Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, com a cabeça pendida e sem po<strong>de</strong>r conter as lágrimas,<br />
<strong>ou</strong>viu silencioso o veredicto tremendo que o perdia para sempre.<br />
De feito que palavras po<strong>de</strong>riam encarnar em si a amargura <strong>de</strong> um espírito<br />
que, certo da sua inocência, não tinha forças para impedir que a socieda<strong>de</strong>, em<br />
nome da justiça, lhe extorquisse tudo quanto mais prezava, a honra, a família e a<br />
vida?!<br />
O que havia ele <strong>de</strong> dizer a uma socieda<strong>de</strong> que execra a memória dos<br />
bárbaros porque <strong>de</strong>struíram os monumentos da arte antiga, e no entanto julga-se<br />
com o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir o seu semelhante, o monumento sagrado da natureza?<br />
Que palavras merecia uma socieda<strong>de</strong> que exara nos seus códigos como<br />
circunstância agravante a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forças do ofensor sobre o ofendido, e<br />
que no entanto aponta mil espingardas contra o peito do réu, algema-o, ata-lhe ao<br />
pescoço um baraço, e fá-lo subir ao cadafalso?<br />
Há dores para as quais não há manifestação possível; o coração humano<br />
limita-se apenas a senti-las, quando não é por ela espedaçado.<br />
Entre os agentes da força pública os dois réus saíram do tribunal, e com eles<br />
os espectadores, magistrado e jurados.<br />
A solidão sent<strong>ou</strong>-se então no meio da gran<strong>de</strong> sala ainda há p<strong>ou</strong>co povoada<br />
e estrondante <strong>de</strong> maldições. Havia ai a solenida<strong>de</strong> das ruínas dos gran<strong>de</strong>s templos<br />
da antigüida<strong>de</strong>, e na verda<strong>de</strong> acabava-se <strong>de</strong> esboroar um templo <strong>de</strong> sentimentos<br />
tranqüilos, erguido por um caráter <strong>de</strong> têmpera.<br />
À porta do edifício um homem, com os braços cruzados sobre o peito, os<br />
olhos fixos no solo, permaneceu imóvel enquanto a multidão <strong>de</strong>sfilava.<br />
Este homem tinha feito parte do conselho que acabava <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar á<br />
infâmia e á morte um dos chefes políticos <strong>de</strong> Campos, conhecido <strong>ou</strong>trora pela sua<br />
severida<strong>de</strong> e vida imaculada.<br />
Dir-se-ia que era uma estátua, <strong>ou</strong> uma aparição sobrenatural, tal era a<br />
pali<strong>de</strong>z <strong>de</strong> seu rosto, a expressão tristíssima do seu olhar.<br />
E a multidão, disten<strong>de</strong>ndo-se, dividindo-se, rare<strong>ou</strong> e sumiu-se ao longe, nas<br />
ruas e praças, e o homem sempre imóvel conservava-se como alheado do que se<br />
passava em torno <strong>de</strong> si.<br />
Um transeunte aproxim<strong>ou</strong>-se-lhe e disse-lhe jovialmente:<br />
— Ora muito bem; tomei um ótimo logro, saí correndo <strong>de</strong>' casa para <strong>ou</strong>vir a<br />
<strong>de</strong>cisão do júri e no entanto acho tudo concluído. Felizmente para mim encontro<br />
ainda o Sr. Seberg, que po<strong>de</strong> dar-me a notícia que <strong>de</strong>sejo. O senhor não fez parte<br />
do conselho'?<br />
Seberg não respon<strong>de</strong>u, nem mud<strong>ou</strong> <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>, pelo que o recém-chegado<br />
bateu-lhe <strong>de</strong> leve no ombro, e pergunt<strong>ou</strong> precipitadamente:<br />
— Dar-se-á o caso que absolvessem aquela fera'?<br />
— Não senhor; foi con<strong>de</strong>nado á morte, respon<strong>de</strong>u Seberg tristemente. Ah!<br />
Exclam<strong>ou</strong> o recém-chegado; eu logo vi que não havia nada a temer <strong>de</strong> um júri em<br />
que entrassem como juizes <strong>de</strong> fato homens iguais ao Sr. Seberg.<br />
— Diga antes que não há que fiar em tribunais on<strong>de</strong> entram para julgar<br />
homens que nem ao menos conhecem os processos.<br />
— Está me parecendo que h<strong>ou</strong>ve algum jurado que tent<strong>ou</strong> fazer tramóia.<br />
Vejo-o tão incomodado...<br />
190