Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Nada, porém, é mais fácil do que asserenar a indignação do povo, o eterno<br />
leviano que aplau<strong>de</strong> <strong>ou</strong> insulta, vitoria <strong>ou</strong> calunia conforme os boatos e as intrigas,<br />
que o impressionam.<br />
Através da versão da seva asfixiação <strong>de</strong> Domingos pela ferocida<strong>de</strong> do<br />
carrasco, surgiu uma evasiva.<br />
— Então o que queriam que fizessem com um celerado como o assassino<br />
que morreu; que perdoassem e surtisse efeito a maquinação do senhor?<br />
— Quais histórias! Domingos profetiz<strong>ou</strong> o acontecimento.<br />
— Eu também profetizava se tivesse um senhor que tivesse dinheiro e<br />
amigos na Misericórdia, que é don<strong>de</strong> vêm as cordas para os enforcados. Com<br />
dinheiro e amigos tudo se arranja: até milagres.<br />
O povo julg<strong>ou</strong> razoável esta explicação, e quando se retir<strong>ou</strong> da praça levava<br />
mais satisfação do que pesar.<br />
O cadáver <strong>de</strong> Domingos foi entregue à polícia para ser sepultado, e os autos<br />
passados no mesmo dia ao Dr. Velho da Silva, juiz municipal, que os fez conclusos<br />
no dia cinco <strong>de</strong> julho ao juiz <strong>de</strong> direito.<br />
A socieda<strong>de</strong> começava a in<strong>de</strong>nizar a sua dívida com a família <strong>de</strong> Francisco<br />
Benedito.<br />
A cova aberta para o justiçado Domingos tinha dimensões para quatro<br />
cadáveres, e conservava-se hiante à espera <strong>de</strong> ser aterrada com <strong>de</strong>stroços<br />
humanos.<br />
A justiça, um mês <strong>de</strong>pois da execução do escravo, meteu mãos ao resto da<br />
obra da <strong>de</strong>safronta pública e os três <strong>ou</strong>tros réus foram notificados da sua morte<br />
próxima.<br />
Para Florentino e Faustino esse golpe nada teve <strong>de</strong> <strong>de</strong>scomunal; havia<br />
longos meses que, afazendo-se à atrocida<strong>de</strong> do seu <strong>de</strong>stino, esperavam todos os<br />
dias <strong>ou</strong>vir o ranger das portas do calab<strong>ou</strong>ço e logo <strong>de</strong>pois a intimação para seguirem<br />
até o lugar em que <strong>de</strong>viam ser supliciados.<br />
Florentino, perdido no dédalo <strong>de</strong> conjeturas limitadas a que podia chegar o<br />
seu raciocínio p<strong>ou</strong>co esclarecido, acabava por fundir em lágrimas o seu <strong>de</strong>sespero<br />
e, sem consolar-se, calava-se e ficava silencioso a contemplar a perspectiva do seu<br />
fadário.<br />
Faustino concretizava no coração revoltado as exalações da sua indignação,<br />
e rompendo bruscamente o silêncio, extenuava-se em cobrir <strong>de</strong> baldões a terra e <strong>de</strong><br />
blasfêmias o céu.<br />
Para o <strong>de</strong>sventurado fazen<strong>de</strong>iro o futuro era mais ameaçador e o presente<br />
mais cheio <strong>de</strong> torturas. O presente representava-lhe o abandono em que vegetava,<br />
sugando a existência das angústias e do <strong>de</strong>sconsolo, como a planta enfezada a<br />
seiva <strong>de</strong> um terreno maninho; no futuro antolhava-se-lhe o abandono três vezes<br />
mais cruel em que ficaria a sua família.<br />
Quando, em uma tranqüila manhã <strong>de</strong> agosto, foi-lhe dada a notícia <strong>de</strong> que<br />
embarcaria brevemente para Macaé, a fim <strong>de</strong> submeter-se à pena que lhe fora<br />
imposta pelo júri, o <strong>de</strong>sventurado sentiu fraquear-lhe a coragem que até então<br />
mantivera-lhe o sigilo sobre o nome do suposto culpado do morticínio.<br />
Se po<strong>de</strong> traçar paralelo a semelhante sofrimento, era como o do Cristo<br />
diante do cálix <strong>de</strong> amargura na tremenda noite do Horto.<br />
196