Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Chegado à prisão, o fazen<strong>de</strong>iro que fora tão ru<strong>de</strong>mente ferido por um<br />
<strong>de</strong>sengano atroz, pediu que lhe <strong>de</strong>ixassem escrever à sua família.<br />
A magnanimida<strong>de</strong> da justiça aten<strong>de</strong>u-lhe o pedido e o <strong>de</strong>sventurado,<br />
molhando o papel com as lágrimas, escreveu quase ininteligivelmente:<br />
"Meu caro enteado. Acabo <strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado à morte. Sirva <strong>de</strong> pai a meus<br />
<strong>de</strong>sgraçados filhos."<br />
CAPÍTULO XIII<br />
A DESAFRONTA SOCIAL<br />
A notícia da con<strong>de</strong>nação do fazen<strong>de</strong>iro vo<strong>ou</strong> ruidosamente, levando consigo<br />
a satisfação e a confiança às consciências dos crédulos adoradores da justiça<br />
humana.<br />
Os nomes dos jurados eram repetidos por quase todos entre aplausos,<br />
congratulações e exageros ten<strong>de</strong>ntes a afearem ainda mais a reputação <strong>de</strong> <strong>Motta</strong><br />
<strong>Coqueiro</strong>.<br />
Nenhuma esperança restava pois ao infeliz, contra o qual a socieda<strong>de</strong><br />
obstinava-se a fechar os olhos para não ver uma só atenuante, que ao menos<br />
ameigasse a monstruosida<strong>de</strong> da pena.<br />
O cadafalso negrejava tremendo nas brumas do futuro, e era dia por dia<br />
arrastado pelos quatro esteios, e aproximado inexoravelmente das vistas do<br />
con<strong>de</strong>nado.<br />
Contrarieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sgostos corriam ao seu encontro, como temerosa<br />
matilha <strong>de</strong> cães hidrófobos, e atassalhavam-lhe com as presas envenenadas a<br />
proprieda<strong>de</strong> e os brios.<br />
Os credores e o fisco escancaravam as goelas enormes e não as fechavam<br />
sem terem engolido parte do trabalho do fazen<strong>de</strong>iro durante longos anos. Além disso<br />
o repetiam sempre estribilho hediondo da sua imaginária barbarida<strong>de</strong> contra a<br />
família do agregado.<br />
Tinha sido <strong>de</strong> novo transportado para a corte, e assim ficavam-lhe<br />
sobremaneira dificultadas as suas relações, quer com sua esposa e filhos, quer com<br />
seus amigos.<br />
Em troca dos carinhos e consolações que estes lhe ofereceriam, tinha<br />
apenas as palavras secas do carcereiro e os olhares repulsivos <strong>de</strong> todos que por<br />
acaso relanceavam-lhe o semblante.<br />
O infortúnio havia por fim afugentado os camaradas que <strong>ou</strong>trora o cercavam;<br />
afastaram-se todos, porque a convivência com os celerados é indicio <strong>de</strong> mau<br />
caráter.<br />
Como os lázaros, nos passados tempos, eram postos fora das portas das<br />
cida<strong>de</strong>s, o infeliz fora expulso <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>.<br />
Ficava-lhe do feliz e sorri<strong>de</strong>nte viver <strong>de</strong> quadra melhor apenas — a sauda<strong>de</strong>,<br />
palheta encantada que esbatia rica <strong>de</strong> colorido, frescos comoventes, em que eram<br />
representadas as crianças <strong>de</strong>scuidosas e prazenteiras, a esposa <strong>de</strong>svelada e<br />
tranqüila.<br />
Mas repentinamente o quadro <strong>de</strong>saparecia como a brancura <strong>de</strong> um velino<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um borrão, e o vulto negro e horripilante do cadafalso surgia <strong>de</strong>ntre<br />
esses festivos sonhos como a careta <strong>de</strong> Quasímodo entre a alegria dos eleitores do<br />
Sumo Doido.<br />
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