Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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— E não será muito difícil que eles o <strong>de</strong>corem; é a Sra. D. Chiquinha, filha<br />
<strong>de</strong> Francisco Benedito.<br />
O efeito dramático produzido por estas palavras confundiu profundamente<br />
no primeiro lance ao inclemente recém-chegado. Esperava talvez ver o fazen<strong>de</strong>iro<br />
recuar espavorido diante da mulher, cujo nome e feições recordavam-lhe as vítimas<br />
que a maioria do povo julgava terem sido por ele barbaramente sacrificadas.<br />
Os movimentos do sentenciado contrastaram, porém, com a expectativa do<br />
<strong>de</strong>sumano preparador <strong>de</strong>sta cena, tanto mais cruel quanto era já irremediável a<br />
perdição <strong>de</strong> um ator.<br />
Esten<strong>de</strong>ndo os braços por entre a gra<strong>de</strong> e buscando abraçar a moça que se<br />
esquivava, disse <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>:<br />
Pobre Chiquinha, eu imagino o golpe que feriu-te o coração; pai, mãe,<br />
irmãos, todos os que eram mais caros a tua alma. Po<strong>de</strong>s bem avaliar o que são as<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgraças; e ter pieda<strong>de</strong> da minha sorte. Também a mim, Chiquinha,<br />
r<strong>ou</strong>bam-me os que mais estimo; a diferença é que para você há a pieda<strong>de</strong> geral, e<br />
para mim o ódio <strong>ou</strong> o <strong>de</strong>sprezo.<br />
— Sr. <strong>Coqueiro</strong>, exclam<strong>ou</strong> o recém-chegado, que tinha conseguido já<br />
dissipar a primeira impressão; eu nunca pensei que tivesse <strong>de</strong> assistir a semelhante<br />
esforço <strong>de</strong> dissimulação; quem tem o coração tão frio podia assassinar o mundo<br />
inteiro.<br />
A nobreza do fazen<strong>de</strong>iro torn<strong>ou</strong>-o invulnerável ao insulto venenoso, que lhe<br />
era dirigido pelo brutal visitante; a consciência abroquel<strong>ou</strong>-se-lhe com a dignida<strong>de</strong>, e<br />
o <strong>de</strong>sgraçado respon<strong>de</strong>u resignadamente.<br />
— Era, pois, mais uma tortura que me haviam preparado. Viram, porém, que<br />
eu não tremi; tão gran<strong>de</strong> é a frieza do meu coração.<br />
Cambaleando e soluçando o fazen<strong>de</strong>iro retir<strong>ou</strong>-se para o fundo da prisão,<br />
<strong>de</strong>ixando por algum tempo imóveis os indignos que conspiravam contra a sua<br />
paciência.<br />
Despeitado pelo malogro do seu plano, o cruel visitante convid<strong>ou</strong> aos seus<br />
companheiros para saírem, e só quando fora, <strong>ou</strong>vindo os soluços mal contidos <strong>de</strong><br />
Chiquinha, teve coragem <strong>de</strong> falar:<br />
— Malvado, mil vezes malvado; mil vidas que lhe fossem tiradas não<br />
<strong>de</strong>safrontariam a socieda<strong>de</strong>. É uma fera.<br />
— Não diga, não diga, seu d<strong>ou</strong>tor; ninguém viu as mortes, exclam<strong>ou</strong><br />
Chiquinha, e eu não posso acreditar.<br />
— Generoso coração, disse o d<strong>ou</strong>tor; como <strong>de</strong>via ser honrado O seu infeliz<br />
pai para educar uma filha tão piedosa!<br />
Após o grupo saiu o Sr. Seberg, que, só na volta, pô<strong>de</strong> conhecer uma das<br />
pessoas que <strong>de</strong>le faziam parte.<br />
A aflição do nobre espírito <strong>de</strong> Seberg crescia à medida que se passavam as<br />
horas; como que um remorso esmagador, insopitável, polvo invisível que lhe aplicava<br />
sobre o coração as suas insaciáveis ventosas, ia-lhe aos p<strong>ou</strong>cos haurindo a vida.<br />
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