Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Ainda ontem sec<strong>ou</strong> a goela em vociferar contra o juiz municipal, por ter<br />
pronunciado <strong>Coqueiro</strong>, e hoje entra no conselho. Esta terra vai pela água abaixo.<br />
Felizmente para esses zelosos amigos da justiça, o <strong>de</strong>sgosto que os afetava<br />
era passageiro, porque a voz do promotor, com um acento severo, bradava logo: —<br />
recuso!<br />
H<strong>ou</strong>ve um momento <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira confusão na assembléia. Afetos e<br />
<strong>de</strong>safetos do réu não pronunciaram a princípio uma única palavra, mas <strong>de</strong> parte a<br />
parte <strong>de</strong>scobria-se profundo e sincero receio.<br />
A sorte or<strong>de</strong>n<strong>ou</strong> que fosse lido um nome, em torno do qual agremiavam-se<br />
justamente as simpatias gerais: — João Seberg.<br />
Um homem vestido <strong>de</strong> preto, alto, <strong>de</strong> compleição robusta, fronte <strong>de</strong>scalvada<br />
e olhar inteligente, ergueu-se <strong>de</strong> uma das ca<strong>de</strong>iras laterais, e fez <strong>ou</strong>vir com voz<br />
firme: — presente.<br />
Caminh<strong>ou</strong> direito à mesa e tom<strong>ou</strong> o lugar que lhe foi <strong>de</strong>signado.<br />
Finda a espécie <strong>de</strong> estupor, que domin<strong>ou</strong> a assembléia, principiaram os<br />
comentários:<br />
— É notório que se davam muito, e quando a fera vinha aqui a negócios,<br />
passavam horas e horas conversando e muitas vezes ao sol.<br />
— Isto não me incomoda, se ele enten<strong>de</strong>r que o homem é criminoso,<br />
con<strong>de</strong>na-o. Tivesse ele <strong>de</strong> julgar o próprio pai e se acreditasse que era criminoso,<br />
tenho certeza <strong>de</strong> que o con<strong>de</strong>nava.<br />
— Bem, acredito; mas o que é verda<strong>de</strong> é que um amigo olha sempre os atos<br />
dos <strong>ou</strong>tros com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o melhor lado.<br />
Organizado o conselho, a sessão começ<strong>ou</strong> a marchar no meio do maior<br />
silêncio.<br />
Foi lido o processo e em seguida feita a inquirição das testemunhas e dos<br />
réus.<br />
Seguiu-se a acusação cuidadosa <strong>de</strong> causar movimentos <strong>de</strong> indignação<br />
contra os réus, graças aos serviços conseguidos à benevolência da retórica enferma<br />
dos juristas.<br />
Quando já os adjetivos tropeçavam e retardavam-se <strong>de</strong> tão estafados, o<br />
promotor pintando o quadro <strong>de</strong> um pai aflito, uma velha mãe <strong>de</strong>sesperada, duas<br />
pobres moças ameaçadas duplamente na sua virginda<strong>de</strong> e vida, e finalmente três<br />
criancinhas acordadas <strong>de</strong> súbito, e abraçadas umas com as <strong>ou</strong>tras, trêmulas <strong>de</strong><br />
receio, enquanto lá fora, um moço, <strong>de</strong>sarmado e atacado <strong>de</strong> todos os lados, cala<br />
inundado em sangue, prece<strong>de</strong>ndo aos seus na longa viagem da morte <strong>de</strong>senhado<br />
assim com manifesto zelo e discriminação <strong>de</strong> planos e exuberância <strong>de</strong> tons este<br />
quadro comovente, o promotor em nome da humanida<strong>de</strong>, da civilização e da lei,<br />
pediu para os réus a pena <strong>de</strong> morte.<br />
A assembléia teria prorrompido em palmas e bravos se a campainha,<br />
tangida pelo magistrado, não tivesse a tempo sustado manifestação.<br />
<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> tinha envilecido e duas grossas lágrimas orvalhara-lhe<br />
preguiçosamente as faces.<br />
C<strong>ou</strong>be então a palavra ao advogado da <strong>de</strong>fesa.<br />
As suas primeiras palavras dominaram absolutamente o murmúrio das<br />
galerias, que foram a p<strong>ou</strong>co e p<strong>ou</strong>co abonançando até a comoção.<br />
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