Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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No dia 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1855, o cortejo fúnebre da justiça recreava a<br />
expectação geral da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Macaé.<br />
Um dos réus do bárbaro assassinato da família <strong>de</strong> Francisco Benedito ia<br />
subir à forca.<br />
A vitima chorava e caminhava quase arrastada pelo carrasco e a população<br />
comentava <strong>de</strong>sapiedadamente este horror da morte.<br />
— Olha o negro, dizia-se; pensava que o dinheiro do senhor havia <strong>de</strong> livrálo,<br />
e por isso não chor<strong>ou</strong> quando mat<strong>ou</strong> a pobre família. Agora é que lhe correm as<br />
lágrimas.<br />
— Sabes? Ouvi ainda há p<strong>ou</strong>co e <strong>de</strong> pessoa muito séria uma c<strong>ou</strong>sa que<br />
está impressionando-me.<br />
— Então conta já essa novida<strong>de</strong>.<br />
— Dizem que o Domingos ao sair da ca<strong>de</strong>ia disse para o padre que, se ele<br />
não é inocente, a corda não rebentará, mas se ele é inocente a corda há <strong>de</strong><br />
arrebentar.<br />
Este boato circul<strong>ou</strong>, cresceu e domin<strong>ou</strong> logo todos os espectadores e na<br />
praça do Rossio, on<strong>de</strong> se erguia a forca, os lugares eram disputados com tanto<br />
interesse que muitas vezes h<strong>ou</strong>ve emprego <strong>de</strong> violência.<br />
Cheg<strong>ou</strong> a <strong>de</strong>sejada hora da execução. A ansieda<strong>de</strong> popular era febril e<br />
todos intimamente receavam assistir ao milagre profetizado pelo escravo.<br />
A irmanda<strong>de</strong> da Misericórdia coloc<strong>ou</strong>-se sob a forca em posição <strong>de</strong> ir em<br />
auxílio do con<strong>de</strong>nado, caso fosse protegido pela fortuna, e o carrasco ao Som do<br />
credo, rezado pela multidão, subiu ao seu posto.<br />
A escada foi logo retirada, o <strong>de</strong>sventurado fic<strong>ou</strong> suspenso pelo baraço, mas<br />
o seu corpo, impelido pelo carrasco, p<strong>ou</strong>co tempo oscil<strong>ou</strong> e foi logo cair no solo.<br />
A confusão foi imensa, todos corriam, impeliam-se, encontroavam-se<br />
freneticamente:<br />
— Está salvo, está salvo, este era inocente.<br />
A aglomeração não permitia que todos se pu<strong>de</strong>ssem aproximar do<br />
sentenciado, e <strong>de</strong>ntro em p<strong>ou</strong>co tempo a <strong>de</strong>sconsolação pintava-se em todos os<br />
semblantes.<br />
Fal<strong>ou</strong>-se a princípio em segredo, e com imensa precaução; em seguida as<br />
vozes foram elevando-se, elevando-se e <strong>ou</strong>viam-se em todos os grupos discussões<br />
calorosas.<br />
— É muito boa, dizia o Sr. Luís <strong>de</strong> S<strong>ou</strong>sa, caiu morto e muito bem morto.<br />
— Não está má a capa; todos nós vimos a corda arrebentar. O pobre<br />
Domingos! Bem dizia ele que era inocente.<br />
— Arrebentasse, <strong>ou</strong> não arrebentasse, a verda<strong>de</strong> é que ele caiu já morto.<br />
— Ora valha-o Deus, Sr. Luís <strong>de</strong> S<strong>ou</strong>sa, mais <strong>de</strong> cem pessoas estão prontas<br />
a jurar que Domingos caiu vivo, e que o carrasco pôs-lhe terra à boca para asfixiá-lo.<br />
— É falso.<br />
— Não é tal, exclam<strong>ou</strong> um novo interlocutor; eu vi com esses dois olhos que<br />
a terra há <strong>de</strong> comer. Barbarida<strong>de</strong> sem nome!<br />
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