Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Ambos, porém, acabaram pela resignação, e tiveram a serenida<strong>de</strong> heróica<br />
<strong>de</strong> encarar, caminhar e subir ao patíbulo, dando <strong>de</strong> esmola à atroz perseguição o<br />
perdão sincero dos seus espíritos calmos.<br />
Para <strong>de</strong>safogo do seu tormento <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> escreveu à sua família,<br />
noticiando-lhe o horroroso <strong>de</strong>sfecho da sua vida <strong>de</strong> probida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> respeito aos<br />
seus semelhantes. Depois <strong>de</strong> escrever correram-lhe as tardas lágrimas que <strong>de</strong>slizam<br />
das consciências imaculadas e <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong>-se avassalar pela horripilante catadura do<br />
túmulo.<br />
Igual serenida<strong>de</strong> não foi, porém, partilhada pelo <strong>de</strong>dicado enteado, para<br />
quem a iniqüida<strong>de</strong> da sentença era um grito <strong>de</strong> alarma aos justos sentimentos.<br />
Demais, vira nos escuros horizontes <strong>de</strong> sua família uma esperança<br />
consoladora. Como fecunda nebulosa apareceu nas trevas do seu viver uma petição<br />
das senhoras campistas a favor do sentenciado, e era <strong>de</strong> esperar que o po<strong>de</strong>r<br />
mo<strong>de</strong>rador aten<strong>de</strong>sse a tão espontânea manifestação popular.<br />
De repente a miragem da salvação <strong>de</strong>spenh<strong>ou</strong>-se e atuf<strong>ou</strong>-se no lodo da<br />
enxovia, em que a justiça prendia para enlamear o infeliz sentenciado, e em vez da<br />
esperança apareceu como um espectro a crua realida<strong>de</strong>.<br />
O coletor abriu trêmulo <strong>de</strong> comoção a carta que lhe era dirigida por seu<br />
padrasto, cuja letra fora trocada por uns sinais difíceis <strong>de</strong> serem entendidos.<br />
Leu-a a primeira vez e não convenceu-se <strong>de</strong> que tinha-a lido; releu-a,<br />
portanto, mas <strong>de</strong>sta vez em presença <strong>de</strong> sua mãe.<br />
"Tudo está acabado; não há mais possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir às mãos do<br />
carrasco; as minhas súplicas como que afeiam ainda mais a acusação que me<br />
fizeram, e tornam mais inexoráveis os meus juizes.<br />
Dize a tua mãe que se resigne â sorte que me foi prescrita e console-se; aos<br />
meus filhos repete-lhes que, na hora em que não havia mais uma esperança <strong>de</strong><br />
salvação para si, o seu pai dizia sempre que matavam-no por um crime que não<br />
cometeu. Para impedir-lhes a suspeita, pon<strong>de</strong>ra-lhes que não é fácil mentir-se diante<br />
da morte.<br />
Nunca, nunca digas-lhes a parte involuntária que tua mãe teve na minha<br />
perdição e no <strong>de</strong>stroço daquela família. A minha <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong>ve santificar este<br />
pedido.<br />
Quero igualmente que me façam uma <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira vonta<strong>de</strong>: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia<br />
quinze <strong>de</strong> agosto até o fim do mês man<strong>de</strong>m sempre celebrar missas por minha alma;<br />
que seja ao menos permitido ao sentenciado pensar na paz além-túmulo.<br />
A<strong>de</strong>us, meu bom amigo; abençoa por mim os meus infelizes filhos e abraça<br />
a tua mãe; a<strong>de</strong>us, até à eternida<strong>de</strong>!"<br />
A Sra. D. Maria, a quem os <strong>de</strong>sgostos tinham <strong>de</strong>pauperado<br />
extraordinariamente, <strong>ou</strong>viu imóvel a leitura compungente e fatal; a dor resignada,<br />
que <strong>de</strong> contínuo a trucidava, como que lhe havia anestesiado o coração e ela<br />
parecia já insensível a novos golpes.<br />
Enten<strong>de</strong>ndo mal o estado <strong>de</strong> sua mãe, o coletor pergunt<strong>ou</strong>-lhe, machucando<br />
entre as mãos o papel:<br />
— E a senhora o que diz a isto?<br />
— O que hei <strong>de</strong> dizer, meu filho: se a minha voz não tem forças para <strong>de</strong>sviar<br />
o golpe que nos <strong>de</strong>ve ferir?<br />
— Senhora, senhora, esta resposta é uma infâmia.<br />
— Meu Deus, soluç<strong>ou</strong> a aflita esposa, não quis eu por tantas vezes correr<br />
até os tribunais para acusar-me, e não fui contida por ti mesmo, meu filho?<br />
197