavam com a mesma<br />

solicitu<strong>de</strong> as vítimas e os supostos algozes porque tiravam <strong>de</strong>ssa correlação muitos<br />

tropos <strong>de</strong> efeito, e muitos lances <strong>de</strong> estilo admiráveis.<br />

O povo crédulo tratava <strong>de</strong> continuar por lendas supersticiosas o engano fatal<br />

e a cegueira pertinaz que o levara a cometer uma infamante injustiça contra um<br />

homem que na medida <strong>de</strong> suas forças fora sempre seu <strong>de</strong>votado servidor.<br />

P<strong>ou</strong>co antes da complicação dos acontecimentos que tiveram por epílogo a<br />

tristeza, o isolamento e a mancha do patíbulo, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> começara a edificar<br />

um gran<strong>de</strong> prédio à margem do rio Ururaí.<br />

O edifício, abandonado em meio da construção, semelhava a uma gran<strong>de</strong><br />

ossada <strong>de</strong> pé no meio da mata.<br />

O local era misterioso e tristonho. Uma velha ponte, quase <strong>de</strong>smantelada,<br />

ficava-lhe ao lado, e o rio <strong>de</strong> águas ver<strong>de</strong>-negras espumava-lhe sem ruído às plantas.<br />

Por noites <strong>de</strong> luar a sombra do prédio vinha oscilar silenciosamente na face<br />

da correnteza, e quando o céu era sem lua, <strong>ou</strong> quando soprava mais forte o vento,<br />

via-se um vulto surgir imenso da escuridão, <strong>ou</strong> <strong>ou</strong>viam-se crebros sons que<br />

lembravam um coro <strong>de</strong> gemidos.<br />

Ninguém, portanto, aventurava-se a passar por ali em horas <strong>de</strong> silêncio e<br />

rep<strong>ou</strong>so; ninguém, porque era preciso ânimo inquebrantável para assistir ao<br />

espetáculo que todas as noites se representava naquele teatro escuro e não<br />

concorrido.<br />

Ouvia-se um gemido agudo, horripilante <strong>de</strong> produzir calafrios; em seguida<br />

um fantasma, cuja altura entestava com a cumeeira do prédio, surgia como um jorro<br />

das trevas subterrâneas.<br />

Como a sombra dos telhados pela superfície das pare<strong>de</strong>s, subia sem apoiarse,<br />

até ao teto do edifício, e aí abrindo os braços <strong>de</strong>scomunais tomava a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um blasfemo <strong>ou</strong> <strong>de</strong> um precito apostrofando o céu.<br />

Neste momento três <strong>ou</strong>tros fantasmas apareciam inopinadamente ao seu<br />

lado, e todos prorrompiam em gemidos e soluços assombradores.<br />

Quando as quatro larvas se congregavam, como se as folhas, se as gotas<br />

<strong>de</strong> orvalho, se as espumas do rio se convertessem repentinamente em fogos-fátuos,<br />

via-se uma aluvião <strong>de</strong>stes ondular, reunir-se, <strong>de</strong>sagregar-se, afundir-se, e levantarse<br />

enchendo a mata da clarida<strong>de</strong> ominosa do seu luzir.<br />

Após a inundação dos fogos-fátuos um clarão vermelho, como um ferro ao<br />

sair da forja, flamejava na escurida<strong>de</strong>, e os quatro fantasmas, acompanhados pelos<br />

fogaréus <strong>de</strong> baça clarida<strong>de</strong>, seguiam pelo cimo da floresta até per<strong>de</strong>ram-se no<br />

horizonte.<br />

Eram as almas con<strong>de</strong>nadas dos justiçados, que penavam misteriosamente<br />

na terra o seu crime sem nome.<br />

Enquanto a superstição arraigava <strong>de</strong>sta sorte a animadversão pública não já<br />

para <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, mas para a sua memória, os seus inimigos e o verda<strong>de</strong>iro<br />

assassino da família do agregado viviam tranqüilamente.<br />

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